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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Aqui há gato!


Pela manhã, à porta do local onde trabalho, à minha espera, sempre está o mesmo gato listado, de um olho só. Mesmo quando chego muito cedo, o gato cinzento ali está especado apenas num olho, com ares de burguês abandonado, a quem só falta o monóculo. Fita-me como quem diz “eu estou-te a ver” ou parece dizer “eu quero que me vejas”.

Chego aí pelas oito horas, o gato mia, como quem diz, “bom dia!”. O que é certo, é que a manhã fica mais quente. Por fim, chego ao trabalho onde mia o tal gato afoito, burocrata, conhecedor dos meandros e das rotinas. Nunca chega tarde e não faz mais nada, ali está sentado, parece dizer, “eu te saúdo, tu que vais trabalhar” ou “eu te vigio, pobre escravo”.

Durante o dia, ali fica o bicho com seu olho único, esquálido, de unhas de fome, fazendo contas silenciosas, de uma matemática ágil e imperturbável. Cofia o bigode e podia distender a cauda inúmeras vezes durante o dia, como quem deixa subentendido, não haver qualquer preocupação relevante.

Posso afirmar que era um gato elegante, para além da distinção que todos os gatos parecem transportar. Era displicente ou mais precisamente era na aparência displicente, pois apanhei-o fortuitamente encenando poses.

Lançava-me da sua altivez olhares de compaixão, perante a minha a minha humana fadiga, à tarde depois do trabalho, ia-me embora, nas minhas costas sentia o seu olho de gato cravado e seu o rabo acenava um “adeus” relaxado, parecendo dizer, “por hoje, cumpriste o teu dever”.

Um destes dias, quando cheguei ao trabalho fiquei perdido. O gato não apareceu, faltava ali aquele vulto, aquele aristocrático bom dia. Uma tristeza invadiu-me todo o dia. É verdade que há algumas coisas que só damos valor, quando lhe sentimos a falta.

No entanto nunca lhe tinha dirigido palavra, após vinte anos de casa tinham despedido “o gato”, não tinha grande margem de progressão e era imperativo que se cortassem nas “gorduras”.

Agora o olho único de uma câmara de vídeo vigilância e a sua discrição eficiente era mais do que suficiente e a sua simpatia automática do “sorria, está a ser filmado”, reservava-nos a eternidade virtual.

 Lisboa, 16 de Fevereiro de 2012

 Carlos Vieira