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sábado, 28 de janeiro de 2012

A encruzilhada da nanotecnologia



O outro lado da inovação
Livro discute riscos e desafios associados ao desenvolvimento da nanotecnologia

Isabela Fraga

A nanotecnologia está na moda. Jornais, livros, revistas e artigos acadêmicos têm exaltado de forma entusiasmada o poder revolucionário dessa ciência inovadora que promete mudar a forma como encaramos e administramos medicamentos, exames médicos, a informática, entre outros. Como qualquer novidade, entretanto, a nanotecnologia não é unânime. Sua aplicação apresenta riscos e, por isso, requer ponderação e reflexão.

É justamente esse olhar mais crítico que o físico Peter Schulz demonstra em seu livro A encruzilhada da nanotecnologia: inovação, tecnologia e riscos. Professor da Universidade Estadual de Campinas, Schulz utiliza uma linguagem simples e direta para discutir os riscos da nanotecnologia em diferentes áreas (como a médica e a ambiental) – e, principalmente, os possíveis problemas de considerarmos essa ciência perfeita.

Schulz faz inicialmente uma breve contextualização do tema ao tratar dos conceitos de invenção, inovação e risco, com direito a fartos exemplos históricos de inovações anteriores – como o telefone – e suas repercussões na sociedade.

É no terceiro capítulo (de um total de 18) que o físico começa a tratar especificamente da nanotecnologia. A abordagem de questões como o mercado da nanociência e o seu apelo ao público dá um novo enfoque ao tema, que em geral é analisado somente do ponto de vista técnico e potencialmente revolucionário.

Esse é o diferencial do livro de Schulz: a articulação entre a discussão técnica e o público, com foco na aplicação realista da nanotecnologia. Referências a filmes populares, exemplos de histórias em quadrinhos e de produtos oferecem elementos familiares aos leitores leigos, que em princípio podem não se atrair por temas científicos.

Nem oito, nem oitenta
Mas o autor não se limita a bases históricas ou lúdicas para construir seu argumento de relativização da nanotecnologia. Artigos, opiniões de cientistas e relatórios oficiais recentes são utilizados para exemplificar a posição exagerada, tanto otimista quanto pessimista, em relação aos frutos da nanociência – que ora é encarada como a cura para todos os males, ora como uma bomba-relógio.

A mensagem de Schulz é, afinal, de incerteza. “Ainda não sabemos o que será de fato a nanotecnologia na nossa sociedade”, escreve o físico. Em meio a tantas promessas e projeções pessimistas, só nos cabe buscar avaliar essa ciência da forma mais consciente possível.

Para isso, afirma o autor, é necessário considerar em conjunto os diferentes atores que têm peso sobre o crescimento da nanotecnologia – o público, os cientistas e o governo –, para que essa ciência se desenvolva de maneira saudável e adequada.

A encruzilhada da nanotecnologia: inovação, tecnologia e riscos
Peter Schulz
Rio de Janeiro, 2009, Vieira & Lent
128 páginas

Revista Ciência Hoje

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A revolução dos q-bits: o admirável mundo da computação quântica


Uma revolução bate à porta
Livro mistura ficção e realidade para apresentar a história e os fundamentos da computação quântica


A computação quântica pode soar complexa demais para os mortais que não são especialistas no assunto. Portanto, nada mais indicado para torná-la mais palpável e compreensível do que ler as palestras do sr. Lao. Ele é, afinal, presidente da maior empresa de computadores quânticos da segunda metade do século 21 — um perfil ideal para desmistificar a ciência por trás dessa inovação que, pelo menos para nós, habitantes do início do século, é ainda tão recente.

O sr. Lao é o protagonista do livro A revolução dos q-bits: o admirável mundo da computação quântica, escrito a quatro mãos pelo físico Ivan Oliveira e pelo jornalista Cássio Leite Vieira. Com as cinco palestras que seu personagem apresenta para comemorar o 50º aniversário do primeiro chip quântico, os autores buscam apresentar ao público leigo um panorama histórico e conceitual da computação quântica, desde a física do século 19 até as dúvidas e questões mais recentes.

