para Felipe David Rodrigues
Lixo extraordinário filme que retrata o trabalho feito pelo artista plástico americano-brasileiro, Vik Muniz, é um belo filme. Forte e emocionante, pertence às manifestações contemporâneas que buscam, através da carga emocional neles colocada, atrair a atenção do público e impactá-lo. É impecável sua conquista da boa vontade do espectador, quando intensifica a possibilidade cristã de resgatar do lixo as pessoas que vivem à margem do sistema consumista, seja da arte, seja dos amores, seja dos bem eletrônicos.
A fórmula é consabida desde o extermínio dos índios, pelas missões dos primeiros tempos europeus das Américas, das populações ribeirinhas,rurais e urbanas que aos poucos vão se “civilizando”, pela presença maciça da emocionalidade televisiva das novelas e faustões ou pela profusão de bispos também televisivos da nova religiosidade.
Tais fórmulas são de conhecimento geral e servem para aplacar nossa consciência culpada ante a incapacidade de repensar o trabalho, a moradia e a inclusão dos membros da sociedade. Ensinar que se pode resolver a situação de uma comunidade, através da emoção, é no mínimo fazer com que a ação seja paliativa e improdutiva. A arte ao entrar nos campos sociais deve tomar muito cuidado consigo mesma, pois que pode deixar de se afirmar como arte e desandar em ações que deveriam estar por conta dos governos e das escolas. Com isso, antes que alguém acuse, não se quer dizer que a arte não possa ser social nem contribuir para que a sociedade possa usufruí-la, mas deve manter a lucidez e pensar sobre seus pressupostos para que possa ser considerada arte.
A questão é secundária no filme, em momento algum o artista ou as pessoas que são postas em contato com os retratos feitos questionam o fazer – dá-se como importante de antemão e o autor dos quadros toma – contra talvez ele mesmo – ares de grande herói e pai, que deve cuidar de seus rebentos perdidos e salvar a sociedade – como um super-homem pós-moderno – da vida.
Ao emoldurar as personagens na fixidez da fotografia finge ser uma outra coisa que não o produto da reflexão que leva à arte, mas a arte assegurada por um mercado que vai render frutos para além da obra. As imagens finais do filme são exemplares e formulares. O lugar comum do destino das pessoas – fórmula fulano terminou assim, beltrano assado – é ilustrativo do que se busca dizer. Vik volta ao seu estúdio com cara de dever cumprido e os personagens – embora tenham abandonado o extraordinário lixão – estão sem emprego ou esperam com dezenove anos o terceiro filho e vivem às expensas de um marido até serem novamente abandonadas e se verem sem emprego. A máxima de que a arte transforma é em tese verdadeira, mas essa transformação não se dá conforme o filme tenta passar – como solução de um problema social.
A transformação que a arte opera se dá em dois níveis, a do alargamento da leitura – seja visual ou escrita – e a da percepção da vida e não da sua transformação no que é outro. O filme se salvaria da medianidade se a comunidade de catadores de lixo passasse a ter a opção de ser dignificada como catadores e a partir daí passasse a ser fonte produtora de expressões culturais válidas e profundas. Retirá-los do limbo e jogá-los em outro não menos cruel é transformá-los em novos índios.
Em tempo. São lindas e sensuais as duas moças. Nenhuma é desdentada ou tem a bunda caída, o que ajuda a identificar o público com a emoção que o filme busca. Um filme – mesmo um documentário – é sempre um filme feito de escolhas e montagem e de um público que a ele se destina, uma moça muito diferente tornaria o filme caricato – como é a presença do senhor analfabeto, pouco explorado no filme – e quem sabe mais digno, embora não se destinasse aos prêmios que ganhou. Serve apenas para dar um toque da tão presente “cor local” de triste e longa utilização por nossos diretores, escritores e artistas plásticos.
Por fim, o impacto na conta bancária do artista é desigual com o impacto na conta bancária? Dos personagens que emolduram a mitologia Vik Muniz.
(oswaldo martins)