Foto do blog: Mario Lamoglia
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terça-feira, 6 de março de 2012

Campo minado

Quem ousasse aproximar-se - palmos diante desse teu invisível jorro de escuro - veria mais que o tal oceano simétrico que insiste em fazer arder, numa insana teima recorrente de horizontes: 

(assim, prenhe de nãos, tua imagem exausta a lubrificar cuidadosa os vagos dias e auscultar silenciosa as dobradiças das noites infindas - a respiração entrecortada aguardando em profunda aceitação a lufada de ar puro que nunca vem) 

ninguém.

Quem chegasse muito perto - os pés tocando a margem desse teu profundo rio de entulhos - veria muito mais que as tais janelas cobertas de heras que insiste em abrir aos pares, numa obsessão descabida de quem rasga sóis com os dentes:

(assim, banhada de antigos véus, as ranhuras fundas a recenderem incontáveis medos, a loucura cega a te dilatar as veias secas, essa tua máquina muito gasta em ponto de eterna estafa, o labirinto fundo que te entontece e afoga nesse sem fim além)

mais,
ninguém.
Sylvia Araujo

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Deslembrança

Num desses dias de verão, sentindo na pele escorregadia o calor viscoso que subia do asfalto durante o susto da chuva inesperada, fiquei parada ali, na esquina da rua vazia, com um dos calcanhares apoiado na quina imunda do meio-fio, os cabelos encaracolados já meio esticados encharcando aos poucos, a blusa de algodão quase sem cor prestes a admitir uma transparência beirando a indecência e as lentes dos óculos acumulando, impassíveis, um monte de micro-gotículas arredondadas cor-de-chuva. 

Não me lembro muito bem porque estava parada exatamente ali, naquele lugar, mas sei que observei horas a fio, quase compulsivamente, as gotas pesadas e urgentes formarem poças enormes e se esparramarem em rios, do meio pros cantos do chão esburacado. É impressionante como a prefeitura não dá a mínima, mas disso a gente já sabe, pras crateras enormes que se formam e aumentam a cada dia mais aqui onde eu estou agora, que é onde eu estava quando chovia e de onde não me movi nem um passo desde então, sei lá onde isso fica ou de que maneira eu vim parar aqui. 

A questão é que, assim como a prefeitura, os donos dos carros de todas as cores e tamanhos e anos, com IPVA quitado ou não, não importa, também não dão a menor bola pros buracos, muito menos pra chuva, forte ou só aquela finíssima cortina incolor, que se foda, e eu me lembro como se fosse hoje, que nesse dia passavam quase voando, com a ansiedade própria de quem tem aonde chegar. Eles, comprovadamente, pode observar, têm mesmo muita pressa quando chove e, como sempre diz a minha mãe, quando a tempestade resolve dar o ar da sua graça, naquele dia chovia à cântaros. 

Eu estava vendo tudo, desde o início, e me mantive muito atenta aos carros, todos eles, que corriam como loucos carregando pra longe uma ou duas pessoas, às vezes três, que inevitavelmente embaçavam os vidros fechados com as suas respirações asfixiadas e quentes como o verão. As rodas, que ninguém via porque estavam afogadas em tanta água, nem eu, que estava ali alerta há tanto tempo que nem me lembro quanto tempo foi, abriam apressadas uma estrada no meio do rio do meio da rua e, quando sumiam na esquina alagada, deixavam pra trás um rastro de cor, no tom exato da lataria do carro, misturado com o tom dos meus olhos marejados, mais o tom da chuva branca às vezes quase-azul. 

Eu não sei te dizer no que eu estava pensando enquanto me mantinha parada ali. Na verdade, nem sei te dizer se estava pensando em alguma coisa, qualquer coisa de concreto, ou se simplesmente eu era só um vazio em pé, debaixo da chuva forte, misturando as minhas lágrimas salgadas àquela água adocicada que caía do céu, esmaecendo as lembranças, deixando de ser qualquer coisa que um dia eu já tivesse sido por mim ou por alguém. 

O fato é que fiquei ali, com o meu all star branco lentamente acinzentando pra combinar com o céu que era muito cinza, que era quase preto nesse dia estranho, observando e vivendo a chuva, o asfalto, os buracos, os carros, e eu te juro que não me resta nada além de uma vaga lembrança de que talvez, e eu digo talvez porque os fatos me faltam e só me restar imaginar os porquês de todo esse equívoco, aquele tenha sido o dia em que eu finalmente decidi que iria me esquecer de vez.