Ao que poderia ser um relato técnico e árido sobre o desenvolvimento dessa tecnologia, o recurso a um personagem fictício adiciona um ingrediente dinâmico e criativo, que torna o livro instigante e atraente. Os textos das palestras — que compõem a apresentação histórica do assunto — são intercalados por trechos ficcionais, em que o sr. Lao deixa de ser um mero orador e ganha contorno humano, com preocupações, desejos e expectativas.

A revolução dos q-bits trata de um tema complexo com linguagem simples e didática. O equilíbrio é fruto da dobradinha entre Oliveira, pesquisador da área de informação quântica no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e editor de ciências exatas da revista Ciência Hoje, e Vieira, editor de forma e linguagem da CH. O texto da dupla não requer grande conhecimento técnico para ser compreendido, embora alguma familiaridade com noções de física e matemática ajude a acompanhar o raciocínio do sr. Lao.

Uma ciência revolucionária
Mas, afinal, o que é a computação quântica? Para entendê-la melhor, é preciso conhecer alguns conceitos da mecânica quântica. Elaborado no início do século 20, esse ramo da física é o único capaz de explicar o comportamento de átomos, moléculas e partículas subatômicas que, por conta de suas dimensões ínfimas, não obedecem às leis da física clássica.

Um dos fenômenos mais curiosos estudados pela mecânica quântica é o chamado princípio da sobreposição, que postula que uma partícula pode apresentar duas condições ao mesmo tempo. No mundo macroscópico, seria o equivalente, por exemplo, de uma moeda que, em vez de exibir cara ou coroa, apresentasse os dois estados ao mesmo tempo. É esse princípio que, aplicado para a lógica computacional, está por trás da revolução do computador quântico.

A base da computação clássica é a lógica do sistema binário, no qual toda a informação é codificada com os dígitos 0 e 1. Nos circuitos do computador, esses dígitos são representados, por exemplo, por uma pequena corrente elétrica – a presença da corrente é associada ao dígito 1, e sua ausência, ao 0.

Se os sistemas desse computador forem devidamente miniaturizados para a escala em que vigoram as leis da mecânica quântica, podemos aplicar o princípio da sobreposição. Nesse caso, além do 0 e do 1 — presença ou ausência da corrente elétrica —, as duas opções seriam possíveis. Por mais contraintuitivo que ele possa parecer, esse fenômeno permitiria que o computador processasse várias operações simultâneas e lhe daria uma velocidade incrivelmente maior que a dos computadores atuais.

Embora ainda esteja em estágio inicial de desenvolvimento, a pesquisa no campo da computação quântica já teve alguns resultados de sucesso nos últimos anos. No entanto, se teremos computadores quânticos ultrarrápidos em nossas casas daqui a 50 anos, só o sr. Lao pode dizer.

A revolução dos q-bits: o admirável mundo da computação quântica
Ivan S. Oliveira e Cássio Leite Vieira
Rio de Janeiro, 2009, Jorge Zahar Editor
160 páginas.
Tel: (21) 2221-1565


Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
31/03/2009

A extinção dos tecnossauros – histórias de tecnologias que não emplacaram


Você quer deixar de ter aquela velha opinião formada sobre questões de ciência, tecnologia e sociedade? O livro A extinção dos tecnossauros, de Nicola Nosengo, oferece uma visita guiada com o intuito de “aproveitar os fracassos, que são momentos de crise de um sistema, para evidenciar os lugares-comuns nos quais se baseia nossa percepção da inovação tecnológica”.

Privilegiando o prazer de contar histórias sobre a elaboração de teorias, ele afirma também que a história de um fracasso é geralmente mais interessante que a de um êxito porque as histórias de sucesso são mais parecidas entre si, uma ideia já celebrizada por Tolstói: “Todas as famílias felizes são parecidas entre si, cada família infeliz é infeliz a seu modo”.

Tal como o arranjo das salas em um museu bem arquitetado, o desfile de tecnologias que não emplacaram está organizado em capítulos de narrativas vivas, mas nem por isso fantasiosas ou historicamente mal referenciadas. Os fracassos de Thomas Edson, seja com o sistema elétrico de registro de voto, patenteado em 1869, seja com o caso mais conhecido do fonógrafo, ressaltam que “um inovador tem sucesso quando acerta em cheio a combinação de elementos [heterogêneos]”.

