domingo, 10 de novembro de 2024

50 X 7

 


"Retrato em Preto e Branco" (3 CD), Chico Buarque.

Como muita gente da minha geração, cheguei à música brasileira através das telenovelas. E do Roberto Carlos. Lá em casa havia um single com “Emoções” no Lado A e “Cama e mesa” no Lado B. No leitor de cassetes do carro de família, rodava um best of com “Splish Splash”, “O Calhambeque”, “Quero que vá tudo pro Inferno”, essas coisas. Só mais tarde, em casa de um amigo, descobri o que haveria de prender-me para sempre à música brasileira. “Meus Caros Amigos” (1976), o LP da entretanto caída em desgraça “Mulheres de Atenas”, foi cartão-de-visita para o reportório de Chico Buarque, genial escritor de canções cuja pena fui redescobrindo ao longo dos anos em temas tais como “Pedro Pedreiro”, “Olé, Olá” ou “Funeral de um lavrador” (sobre poema de João Cabral de Mello Neto). Para mim a música brasileira confunde-se com a figura de Chico Buarque, com o samba de “Corrente”, com a bossa de “Retrato em branco e preto”, com a capacidade de enervar tanto a ditadura militar como os puristas da música popular brasileira. Estava aqui a ouvir a versão italiana de “A Banda”, gravada no exílio, e a pensar como é tão ignóbil este tempo de recrudescimento dos ódios que alimentam tiranias e transforma o povo em títeres manipulados pelas mãos de lideranças brutas. O povo é uma massa inconsistente, uma pessoa facilmente se deprime ao constatar tanta mediocridade medrando nas ruas.

sábado, 9 de novembro de 2024

MUROS

 
A propósito das celebrações em torno da queda do Muro de Berlim, com uma velinha soprada pelo fim do comunismo e outra pela vontade dos povos quebrarem fronteiras, queria só aqui lembrar este facto: "Calcula-se que existam actualmente no mundo 71 muros que não se podem cruzar e que somam cerca de 40 mil quilómetros, o mesmo que a circunferência da Terra". A maior parte destes muros foram erguidos depois de 1989 e o Mediterrâneo da nossa vergonha não entra nas contas. Entretanto, é notícia no The Guardian que "juízes italianos ordenaram que sete homens detidos num centro de migração na Albânia fossem transferidos para Itália, num revés ao polémico acordo entre o governo de extrema-direita de Roma e Tirana, que visa conter a chegada de refugiados." Celebremos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

TEATRO E SOCIEDADE, HOJE

 

