segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

De filme

Encho o carro de ar, abro todas as janelas. O cabelo ameaça se soltar e me deixar sem ter onde segurar na hora em que pisar finalmente no freio. Encho o banco do passageiro de garrafas de uísque. Pode ser que eu precise. Sinto que vou precisar parar no primeiro posto e pedir uma água gelada, igual à do anúncio da TV, e meu olhar será duro como o do caubói impressionado pelo calor. Eu não vejo as rachaduras no barro marrom dourado da estrada em que ele pisa quando salta do carro. A meus pés, um oceano de pedras brancas formando um mosaico de incrustações. Parecem brilhar, todas essas pedras, mais do que o metal do meu carro prateado. Juntos, o cinza brilhante e o branco arredondado, somam-se ao meu cansaço. Preciso beber uma água, despir o caubói da sua agonia, dar-lhe um ventilador. Quem sabe esvazio o banco, jogo as garrafas lá atrás ou as prendo no pára-choque. Elas poderão anunciar a minha chegada aonde quer que eu esteja indo. E irei com esse caubói desmascarado e resistente, que vai demorar dias para começar a me contar todas as piadas que conhece. Quando chegarmos ao final da viagem, vamos contar tudo um para o outro. E o anúncio vai terminar com as bolhas da água gasosa explodindo saltitantes pela tela. Você vai ver só. Depois que terminar, um fade para as garrafas se quebrando e para a nossa gargalhada. O caubói perdeu o chapéu e nem ligou mais.


(Lúcia Leão)

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