Prosimetron
sábado, 3 de outubro de 2015
terça-feira, 26 de maio de 2015
Parabéns Alberto!
olhos no dono postos
Palhaço fardado d’almirante
de se curvar e envilecer perante
terça-feira, 25 de junho de 2013
RESUMO
o que conheço.
Pelo resto
passo
e esqueço.
Alberto Soares
In: Arquivo mortal. Porto: Amititia, 2013, p. 23
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
No aniversário de Emily Dickinson
Uma palavra morre
quando é dita,
algum dia.
Eu digo apenas
que começa a viver nesse dia.
Emily Dickinson
Trad. Alberto Soares
http://arpose.blogspot.pt/2012/11/de-emily-dickinson.html
domingo, 31 de julho de 2011
Bom Vinho & Bom Tom
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Poesia de amor portuguesa e brasileira
Passarás de um passo
a outro passo
quase sem dar por isso.
O excesso
é um início.
Alberto Soares
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Saturno
se não eras alegria nem beleza?
Alberto Soares
In: Equilíbrio. Lisboa: Caminho, 1988
Com bastante atraso, à laia de agradecimento.
sábado, 13 de março de 2010
A. S.: Escolhas Pessoais XXI
Retrato de Miguel Torga, por Guilherme Filipe
Estamos próximo dos idos de Março, do fim do Inverno, neste ano que tem sido áspero e duro, no país e no mundo. No frio, na chuva, nos cataclismos naturais. Ora, áspero, mas natural, foi também o transmontano Miguel Torga (1907-1995), de seu nome de baptismo: Adolfo Rocha. Que era também portador de uma grande ternura humana, mas selectiva. Um dia, encheu o quarto de estudante de Eugénio de Andrade, de flores silvestres que colhera – quando o visitou, em Coimbra. De outra vez, ainda aluno universitário, num intervalo das aulas, deu uma palmada nas traseiras de uma colega. Como ela protestasse, admitiu: “ É ternura, sua bruta!” Eu não sou um incondicional de Torga e até lhe prefiro a prosa à poesia. No entanto, o autor de “Bichos” tem um poema que é toda uma vida. E vale toda uma obra, para mim, pela sua simplicidade e força naturais.
BUCÓLICA
A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.
Retrato de Alberto de Lacerda, por Rui Filipe
Por outro lado há, por vezes, poemas que têm um início fulgurante, perfeito e, depois, no final afunilam de uma forma redutora ou banal, o que tinha sido um começo surpreendente e feliz. É o caso, entre muitos outros exemplos que poderia citar, de um poema de Alberto Lacerda (1928-2007) a quem Jorge de Sena chamou “um puro poeta”, aquando da publicação, em Londres, de “77 poemas”. Além de bom poeta, Alberto de Lacerda era, também, um grande “diseur” da sua própria poesia. Nem todos os poetas o são. Tive, aliás, o grato prazer de o ouvir. Ora, o poema de que eu falava acima, tem uma grandeza inspirada inicial que, de algum modo, desaparece no verso final, quase fazendo implodir a obra em si. Mesmo assim consegue, no seu todo, ser um belo poema. Tem por título:
DIOTIMA
És linda como haver Morte
depois da morte dos dias.
Solene timbre do fundo
de outra idade se liberta
nos teus lábios, nos teus gestos.
Quem te criou destruiu
qualquer coisa para sempre,
ó aguda até à luz
sombra do céu e da terra,
libertadora mulher,
amor pressago e terrível,
primavera, primavera!
Sol de Primavera
Nota: Esta será a minha última “Escolha Pessoal”. Que termina, exactamente, cinco meses depois de ter feito a primeira. Pesam-me algumas omissões, neste “Clube de Poetas Mortos”, que são de minha frequente leitura: Sá de Miranda, Pessanha, Cesário, Nemésio, Jorge de Sena, Ruy Belo, para só falar de poetas portugueses. Mas antes que o hábito se transforme em rotina e o gosto em obrigação, é salutar que acabe no limiar da Primavera – que é um tempo propício para viver a Poesia… Laus Deo.
P.S.: A LB, com reconhecimento e estima.
Post de Alberto Soares
sábado, 6 de março de 2010
A. S. : Escolhas Pessoais XX
Retrato de Jimenez por Sorolla
TU
Passam todas verdes, rubras…
Tu estás mais além, branca.