UM NEURÓNIO E UM ALGORITMO ENCONTRAM-SE NUM BAR
 
   O tema destas conferências é complexo, desde logo porque a presença no título da conjunção coordenativa “e” pode gerar equívocos. Estamos a falar de uma oposição entre Teatro e Sociedade ou partimos do princípio que entre ambos há uma relação histórica mais ou menos sólida? O advérbio de tempo “hoje”, precedido de uma vírgula, restringe-nos o campo de reflexão, mas também não facilita a tarefa. O “hoje” está a ser vivido, ainda não é possível ter sobre ele um distanciamento que permita perspectivas desapaixonadas. Imersos no hoje, cada um de nós tenderá a pensá-lo mais em função das suas experiências pessoais do que apoiado num olhar esclarecido pelo trabalho que, esperamos, venham os historiadores a concretizar no futuro. Talvez seja isso o que se pretende, a partilha de visões apaixonadas e imersas na urgência de um problema que, não sendo exclusivo de agora, assume novas configurações naturalmente consequentes do que no tempo se foi perdendo, transformando e adquirindo.
   Ainda que entre passado e presente vislumbremos elos inquebráveis, relações de causalidade, eternos retornos, fastidiosas e desmotivadoras repetições, também encontramos momentos de ruptura que, como queria o filósofo, físico e historiador norte-americano Thomas Kuhn, instauram momentos de crise e levam a mudanças de paradigma. Creio que estamos agora a experienciar um desses momentos, a que a relação entre Teatro e Sociedade não passará incólume. Partirei, então, do princípio que estamos a tratar de uma relação, já que não consigo conceber o Teatro e a Sociedade senão no contexto de uma interacção dinâmica que leva a que o Teatro seja contaminado pela Sociedade ao mesmo tempo que a contamina. Não tendo notícia de Teatro entre os anacoretas do deserto, constato que até as experiências teatrais mais radicalmente marginais à Sociedade se manifestam no interior dessa mesma Sociedade ou para contestá-la ou para dela almejar o afastamento possível.
   Desta constatação advém uma primeira premissa: o Teatro é tão intrínseco à Sociedade como esta o é ao Teatro. No entanto, creio que a essa premissa podemos acrescentar algumas proposições, como por exemplo a de que o Teatro pode fazer-se para a Sociedade ou contra ela, sendo que em nenhum caso deixa de se realizar com ela, dentro dela, procurando reflecti-la, problematizá-la, transformá-la ou simplesmente, na pior das hipóteses, entretê-la, diverti-la, distraí-la. Assim sendo, a questão que julgo mais pertinente nos dias que correm é esta: como pode a nossa Sociedade acolher o Teatro no seu ambiente desprovido de massa crítica, sem esvaziá-lo ou privá-lo da sua função primitiva que é estimular o pensamento crítico, pondo em causa o statu quo desmontando os estereótipos e os preconceitos que obscurecem a realidade? A resposta a esta questão obriga, antes de mais, a que pensemos a nossa Sociedade. Que sabemos nós acerca da Sociedade em que actuamos?
   Estou convencido de que a característica mais diferenciadora e determinante do que é hoje a nossa Sociedade tem que ver com o advento das então novas tecnologias na segunda metade do século passado, primeiro com o desenvolvimento e a massificação da internet, depois com a disseminação dos smartphones, agora com o incremento da Inteligência Artificial. Permitam-me um parêntesis à laia de declaração de interesses. Padeço de um confrangedor desinteresse pela tecnologia, nomeadamente por aquilo a que chamam novas tecnologias. Chego-lhes sempre atrasado, ou seja, quando são já velhas e se tornaram obsoletas. Não sendo infoexcluído, uso o computador e o smartphone com parcimónia. Desconheço a imensa maioria de funções oferecidas por esses aparelhos, constatação que faço por tantas vezes ouvir alguém perguntar-me com espanto: "não sabias?" Não, não sabia que o meu smartphone tinha tamanhas competências. Se não sei, é porque não faço por sabê-lo. Em sabendo, dou-lhes o uso que me for mais prático. Quase sempre nenhum. A Inteligência Artificial também não me entusiasma por aí além. O entusiasmo que encontro noutras pessoas por essas coisas quase sempre me deprime. Não as olho com a desconfiança do indígena perante um espelho nem com a admiração do Papa Leão X pelas invenções de Leonardo da Vinci, são-me geralmente indiferentes. O ChatGPT, que parece fazer as delícias da população discente contribuindo para a ansiedade e a depressão da população docente, passa-me ao lado como cão por vinha vindimada. O meu sonho é morrer num estado que me aproxime o mais possível do modus vivendi do homem das cavernas, de preferência caçado por um tigre dentes-de-sabre.
   Dito isto, a verdade é que vivo entre um povo fascinado por gadgets. Dizem as estatísticas que 84% dos portugueses usam smartphones, somos o 8.º país da União Europeia com mais telemóveis por habitante. Em compensação, somos o quinto que menos livros lê por ano. 61% da população portuguesa, segundo o Eurostat, não lê um único livro durante um ano. Pior que nós só a Bulgária, a Itália, o Chipre e a Roménia. Em Julho de 2021, uma notícia do jornal Público dava conta de que os «Portugueses já passam mais tempo online do que a dormir». Enfim, no meu caso não é difícil, padeço de insónias. Estamos sob a tempestade perfeita de uma revolução tecnológica sem precedentes, não equiparável sequer à Revolução Industrial do século XVIII porque então, entre os homens e as máquinas, havia uma diferença básica: as máquinas não raciocinavam, era o homem quem as controlava e dominava. Agora, as máquinas não só raciocinam como têm a capacidade de o fazer mais eficazmente do que qualquer ser humano, mesmo o mais dotado dos seres humanos.
   Cada vez mais influenciada pela inteligência das máquinas, a nossa vida social tende a ser também cada vez mais anti-social. Os algoritmos condicionam as decisões que tomamos, vamos para o engate no Tinder e andamos à porrada no X, experienciando índices elevadíssimos de excitação em corpos fechados sobre si mesmos. Abrimo-nos no ginásio, narcisicamente reflectidos num espelho. Aí abrimo-nos ao nosso reflexo, somos magníficos, deslumbrantes, apetecíveis. Ou então abrimo-nos na chaise-longue do psiquiatra para que nos trate dos medos e das fobias, dos recalcamentos, da histeria. Que lugar ocupa o Teatro numa Sociedade assim, feita de indivíduos cerrados em si mesmos, afastados uns dos outros, indisponíveis para a autocrítica e a dúvida, uma sociedade em que estamos cada vez menos na presença uns dos outros?
   Na escola, aprendi e ensinei que as acções livres são aquelas pelas quais podemos responsabilizar quem actua. Ora, hoje estamos sob uma espécie de coacção voluntária que, em parte, nos exime da responsabilidade sobre as nossas próprias decisões. Abdicamos de liberdades para nãos nos responsabilizarmos. Dizia a socióloga Évelyne Sullerot num livro publicado em 1997 com o título “Le grand remue-ménage” (comoção?) que, a partir da década de 1980, passámos a recorrer ao aconselhamento para dormir, comer, fazer amor, ter filhos, educá-los, tirar um curso, trabalhar, para se «ser a si mesmo», num retrato certeiro do processo de infantilização massiva que trouxe as sociedades ditas desenvolvidas até aqui, a este hoje em que grande parte das pessoas abdica de ser social adoptando a cultura online. Nas redes, entre mim e o outro não se intromete o cheiro, é tudo aparente, estamos protegidos pela distância, o outro é mais um simulacro apreciável e desejável do que um ser intrigante, um diverso que me interpela. O match é que manda. Os interesses singulares de cada indivíduo sobrepõem-se, assim, aos do cidadão participativo, pelo que não admira o ataque à cidadania e ao seu ensino em escolas que progressivamente vêm substituindo a formação de cidadãos pela formatação de empreendedores. Estamos zangados com o mundo? Publicamos um post, assinamos uma petição. E o mundo lá prossegue a sua marcha com cada um de nós engravatado nas suas vidas vidinhas, como diria Alexandre O’Neill. 
