sexta-feira, junho 29, 2007

A Poesia do Mar da Foz


O Verão está aí e a Isabel (Caderno de Campo) fez-me folhear de novo a "Senhora das Tempestades", um excelente livro de poesia e de amor de Manuel Alegre, ao Mar e à Foz do Arelho...

Foz do Arelho
ou
Primeiro Poema do Pescador

Este é apenas um pequeno lugar do mundo
um pequeno lugar onde à noite cintilam luzes
são os barcos que deitam as redes junto à costa
ou talvez os pescadores de robalos com suas lanternas
suas pontas de cigarro e suas amostras fluorescentes
talvez o Farol de Peniche com seu código de sinais
ou a estrela cadente que deixa um rasto
e nada mais.

Um pequeno lugar onde Camilo Pessanha voltava sempre
talvez pelo sol e as espadas frias
talvez pela orquestra e os vendavais
ou apenas os restos sobre a praia
«pedrinhas conchas pedacinhos d'osso»
e nada mais

Um pequeno lugar onde se pode ouvir a música
o vento o mar as conjugações astrais
um pequeno lugar do mundo onde à noite se sabe
que tudo é como as luzes que cintilam
um breve instante
e nada mais.



Manuel Alegre, Foz do Arelho, 8.8.96

terça-feira, junho 26, 2007

Os Santos Populares do Meu Bairro


Nas Caldas da Rainha os Santos Populares eram festejados em quase todos os bairros, com a realização de bailes, organizados por colectividades e comissões de festas.
Eram a grande distracção da época e também a possibilidade de aproximação de alguns rapazolas das gerações anteriores à minha, de algumas donzelas bonitas e difíceis, que não conseguiam escapar ao aperto das músicas lentas, apesar dos olhares cortantes das mães...
Na meninice assistia aos bailes do meu bairro e já pré-adolescente, também dava um salto com o meu irmão e amigos ao Bairro da Ponte.
Lembro que nem todos os anos se realizavam estes festejos no meu bairro, talvez por não existir nenhum clube recreativo com a dimensão dos "Pimpões", colectividade do Bairro da Ponte, nosso rival das futeboladas e de tudo o que pudesse gerar competição.
O que nunca se deixou de realizar na minha rua foi a fogueira do São João, onde se saltava, desafiando as labaredas altas perfumadas com o rosmaninho que apanhávamos nos pinhais que circundavam todo o Bairro dos Arneiros e que com o passar dos anos, acabaram quase todos engolidos pela especulação imobiliária.
A fogueira era mantida acesa até ao raiar do dia...
Nas Caldas também se realizava a Feira de São João. Embora fosse mais pequena e durasse menos dias, tinha quase tudo da Feira de 15 de Agosto, desde o circo, às diversões habituais do carrocel aos carrinhos de choque. E claro, as barracas de comércio, de comes e bebes e das famosas farturas, que ainda resistem ao tempo e marcam presença em todas as festas...

"As Padeiras" de José Malhoa dão cor a este texto...

sexta-feira, junho 22, 2007

O Rato e o Leão...


Nós somos tão diferentes uns dos outros...

Nos nossos dias é tão fácil encontrar pessoas que pensam que não precisam dos outros. Quanto mais poderosas se sentem, mais desprezam os outros...
Claro que isso deve-se ao próprio rumo da nossa sociedade, que vagueia ao sabor de um capitalismo quase sem regras, que nos vai empurrando para as ruelas estreitas do individualismo e egoísmo.

Podia falar de uma frase-mensagem que Álvaro Cunhal sugeriu para o final de um dos romances de Manuel da Fonseca, em que nos é transmitido que: «Um homem sozinho não vale nada!»
E não vale mesmo, por muito que se iluda.

Prefiro antes recordar uma das fábulas que o meu avô nos contou na infância, a de "O Rato e o Leão", que vai ainda mais longe e nos mostra que o ser mais importante e forte, quando menos espera, precisa de ajuda, até do ser mais insignificante que gira à sua volta...
Ainda nos consigo ver, sentados nas escadas da cozinha, em silêncio, deliciados com a arte de contador de histórias do nosso avô...
Já não me lembro de todo o enredo, sei apenas que o Leão, apesar de ser o rei dos animais, ficou preso numa armadilha feita de rede. Por lá ficaria se não aparecesse um pobre e pequeno rato, que vendo o Leão prisioneiro, foi em seu auxilio. Tanto roeu as malhas da rede que conseguiu destruir uma das malhas da rede e libertar o Leão...

