Estou aqui a comemorar o vinte e cinco de Novembro
porque, antes de mais, sou dado a comemorações e, além disso, o vinte e cinco
de Novembro é o tricentésimo vigésimo nono dia do ano do calendário gregoriano,
o que significa que é um dia muito importante. Foi neste dia que nasceu Ana de
Jesus e faleceu Pedro Primeiro de Alexandria, portanto não me venham cá com
coisas: comemoremos. Acrescento que devíamos comemorar mais vinte e cincos,
pois a soma de dois com cinco dá sete, e sete é um número mágico. São sete as
cores do arco-íris, os dias da semana, as notas musicais, os mares e os
continentes e muitas coisas mais de insofismável relevância na história da
humanidade em particular e do mundo em geral. Escolhi o álbum “Ser Solidário”,
de José Mário Branco, para comemorar este vinte e cinco de Novembro de dois mil
e vinte e quatro, ano dos meus cinquenta anos, o dobro de vinte e cinco. É uma
edição de que gosto muito, sobretudo porque além das canções tem um tema extra
intitulado “FMI”, que, não por acaso, tem a duração de vinte e cinco minutos.
Como vêem, o vinte e cinco é um número especial. O que seria de nós sem os
vinte e cincos? Eu gosto de ver as pessoas aperaltadas para as comemorações,
eles de fato e gravata, elas de fato cumprido e cabelo arranjado, devidamente
maquilhadas, unhas a preceito, talvez com um blazer à medida e calças a
condizer. Com saltos altos, não muito, o suficiente, quanto baste. Todos
maravilhosamente penteados, excepto os carecas. Toda essa nuvem de perfumes à
deriva no ar embriaga-me e deixa-me tonto de comemorações, dá-me logo para ir
para a rua e apanhar um táxi a caminho do melhor restaurante onde, à mesa,
poderei manifestar-me contra as injustiças do mundo degustando arroz de
lavagante com um Château d’Yquem de 1811. Não faço por menos, é para meninos.
Portanto, deixem-se de lamentações. Nenhum de nós tem culpa do estado a que
isto chegou, se é que chegou a algum estado. Estamos bem, muito obrigado, vamos
indo, tudo na boa, adiante. Temos de ser uns para os outros, comemorar, brindar
ao bem que fazemos e nos fazem, ao sucesso e ao empreendedorismo e aos
unicórnios e à luz que nos alumia nas horas adversas, quando nos falta, por
exemplo, papel higiénico. Por mim, comemoremos o de Abril, o de Novembro, o de
Dezembro, e de premeio venham daí as sopas dos pobres, os alojamentos locais,
dezassete milhões para matar a fome com dezassete milhões de pólvora a derrear
escolas e hospitais e teatros e outros castelos de areia. Sou solidário,
comemoro, como, não calo, porque a mim ninguém me cala, eu grito a plenos
pulmões: viva a democracia liberal que devolve pacientes por táxi e lhes cobra
a conta, vivam a chaise-longue de Freud e as foices e os martelos recheados com
doce de ovos, viva o amor com que nos fodemos uns aos outros, desculpem a linguagem,
mas se é por bem, é por bem, viva o fado e o corridinho e as iluminações de
Natal a preço de saldo e o cozido à portuguesa no centro de trabalho e a vida
está difícil. Setecentos e cinquenta mil euros em luzinhas a piscar nas ruas da
capital, em honra dos sem-abrigo disseminados pelos cantos onde dormem e
defecam e comem. Que os seus olhos brilhem de comoção como os meus hoje brilham
pelo vinte e cinco, o que me levará da Praça da Figueira aos Prazeres. Qual é a
vossa, ó meus?