   As consequências do caminho trilhado estão diagnosticadas, vão sendo estudadas e debatidas, divulgadas e discutidas em múltiplos fóruns, publicadas em livro, revistas, artigos académicos, papers a granel e, como não podia deixar de ser, chegaram ao Teatro. Há dois anos, o dramaturgo britânico Martin Crimp, num espectáculo intitulado “Not One of These People”, recorreu à Inteligência Artificial e a tecnologia deepfake para questionar a definição de drama e o que é ser humano. 300 rostos gerados por Inteligência Artificial são animados em tempo real por tecnologia que reproduz a voz e os movimentos faciais de Crimp em cada um daqueles rostos. Crimp entra e sai ocasionalmente de cena, cumprindo o seu papel de marionetista pós-humano. Entre os rostos no ecrã e os títeres manipulados num pequeno Teatro não há grande diferença.
   E já que estou com a mão na massa, falo-vos também um pouco de “Na República da Felicidade”, peça do mesmo Martin Crimp que o Teatro da Rainha levará à cena em breve, com encenação de Fernando Mora Ramos, numa co-produção do Teatro da Rainha com o Teatro Nacional São João e o Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha. Na segunda parte deste tríptico feito de descontinuidades narrativas, Crimp oferece-nos um retrato desconcertante da Sociedade actual sob o título genérico de “As Cinco Liberdades Essenciais do Indivíduo”. Uma mão cheia de liberdades. Indica-nos inicialmente que nessa parte não há distribuição de papéis, mas toda a companhia deve participar numa polifonia textual em que salta à vista o paradoxo das individualidades que se subsumem sob um padrão que as uniformiza. «Eu sou único, isto não tem nada que ver com política», dizem todos em coro, à vez. Ao ser proferida por todos, esta frase deixa de demarcar qualquer singularidade, transforma-se num padrão, numa redundância, num desses chavões que se repetem ad nauseam blindando-nos à crítica, ao conflito, à diferenciação. Estamos in. Se todos apregoam que são únicos, onde fica a individualidade? Todos são únicos, singulares, individuais, mas a dizerem exactamente as mesmas coisas. Entre pessoas assim e os títeres manipulados num pequeno teatro não há grande diferença.
   Se bem estão recordados, a internet foi-nos vendida inicialmente como uma ferramenta libertadora. Propulsionadora de uma globalização tão elogiada a seguir à queda do Muro de Berlim, a internet libertaria finalmente os povos da escravatura do trabalho, as máquinas fariam por nós, em meia dúzia de horas, o que nós nos esfalfávamos uma vida inteira para fazer. A globalização serviu aos mercados, não serviu aos seres humanos — como facilmente se constata nos discursos actuais sobre políticas de imigração e na quantidade de muros entretanto erguidos, para não mencionar um Mediterrâneo transformado em cemitério. Já a internet, nossa putativa salvadora, não nos livrou da servidão e, independentemente de mais-valias que ninguém nega ou põe em causa, tem beneficiado sobretudo os grandes traficantes das novas drogas livres, sejam eles Jeff Bezos, Zhang Yiming, Elon Musk, Bill Gates ou Mark Zuckerberg.
   O nosso futuro pós-humano, expressão usada pelo não necessariamente recomendável filósofo e economista Francis Fukuyama num livro de 2002, aí está no seu máximo esplendor, sintetizado em parangonas noticiosas como esta: «Futuro da inteligência artificial é o raciocínio e o planeamento». Do parapeito da janela do computador, observamos esse futuro enquanto os algoritmos vão ganhando terreno aos neurónios no campo de batalha. Uma Sociedade de clones, será isso? Talvez ainda haja esperança: se nós falhámos no planeamento, como parece que falámos, pode ser que as máquinas acertem. Mas quem é que depois responsabilizaremos se correr mal? Impõe-se uma nova pergunta: que papel tem o Teatro a desempenhar nesta Sociedade em que os indivíduos estão cada vez menos na presença uns dos outros, permitindo que as relações entre si sejam mediadas por mecanismos que não controlam de todo e lhes oferecem uma ilusão de liberdade enquanto se vão mimetizando? Não falo, portanto, desse estar em ajuntamentos massivos, típico de rituais religiosos, como os festivais e os futebóis, em que o ser se apaga na confusão da multidão, um estar não estando.
   O mais relevante, creio, é não nos rendermos ao espectáculo e ao entretenimento esvaziado de crítica, não abdicarmos desse espírito crítico que o teatro promove ao confrontar-nos com a realidade, não prescindirmos desse questionamento permanente, desse debate incessante, cedendo à facilidade das emoções e do pathos que de tudo se apropria por via do populismo e do sensacionalismo. Estamos em guerra contra o superficial, contra as perspectivas reducionistas que simplificam em vez de problematizar. É uma guerra aberta e declarada, pois não acreditamos que para problemas complexos existam explicações simplistas. De explicações simplistas está cheia a barca do inferno. Esta não rendição deve ser ancorada numa atitude de resistência a tudo quanto pretenda impedir o Teatro de ser Teatro, impelindo-o para o abismo do mero divertimento, do passatempo, do entretenimento publicitário, da diversão sedutora mesmo quando disfarçada por causas nobres. Um Teatro que não problematize, subserviente aos esquemas e à lógica de um mercado que seduz para gerar dependência, não nos interessa.
   Sirvo-me de 2 entre 36 parágrafos que compõe o texto intitulado “Teatro: arte no coração da polis”, coligido por Fernando Mora Ramos no livro “Uma caixa preta é uma folha branca. Ensaios sobre teatro”. Diz ele:
   «19. O teatro é um espaço dos potenciais hereges, isto é, de gente disposta a escapar à formatação, último reduto, uma clareira de possibilidades, de laicidade por oposição às religiões e aos rituais das modas, à condição do sujeito anonimamente perdido na sua “individualidade” in-significante no meio da massa. O teatro é um território do eu e da cidade, do eu e do mundo, teatro do eu – teatro do mundo.»
   E continua, mais à frente:
   «28. O teatro é inimigo do mercado na medida em que o mercado é inimigo do comum liberto do que, sendo acção das massas, é esclarecido, da política laica, essa forma autónoma e organizacional da possibilidade de um destino não escravo, autodeterminado.»
   Estamos, portanto, na luta por um Teatro que pretenda contribuir para a emancipação dos indivíduos e, por consequência, esteja na raiz de uma Sociedade livre e plural, que abrace o debate crítico sem temer o contraditório, sem fazer disso escândalo, encarando-o como valor acrescentado. A Sociedade, ao contrário do que tantas vezes se diz, não é uma mera entidade abstracta, é um todo dinâmico em construção composto por indivíduos que não nascem isolados, nascem num contexto que lhes oferece, desde logo, uma língua para se exprimirem e com a qual poderão olear o pensamento.
   Tal como as outras artes, o Teatro não pode deixar-se engolir pelas leis do mercado que confundem sucesso com fama passageira e hipotecam essa dimensão solidária do pensamento que é a expressão artística. Precisamos de um Teatro que se oponha desavergonhadamente a essa ideia de sucesso, que não se permita reduzido aos efeitos de um anúncio publicitário exibido entre as notícias do genocídio em Gaza, precisamos dele como de pão para a boca ou de ar para os pulmões, não no sentido de uma ruptura total com a Sociedade mas antes no sentido de algo que, estando no seu interior, a assimila, digere e transfigura, rompendo com modelos pré-estabelecidos e propondo aventuras renovadoras da criação humana, gerando crises para que novos paradigmas se instaurem.
   O erro é a melhor arma que o neurónio tem contra o algoritmo padronizador, o erro é a melhor ferramenta do conhecimento, insistamos no erro: «Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.»
 
