sábado, 18 de março de 2023
UM POEMA DE NUNO F. SILVA
terça-feira, 30 de março de 2021
LAB'BEL - 10 ANS (2010-2020)
A página (https://www.lab-bel.com/en/)
informa que Lab’Bel é um laboratório artístico do Grupo Bel. O décimo
aniversário foi comemorado com a publicação de um catálogo onde encontramos
inventariadas as variadíssimas exposições e diversos eventos levados a cabo,
pela Europa fora, mas com sede em França, no contexto da actividade do
laboratório. Um dos projectos tem o nome de “Metaphoria” e esteve por cá quando
Guimarães foi capital europeia da cultura. As palavras de dois amigos poetas, o
Rui Costa e a Joana Serrado, eram parte integrante desse projecto, que
entretanto também esteve em Atenas e Paris. Eu estive em Guimarães, e quis o
acaso que me encontrasse por lá com o pai do Rui (António Costa, o bom). No
regresso, escrevi umas coisas sobre o que vi. A Sílvia Guerra, Directora
Artística do Lab’Bel desde 2010, pediu-me entretanto que voltasse ao tema. O
resultado integra o dito catálogo. A versão rosa é em inglês, a amarela em
francês. Chegou-me ontem, finalmente, com a permissão de uma pandemia que tudo
atrasa. Deixo aqui o texto original, para o caso de terem interesse:
APARAS DE UMA VISITA A METAPHORIA
Guimarães, 22 de Outubro de 2012
1. Numa das entradas dos seus diários,
Cesare Pavese escreve que A poesia começa
quando um idiota diz, a respeito do mar: «Parece azeite.» Eis uma possível
noção de poema, senão de toda a criação artística, enquanto discurso que se
distancia do território da descrição para se arriscar no campo minado das
semelhanças, das explosões de nexos, da teia de elos entre real e irreal. O
poeta não estará tão interessado em comunicar como parece estar em desconstruir
e subverter o processo comunicacional, fazendo incluir entre emissor e receptor
um terceiro elemento, imaterial, invisível, mas sólido, ameaçador, dilacerante.
A este terceiro elemento damos o nome de metáfora.
2. As metáforas têm vida própria. Os
homens são meros veículos para a coisificação das metáforas. A relação que
estabelecemos com a metáfora é inalienável da tentação para a submeter às leis
do mundo, essa é a nossa fraqueza. Sempre que alguém diz “parece azeite” nós
tentamos encontrar correspondência entre dois sujeitos no enunciado (um
explícito, outro implícito), sendo difícil de aceitar a inexistência de uma
correlação entre ambos. São estas as regras do jogo, como se o que parece não
pudesse ser apenas e tão-somente uma aparência, uma sombra.
3. Além de poeta, Rui Costa foi
romancista. No romance “A Resistência dos Materiais” (2008) ele subverteu a
alegoria idealista de Platão para nos propor um universo onde entre verdade e
sombras deixava de haver qualquer clivagem. “Nós é que somos a sombra do que as
nossas sombras são”, diz. A esta subversão do sentido corresponde tanto uma
desconfiança dos mecanismos racionais que levam à verdade como a necessidade de
uma linguagem libertadora. O leitor de poesia sabe que a beleza, a força, a
vivacidade das metáforas residem, precisamente, na capacidade que têm de oferecer
uma outra dimensão, deslocando-nos de um campo semântico paradigmático, onde o
leitor de poesia não faz questão de estar, para um campo semântico metafórico.
Daí que as metáforas sejam libertadoras, desviam-nos da rota asfixiante do real,
ampliam as coordenadas da lógica, libertando-nos das amarras do normal,
levando-nos a saltar o muro que separa a ordem do caos.
4. O caos é ao mesmo tempo sedutor e
ameaçador. Estamos sempre a tentar pôr ordem no caos. O mundo à nossa volta é
caótico, o universo surge-nos caótico, o desconhecido é caótico, pelo que a
grande tarefa humana tem sido descobrir leis que façam acreditar haver organização
no caos. Esta dinâmica que leva do caos à ordem, até que a ordem se revele
insuficiente para a explicação do caos, é um movimento incessante que só pela
metáfora pode ser dito. Metáfora é movimento, é trânsito, é deslocação.