Sylvia Araujo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ruminante

Me faz falta dividir o silêncio com o teu não-dizer. O barulho das folhas virando, a fumaça dos cigarros dançando, o cheiro do café cor de piche - o baseado apertado, sempre à mão no cinzeiro. Caymmi ensolarando os dias chuvosos, Edu fazendo chover aqui dentro, os choros, os sambas, os jazz - você. Teu violão de cordas novas, tua voz liberta enchendo a casa, eu fingindo que nem via, pra deixar o teu momento inteiro - só pra te observar ser, comigo invisível ali. Aquela janela que adivinhava o azul do dia, enquanto a vontade de ficar estirada se espreguiçava no corpo exausto das tantas noites embaixo de ti. Eu esticava o olhar, de vez em quando, pra matar a saudade das horas seguidas em que a tua barba mal feita, tão linda, ficava sem roçar o meu corpo, enquando brilhava sob a nesga de sol. Você via? Eu só queria aquele quase-nada que era tanto, tanto!, que meu sorriso abria só de te ver dormir. Você roncava quando bebia demais. E falava sem parar, os olhos brilhando, as mãos bailarinas acompanhando de perto o raciocínio. A sua cara amarrotada, os seus montes de livros, o seu abraço apertado, as horas intermináveis em que dividíamos ideias e música. Eu era sua e você era o mundo. Não é fácil lembrar tudo isso, já faz um tempo que tento esquecer. Mas não deu. Porque muita coisa mudou depois de você. Porque descobri compartimentos aqui depois de nós dois. Porque você dividiu as minhas águas, foi o homem que eu sempre quis e se foi. E eu fiquei, latejando a poesia, a filosofia, a genialidade. E engoli tudo isso com um monte de saliva e lágrimas porque sei que assim, igualzinho assim, nunca mais aqui dentro de mim.

Sylvia Araujo

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


Eu só sei saber o que não se sabe: o desabrigo da pele, o descaso dos olhos, seu coturno - imundo - a esmagar as flores sem nenhum porém.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Vácuo de repentinas faltas

Naufrágios. Fome de terra firme - ganas de ar queimando a garganta muda - afogamentos. Nas costas curvadas, milhares de quilos, ausências. No horizonte, milhares de pântanos, litros de vastos mares - nos cabelos, âncora. Um vácuo cheio de repentinas faltas, estúpidos faleceres e memórias rotas pulsando debaixo da pele: eu arranho a derme, arranco os vermes, soluço o vírus, o sangue contaminado, o pouco suspiro. O susto de um breve sorriso oblíquo, de quem não tem medo - e ainda assim treme (e teme o frio) - me enregela. A espinha eriça e as pupilas vagam, foscas. É pesado o punhal que atravessa o tanque e faz escorrer o viscoso óleo da vida. É brilhante a lâmina, é quase espelho. E quando a ferrugem se esparrama feito hera sobre a labiríntica maquinaria do coração, e a maresia emperra o respiro inconstante dos parcos desejos, são meus olhos chovendo sal - mais nada. Sou eu, desespero puro, me agarrando aos restos - as ondas crescendo, a cada segundo maiores, enormes, negras, pesadas, brutais. Sou eu, meus mesmos e inesgotáveis naufragares. Sou eu, insistente naufrágio em mim.

Sylvia Araujo

domingo, 27 de novembro de 2011

Carmim


Eu não sei. É que alguma coisa tá fora de ordem, tá fora de órbita, tá fora do rumo - sem prumo - me ajuda. Alguma coisa é muito longe assim, tão perto-dentro e eu não sei. Eu juro que não sei, me explica? Não, não tenho medo do escuro, é sério. Essa luz carmim, acesa o tempo todo, enfim, é só pra ver arder o muro alto - medir seu destamanho, enfrentar meu desconcerto. Você pode apagar o facho, se me envolver bem apertado nos teus braços, beijos: e eu te prometo nunca mais tentar fugir de mim.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ânsia


Chove
na rua
na carne
aqui dentro.

(e essa novembrância
a me arrebatar 
silente
feito 31
em final dos tempos)

Sylvia Araujo

domingo, 16 de outubro de 2011

Cálice

Dão rasantes sobre minha cabeça palavras-asas abertas. Montes delas, de todas as cores, em letras garrafais ou miúdas, sobrevoam inquietas em silêncio cúmplice, olhando-se pasmas, reverenciando suas ralas verdades, bajulando e lambendo seus reles saberes. Desdenham de mim - pobre de mim - que não lhes dou ouvidos. Acredito que queiram me dizer algo, mas não há bocas para expressá-las no meio desse céu cinzento. E não desejo que falem. Calem-se! Que me saboreie o silêncio do mundo. Eu me quero cega. Nesse instante em que grito e dilacero por dentro, me desejo entranhas. Não me venham falar de flores, enquanto rumino espinhos. As letras são minhas agora - só minhas, saibam - e somente as que escolho a dedo povoarão meu cálice. Nelas estão a cura de todas essas feridas abertas. São minhas, e é de meu direito permitir que queimem, que ardam, que sangrem. De onde escorre o fel, brota também o antídoto de todo o mal que me corrói. Eu sou a lama e o sol que endurece o charco. Eu sou o medo e a coragem de ir além. Eu sou a dor e o maior amor que já tive na vida. E não descansarei um segundo sequer, enquanto em mim não reinar a paz e o seu absoluto e incontestável vir a ser.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ah, Clarice...