Henrique Manuel Bento Fialho
Évora, 8 de Novembro de 2024

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

DA IDOLATRIA

 
91 anos passados sobre a ascensão de Hitler ao poder, a pergunta "como foi possível?" serve apenas de prova para a degeneração do papel da memória e do saber que caracteriza o último século. Não aprendemos absolutamente nada com a História. Antes pelo contrário, desaprendemos largando mão da dúvida, da curiosidade, hipotecando o pensamento crítico, investindo em modelos educativos que são apenas promotores de competências técnicas ao serviço do capitalismo e das suas dinâmicas de sucesso num mundo movido pelo consumo. Da América já pouco devíamos esperar depois do macarthismo e de outros exemplos que nos provam ser ali a democracia um mero simulacro. O sistema eleitoral americano é disso exemplo gritante com o tal Colégio Eleitoral. Mas nada disto é deveras preocupante perante o processo de americanização global que se manifesta nos comportamentos das pessoas, cada vez mais acríticas, entretidas com os seus gadgets, fascinadas consigo mesmas, arrumadas em uniformes que as tornam previsíveis, sem qualquer rasgo diferenciador. Como foi possível? Exactamente como será possível cá se continuarmos a ignorar o que está a acontecer na nossa sociedade cada vez mais estupidificafa, infantilizada, desinteressada do outro, do diferente, uma sociedade de indivíduos que veneram os próprios egos, que se adoram a si mesmos tanto quanto odeiam os que se lhe opõem. Há quem lhe chame polarização, mas é mais profundo do que isso. Os ídolos, ah, os ídolos.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

DEMOCRACIA OVAL

 
Condenado por 34 crimes, regressa à casa oval. É esta gema podre que o mundo venera, caucionando aquela ideia de "donos do mundo". Um exemplo de democracia, não haja dúvidas, de glock na mão. Aleluia. No X, os broncos do Chega exultam. Querem desalojar quem incendeia caixotes do lixo, mas festejam o regresso à Casa Branca de um criminoso.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

QUANTO VALE A MORTE?

