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fevereiro 17, 2010

O jardim do Príncipe Real é uma obra de arte

In Público (17/2/2010)

Via Amigos do Príncipe Real

Por Cristina Castel-Branco


«Esperei pela obra para poder ver o "restauro", pois os elementos que a câmara disponibilizou não permitem qualquer análise profissional. Há 20 anos que sou professora de História da Arte e Restauro de Jardins e tenho experiência de dezenas de jardins históricos para os quais colaborei ou coordenei o restauro. Essas são as razões próximas da reacção que senti face aos erros a que assisti, espreitando pela rede que cerca a obra do Príncipe Real. Foi por causa de uma indignação que senti face à destruição de um jardim do séc. XVI que, em 2003, resolvi criar, com um conjunto de técnicos e proprietários de jardins, a Associação de Jardins e Sítios Históricos, a que presido. É nessa qualidade que falo. Não havendo nenhum painel explicativo e tendo a CML dificultado a informação, espreitei pela rede o jardim em obra, para poder falar:

1. Assisti a uma magnólia centenária a ser "assediada" pela pá de uma rectroescavadora... e arrepiada apercebi-me de que as árvores entraram em obra sem qualquer protecção. Do caderno de encargos não constava a protecção da vegetação?
2. As árvores foram abatidas às dezenas. É certo que fica mais barato dar uma só empreitada aos moto-serristas e madeireiros, mas não é assim que num jardim histórico se deve fazer: as árvores vão sendo substituídas gradualmente, seguindo um plano director que permita manter a sombra nos sítios originais.

3. O desenho dos caminhos desapareceu totalmente e consta dos artigos que li que vão ser alargadas as áreas de pavimento, desrespeitando o desenho inicial dos canteiros. Mas com que critério se altera o desenho de uma jardim histórico? Vi mais e pior, mas detenho-me nesta ideia de alteração do desenho de um jardim do século XIX para apontar à autoria do jardim de 1861. Na memória descritiva da obra, a autora do projecto afirma que "a sua estrutura e desenho devem-se ao seu autor, o jardineiro João Francisco da Silva". Será que assume que o Príncipe Real foi desenhado por um jardineiro, subentendendo que o jardim não tem pedigree, e que o seu traço não precisa de ser respeitado? Engana-se. Basta aceder à brilhante tese de doutoramento de Teresa Marques, da Universidade do Porto, sobre os jardins deste período para perceber que, nessa altura, a nossa profissão de arquitectos paisagistas era exercida pelos denominados "jardineiros paisagistas". Subestimar o passado de grandes obras do século XIX é também anular a origem da nossa própria profissão. Está mal.

Para defender casos como este, o Icomos, organismo consultor da UNESCO de que faço parte, criou, em 1981, a Carta de Florença, que consigna regras de restauro de jardins históricos. Portugal subscreveu, e dos 25 artigos da Carta de Florença saliento que um jardim histórico é um monumento e como tal deve ser tratado, de forma a preservar o seu significado cultural, e transmiti-lo às gerações que se seguem. A obra do Príncipe Real não respeita os princípios da Carta de Florença, senão veja-se: Artigo 14. O jardim histórico deve ser conservado num ambiente apropriado. Qualquer modificação do meio físico que faça perigar o equilíbrio ecológico deve ser proscrita. Estas medidas abrangem o conjunto das infra-estruturas internas ou externas (canalizações, sistemas de rega, estradas, caminhos, vedações, muros, poços, noras, etc.). No Príncipe Real, os passeios vão ser alargados, alegando-se razões funcionais. Por esta lógica, também deviam alargar o portal do Mosteiro dos Jerónimos: um milhão de visitantes/ano merece que as condições de entrada sejam adaptadas à "função".

