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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Duas indicações em forma de pilulinha cinematográfica

1

Ilha no Milharal, o belo filme de George Ovashvili, é uma das maiores obras que assisti nos últimos anos. A narrativa concisa, o silêncio, que só é quebrado quando se torna absolutamente necessário, o aproximam do conceito do poético; as interpretações seguras constroem o lirismo impecável do filme; a pouca ação, a noção ética do trabalho, que traduz um mundo que vai a morrer, colocam-no num ponto extremo da arte cinematográfica.

2

Táxi Teerã, do cineasta iraquiano Jafar Panahi, de quem assisti estupefato o belíssimo “isto não é um filme”, é uma divertida e sábia viagem a Teerã, esta terra que fica entre a mística desconhecida do mundo mais moderno entre os mundos árabes e a mítica ocidental de um lugar de ferocidades inexplicáveis. Ao rodar pela cidade dentro do táxi de Jafar, percebem-se os cheiros, as dicções das conversas e a dificuldade de se viver em uma sociedade fechada, sujeita aos diversos tipos humanos. A capacidade do diretor de fazer rir e meditar profundamente sobre o motivo – nem sempre edificante – do riso é uma das qualidades fortes do filme. Quem for assistir ao filme observe o vendedor de filmes proibidos, tipo impagável de todos os lugares do mundo.


(oswaldo martins)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Pilulinha cinematográfica 1


No, de Pablo Larraín, é um filme correto do ponto de vista histórico. Estão presentes nele as imagens terríveis dos anos da ditadura recente no Chile, o tremendo culto das personalidades, que o fascismo ensinou ao mundo. Assim como está presente uma nova linguagem para que se possa falar da coisa pública. A presença do marketing na percepção da política é antiga, entretanto, a esmagadora presença da propaganda como idéia é recente.

A troca do discurso “sério” pelo discurso eficaz foi aos poucos tomando corações e mentes dos idealizadores do século XXI. Não entro aqui no mérito do discurso – apenas anoto. Aristóteles já havia demonstrado como o discurso trágico e catártico servia para educar a população grega para os tempos novos que se vivia então. Com sua capacidade de convencimento transversal e plástico, o discurso da propaganda faz com determinado público vire massa de manobra dos desejos justos ou nem tanto dos que palmilham o plano do poder. Se a intenção é despistada pela “alegria” do discurso, a consciência pode ou não ser despertada pela invenção presente no discurso midiático.

O que tal discurso cria me parece ser um apaziguamento que não se deixa ver e se imiscui nos planos pacíficos que resguardam os torturadores e ideólogos dos regimes funestos que dominaram a América Latina durante anos. A passagem dos governos militares para as mãos dos civis feita – via de regra – de modo pacífico é um chute nos culhões dos desaparecidos, dos assassinados, dos exilados. Ver, por exemplo, Pinochet passar a faixa para seu sucessor cria uma imagem de normalidade que induz ao erro de avaliação deste período tenebroso.

Se foi a única maneira possível, foi também a mais equivocada e apenas adia o que de fato deve ser tomado como diretriz da história – o julgamento dos culpados. A presença apaziguadora da linguagem midiática, quando, a partir da necessidade dos mercados, ela se dobra na venda infausta dos produtos que maquiam a felicidade na compra – por exemplo, de um novo produto que o mercado quer vender, frutifica na inconsciência a que os povos da América Latina foram submetidos pelos que tomaram o poder e pelos que fizeram a escolha de substituí-los pela linguagem do convencimento fácil.

(oswaldo martins)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

A detestável senhora Thatcher


Fui ontem ao cinema assistir ao A Dama de Ferro. A biografia da terrível mulher, intentada pelo filme, é fraca e ao tentar dar à senhora inglesa alguma emoção, além de trair a biografada – senhora fria como gelo, desprovida de sensibilidade – trai a narrativa, pois, ao tentar trazer à tela convencimentos que lhe adoçassem os detestáveis anos de exercício de poder, eivados de autoritarismo e elevada taxa de injustiça social, se torna patética.

A Dama de Ferro, ao insuflar a parte mais triste do capitalismo, esteja talvez na raiz da crise por que a Europa e o euro passam hoje. Os países envolvidos na Comunidade Comum Europeia tomaram como método o caminho da modernidade econômica, junto à justiça social, que é no mundo europeu, que a senhora Thatcher desprezou, uma saída para a formulação de um socialismo democrático. A crise vivida teria a ver com a “semelhança” com a “filosofia“ econômica americana, que nasce e se planta na Inglaterra da Sra. Thatcher. Não se deram conta, entretanto, que a modernidade econômica, que nos inventou os yuppies, a crença no trabalho exaustivo e sem limites, não se coaduna com o ideário de justiça social.