 
Acabei de ver na RTP um jogador de futebol a ser atingido por um raio. É uma imagem impressionante, daquelas que dispenso. Não houve o mínimo cuidado no tratamento da imagem, como haveria, creio, se a vítima tivesse sido atingida por uma bala. Daqui se conclui que não é o momento da morte que inspira reserva nas TVs, mas o modo como se morre.

domingo, 3 de novembro de 2024

COMENTADORES

 
Não via Quitéria há algum tempo, reencontrei-a hoje enquanto passeava a cadela. Perguntou-me se a Popota era comentadora de política na CNN.

sábado, 2 de novembro de 2024

50 X 6

 


“OK Computer”: Radiohead
 
Os Radiohead andam nas bocas do mundo pelas piores razões. Thom Yorke insurgiu-se contra um manifestante pró-Palestina que o acusava de ser pró-Israel (estes prós são maneiras de ver as coisas por quem não quer ver as coisas, adopto-os aqui no sentido maniqueísta que a comunicação social lhes dá). “Não sejas cobarde, vem cá acima dizer isso”, terá respondido o vocalista dos Radiohead antes de sair do palco. Não sei qual é a posição de Yorke relativamente ao conflito em curso, mas tendo em conta as posições políticas que tomou anteriormente é para mim estranha toda esta confusão. É conhecido o seu discurso sobre as mulheres de hijab: “nenhuma mulher de burka, hijab ou biquíni me fez algum mal, ao contrário de homens de fato e gravata”. Mais ou menos isto. Enfim, lamentaria profundamente se Yorke sentisse alguma simpatia pelas decisões de Benjamin Netanyahu e não acredito minimamente que isso seja exacto. A música dos Radiohead é para mim, desde “Pablo Honey”, uma companhia constante. “Ok Computer” (1997) continua a ser a obra-prima de fim de século que anunciou o nosso futuro pós-humano, o qual estamos a viver actualmente encharcados em fármacos e intoxicados pelas drogas livres on-line que enchem os bolsos dos dealers Jeff Bezos, Zhang Yiming, Elon Musk, Bill Gates, Mark Zuckerberg e afins. Cada vez mais algoritmados, assistimos em directo à destruição do planeta como se não fôssemos parte integrante dele. A postura de resistência da banda à indústria que vem destruindo o mundo da música é conhecida, assim como os sucessivos e, presumo, complexos desvios do sucesso mais simplista. Acompanho-os desde o início, quando ainda faziam as primeiras partes dos James no Pavilhão do Belenenses. Não queria nada ficar com aquela sensação estranha com que por vezes fico depois de me desiludir ao conhecer alguém cuja obra admiro. Hey man slowdown, idiot slow down.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O HOMEM DA GUITARRA

 