Esta história pode parecer pouco actual, mas não é. Continuam a existir muitos "leões" nesta selva, que só conseguem ser libertados com a ajuda de simples "ratos" ...

A Aguarela que dá cor a este texto é da autoria de Georges Rotig.

quinta-feira, junho 14, 2007

As Coisas que nos Rodeiam

Quando estava a ajudar o meu filho nos trabalhos escolares do Estudo do Meio, lembrei-me das minhas férias campestres em Salir de Matos.
Nessa época não existia qualquer tipo de educação ambiental.
Havia sim muito cuidado, especialmente pelas coisas que se semeavam. As searas eram algo quase sagrado. Não admira, era dali que vinha o pão para toda aquela gente...
O resto era de todos e não existiam cuidados especiais na sua preservação. Acho que havia a ideia de que a natureza se auto-regulava, com a nossa ajuda e de outros animais bravios.
Por exemplo os pássaros estavam longe de ser uma espécie protegida. Eram para caçar à fisga, com armadilhas ou ainda para lhes descobrir os ninhos e destrui-los. Os peixes a mesma coisa, eram para pescar à cana ou com camaroeiros improvisados nas ribeiras. As plantas selvagens não eram olhadas com o respeito com que se olhavam as semeadas, como se estas precisassem de cuidados especiais (e precisavam de facto...) para crescerem e se tornarem comestíveis.
Claro que havia um olhar de admiração e de respeito por tudo aquilo que significasse vida... mas acho que se alimentava a ideia de que as coisas selvagens, além de serem de todos eram inesgotáveis, como se tivessem qualquer protecção divina.
Felizmente passados alguns anos mudámos de ideias e de atitude, ao percebemos que havia várias espécies de animais e plantas em risco de desaparecerem, para todo o sempre...

Apesar de todas estas considerações, continuo a pensar que as pessoas do campo têm um apego e uma sensibilidade mais apurada em relação a tudo que nos rodeia. Conhecem muito melhor as leis da natureza e sabem o quanto é importante preservarmos o Mundo onde vivemos...

terça-feira, junho 05, 2007

"O Noivo das Caldas"


Em 1956 Arthur Duarte realizou o filme "O Noivo das Caldas".
Como devem calcular estas Caldas são as minhas (aliás, as nossas...) e da Rainha...
Curiosamente, penso que nunca vi o filme.
Pelas criticas que tive oportunidade de ler - quase todas pouco favoráveis -, trata-se de um filme demasiado teatral e vulgar, com a maior parte das cenas a serem filmadas em interiores. Não deve ter sido indiferente o facto de o argumento ter sido extraído de uma peça de João Bastos.
António Silva e Josefina Silva centralizam todas as atenções da comédia, acompanhados de Fernando Curado Ribeiro, Ana Paula, Maria Olguim, Erico Braga, Costinha, Carmem Mendes, entre outros.
O filme foi estreado no São Luiz a 25 de Setembro de 1956...

domingo, junho 03, 2007

Um Anjo de Farda


Antes de entrar para a escola primária frequentei uma espécie de "jardim-escola", conhecido nas Caldas da Rainha pela Escola da "Velha da Estação", graças à sua situação geográfica, já que ficava na esquina norte, junto ao largo da Estação de Caminhos de Ferro.
Fazia a viagem entre o Bairro dos Arneiros e este estabelecimento escolar, na companhia do meu irmão, dois anos mais velho, e meu grande protector pelos anos fora. A grande recomendação da mãe em termos de segurança, era a passagem de nível, embora a senhora que abria as cancelas, nossa conhecida, não nos deixasse atravessar quando se aproximava algum comboio.
Depois de descermos a rampa da estação, encontrávamos sempre vários militares, que aguardavam a passagem da carrinha que os levava para o Regimento de Infantaria 5. Neste grupo havia um homem especial, que sempre que nos via, se metia connosco e dava-me um escudo (talvez por ser o mais pequeno...). Escudo esse que gastávamos religiosamente na Cantina da Estação, na compra de um número das pequenas colecções de aventuras em banda desenhada, com os títulos "Ciclone" e "Condor Popular".

Lembro-me muitas vezes da generosidade deste senhor, que nunca soube o nome nem qualquer outro dado pessoal. Estávamos no final da década de sessenta...