Todas barulhentas, ácidas…
Tu estás mais além, plácida.
Passam manhosas, levianas…
Tu estás mais além, casta.
Quadro de Picasso
LUA CHEIA
A porta está aberta;
O grilo cantando.
Andarás tu nua
Pelo campo?
Como que água eterna
Por tudo entra e sai.
Andarás tu nua
Pelo ar?
A segurelha não dorme,
A formiga trabalha.
Andarás tu nua
Pela casa?
Era a altura de acabar a obra. Ou como ele disse, e para sempre, em “O Poema”: “Não lhe toques mais / porque é assim a rosa!”.
P. S. : A JAD, pela atenção e gentileza. Com amizade.
Post de Alberto Soares
sábado, 27 de fevereiro de 2010
A.S.: Escolhas Pessoais XIX
São alguns os poetas portugueses conhecidos e lembrados apenas por um poema. Por exemplo, João Roiz de Castel-Branco e a sua cantiga “Partindo-se”. Muitos, pelo único livro que publicaram: Cesário pelo “Livro de Cesário Verde” ou Camilo Pessanha com a sua “Clepsidra”. Quase sempre a prolixidade, em poesia, não rima com eternidade. Esquecido ou muito pouco lembrado está Gomes Leal que, no entanto, abriu caminho a Cesário Verde… Poetas há que tiveram sorte, outros má sina. Cristovam Pavia (1933-1968) foi um destes últimos. De seu nome completo, Francisco António Lahmeyer Flores Bugalho, era filho do poeta presencista Francisco Bugalho, e, pouco depois de completar 35 anos, interrompeu a sua própria vida cruzando o corpo ainda jovem com um comboio, ali para as bandas de Belém. Tinha começado a escrever e publicar poesia precocemente, em revistas: “Anteu”, “Árvore” e “Távola Redonda”. Em 1959 foi editado o seu primeiro e único livro, “35 Poemas”, na Moraes. Mas era um homem atormentado, com sentimentos de culpa e profunda religiosidade.
POEMA
Súbitos mergulhadores descendo nas águas inimigas
Com os olhos fitos e os peitos esmagados,
Descendo devagar, ao som lento de segundos vertiginosos como séculos
Todos nós vos acompanhamos e juntamos todas as nossas forças na mesma meditação.
Aqui, da terra firme,
Entre nuvens e terra,
Entre o suor e o orvalho,
Esperamos o termo com todas as nossas forças.
E sabereis a nossa mensagem:
Só há saída pelo fundo.
O seu desajustamento com o mundo não o impediu de ter cultivado amigas relações com José Régio e Casais Monteiro, bem como com poetas da sua idade ou geração: Pedro Tamen e António Osório. Mas a sua hipersensibilidade levaram-no por duas vezes até Heidelberga onde inicia uma psicoterapia e, ao mesmo tempo, trabalhará como pedreiro na construção civil.
Os poemas iniciais de Cristovam Pavia são, muitas vezes, voltados para a infância como numa tentativa de regresso a um paraíso perdido. Os finais, de extrema simplicidade, numa linguagem clara, mas quase sempre de tom elegíaco e grande carga dramática, falam de sentimentos e da vida de todos os dias. O poema que a seguir se transcreve, e que fez à morte do seu cão, é um bom exemplo disso – e, do meu ponto de vista, uma das mais belas elegias da poesia portuguesa do século XX.
Pintura de Mário Botas
AO MEU CÃO
Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo… e apesar disso, sem pedido, tentando
Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas,
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.
Post de Alberto Soares
sábado, 20 de fevereiro de 2010
A.S.: Escolhas Pessoais XVIII
Retrato de M. Bashô
Aprendi, entretanto, duas coisas importantes: que Matsuo Bashô (1644-1694) era o poeta japonês mais considerado; e que o “hai-kai” teria nascido de uma “dissidência” literária, em relação à poesia tradicional, por volta do séc. XV, por parte de dois poetas também importantes – Arakida Moritaka (1473-1549) e Yamazaki Sokán (1465-1553). O “hai-kai” é um poema minimalista muito insinuante e de fácil contágio (A. Machado, J. R. Jimenez, Borges, E. de Andrade…), embora de difícil execução. É como que um “flash” de uma máquina fotográfica. Um momento visual da Natureza (normalmente) que se cruza com o pensamento ou sentimento do poeta, numa síntese mimética e perfeita. Depois, desaparece, ficando transformado e condensado em 17 sílabas de um terceto.