LUGAR PRECÁRIO
 
   “O Homem da Guitarra” (Guitarmannen, 1997), de Jon Fosse (1959), foi editado exactamente no mesmo ano em que o agora Nobel da Literatura norueguês deu à estampa “O Filho” (Sonen, 1997), levado à cena pelo Teatro da Rainha, com encenação de Fernando Mora Ramos, em 2018. Há entre ambas as peças uma curiosa coincidência, a referência a um filho ausente que estigma a existência dos protagonistas. No entanto, e apesar da similar ambiência poética, são peças assaz diferentes uma da outra.
   “O Homem da Guitarra” que o actor Tiago Moreira adoptou num projecto prontamente acolhido pelo TdR é um monólogo, um debate a solo entre um músico de rua e a sua condição existencial. A própria figura do músico de rua coloca-nos perante uma representação da precariedade que oferece vários ângulos de reflexão acerca das condições de sobrevivência de um indivíduo na sua relação com a família e com a sociedade em geral, para lá, obviamente, desse abismo íntimo em que muitas das personagens de Fosse parecem situar-se.
   Neste caso, creio que será especialmente importante atentarmo-nos aos pormenores, ao que sobre si a personagem revela numa linguagem elíptica, repleta de hesitações, uma linguagem minimalista que, segundo o próprio Autor, se baseia no silêncio. O que diz o silêncio? Diz-nos, antes de mais, da solidão a que está condenado o indivíduo, do seu distanciamento face aos outros, da sua separação de uma mulher que o trouxe ali e de um filho que ali o fixou, naquela cidade fria. Depois o silêncio vai sendo preenchido por frases curtas, um mínimo de palavras, sussurros, bloco de gelo que apenas parece quebrar-se quando a música ecoa na sala através da voz grave do Tiago. É nesses momentos que o som afasta definitivamente a cortina de neblina intrometida entre o homem da guitarra e o público.
   O que melhor caracteriza este homem é o anonimato, um anonimato desfeito como quem desenha pequenos traços numa página em branco até obter uma figura mais definida. O ambiente intimista logrado pelo desenho de luz de Hâmbar de Sousa favorece a soturnidade em que o protagonista se nos dirige. Ele diz-nos das pessoas que passam diariamente por ele sem darem pela sua presença, fala-nos das crianças que o insultam, de um ou outro transeunte que mete conversa sem gerar laços, dos laços familiares quebrados como cordas partidas numa guitarra. E enquanto pausadamente nos conta estas coisas, dá-se-nos a ver ele próprio como uma centelha na escuridão, expondo-nos à sua solidão e frustração pessoais, à sua intimidade atravessada pela dúvida: valerá a pena continuar, insistir?
   Já chamaram “ode à desesperança” a esta peça de Jon Fosse. Creio que, mais do que desesperança, vislumbramos neste texto uma interrogação profunda sobre a condição humana, com envios claros, em mais do que uma citação directa, para o livro do “Eclesiastes”. Talvez não seja displicente recordar o percurso do próprio Fosse, que do ateísmo à conversão ao catolicismo em 2012 experienciou uma espécie de misticismo herético à maneira de Mestre Eckhart (teólogo alemão que viveu entre os séculos XIII e XIV). Em entrevista ao jornal Público datada de Março de 2024, é o próprio autor norueguês quem fala desse percurso revelando o seguinte: «Durante uns anos estive perto dos quakers noruegueses. Não têm padres, nem dogmas, apenas encontros silenciosos. O seu modo de acreditar é concentrarem-se na luz interior.»
   Tal com o sábio Qohelet no “Eclesiastes”, também o homem da guitarra parece atravessar momentos de dúvida, destacando as contradições da vida, as incertezas quanto ao futuro, as perdas, as derrotas, as ilusões e o sentimento de desilusão, as conquistas que se resumem a meia dúzia de esmolas no bolso ao final do dia, num rol de dúvidas a que responde recorrendo a essa máxima ancestral proveniente do Antigo Testamento: «Tudo tem o seu tempo.» O que nesta peça levada à cena e interpretada por Tiago Moreira está em causa é, portanto, uma exploração trágica do lugar precário do homem no mundo, sempre com o fantasma da desistência no horizonte das decisões adiadas.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

OS LUSÍADAS

 
Vi ali um "provaste" que saiu "provas-te". Há dias, Marques Mendes dizia "virtualidades" onde queria dizer "virtudes". Ontem, em conferência de imprensa, Carlos Carvalhal repetia "intencionalidade" onde pretendia "intenção". Uma secretária qualquer do governo diz que os senhores jornalistas devem ter "anemia", quando quer dizer "amnésia". Em Évora, numa esplanada, dois rapazes falam de uma festa com 30 gajas e acabam a discutir se "lembras-te" é com ou sem hífen. Entre lapsus linguae, ignorância e actos falhados, o mundo cumpre a sua rota a caminho do eclipse. Oh, desculpem, queria dizer Apocalipse.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

UM POEMA DE WILLIAM JUNQUEIRA

 


é preciso este silêncio
estar só
ouvir a voz que não é minha e procurá-la
resta só não me pertencer
é preciso
e como precisam
e quantos precisam
e não são génios não estão neste momento para si mesmo
sonhando sonhos génios em que se concebem génios e geniais
famintos da voz que eu também procuro incessante
a palavra muda
é preciso este silêncio
estar só ainda que acompanhado
pelo dia, dias, pela note, noites, pelo mundo, mundos
morte, rosa, tília
se enlouquece, génio, estrela
é preciso este silêncio
estar só
silente e efémero
nos encontrámos não encontramos
vazio sem sair do cerco
da cidade da terra da aldeia da muralha da larva
se enlouquece
de sons e estrelas, luas, notas deste tempo compassado e
branco
é preciso este silêncio
da chuva batendo copiosamente no vidro abundantemente só
e generosa
na água este silêncio de estar só
espelho exacto, fundo e preciso
um refúgio de areia e sombras
são precisas palavras de sol para acordar
estar só em silêncio para ouvi-las e quem as diz ou quem as
não quer dizer
não grito sol nem pele queimada
é preciso estar só e comer laranjas
no cansaço das folhas o apagar das árvores
o mergulhar do verão no outono fundo quase inverno quase
primavera fria
e o frio estanca o sangue a palavra amor, estar só
é preciso este silêncio dos livros
fechados ao mundo em si esquecidos
e este mundo é esquecimento e os homens aborrecimento
estar só
olhar olhar apenas
olhar os olhos apenas o mar
olhar aberto e nada apenas
o nada se deixa ver e encontrar
nada se escolhe
nada se escuta
nada se executa
e como este silêncio é preciso
porque sou pouco e pobre quase esquecimento
e o mundo está fechado num livro de outro dia
soterrado morto cheira a mofo a morte e a sorte
neste silêncio de luto e terra
é preciso é preciso
estar só
ouvir a voz que não é minha e encontrá-la
noutra boca
resta só não me pertencer
todo o perfume que cheiro
me lembra tua mão tatuada
e noutra mão
a boca
o mel dos teus seios espigas
morosa a língua acorda
o abandono
desse aroma silencioso de cópula
esculpem-se as sombras
no silêncio das paredes
as sombras num quarto abandonado
onde se expiram as palavras

