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quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

CANÇÃO DO CORSÁRIO

Lord Byron vestido de albanês (pormenor)

No fundo da minh’alma há um terno segredo,
solitário, perdido e que jaz repousado,
mas às vezes meu peito ao teu vai respondendo,
todo a tremer de amor, vibrando desesp’rado.

Ardendo em lenta chama, eterna mas oculta,
ergue-se no seu centro um fúnebre tocheiro;
parece que essa luz se não acende nunca,
nem para iluminar meu negro cativeiro.

Não me esqueças! Se um dia avistar’s o meu túmulo,
inclina sobre mim a flor de um pensamento.
A pena que eu jamais suportaria – a única! –
é pensar que em teu peito houvesse esquecimento.

Ouve-me, pois, então, as últimas palavras.
(Quem aos mortos irá negar esse favor?)
Dá-me… quanto pedi. Apenas uma lágrima
– única recompensa em paga deste amor!

Lord Byron
Trad. de David Mourão-Ferreira
Colóquio. Letras, Lisboa, Maio-Ago. 2003, p. 223

quinta-feira, 25 de abril de 2019

«Foram-te longe encerrar»



Abre hoje, finalmente, a primeira parte do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade na Fortaleza de Peniche. Às 18h00 será descerrado, na entrada interior da antiga prisão, um grande memorial onde estão inscritos os nomes dos 2510 presos políticos que, entre 1934 e 1974, estiveram aqui encarcerados. 



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Marcadores de livros - 407


INSCRIÇÃO SOBRE AS ONDAS

Mal fora iniciada a secreta viagem
um deus me segredou que eu não iria só.

Por isso a cada vulto os sentidos reagem,
supondo ser a luz que deus me segredou.

David Mourão-Ferreira
In: A Secreta Viagem

quarta-feira, 2 de março de 2016

Poemas - 94

Hebraico-mourisco, meu nome,
Não sei o que quer dizer.
Sei que não matas a fome
A quem me quer conhecer.
Quem me quiser conhecer
Tem que descer mais ao fundo
Do que o nome lhe disser;
por trás do nome, há um mundo.
Quem quiser é só descer.


- Um inédito de David Mourão Ferreira, datado de 12 de Janeiro de 1948 e publicado no Jornal de Letras .

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Poesia de David Mourão - Ferreira

Canção amarga

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
--- Importa amar, sem ver a quem...
Ser mau ou bom, conforme os dias.

Agora, tu só entrevista,
quantas imagens me trouxeste!
Mas é preciso que eu resista
e não acorde um sonho agreste.

Que passes tu! Por mim, bem sei
que hei-de aceitar o que vier,
pois tarde ou cedo deverei
de sonho e pasmo apodrecer.

Que importa o gesto não ser bem
o gesto grácil que terias?
--- Importa amar, sem ver a quem...
Ser infeliz, todos os dias!

                 David Mourão-Ferreira
                                   ( faria hoje 88 anos)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

sábado, 7 de abril de 2012

Amália Rodrigues - Primavera

A Primavera parece ter entrado num pequeno intervalo, as temperaturas baixaram e a tão desejada chuva regressou nalguns pontos do país. Mas não é funesta, como Amália Rodrigues nos canta neste belo fado com letra de David Mourão-Ferreira.

sábado, 17 de março de 2012

Os sinais

V.I.T.R.I.O.L.

III
Indócil testemunha a Lua comparece
a quem abre sinal no cartório do Sol.

V
É quando o Sol galopa no teu ventre
que de súbito a Lua te esporeia

VII
Brilha nas mãos do Sol o gume de um cutelo
O pescoço da Lua é que há-de ser o alvo

X
As pegadas do Sol nem sempre a Lua
lentamente as desfaz quando se oculta

XIV
Lunático é o Sol deixando-se queimar
Bem mais sólida é a Lua apesar de sonâmbula

XVI
Os subúrbios do Sol são quase sempre
o que a Lua me aluga por momentos

XIX
É tão fácil dizer-te ó Sol que te agradeço
Tão raro confessar-te ó Lua que te esqueço

David Mourão-Ferreira

segunda-feira, 21 de março de 2011

À Primavera


Alegoria à Primavera
Pintura proveniente da antiga Stabiae.
Nápoles, Museu Arqueológico Nacional

Quem de noite soltava essa turva serpente
que os puros calcanhares das Musas perseguia?
Era Abril, era Maio, era o raio de um vento,
filtrado pelo mar, com disfarces de brisa…

Era o grande impostor, o meigo proxeneta
que em cada ano exibe a jovem Primavera:
dos reinos infernais três meses a ausenta,
e a cúpida avidez dos homens a entrega.

Que virás cá fazer, que nos atormente,
de ramos coroada, ó rameira sagradal!?
Mas quando o Sol te doura ou a Lua te enfeita
(nos cabelos da noite, a madeixa de prata…),

Já nem sei se hei-de amar-te ou crivar-te de pragas,
ó verde confusão que os músculos me rasgas!

David Mourão-Ferreira
In: Obra poética: 1948-1988. 5.ª ed. Lisboa: Presença, 2006, p. 89-90

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

FOLHA


http://inet.sitepac.pt/FolhaOutono02.jpg

Era uma folha pousada
no cotovelo de vento:
e pairava, deslumbrada,
entre morte e movimento.

Era uma folha: lembrava,
de tão frágil,o momento
em que a vida me ficava
escrava do teu juramento.

Era uma folha: mais nada.
Antes fosse esquecimento!

David Mourão-Ferreira
In: Obra poética: 1948-1988. Lisboa: Presença, 2006, p. 109

D. M.-F. faria hoje anos.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Toada de Natal


Carl Larson (1853–1919) - A véspera de Natal
Aguarela, 1904-1905
Estocolmo, Museu National

Um pássaro a cantar na laguna estagnada
Frutos no capitel de uma coluna exangue
É assim que o Natal se pousa na alma
É assim que o Natal tem um gosto a laranja

Do gira-discos sobe um concerto de Bach
Que importa que lá fora o vento se levante
É assim que o Natal habita a nossa casa
É assim que o Natal desperta a nossa infância

Mas penso no que seja a noite de hoje em Praga
Vais a dizer a Jesus E dizes Vietname
É assim que o Natal nos dilacera a carne
É assim que o Natal nos aprece um alfange

E ficamos os dois de mãos entrelaçadas
E filtramos a luz e a sombra deste instante
É assim que o Natal nos vai enchendo a taça
É assim que o Natal nos aperta a garganta

1968

David Mourão-Ferreira
In: Cancioneiro de Natal. Lisboa: Verbo, 1971, p. 39-40