Comecemos, então, por Bashô.
1. Outono – até as aves
e as nuvens parecem
envelhecidas.
2. Amigos separam-se
para sempre – gansos bravos
pelo céu, perdidos.
3. Do coração doce
da peónia sai voando
uma abelha ébria.
4. Narciso e biombo:
um ao outro se iluminam,
branco no branco.
Onda gigante de Hokusai
Seguidamente de Matsunaga Teitoku (1571-1653):
5. Hora do tigre:
névoa de primavera
também raiada.
6. Intenso flui
o mar bravo contra a ilha:
rio de estrelas.
Finalmente de Kobayashi Issa (1763-1827):
7. Para o mosquito
também a noite é longa,
longa e solitária.
8. A minha aldeia:
regresso, encontro, toco
- tudo se muda em sarça ardente.
P.S.: Uma pequena curiosidade. «Bashô» é uma palavra acrescentada, na idade, ao seu próprio nome, pelo Poeta. Acontece que um discípulo lhe ofereceu um tipo de bananeira que Matsuo plantou junto de sua casa. Como gostava muito dessa árvore, acrescentou a palavra ao seu nome, em jeito de apelido.
Post de Alberto Soares
sábado, 13 de fevereiro de 2010
A.S.: Escolha Pessoal XVII
Jornalista de mérito e acaso, quase fundador de “O Jornal”, entrevistador nato e arguto (ver entrevista a Salgueiro Maia em “Retratos Falados”- Ed. Asa), Fernando Assis Pacheco (1937-1995), como poeta, pertence à honrosa linhagem que, tendo origem nos colaboradores das “Cantigas de Escárnio e Maldizer”, passa por alguns poetas do “Cancioneiro Geral”, se prolonga no século XVIII por Tolentino e Bocage, e vem desaguar em Alexandre O’Neill. Uma das suas referências foi também Drummond de Andrade. Assis Pacheco é, talvez, menos “aristocrático” que O’Neill. Mas ambos são portadores de uma discreta ternura ou uma compassiva atenção às pequenas coisas do mundo ou aos “Enjeitados da Fortuna”, para lembrar José Daniel Rodrigues da Costa, outro dos parentes mais afastados, e com muito menos talento.
Fernando Assis Pacheco estreia-se, em 1963, com “Cuidar dos Vivos”, em plena maturidade de estilo e arte, glosa o Vietname – por defesa prudente contra a censura – em “Câu Kiên: um Resumo”(1972), para falar da sua experiência de guerra em Angola. O seu último livro de poesia “Respiração Assistida” sai já, postumamente, em 2003. Nestes seus últimos poemas, Eros e Thanatos entrelaçam-se e fundem-se virulentos e extremos, num estertor final pressentido que, por vezes, raia o fescenino e lembra a “dança da morte “ medieval, num frenético amor à vida que lhe foge.
A arte da indignação também sempre fez parte do seu credo:
Não Posso
Nasce
em torpes corações a Primavera.
Tempo, astros, alegria nunca escolhem
sobre quem derramar-se.
Para exemplo deste imponderável
Goering amava os animais
e vem a Lisboa David Oistrakh
tocar para estudantes e rameiras.
Quando colho uma flor, sei
que ela mudará as minhas noites.
Mas é também conhecido
que a certas horas os carcereiros
despem a farda
e vão às Mercês e à Rinchoa
comprar cestos à beira da estrada
com morangos ou cravos. Não posso
com tanta ironia.
Através de edições de autor, ou editoras menos consagradas, ou marginais, Assis Pacheco procurou afastar-se sempre das mundanidades literárias, dos holofotes da fama e das “vernissages do croquete” que o seu nome, por demais conhecido nos “media”, lhe teria disponibilizado, Truculento e imaginativo, era certeiro e natural nos versos, com a candura e rudeza das palavras sinceras e do seu grande amor à vida.