William Junqueira, É preciso este silêncio, Amores Perfeitos, Novembro de 2002, pp. 55 - 57.

domingo, 27 de outubro de 2024

CIENTISTAS

A nova equipa técnica do SCP conta com um tal de Pedro Cardoso, apresentado no sítio do clube como "cientista do futebol". Chupa Einstein, chupem Darwin, Stephen Hawking, Newton, Marie Curie e outros maluquinhos do conhecimento. O futebol é uma ciência e tem os seus cientistas. Abaixo o futebol religioso, viva o futebol científico.

sábado, 26 de outubro de 2024

GRANDE VERGONHA SERIA

 


XXV. Poderia aqui duvidar alguém digno de declarar todas suas dúvidas, e que disto pudesse duvidar, que eu falo de Amor como se cousa por si fosse, e não somente sustância inteligente, mas sim como sustância corporal; a qual cousa em verdade é falsa; que Amor não é por si como sustância, mas é um acidente na sustância. E que eu fale dele como se corpo fosse, e mesmo como se homem fosse, parece por três cousas que dele digo. Digo que o vi vir; sendo «vir» tal cousa como moto local, e localmente mobile por si, como diz o Filósofo, e porque somente um corpo o seja, parece que eu ponho Amor sendo corpo. Dele digo também que ria e também que falava; as quais cousas soem ser próprias do homem, e especialmente poder rir; e por tal parece que eu o ponha sendo homem. A aclarar tal cousa, segundo ao presente convém, primeiro será de entender que antigamente não havia dizedores de amor em língua vulgar, mas sim dizedores de amor em língua latina; entre nós, digo, posto que talvez com outras gentes acontecesse, e aconteça ainda, tal como na Grécia, não tratavam destas cousas poetas em vulgar, mas letrados. E não são muitos anos passados que primeiro apareceram estes poetas em vulgar; que dizer por rima em vulgar o mesmo é que dizer por versos em latino, alguma proporção guardando. E noto que pouco tempo há que, se queremos buscar em língua d'oc e na de , não encontramos cousas ditas antes do presente tempo cento e cinquenta anos. E a razão pela qual alguns rudes engenhos tiveram fama de saber dizer, é que quase foram os primeiros que o fizeram em língua de . E o primeiro que começou de dizer como poeta em vulgar, o fez porque desejava de fazer entender suas palavras a sua dama, a quem não era dado entender versos latinos. E isto é contra os que rimam sobre outra matéria que a amorosa não seja, sendo cousa que tal modo de falar fosse desde o princípio achado para de amor dizer. E assim, sendo cousa que aos poetas seja concedida maior licença de falar que aos prosaicos autores, e estes dizedores por rima mais não são que poetas em vulgar, digno e razoável será que lhes seja maior licença de falar concedida que aos outros faladores em vulgar: de onde, se alguma figura ou cor retórica é concedida aos poetas, concedida é aos rimadores. Assim, se vemos que os poetas falaram às cousas inanimadas, como se senso e razão tivessem, e em geral as fizeram falar; e não somente cousas verdadeiras, mas cousas não verdadeiras, a saber que hão dito de cousas que não são, que falam, e dito que muitos acidentes falam, como se substâncias e homens fossem; digno é o dizedor por rima de fazer semelhantemente, mas não sem razão alguma, antes com razão que depois seja possível de abrir em prosa. Que os poetas tenham assim falado, como dito foi, por Virgílio se vê; o qual diz que Juno, deusa inimiga dos Troianos, falou a Éolo, senhor dos ventos, no primeiro livro da Eneida: Eole, nanque tibi, e que este senhor lhe respondeu: Tuus, o regina, quid optes explorare labor; michi iussa capessere fas est. Por este mesmo poeta, fala a cousa que não é animada a cousas inanimadas, no terceiro da Enieda: Dardanide duri. Por Lucano, fala a cousa animada à cousa inanimada: Multum, Roma, tamen debes civilibus armis. Por Horácio, fala o homem à própria ciência como a outra pessoa; e não somente são palavras de Horácio, que o diz quase recitando o modo daquele bom Homero, em sua Poética: Dic, michi, Musa, virum. Por Ovídio, fala Amor, qual pessoa humana fosse, no princípio do livro que tem o nome Livro do Remédio de Amor: Bella michi, video, bella parantur, ait. E por isto pode ser manifesto a quem nalguma parte duvide deste meu livrinho. E para que não tome em si audácia pessoa rude, digo que nem os poetas assim falavam sem razão, nem os que rimam devem falar assim não tendo algum razoado no que dizem; pois grande vergonha seria ao que rimasse cousas sob vestes de figura ou de cor retórica e depois, perguntado, não soubesse desnudar suas palavras de tais vestes, de modo que tivessem verdadeiro entendimento. E este meu primeiro amigo e eu sabemos bem daqueles que assim estultamente rimam.

Dante Alighieri, in A Vida Nova, tradução de Vasco Graça Moura, Quetzal, Setembro de 2021, pp. 111-115.