Por esta razão deve-se debitar na conta da famigerada senhora. Mais curioso ( e terrificante) que apontar para ligação Thatcher/crise é perceber que o adocicamento de sua biografia acontece no exato momento em que as instâncias econômicas internacionais impõem pesado fardo às populações europeias com as mesmas medidas que significam perda substancial dos avanços sociais conquistados durante muitos anos.

(Oswaldo Martins)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Extraordinário Lixo

para Felipe David Rodrigues
Lixo extraordinário filme que retrata o trabalho feito pelo artista plástico americano-brasileiro, Vik Muniz, é um belo filme. Forte e emocionante, pertence às manifestações contemporâneas que buscam, através da carga emocional neles colocada, atrair a atenção do público e impactá-lo. É impecável sua conquista da boa vontade do espectador, quando intensifica a possibilidade cristã de resgatar do lixo as pessoas que vivem à margem do sistema consumista, seja da arte, seja dos amores, seja dos bem eletrônicos.
A fórmula é consabida desde o extermínio dos índios, pelas missões dos primeiros tempos europeus das Américas, das populações ribeirinhas,rurais e urbanas que aos poucos vão se “civilizando”, pela presença maciça da emocionalidade televisiva das novelas e faustões ou pela profusão de bispos também televisivos da nova religiosidade.
Tais fórmulas são de conhecimento geral e servem para aplacar nossa consciência culpada ante a incapacidade de repensar o trabalho, a moradia e a inclusão dos membros da sociedade. Ensinar que se pode resolver a situação de uma comunidade, através da emoção, é no mínimo fazer com que a ação seja paliativa e improdutiva. A arte ao entrar nos campos sociais deve tomar muito cuidado consigo mesma, pois que pode deixar de se afirmar como arte e desandar em ações que deveriam estar por conta dos governos e das escolas. Com isso, antes que alguém acuse, não se quer dizer que a arte não possa ser social nem contribuir para que a sociedade possa usufruí-la, mas deve manter a lucidez e pensar sobre seus pressupostos para que possa ser considerada arte.
A questão é secundária no filme, em momento algum o artista ou as pessoas que são postas em contato com os retratos feitos questionam o fazer – dá-se como importante de antemão e o autor dos quadros toma – contra talvez ele mesmo – ares de grande herói e pai, que deve cuidar de seus rebentos perdidos e salvar a sociedade – como um super-homem pós-moderno – da vida.
Ao emoldurar as personagens na fixidez da fotografia finge ser uma outra coisa que não o produto da reflexão que leva à arte, mas a arte assegurada por um mercado que vai render frutos para além da obra. As imagens finais do filme são exemplares e formulares. O lugar comum do destino das pessoas – fórmula fulano terminou assim, beltrano assado – é ilustrativo do que se busca dizer. Vik volta ao seu estúdio com cara de dever cumprido e os personagens – embora tenham abandonado o extraordinário lixão – estão sem emprego ou esperam com dezenove anos o terceiro filho e vivem às expensas de um marido até serem novamente abandonadas e se verem sem emprego. A máxima de que a arte transforma é em tese verdadeira, mas essa transformação não se dá conforme o filme tenta passar – como solução de um problema social.
A transformação que a arte opera se dá em dois níveis, a do alargamento da leitura – seja visual ou escrita – e a da percepção da vida e não da sua transformação no que é outro. O filme se salvaria da medianidade se a comunidade de catadores de lixo passasse a ter a opção de ser dignificada como catadores e a partir daí passasse a ser fonte produtora de expressões culturais válidas e profundas. Retirá-los do limbo e jogá-los em outro não menos cruel é transformá-los em novos índios.
Em tempo. São lindas e sensuais as duas moças. Nenhuma é desdentada ou tem a bunda caída, o que ajuda a identificar o público com a emoção que o filme busca. Um filme – mesmo um documentário – é sempre um filme feito de escolhas e montagem e de um público que a ele se destina, uma moça muito diferente tornaria o filme caricato – como é a presença do senhor analfabeto, pouco explorado no filme – e quem sabe mais digno, embora não se destinasse aos prêmios que ganhou. Serve apenas para dar um toque da tão presente “cor local” de triste e longa utilização por nossos diretores, escritores e artistas plásticos.
Por fim, o impacto na conta bancária do artista é desigual com o impacto na conta bancária? Dos personagens que emolduram a mitologia Vik Muniz.

(oswaldo martins)