Desenho de Hans Hartung
Dá Lá a Mão
Herói das noites insones
Coração não me abandones
neste Outono derramado
não me godas coração
dá-me lá a tua mão
coração tu não me enroles
carcaça foi que está gasta
o check-up diz que basta
tem paciência coração
não me godas não me trames
que estou preso por arames
coração dá lá a mão
sábado, 6 de fevereiro de 2010
A.S.: Escolhas Pessoais XVI
Retrato de Machado por Alvaro Delgado
A sua poesia, bem como a de dois heterónimos que criou (Abel Martín e Juan de Mairena), passa rapidamente da fase inicial, mais rebuscada, para um período amadurecido de grande simplicidade em que o verso alexandrino produz aquele efeito mais sereno e pausado (“Amo a beleza, e na moderna estética, / cortei as velhas rosas do jardim de Ronsard; / mas não quero os adornos da actual cosmética, / nem sou um desses pássaros de alegre cantar…”) e alterna com pequenos tercetos que se aproximam muito dos “hai-ku” japoneses:
“Prestai atenção:
um coração solitário
não é um coração.”
Na forma que não no conteúdo, mais de reflexão que de motivo panteísta.
A geografia e paisagem castelhana, com o Douro predominante, são temas recorrentes de Antonio Machado em “Campos de Castela”, a sua obra mais conhecida, bem como os aforismos de sabor quase filosófico (“…Caminhante, não há caminho, / o caminho faz-se a andar…”) ou um diálogo interrogativo de certa religiosidade.
Quadro de G. Chirico
“A praça tem uma torre,
a torre tem um balcão,
o balcão tem uma dama,
a dama uma branca flor.
Passou lá um cavaleiro
- quem sabe porque passou! -
e levou consigo a praça,
com sua torre e balcão,
com o balcão e a dama,
a dama e a branca flor.”
P.S.: Proponho algumas referências de leitura, pessoalmente, para este último poema. Com tudo o que isso implica de, eventualmente, redutor ou excessivo.
A torre que surge no primeiro verso poderia ser uma reminiscência, em forma abstracta, da “Giralda” de Sevilha, cidade natal do Poeta. A dama com a branca flor a noiva-mulher, Leonor Izquierdo, com quem A.M., então com trinta e quatro anos, se casou, em 1909, tendo ela apenas 15 anos. E que veio a falecer em 1912, de tuberculose, deixando Antonio Machado em funda depressão. Finalmente, o cavaleiro seria a figura da Morte. Que tudo levou, deixando apenas o vazio.
Post de Alberto Soares
sábado, 23 de janeiro de 2010
A. S. : Escolhas Pessoais XV
Degredado para o Brasil, por motivos ainda hoje não totalmente esclarecidos, o seu testemunho das terras de Vera Cruz é mínimo, se bem que lá tivesse ficado 5 anos. Deixou-nos um soneto que começa assim:
“São dadas nove. A luz e o sofrimento
Me deixam só nesta varanda muda,
Quando Domingos, que dormindo estuda
Por um nome que errou, lhe chamo cento.
Mortos da mesma morte o dia e o vento,
A noite estava para ser sesuda,
Que desta negra gente, em festa ruda,
Da sua vasta bibliografia elejo “Carta de Guia de Casados” de que escolhi um pequeno excerto com pretexto e sugestão de que a leiam ou releiam. Aqui vai:
“ Dizia um nosso grande cortesão, que havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do Diabo, casamento da morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do Diabo, o da Velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o Velho. Ele certo tinha razão, porque os casados moços podem viver com alegria. As Velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia. Os velhos casados com as moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.”
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
A. S.: Escolhas Pessoais XIV
Retrato de Drummond de Andrade, por Portinari
Carlos Flávio Drummond de Andrade (1902-1987) é conhecido, sobretudo, como um dos grandes poetas brasileiros do séc. XX, mas foi também um contista notável - “Contos de Aprendiz”- e autor de crónicas memoráveis.
Homem, aparentemente, simples, mas de grande sabedoria poética (“Não faças versos sobre acontecimentos […] Penetra fundamente no reino das palavras”), autor de poemas de grande dramatismo expressivo (“A morte do Leiteiro”, “Caso do Vestido” e “Desaparecimento de Luísa Porto”) que alternam, inesperados, com versos de intenso humor negro:
A SANTA
Sem nariz e fazia milagres.
Levávamos alimentos esmolas
Deixávamos tudo na porta
Petrificados.
Por que Deus é horrendo em seu amor?