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

UM POEMA DE ROSA OLIVEIRA

 


minima poetica

Escrever é difícil.
Escrever poesia é difícil.
Escrever sobre poesia é muito difícil.
Escrever ou falar sobre a própria poesia é difícil e complicado.
Pensar no que quer dizer a poesia, para que serve e para onde vai é difícil, complicado, contraditório e provavelmente inútil.

Rosa Oliveira, in Desvio-me Da Bala Que Chega Todos Os Dias, não (edições), 2.ª edição, Setembro de 2021, p. 27.

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

50 X 4

 


"Communiqué": Dire Straits
 
Agora que toda a gente é fã de Marco Paulo já posso revelar que fui fã dos Dire Straits e que ainda hoje escuto com bastante agrado os dois primeiros álbuns da banda, assim como o duplo ao vivo “Alchemy”. No dia 16 de Maio de 1992 também fui muito feliz quando os vi e ouvi no velhinho Estádio de Alvalade, numa altura em que finalmente começavam a ser frequentes os concertos de estádio em Portugal (com a vantagem de ainda não haver smartphones). “Communiqué” (1979) é, talvez, o meu disco preferido da banda, tem uma toada intimista que me agrada e malhas de guitarra que ora me remetem para sonoridades de proveniência diversa e aparentemente inconciliáveis (da country ao reggae), ora me enviam para a obra de alguns dos maiores guitarristas de jazz (Jim Hall, Pat Metheney). Tudo muito limpo, sem distorções, para irritar os “puristas da ruína” que adoram os hinos a nossa senhora do Marco Paulo. Isto, de facto, anda tudo maluco, mas a mim não enganam. Ah não, a mim não enganam. Prefiro os originais românticos dos Dire Straits às covers boçais do dois amores e da Anita e do raio que o parta. Fiquem lá com os vossos bailaricos manhosos e a grande voz do Sinatra português (porra, só mesmo quem nunca ouviu ou desconhece por completo Sinatra pode compará-lo com o maravilhoso coração), que eu entretenho-me com os sultões do swing. E sem ironias nem cinismo, tenham misericórdia. Que passe rápido o luto nacional é o meu mais sincero desejo antes que o bom gosto também vos vá parar ao Panteão.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

ANTONIO CÍCERO (1945-2024)

 


HUIS CLOS

Da vida não se sai pela porta:
só pela janela. Não se sai
bem da vida como não se sai
bem de paixões jogatinas drogas.
E é porque sabemos disso e não
por temer viver depois da morte
em plagas de Dante Goya ou Bosh
(essas, doce príncipe, cá estão)
que tão raramente nos matamos
a tempo: por não considerarmos
as saídas disponíveis dignas
de nós, que, em meio a fezes e urina
sangue e dor, nascemos para lendas
mares amores mortes serenas.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

ONDAS

 
"Onda de violência alastra na grande Lisboa", diz o jornal. Com a baba nos cantos da boca, fomos imediatamente à procura de mortos, feridos e entrevados. Afinal só morreu um tipo, foi antes da onda vir. Morto com carinho e amor pelos senhores da autoridade, que nunca são violentos. Vogam nas águas tépidas e plácidas do aconchego.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

VEM NO PÚBLICO

 
"De Janeiro a Agosto de 2024, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social já somaram 2198 milhões de euros. E, em prestações sociais – subsídios de desemprego, prestações familiares ou de parentalidade, as mais comuns entre estes cidadãos – os estrangeiros só receberam cerca de 380 milhões de euros. Ou seja, o saldo positivo, nestes oito meses – de 1818 milhões de euros – é quase o mesmo que as suas contribuições ao longo de todo o ano de 2022. (...) Os dados, fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), mostram ainda que em 2024 são as mesmas cinco nacionalidades que mais contribuem para a Segurança Social: brasileiros, indianos, nepaleses, cabo-verdianos e espanhóis. Nestes oito meses de 2024, os brasileiros foram os maiores contribuintes, o que não surpreende, dado que representam a maior comunidade de estrangeiros (são 35% do total de imigrantes): contribuíram com 824,5 milhões, ou seja, 37,5% do total. De seguida foram os indianos, com quase 145 milhões (estes cidadãos representam apenas 4,2% da população estrangeira). Depois, em terceiro lugar no topo das contribuições, ficaram os cidadãos do Nepal, com 93,147 milhões (são quase 3% dos estrangeiros), os de Cabo Verde, com 83 milhões (são 4,68% dos estrangeiros), e os de Espanha com 70 milhões de euros (são quase 2% dos estrangeiros)."

domingo, 20 de outubro de 2024

20 MIL MILHÕES

 

Há para aí uma cambada muito preocupada com a imigração e os ciganos e a disciplina de cidadania e as casas de banho mistas... Sobre 20 mil milhões de euros injectados em bancos falidos é que não bufam. O Orçamento de Estado do Dr. Montenegro prevê 200 milhões para elefantes brancos do género, mais dinheiro do que custaria a recuperação de tempo de serviço dos professores. Tenham uma boa semana.