No Artigo 15. Qualquer restauro de um jardim histórico só será implementado após uma análise aprofundada, que vai da escavação em terreno à recolha de todos os documentos que dizem respeito ao jardim em causa e a jardins análogos. Esta recolha exaustiva garante o carácter científico da intervenção. Antes de qualquer execução, este estudo deverá levar a um projecto de execução a submeter a um exame e a um acordo colegial. Os jardins de Lisboa, e sobretudo os históricos, deviam ter planos de longo prazo trabalhados em conjunto com a Universidade onde se estudam, experimentam e aprofundam com tempo e método os formatos de restauro, reabilitação e recuperação... Talvez ainda se vá a tempo de parar a obra e diminuir os danos. A Associação de Jardins Históricos está disponível para, de forma gratuita, propor soluções que evitem o que ainda se pode evitar e se reponha o que não devia ter sido alterado.

Presidente da Associação de Jardins e Sítios Históricos

abril 27, 2009

Quando os cidadãos 'postam' a cidade

Da simples denúncia de problemas à proposta de solução, na blogosfera multiplicam-se os espaços em que Lisboa é tema. O DN foi conhecer as motivações por detrás de alguns destes projectos.

por RUI PEDRO ANTUNES (DN)

Terminam em blogspot.com mas, tendo em conta os temas sobre os quais incidem, o domínio podia ser outro: blogspot.lx. O domínio "lx" não existe, mas tal não impede vários blogues de terem como tema a cidade de Lisboa e afirmarem-se cada vez mais como espaços de debate, denúncia e informação.
"Um blogue que se destina a aplaudir, apupar, acusar, propor e dissertar sobre tudo quanto se passe de bom e de mau na capital". Esta é a premissa do Cidadania LX, um dos blogues do género mais visitados. Não descartando estes "sugestivos" verbos, o administrador Paulo Ferrero acrescenta que o Cidadania é um espaço de "defesa de causas, do património, do ambiente, de melhor mobilidade, de luta por mais oferta cultural e de denúncias de corrupção".
Apesar de hoje ser um motivo de orgulho, Paulo Ferrero não guarda as melhores recordações da origem do blogue. Isto porque "o espaço surgiu para travar o processo de demolição da casa onde viveu Almeida Garrett", em Campo de Ourique mas tal não aconteceu. A primeira causa foi perdida mas ao longo destes cinco anos "várias situações foram corrigidas graças ao blogue", conta.
O Lisboa SOS, o Carmo e a Trindade e a Sétima Colina são alguns dos muitos espaços não políticos que se dedicam à cidade. Muitas vezes são autênticos órgãos de informação que se antecipam à comunicação social. Paulo Ferrero também escreve n'O Carmo e a Trindade e explica que "há notícias que aparecem nos jornais que somos nós que denunciamos dias antes".
António Almeida, autor do Sétima Colina e de mais quatro blogues temáticos sobre a capital, confirma. Foi na "sétima colina" de Lisboa que António, profissional na área das telecomunicações, sempre viveu e, por isso, decidiu adoptar o nome para o blogue pessoal, onde escreve sobre "coisas, locais e cheiros da cidade". Acredita que postar no blogue é um acto de "cidadania" e confessa que para desempenhar essa tarefa goza de um importante privilégio. "Uma presidente de junta que é minha amiga facultou-me uma credencial para aceder a locais e eventos", esclarece.
E se Ferrero gosta de olhar para o Cidadania como um blogue de "denúcia", já António Almeida acredita que "a denúncia só pela denúncia não interessa. Não se deve perder tempo com isso, é preferível apontar caminhos para as soluções."
Todos os bloguistas que o DN contactou indicaram como blogue "bem conseguido" e "engraçado" o Lisboa S.O.S.. Este espaço é da responsabilidade de seis autores anónimos que vão denunciando, numa sequência de fotografias, situações de degradação na área urbana da capital. O blogue é inspirado no site inglês Fix My Street, onde qualquer pessoa pode indicar o que está degradado na rua onde vive. O conceito foi adoptado pelo Lisboa S.O.S. que pretende alertar para situações deploráveis que, devido ao hábito, já ninguém repara.
Sejam culturais, de consciência ambiental ou políticos, os blogues sobre a cidade de Lisboa são cada vez mais. Seria impossível referir todos, porque ao contrário do que se passa nos blogues, o espaço aqui não é infinito.