Os seus contos, de saboroso humor minimalista, articulam de uma forma analítica o espanto provinciano (Itabira, onde nasceu) perante a ”perfeição” citadina (Belo Horizonte, para onde foi estudar) – vista pelos olhos de uma criança -, por exemplo em “O Sorvete”; ou dão lugar aos sentimentos infantis, extremados, na sua pureza original (“Salvação da Alma”). Mas a seriedade do tom destas pequenas narrativas, com o seu inesperado final, faz lembrar um menino sisudo, educado e compenetrado dos seus deveres (e não esqueçamos que Drummond foi um eficiente e cumpridor funcionário público …) que, quando menos se espera faz uma malandrice… Este humor, por vezes ácido, é também uma herança do “modernismo brasileiro” que Manuel Bandeira, por exemplo, conservou até ao fim.
Carlos Drummond de Andrade foi também um tradutor exemplar de autores franceses: Laclos, Moliére, Balzac, Proust e Mauriac. E Lorca. Os seus versos que, às vezes, parecem excessivamente prosaicos, têm uma musicalidade muito própria e chegaram (algumas composições) a ser musicadas por Vila-Lobos: “Viagem de Família” e “Cantiga do Viúvo”.
A preocupação social, a solidão (“Nesta cidade do Rio, / de dois milhões de habitantes, / estou sozinho no quarto, / estou sozinho na América…”) e o amor, quer na sua fase inicial - mais optimista -, quer na final, com notas mais dramáticas (“Deus me deu um amor no tempo da madureza, / quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme…”), para lá dum cristianismo discreto, mas muito presente, são temas estruturantes na sua obra. Lapidarmente, Otto Maria Carpeaux disse que a obra poética de Drummond era um “acordo raro de certa ingenuidade rústica com a mais rigorosa disciplina intelectual.”Desenho de A. Rodin
De Carlos Drummond de Andrade escolhi:
O QUARTO EM DESORDEM
Na curva perigosa dos cinquenta
Derrapei neste amor. Que dor! que pétala
Sensível e secreta me atormenta
E me provoca à síntese da flor
Que não sabe como é feita: amor,
Na quinta essência da palavra, e mudo
De natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objecto mais vago do que nuvem
e mais defeso, corpo! corpo, corpo,
verdade tão final, sede tão vária,
e esse cavalo solto pela cama,
Post de Alberto Soares.
sábado, 9 de janeiro de 2010
A.S.: Escolhas Pessoais XIII
“A Conquista de Cacela
As praças fortes foram conquistadas
Por seu poder e foram sitiadas
As cidades do mar pela riqueza
Porém Cacela
Foi desejada só pela beleza”
“As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas…”
Ticiano - Isabel de Portugal
Óleo sobre tela
Madrid, Museu do Prado
“Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.”
Post de Alberto Soares
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
A.S. : Escolhas Pessoais XII
W. H. Auden (Avedon, 1960)
Em tudo aquilo que traduzo, procuro sobretudo o sentido dos poemas. Se puder respeitar o ritmo ou respiração do poema, tanto melhor. Manter a rima, na poesia (se tem rima) é, para mim, totalmente secundário. Em nome da rima, na tradução, se têm cometido autênticas monstruosidades. Já basta a “traição” que é traduzir, em si.
Vem isto a propósito de dois poemas de Wisten Hugh Auden (1907-1973) que traduzi e transcrevo abaixo.
Não sendo um poeta excessivamente moderno, ou inovador nas formas e metros usados, é-o nos conteúdos. Auden foi um escritor que ocupou e justificou, em plenitude, o seu tempo de vida na Terra. Nómada, com profundas convicções políticas, teve uma intervenção e tomadas de posição inequívocas, persistentes e marcadas perante os grandes problemas ou crises que afectaram o Mundo e a sua época. A Guerra Civil de Espanha, a ascensão do nazismo e a II Grande Guerra foram objecto de poemas seus. Tem mesmo um poema intitulado “September 1, 1939”, numa atitude semelhante à de René Char. A menorização dos princípios éticos também o preocupava:
“A História da Verdade
Há muito e quando ser era também acreditar
A verdade era superior a muitas crenças,
A mais inicial, mais eterna que um leão com asas
De morcego, um cão de rabo de peixe, um peixe com cabeça
De águia, e o menor dos mortais duvidava que morressem.
A verdade era o exemplo que procuravam construir
Um conjunto de duráveis objectos em que acreditar,
Sem crer nas coisas terrestres ou na lenda,
No arco e na canção, onde credível ou não
A verdade estava sempre ali por ser mesmo verdade.
