Eu sabia que era ele quem me telefonava. A qualquer hora do dia ou da noite, lá estava aquela voz nojenta, ora a insultar-me, ora a descrever-me minuciosamente o que me faria com a língua, ora demonstrando conhecimento profundo de todos os passos do meu dia-a-dia. Eu sabia que era ele, o meu vizinho da frente. Era como se o estivesse a ver, do outro lado do telefone, a cara vermelha e gordurosa, a borbulha purulenta a mudar de cor e aquele ar escarninho a martirizar-me, a conspurcar-me. Já o acusara à operadora, exigira que confirmassem o número, mas, sem provas, disseram-me, não podiam fazer nada. Acéfalos! Provas, era o que eu queria! Pretextaram que tinham que proteger a privacidade dos clientes! E a minha, quem a protegia? Também era cliente! Acabei com o telefone fixo. Mas os telefonemas por telemóvel saíam-me caríssimos, e, por vezes, quando estava sem óculos, acabava por atender chamadas com o número privado, por não conseguir ler as letras no visor do telefone. E lá estava a mesma voz maldita a envenenar-me a vida. Fui à Polícia. Os incompetentes disseram que não podiam fazer nada sem ordem de um juiz. Mas foi-me dito que essa autorização só seria concedida em caso de investigações que envolvessem perigo de vida, mortes, assassínios…Pois bem. Matei-o. Um tiro de caçadeira mesmo no meio da testa. Agora sim. Descobriram que era ele o autor dos telefonemas. Quanto a mim…bem…quanto a mim, também fizeram uma descoberta inesperada: sou louca. Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Mostrar mensagens com a etiqueta Histórias inconfessáveis-Ficção. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Histórias inconfessáveis-Ficção. Mostrar todas as mensagens
sábado, 21 de abril de 2012
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Não tenho culpa da sua teimosia
Estava farta. Farta de que se esquecesse de puxar o autoclismo. Farta de que ele marcasse o território nas sanitas das várias casas de banho. Farta de que não fosse capaz de acertar naquela bocarra tão grande e deixasse o chão salpicado de urina à volta das sanitas. Mal eu acabava de as limpar, começava ele na sua romagem de as conspurcar, uma por uma. O cheiro a urina enojava-me cada vez mais e avivava os meus instintos de vingança.
Um dia, decidi-me. Ainda lhe dei uma oportunidade de se salvar. Disse-lhe:
— Não uses esta casa de banho. Acabei de a limpar. Quero mantê-la mais recatada e limpa, para o caso de vir alguém.
Limpei-a, e, ainda húmida, passei óleo da cozinha nos mosaicos. E deixei o patim do nosso neto bem a jeito, como se tivesse sido esquecido.
Escorregou, bateu com a cabeça na sanita, e…foi-se!
Não tenho culpa da sua teimosia.
Subscrever:
Mensagens (Atom)