5. Desloquei-me a Guimarães, em Outubro
de 2012, para ver a exposição com curadoria de Sílvia Guerra. Entreguei-me ao
regaço de “Metaphoria” e deixei-me embalar pelos diferentes trabalhos onde pude
reencontrar-me, também, com as metáforas de dois amigos poetas: o Rui Costa e a
Joana Serrado. Partilho agora convosco o que então escrevi numa página dos meus
diários (inéditos):
Hoje pinto largos contornos nas coisas
que vejo, desenho-os como quem sente preguiça na elaboração de um pensamento
delineado, de fronteiras quase invisíveis ou, pelo menos, indistintas. Rouault
aflora ao pensamento, vá-se lá saber porquê, nos braços dos homens que
trabalham nas obras, nas roupas tingidas de tinta e cimento, nas mulheres
carregadas com sacos de plástico, nos rostos carregados das viúvas e nas
crianças que transformam lixo em brinquedos, nos veículos freneticamente
estacionados e nas lajes inscritas ao balcão dos cafés. Sempre que a
temperatura muda, dá-me para isto. Regresso depois de mergulhar a cabeça num
barril de metáforas. Debaixo de água ouviam-se vozes, música, poemas, viagem
subaquática com pés na terra. Deve haver algo orgânico na linguagem das
metáforas, nas sombras, deve haver algo de sublime neste corpo sem órgãos do
pensamento. Invejo, por vezes, a subtileza dos acólitos da palavra para poder
dizer, sem contornos nas palavras, o que penso e quanto vejo. Não sendo
possível, limito-me a agarrar no que vejo com as mãos desajeitadas do discurso
poético. Ainda bem que há pessoas de contornos finos, quase invisíveis, ainda
bem que existem com mãos limpas e firmes, unhas exemplarmente arranjadas, dedos
esguios, ainda bem que há pessoas sem calos nas mãos. Eu conspurco tudo aquilo
em que toco. Se soubesse passar com as limas nas unhas dos dedos que vêem, se
soubesse afastar o texto do pretexto e ficar a sós com os pés na terra, a
cabeça debaixo de água a ouvir sombras, por certo não quedaria estático nesta
incerteza. Vale a pena trazer à liça as palavras de Youcenar: “Nenhuma vista
que não se apodera de todo o espírito é visão; nenhum pensamento, por válido
que seja, é outra coisa que um fruto ou um subproduto passageiro, desprovido do
sentido de eternidade no instante, de extensão ao interior de um ponto nem
sequer fixo, que a intervalos muito longos a visão do espírito por vezes
confere e se torna em alguns casos possível ressuscitar pela recordação.” Com
que visão terão sido pintadas as coisas que vejo no regresso a casa? Com a
visão do espírito, a visão dos olhos ou a visão total? Fixo a vista nas coisas
para nelas encontrar o quê?
6. Passados estes anos, folheio o
catálogo do que me foi dado ver reencontrando-me com o que então não vi. Se o
mar parece azeite, talvez a lua possa ser uma lâmpada. Acesa na noite, a
lâmpada-lua de Katie Paterson remete-me, na problematização que encena da luz,
para a Visio intelectuallis referida por Yourcenar. Já não são apenas os olhos
a participar da visão, a qual se nos apresenta tão limitada sempre que
confrontamos o mesmo objecto a olho nu e a olho revestido por um qualquer
instrumento que permita ver para lá do visível. Este instrumento não tem de ser
físico, técnico. A metáfora é um instrumento que permite ver onde a vista não
alcança, daí o arrebatamento que provoca. Podíamos citar o êxtase dos místicos e
o delírio dos loucos, Margarida Maria Alacoque e Antonin Artaud.
7. Num belíssimo ensaio dedicado à
poesia de Paul Celan, George Steiner refere a dificuldade sentida por mentes
treinadas para a visão empírica quando colocadas perante a força de um discurso
simbólico e metafórico. Não estranhamos tais dificuldades, ainda que julguemos
estar a elas associado tanto de medo quanto de preguiça. Medo do desconhecido e
preguiça para ir mais além. A metáfora desloca-nos, coloca-nos em trânsito, é,
tal como os veículos pesados oportunamente fotografados por François
Prodromidès, um meio de transporte entre dois pontos, sendo que apenas o ponto
de partida surge óbvio e determinado. Desconhecemos o ponto de chegada.
8. Pascal Quignard dizia dos fragmentos
que eram rasgões, interrupções na continuidade de um discurso, aparas, farrapos,
um cancro que corrompe a unidade de um corpo, desagregando-o, exercendo sobre
esse corpo uma violência que o transforma em “100 biliões de sóis”. Olhamos a
noite estrelada e vemos em cada estrela um fragmento do mundo, contemplamos o
deserto e aceitamos cada grão de areia como um fragmento do mundo. Partir,
romper, despedaçar, deixar em pedaços, em pó, em migalhas, reduzir a nada, eis
o significado etimológico de fragmen,
fragmentum. “Em grego o fragmento é klasma, o apoklasma, o apospasma, o
pedaço separado por fractura, o extracto, alguma coisa arrancada, violentamente
puxada.” A metáfora tem esta função de fragmentar, interrompe o sentido,
instaura a descontinuidade, para ampliar a linguagem estilhaçando-a. Num certo
sentido, podemos dizer que toda a metáfora é fragmento.