Só que, entretanto, assim como os úteis pratos de papel,
A verdade converteu-se em quilovátios,
E a última coisa a fazer foi criar um anti-modelo,
Alguma inverdade por onde alguém possa mentir,
Um nada em que ninguém precisa de acreditar.”
Jack Butler Yeats - The two travellers
Londres, Tate Gallery
“Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem que o cão ladre, com um osso saboroso,
Silenciem os pianos e ao som cavo de tambores
Tragam o caixão, deixem entrar quem vier de luto.
Deixem os aviões gemer sobre as nossas cabeças
Escrevendo no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham crepes, tarjas negras no pescoço branco dos pombos
Da rua, que os sinaleiros usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A semana de trabalho e o descanso de domingo,
O meio-dia, a meia-noite, a minha fala e canção;
Eu pensava que o amor era eterno, mas estava enganado.
Agora as estrelas são inúteis: apaguem-nas todas;
Embrulhem a lua, desmantelem o sol;
Despejem o oceano e desfaçam-se da floresta
Porque nada do que vier servirá de conforto.”
P.S.: Com agradecimentos a Américo Guerreiro de Sousa.
Post de Alberto Soares.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
A. S.: Escolhas Pessoais XI
Retrato de Ramalho por Columbano
José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915) nasceu no Porto, cidade onde veio a iniciar a sua carreira de homem de letras, como jornalista. Esteta, ginasta, andarilho incansável, e elegante prosador, cedo se distinguiu pela vivacidade dos seus escritos e comentários. Homem de princípios, chegou a bater-se em duelo com Antero de Quental, para desafrontar o nome de Feliciano de Castilho, por causa da polémica “Bom senso e Bom gosto”. Em parceria com Eça de Queiroz escreveu O Mistério da Estrada de Sintra e a parte inicial de As Farpas, que depois continuou a publicar sozinho. Da sua lavra, exclusivamente, são A Holanda e Praias de Portugal, entre outras obras, em que o apontamento certeiro e pitoresco, o olhar perspicaz e bem humorado denunciam a sua vocação natural de jornalista. Tradicionalista, monárquico até ao fim (D. Carlos, o Martirizado que publicou pouco depois do regicídio), senhor de um nacionalismo saudável e aberto, deixou notas inconfundíveis sobre o folclore, a arte popular e os costumes portugueses da época. São dele os excertos que se seguem, insertos em As Farpas, a propósito do Natal, e do intenso movimento mercantil que o antecede:
“…Lisboa prepara neste momento a festa do Natal.
Grandes rebanhos de perus, enrabeirados de lama, espalham no macadame as suas manchas movediças e escuras, de reflexos de aço, adornadas de florescências brancas e vermelhas dos moncos. Pessoas idóneas pastoreiam esses galináceos, guiando-os a golpes de cana por entre as rodas dos trens e por entre as pernas dos viandantes. Na compra destes perus convém escolher os mais teimosos: à força da cana, são os mais tenros.”
“… Os restaurantes empilham em exposição as perdizes, as galinholas, os patos bravos, os pastelões de presunto e vitela, os tímbales de frango misturados de “champignons”, e os ventres loirejantes e amanteigados dos perus embutidos de trufas, no meio de gargalos de prata de Champagne e das garrafas pretas do Bourgogne lacradas de verde.”
“… Na Praça da Figueira, num movimento extraordinário de apetites em circulação, grunhem os leitões, cacarejam os galos e berram alvoroçados os marrecos e as galinhas, erguidos pelas asas e arrepiados nas penas do peito pelo sopro dos compradores. A caça pende em bambolins ao longo das barracas, e enquanto coelhos mansos suspensos pelas pernas, expiram fulminados com a pancada seca dada com a mão de trave sobre as orelhas, cordeiros e cabritos esfolados enxugam ao ar, abertos de cima a baixo, com um caniço em cruz metido no ventre.”
“… Todas as especialidades culinárias se anunciam: os paios de Castelo de Vide, os presuntos de Melgaço, os vinhos da Fuzeta e de Borba, as arrufadas de Coimbra, os biscoitos de Oeiras, as queijadas de Sintra, a marmelada de Odivelas, os mexilhões de Aveiro, as frutas secas de Elvas e de Setúbal, o pão de ló de Margaride, o massapão de Espanha, o caviar da Rússia, a mortadela de Itália, as “pralinés” e os” marrons glacés” de Paris, o salmão da Escócia, a “choucroute” da Alemanha…”
“… Dir-se-ia que uma indigestão nacional se prepara e que o estômago de Lisboa vai rebentar de fartura amanhã.”