A ideia de uma separação nítida entre sucesso técnico e fracasso comercial ou ainda a complexidade da configuração de padrões são problematizadas por um olhar atento que enxerga que “no fundo, as coisas não foram tão mal para o sistema de gravação Betamax”.

Correio pneumático e carro elétrico
O caso do correio pneumático, que desapareceu das grandes cidades onde existiu por muitas décadas, mostra que “grandes sistemas podem ser considerados verdadeiramente concretizados apenas quando atingem um ponto [provisional] de não retorno.” O caso da recorrentemente frustrada espera pelo carro elétrico ilustra que não se entra duas vezes no mesmo rio da tecnologia, pois “aquele carro elétrico permaneceu uma promessa não cumprida”.

O fracasso do videofone ressalta que “a ausência de imagem é uma qualidade [e não uma limitação] do telefone.” A inexistência do carro voador é vista como evidência de que “os grandes sistemas técnicos precisam de um complexo aparato legislativo e logístico para funcionar, e é esse fator, só em parte influenciável pelo progresso técnico, o decisivo”.

As batalhas entre o CD e o velho vinil, o long playing, ilustram que “nenhuma indústria, por mais unida e bem organizada que seja, pode impor uma inovação.” O caso da longevidade da fita cassete ilustra uma “espécie de hierarquia informal, [pois ela] se aproxima, mais do que o disco, de uma tecnologia de rede, no sentido de que sua utilidade depende em maior medida da sua difusão, de sua ‘troca’ no interior de uma trama de relações sociais.”

A televisão, o empreendimento econômico do Japão no pós-guerra, as características da escrita em uso no extremo Oriente, a evolução do mercado telefônico no Ocidente, o aparecimento de instituições transnacionais para a padronização de aparelhos eletrônicos configuraram a “primavera tardia do fax.”

Um exame do estabelecimento de padrões mostra como as regras do jogo da concorrência podem se modificar e como a afirmação de um padrão pode “ser determinada mais pelas expectativas sobre o futuro do que pelas considerações sobre o presente.”

Metáforas para uma teoria da inovação
As limitações e mesmo as controvérsias relatadas no livro podem ser melhor percebidas quando se chega ao último capítulo. O autor desenvolve ali uma breve apresentação de “metáforas para uma teoria da inovação”, após o desfile no qual seu faro de perdigueiro soube identificar e apontar a heterogeneidade do mundo em que se configuram “redes sem costura”.

Talvez o uso mais intenso e explícito destas mesmas metáforas durante a descrição dos casos tornasse mais visível também as semelhanças, as maneiras como as coisas se juntam na heterogeneidade. Mas Nicola Nosengo está consciente da opção que fez: “em primeiro lugar vêm as histórias – e o prazer de contá-las –, em seguida vem a especulação teórica...”.

No entanto, além disso, e aí talvez com maiores conseqüências, o último capítulo surpreende o leitor atento ao revelar um anseio por uma “verdadeira essência da tecnologia”, o que leva Nicola Nosengo a concluir o livro singularizando o que considera “provavelmente o mais ambicioso esforço realizado até agora para modelar e compreender o processo de inovação”, mas um esforço que parece trazer em seu bojo, tal qual um cavalo de Troia, marcações e separações pretensamente universais que o restante do livro tanto ajuda a afastar.

Mas isto de maneira alguma tira do livro seu mérito e atração: um texto leve e bem humorado que abre seriamente as portas para o tipo de construtivismo realista-relativista dos “novos” estudos de ciência-tecnologia-sociedade.

A extinção dos tecnossauros – histórias de tecnologias que não emplacaram
Nicola Nosengo (tradução: Regina Silva)
Campinas, 2008, Editora Unicamp
320 páginas.
(19) 3521-7716


Ivan da Costa Marques
Instituto de Matemática,
Departamento de Ciência da Computação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
10/06/2009

Revista Ciência Hoje