Tomem-se quatro escolas.
1. Um colégio privado de luxo, caríssimo, frequentado exclusivamente pelos filhos da alta e altíssima burguesia, recheado de betinhos e betinhas com as vidas já apontadas para os cursos superiores que têm já o pai, a mãe, os irmãos mais velhos, todos estes com capacidade para enquadrarem e apoiarem os jovem estudantes, servidos em casa por empregada que lhes confecciona os lanches a horas (ou tira os caroços das cerejas, como fazia a empregada da “infeliz” mandatária para a juventude de José Sócrates), que têm nos seus quartos individuais computares topo de gama, etc, etc, etc, etc... ad nausea.
2. Um colégio privado daqueles que vivem do roubo que alguns oportunistas organizaram, no sentido de desviar do ensino público as verbas que permitem a alunos que, embora com menor “poder de compra” ainda têm um ambiente familiar propício ao seu desempenho escolar e actividades lúdicas e transportes confortáveis para a escola, proporcionados pelos tais fundos roubados aos alunos mais necessitados do país.
3. Uma escola pública situada, digamos, numa pequena cidade ou vila do interior, onde tudo fica perto, onde a escola fica à distância de apenas uma ruas, permitindo o gozo de tempos livres entre amigos e família, em segurança e com qualidade de vida. Uma escola onde os mais pobres têm lugar, apoio público, em alguns casos, transportes fornecidos pela autarquia... e onde a meia dúzia de casos “complicados” vindos de famílias desfuncionais e outras realidades semelhantes, estão devidamente identificados e acompanhados.
4. Uma escola pública do subúrbio de uma grande cidade do litoral, com a sua mistura feita de muitas centenas (quando não são milhares) de alunos provenientes de famílias de trabalhadores do estado, de trabalhadores do privado com poucas posses, pescadores, operários, alunos vindos de todo o lado, desde bairros pacatos, aos chamados “problemáticos”, representando várias etnias, várias culturas, várias “línguas-mãe” e um empenhamento na aprendizagem que pode ir do razoável até ao zero.
Em todas estas escolas há excepções. Em todas há estudantes estúpidos como portas. Em todas há miúdos geniais... independente da ajuda ou do travão constituído pelo seu meio ambiente social e familiar.
Posto isto... digo eu, que pouco entendo de pedagogia, que não há forma de comparar estas escolas! Não há uma forma de juntar todas estas realidades diversas, a que se pode juntar a motivação, ou ausência de motivação de um corpo de docentes sujeitos diariamente a este habitat, que pode ir do prazeroso ao terror, da realização pessoal e profissional à humilhação das agressões sofridas dentro da sala de aula... e estabelecer uma classificação (ou ranking, que é mais fino) minimamente credível. A única forma de fazer uma hierarquização minimamente séria de escolas, nestas condições, seria levando a cabo estudos de uma tal complexidade que, a chegarem a algum lado, não seriam “legíveis” por pessoas fora do sistema.
Resultado: atiram-se os dados todos para dentro de um computador, mistura-se tudo, divide-se pelo número que tiver que se dividir... e dá um “ranking”. Ainda por cima, no caso deste “ranking” com que agora não se calam, recorreram apenas às médias das notas nuns exames... o que nunca servirá para definir uma escola, em toda a sua complexidade, mas apenas os alunos que fizeram esses exames específicos.
Desculpem estar a (tentar) ocupar um espaço tão grande do vosso domingo com esta divagação pela qual, provavelmente, pouco interesse terão, embora isso não me faça sentir sozinho, porque felizmente não estou... mas tudo isto vem a propósito de uma cena vista num canal de televisão, durante um noticiário.
Um senhor (de quem não fixei o nome) com ar moderado, sereno, dando mostras de dominar os temas de que estava a falar, explicava por palavras de uma simples e clara erudição, tudo isto que eu acabei de vos dizer desta minha forma atabalhoada, tentando demonstrar que um “ranking” de escolas, a ter alguma vez alguma utilidade (isto já sou eu que digo), teria que ser feito honestamente, separando o que não é miscível... não comparando o que é incomparável.
O pivot da televisão, sem o deixar sequer acabar o raciocínio, atira-lhe, cortante, e num tom de pouquíssimo velada censura:
- Quer dizer que o senhor está a desvalorizar estes números?!!!
E o “senhor”, realmente como um senhor, disse que não… e repetiu praticamente tudo o que tinha dito antes... mas numa linguagem própria para ser usada num infantário.
Atendendo ao facto de que o negócio do ensino privado envolve muitos milhões e que, não poucas vezes, roça a falcatrua, a fraude, a corrupção (é sempre bom ver, ou rever este trabalho jornalístico sobre o tema!), é evidente que esta teimosia em repetir que no “ranking” das escolas, as primeiras não sei quantas da lista são escolas privadas, constitui um gigantesco anúncio publicitário, a valer muito... e que alguém paga.
Resta saber quantos jornalistas e comentadores o fazem de forma corrupta, ou quantos apenas não se importam, para agradar aos patrões... de se fazerem passar por estúpidos.