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Emília engoliu a pílula muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: Estou com um horrível gosto de sapo na boca. E falou, falou, falou e falou. Falou tanto que Narizinho , atordoada, disse ao Doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca. Não é preciso – explicou o grande médico. Ela que fale até cansar! Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente. Isso é fala recolhida que tem de ser botada para fora. E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se.
Louvemos sempre Monteiro Lobato pelo maravilhoso conceito de "fala recolhida", atribuída aqui ao doutor Caramujo, o grande médico do Reino das Águas Claras. Porque só quem já presenciou uma fase como essa, numa criança, pode entender a extensão e a magnitude desse formidável processo que é a aquisição da linguagem.
Pelo pouco que entendo, não há muito consenso sobre como uma criança aprende a falar, sobre os mecanismos cognitivos que a fazer dominar esse complicado código do idioma. Mas minha experiência com Mathilde me diz: é muito rápido.
A impressão que tenho é que as crianças apreendem muito e desde muito cedo. Ainda bebezinhos, já memorizam palavras, e muito rapidamente captam seu significado. Tanto que, quando ainda não falam, já entendem e respondem a uma infinidade de instruções (deita, levanta, dá tchau, pega o seu travesseiro, etc.).
E aí, um belo dia, elas engolem a pílula falante.
Mathilde desatou a falar tudo e mais um pouco. É uma matraca. A sensação é que, de fato, a fala estava "recolhida", e ela agora se sente contentíssima por ser capaz de verbalizar. E tome de "levanta, mamãe", "quer subir", "quer água", "não, não, não", "a p(r)aia", "a Peppa", "teêvisão", "bauúio" (o aspirador ligado), "caiu tudo", "esse não", e o impagável "isso, mamãe, muito bem", quando, atendendo ao pedido dela, limpo com guardanapo as mãozinhas sujas de comida. E quando não tem mais "assunto", ela se contenta em simplesmente nomear as coisas. Aponta e fala: cadeira, mesa, prato, colher, ventilador, porta, bicicleta.
Naturalmente, com isso as manhas e malcriações não só se intensificaram como ficaram mais elaboradas, mais extensas e muito mais trabalhosas de lidar.
É incrível como, com essa coisa de filho, nada é mesmo por acaso, e nada vem de graça. Não tem ponto sem nó, e nada fica sem consequência.
E tudo é difícil, sim, mas as recompensas também vão ficando mais e mais sensacionais.