"Antigamente, sim, antigamente, a Terra tinha a forma quadrada, e um rio de fogo corria na superfície. Não havia aves nem plantas, as águas estavam nos ares como nevoeiro cor de ferro, e os ventos não as tinham distribuído ainda pelos quatro cantos agudos da Terra..."
Assim começa este conto de Agustina Bessa-Luís que hoje me apeteceu reler. É um conto que li pela primeira vez há cerca de dez anos, quando comprei o livro após ter visto o filme de Manoel de Oliveira "Inquietude", baseado, em parte, neste conto.
Digo-vos que adoro este conto e que me lembro dele sempre como se o tivesse acabado de ler. São 27 páginas que se lêem em poucos minutos, mas que imprimiu em mim um encantamento mágico, que perdurará para sempre.
Fisalina vive numa aldeia da qual nunca ninguém sai. Os seus habitantes casam entre si, vivem entre os seus muros e aí permanecem para além da morte. Mas Fisalina não quer esse futuro, quer sair e casar com o seu amado, um tocador de sinos de outra aldeia que conheceu numa feira enquanto acompanhava o pai na venda de meias e mantas de lã. Mas sabe que nunca tal aconteceu. Procura os conselhos da sábia mãe do rio, uma mulher que vive há mil anos, cujas pontas dos dedos são de ouro e sobre quem voam gralhas em constante agitação. Mas em vez de respostas Fisalina encontrou um futuro bem diferente do que procurava... nos seus próprios dedos de ouro.
"O povo de Alvite, a antiga aldeia de Alveus, lá está ainda. Ninguém conhece lá esta história. As mulheres, porém, usam ainda no Inverno luvas que deixam a ponta dos dedos a descoberto, dizem que para terem assim mais liberdade de movimentos e poderem fiar a lã. Mas não será porque receiam todas elas os dedos de oiro e desconfiem? Pobre, pobre Fisalina!". E assim termina "A Mãe de Um Rio".
Um livro muito pequeno (51 páginas bilingue - até à página 27 em português e depois em francês) mas com uma história grandiosa!