Capa d’As Farpas
P.S.: Boas-Festas a Todos. Aos Residentes e aos Visitantes do “Prosimetron”!
Post de Alberto Soares.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
A. S. : Escolhas Pessoais X
Infelizmente, e no que à poesia diz respeito, alguns dos seus melhores poemas estão sepultados por entre essa densa floresta epopeica intitulada Invenção de Orfeu (nome escolhido por Murilo Mendes) e que foi prefaciada por João Gaspar Simões, na sua edição original.
Autor de uma obra desmesurada e desigual, de leitura, por vezes difícil e pesada, em que o barroco se mescla de misticismo, e os metros clássicos e temas se travestem de surrealismo, sobrevoada por um sopro bíblico, a voz de Jorge de Lima é, no entanto, incontornável para quem quiser conhecer as tonalidades variadas da melhor poesia brasileira.
Francis Bacon: "Three studies for a basis of a crucifixion", 1.ª versão (1944)
Transcreve-se, do poeta, um soneto de grande tensão expressiva e que foi publicado – como inédito, na altura – na revista portuguesa Árvore (vol.II - Primeiro fascículo):
Divina Voz, divino Sopro santo,
respiro-me em teu Voo, veloz Amor.
E sinto-me pequeno de poesia.
Vezes uns uivos, longe de ser canto
vestem-me os pêlos como Manto novo,
cordas revoando. Louvo-te Senhor.
Tenho em roda ao pescoço uma coleira
de cão, de pobre cão entre o meu povo.
Nem sei dizer se esse mudado verbo,
nem sei dizer se essa gaguês furiosa,
essa rosa de vento que é meu berro
se tornou na asfixia de Teu perro,
- canto com que louvar-Te, canto-chão,
nessa Tua divina ventania.
Post de Alberto Soares.
sábado, 5 de dezembro de 2009
A. S. : Escolhas Pessoais IX
Guerra Junqueiro (1850-1923) e António Nobre (1867-1900) foram os primeiros poetas que li. Se Junqueiro é, hoje, uma remota recordação no tempo, Nobre, pelo contrário, revisito-o muitas vezes. E, para tomar de empréstimo a Vitorino Nemésio algumas palavras, diria, com ele : “Queremos falar criticamente do «Só», e ele recusa-se, foge do terreno crítico como uma recordação de família que não suporta outra estima senão a do coração”.
Mas sobre a criação poética, em Nobre, tenho alguma coisa a dizer a propósito do soneto 13 (da primeira edição do “Só” ) que passou a ser o 12º na segunda edição.
De Paris, e a 2 de Fevereiro de 1891, o Poeta escreve, ao seu grande amigo Alberto de Oliveira, uma carta em que refere: “Ó Alberto! manda-me notícias! Jornais aos montes (…) crivados de pormenores, com a cópia de quantos telegramas têm nestes dias atravessado os fios de arame que eu vejo além, meu Deus! sob um lindo céu cheio de sol, atacadinhos de pardais de todo alheados do «pronunciamento», nem por isso lhe oscilando as patas – Revolução! 30 mortos! 100 feridos!... - que passam”. Esta sofreguidão de António Nobre por notícias prendia-se com os factos ocorridos com a intentona do 31 de Janeiro de 1891, no Porto, em que participara, pelo menos, um dos seus amigos: Sampaio Bruno.
Cerca de nove meses mais tarde e na passagem pela Alemanha, em Colónia (possivelmente a 10 de Novembro de 1891), esta carta vai “transformar-se” no soneto 13 da primeira edição do “Só”.
Reproduz-se este soneto através das provas para a 2ªedição, com as emendas feitas pela mão de Nobre, no seu exemplar.
Este soneto deve ter deixado, também e posteriormente, marcas de leitura num poema de Alexandre O’Neill, intitulado “A Central das frases”. O contágio de Nobre reflecte-se também, no paralelismo da doença e no agrado pelo coloquial, em alguma da poesia de Manuel Bandeira. E não só.
Como disse Vitorino Nemésio, a arte de António Nobre é portadora de grande “astúcia estética” que lhe permitiu sobreviver ao seu tempo e deixar marcas para o futuro.
Além do afecto que tenho pelo “Só”, é com imenso gosto que lembro, hoje, o seu autor e o escolho.
Post de Alberto Soares