"O caminho que eu escolhi é o do amor. Não importam as dores, as angústias, nem as decepções que vou ter que encarar. Escolhi ser verdadeira. No meu caminho, o abraço é apertado, o aperto de mão é sincero. Por isso, não estranhe a minha maneira de sorrir e de te desejar tanto bem. Eu sou aquela pessoa que acredita no bem, que vive no bem e que anseia o bem. É assim que eu enxergo a vida e é assim que eu acredito que vale a pena viver."

Clarice Lispector


Enquanto emudeço, ela diz por mim. E como diz bonito, a danada!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Oferenda aos ventos


Obrigada, minha nova estrelinha, por ter sido o ser humano especial que você foi. Criatura querida, zelosa - figura amiga. Uma das pessoas mais íntegras, justas e incríveis que já conheci - de quem sempre tive orgulho, por ter o mesmo sangue correndo nas veias. O meu "eu te amo" pra você é eterno.

Abra as asas, meu primo, que a imensidão dos céus agora é toda sua.


À Renato Scher - in memorian.

sábado, 17 de setembro de 2011

Amém.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Inferno em poás

Quem me dera um par de asas
coloridos apitos
confetes
línguas de sogra:
carnaval a gosto
num quase-setembro
- quem me dera um ombro
sem tempo.
Um frasco de ar puro
- novo pulmão:
quem me dera eu-outra
não essa dor multidão.

Tem dias, me quero poeira
- rastro pouco
muito vento
(longe).
Quem me dera, sim,
um não:
ecoante e redondo
feito um sonoro palavrão.

Sylvia Araujo

sexta-feira, 13 de maio de 2011





Dói.

(absurdamentemuito)



sábado, 26 de março de 2011

Duro poema cru

Outoneço. Desverdeada, busco insana um porto onde espreguiçar o olhar - esse olhar que hoje me esparrama tristezas que até as palavras ir-reconhecem. De dentro, vem em golfos lava fervente que me escorre, abrupta. É súbita a destemperança que reveste de escureza esse tão cheio vazio que me carcome as tripas: é urgente o nada a dizer. Portanto, nada digo para que não se gaste o gesto - escoo em tortuoso e duro poema cru, o medo. Sozinho-me em desbotados instantes meus e anoiteço letra - ela há de empacotar com cuidado os miúdos haveres, há de dar fim ao que não se presta a ser sol.  No espelho trincado, aquela mesma conhecida imagem nuveada, cinza. Na ponta dos dedos, a desesperada poderosa transpiração dolorida dos enlouquecidos de amor. Ajeito, então, uma vaidade qualquer no corpo ainda rígido e sigo. Porque, do coração, já me escapuliram há tempos as rédeas das mãos.

Sylvia Araujo

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Offline


Olhou no espelho depois de semanas ausente de si. A barba por fazer dizia das léguas de distância e da altura do muro que construiu ao redor. O fio branco e reluzente no meio da escuridão no alto da cabeça não era nada diante daqueles olhos sem vida. Eram seus, não havia dúvidas. Mas de quem seria aquela dor que não lhe doía, mas lhe havia matado? De quem seria toda aquela imensa falta de amor?


Sylvia Araujo

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Às moscas



Diante do álbum amarelecido pelos anos de clausura na gaveta dos esquecimentos, espantei-me ao ver radiante aquele garoto mirrado. Ostentava, do alto do trono da infância, um sorriso branco e sincero - ainda que incompleto e distante. Já não me recordava daquela felicidade sem pretensões. Daqueles olhos translúcidos, daquele peito aberto - daquele eu sem medo. Esbocei incrédulo, frente à fotografia gasta, um meio sorriso oblíquo. Não pelo que sou hoje - esse velho decrépito, lacrimejante de ontens em preto-e-branco - mas pelo menino inteiro do qual me vesti nos anos idos. Pelo que poderia ter sido e fracassei, acovardado. Por aquele que - pelo acaso dos passos na mata fechada dos sentimentos daninhos, que me atormentaram anos a fio - desencaminhou-se e perdeu-se para sempre de mim. Uma lágrima gorda atravessou-me os vales vincados do rosto. E apreciei, salivando, seu gosto amargo. Como quem arranca de uma vez um naco de vida dos dias mais verdes. Como quem inspira 50 anos de árvore em um só segundo. Eu não queria ter amadurecido. Poderia ter evitado as moscas asquerosas, flutuantes sobre a minha decomposição. Ainda assim, apodreci.


