Nem sei se vos
diga se vos conte – o melhor é fazer figas e esperar que o tempo passe, suado
como o dorso do cavalo que viu o d. José
ao fundo. Mas a vidinha está assim, a época está assim: conformada.
Com um braço
inerte e caído, enquanto o outro punheteia o espectro das utopias que faliram.
Daí que a estupidez avance e a sua irrelevância também.
O fito era o
homenagear o Mandela e os poderes da terra mandaram fazer uma estátua de bronze
de nove metros em dois dias. E ainda por cima, prepotentes, avisaram os autores
que não a podiam assinar.
Eles comeram e
calaram, que o dinheirinho faz falta a todos. Fizeram um mamarracho que só tem
equivalente no naufrágio de Trafalgar.
E como a sua
vaidade ficou chamuscada com a impossibilidade de assinar mediocridade tão
distinta, resolveram vingar-se. Ou antes, ser traquinas. E esculpiram um coelho
no pavilhão da orelha esquerda (ou direita) da estátua.
Que só muitos
dias depois da inauguração foi descoberto. A oito metros e meio de altura.
Suponho que algum miúdo com mais humor deixou no sopé da estátua um saco com
cenouras. Ou talvez porque um desses detectives que com pundonor fotografam os
adúlteros em linguados e ademanes deu conta de que num canto obscuro do
enquadramento havia um coelho em visita.
O certo é que o
intruso foi descoberto e agora as autoridades estão em brasa e querem-no dali
para fora. Vai um charivari lá para as bandas de Boers e Zulus, Lda.
O coelho manhoso
(como o das fábulas africanas, embora aqui seja mais a lebre enquanto o
putativo roedor da polémica infiltrada na orelha do ícone tenha um ar mais
doméstico e terno, de coelho)... – é até um quiduxo!
Que falta de tomatada!
Compare-se a
coisa com o herético caracol, na Anunciação de Francesco del Cossa (1470-72). É
um pormenor arrepiante, inesperado, espetado na carne do sagrado como uma
verruga . O anjo anuncia a Maria Aquilo que não autoriza diferimento – a sua
prenhez abençoada – e que supostamente mudará o mundo, e indiferente a esta
ordem dee uma Necessidade Inelutável o caracol avança, absorto na sua baba
terrena, nas tintas para a arquitectura da conveniência. É um argueiro no olho
beato, que só vê coisinha santa.
Nesta altura em
que as ofensas a Deus eram tomadas a sério, este era realmente um atrevimento
do artista, uma blasfémia.
Agora, os
traquinas fazem coelhos.
Morremos do
amontoado da irrelevância que nos capa. Mas, ah!, como somos paródicos!
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