9. Estas aparas sobre uma visita a
Guimarães são metáforas de um pensamento em trânsito. A Terra move-se em torno
de um sol que há-de um dia explodir, não tanto para morrer, como para
interromper as fases da lua. O universo é uma imensa metáfora. Com o passar dos
anos, uma mesma imagem inspira-nos sensações, reflexões, emoções diversos. Hoje
em dia, os contentores e as nuvens de Prodromidès adquiririam uma simbólica
porventura mais trágica e obscura do que a que tinham em 2012. Há toda uma
metáfora da clandestinidade que está por fazer, para a qual contribuem com a
própria vida refugiados e imigrantes deslocando-se sobre a terra como na
metáfora se desloca o pensamento.
10. A História ainda não terminou.
Henrique Manuel Bento Fialho
29/05/2020
sábado, 26 de janeiro de 2019
COMO FOLHAS DE CAEIRO
Se o destino quisesse que eu me tivesse feito escritor,
teria posto a minha mão direita contemplando o impossível da
minha mão esquerda, e as duas servindo ao sonho de eu
não estar aqui, mas outro homem com caneta escrevendo
a vida desse deus que podia ter cabido em meu lugar
só para sonhar homens de mais serventia para o alto.
Se o destino escrevesse direito, como o crer dos crentes, nas
linhas vesgas que hoje me desfiguram as mãos com rios
imperfeitos ou erros da gramática, fingindo a cura das almas
renitentes e de todas as faltas de sentido com palavras como
sol, destino, deus, rios, palavras, então eu abriria as mãos
para te mostrar
como rouba a vida tudo quanto fica escrito.
Rui Costa
quarta-feira, 21 de março de 2018
"Seis poetas escolhem seis poemas para quem não gosta de poesia (mas também para quem a ama)"
A ESCOLHA DE RAQUEL NOBRE GUERRA
Rui Costa, “Clássico nada original” (retirado de “Mike
Tyson para Principiantes”, Assírio & Alvim, 2017)
A JUSTIFICAÇÃO DE RAQUEL NOBRE GUERRA PARA A SUA ESCOLHA
Estas poucas linhas conservam a medida encantatória do que se quer de um poema: legitimar a intimidade entre autor e leitor, dizer no lugar de querer dizer. Rui Costa não presta contas à impossibilidade colocada diante da linguagem, maçando o leitor com oscilações de temperatura e febres maneiristas, antes atribui significado às coisas e ao quotidiano pelo modo como estes o afectam, elevando-os a uma respiração colectiva de sentido — “(…) saber que o mundo é a continuação de Vila Nova de Gaia”. O trabalho da linguagem não se fica pelo relato e representação de uma interioridade estetizada, mas pela mediação de um segredo partilhado no património comum dos afectos: subjugar a escuridão e suas assembleias de culto - “quem ama a luz não pode ter medo”. O canto do homem lúcido às sereias.
Jornal Expresso: aqui.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
MIKE TYSON ENTRE OS MELHORES
sexta-feira, 10 de novembro de 2017
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
L-E-T-R-A-S PARA SIGUR RÓS
de-água
o meu vestido
o teu
soprado am-ar
líquido
um gás azul
o ponho aos pés
os teus pés e
os teus tornozelos
(teu-o fantasma
predilecto)
são sem
nada
não incomodam ar
não pressionam
(onde a cabeça
insiste, e então)
e respira
rente ao
ar
ao amor
de-o-ar a inspira-
te a expirar
e assim…- e
tu?
Rui Costa
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
VEM NA ANTOLOGIA
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
POEMA A TODOS OS SERES QUE USAM NICKS E ABREVIAGENS E SÃO ANÓNIMOS
p. q. v. p.
diriam
vocês,
aliás,
vocês não
dizem
nada
porque
não existem
são sombras
acabrunhadas
de flores
de papel
tristes
de embrulhar
medo
merda
por isso
vos digo
à minha maneira
encolham-se
ainda
um pouco mais
e voltem
ao sítio de onde
não deviam ter
saído
assim: a
puta
que vos
pariu
Rui Costa