Sylvia Araujo

domingo, 26 de setembro de 2010

F(r)io



Amolou a lâmina fina na pedra gasta e atestou o fio da faca na palma da mão. O aço cortante fez brotar um rio vermelho entre as linhas da vida e da morte. Faltou sorte. E um coração no peito. Com o olhar perdido no reflexo do espelho, afundou a ponta brilhante na veia saltada do pescoço. O colo arfante suspirando o último ontem. O frio do medo, o frio da lâmina, o frio do fio - tênue. Sangrou todos os medos, escorrendo todas as dores. E acabou. Sorrindo.


Sylvia Araujo

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Neutrino



Amanheceu lentamente em olhos anoitecidos. O peito, enfaixado ponta a ponta de silêncios, chorou baixinho - como quem murmura ao vento frio sentimentos indizíveis. Na cabeceira, a vela acesa da noite escura resistia. Pequena e morna, em seu amolecido derretimento de vela. Aquelas sombras enormes a lhe pegarem pelas mãos geladas. Aquele mesmo conhecido medo a existir sem. Aquele mesmo sem. A resistir só.


Sylvia Araujo

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Exaustão *


Depois de guerrear mais horas que preciso, vem afrouxando o nó da gravata puída e desabotoando os punhos amarelos, cambaleante a caminho de casa. Mete a chave na porta e, quando pisa na cerâmica quebrada, pressiona a ponta do sapato surrado no outro calcanhar. Ato reflexo. Pés descalços, larga a maleta lotada de papéis desimportantes em cima da única cadeira, puxa do bolso o maço amassado de cigarros e segue até a pia abarrotada de esquecimentos. Abre o frigobar vazio, apoia o copo de vidro lascado, enche de gelo até a boca e derrama o whisky de segunda - até cobrir a metade dos cubos. Seu conjugado mede exatos cinco passos número 43 até a janela. Mais dois pra cada lado. Espaço suficiente para abrigar seu mísero ego de filho terceiro de mãe sofrida. Sôfrego por uma lasca de ar, segura com as mãos trêmulas o cigarro aceso e a poção mágica, e apoia os cotovelos no parapeito do mundo para observar o nada. Abraça com força o silêncio pesado, enquanto rejeita todas as máscaras que se obrigou a usar durante o dia. Agora é noite. Já passou da hora de fazer alarde. Repete a sessão cigarro-copo-parapeito até perceber o início da íntima dormência na ponta dos dedos e a aproximação dos sonhos bonitos. Satisfeito, abre o chuveiro no máximo e se afoga inteiro na água gelada, ao mesmo tempo em que cantarola baixinho a lembrança gostosa com cheiro de infância. Quando deita no colchão antigo - exausto do tudo que foi, sem nunca ter sido - imediatamente encerra seus olhos turvos. Transbordando lágrimas secas e engasgos latentes, implora - com o peito aberto e os punhos cerrados - para não amanhecer vivo. Nunca mais.

Sylvia Araujo



* Republicação

domingo, 25 de julho de 2010

Contramaré


Envolta no ar rarefeito das minhas noites vazias, cato - uma a uma - as recordações espalhadas pelos meio-fios imundos dos sonhos que sonho. Você está sempre lá, piegas em seu romantismo exposto, em seu peito aberto, em seu derretimento de pessoa que nasceu para amar - e não se importa nem um pouco em ser contra-mão. É sublime a entrega que me faz desse teu coração sem remendos, assim, na bandeja dos dias. E eu te nego, como nego a mim mesma, fazendo cara de nojo e cuspindo com força no prato em que comi. Não te quero inteiro-rastejante - fecha teus olhos e me escuta. Eu te quero não, entende? Te quero a negação dos meus desejos, dos meus planos de menina boba à espera do príncipe encantado, das minhas aspirações de mulher feita. Te quero o que não pode ser, porque só assim me rouba o sono e me deixa latejante à espera de um porvir. Só assim me tira o ar e os pés do chão. Não nasci pra ser pato em lago plácido, mas tubarão em mar revolto à espera da caça, camuflado na vastidão azul enegrecida das profundezas. Preciso nadar com fúria - contramaré furando as ondas - até me quedar exausta e sentir a vida viva pulsando em ária por debaixo da pele. Preciso que você me escorregue por entre os dedos, pra que eu vá enlouquecida ao teu encontro e te segure firme pelo pescoço - meu homem. Te quero arisco, imperfeito, falha. Te quero navalha no pulso, sussurro inclemente, sexo. Por isso hoje, em letras borradas, esse amor intocável arde. No cinzeiro cheio de cigarros fumados, os restos de uma carta* - cinzas de um nós que nunca existiu além de aí, dentro de ti.

Sylvia Araujo


* João Guimarães Rosa - A inspiração.