CARLOS
ALEXANDRE AZEVEDO (1972-2013)
Morrer
aos poucos
Por
Luciano Martins Costa em 12/02/2013 na edição 733 Observatório da Imprensa
O técnico de computadores Carlos
Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade
excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico
de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi
Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs
fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de
memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura
militar. Travessias torturadas é o título do livro, e bem poderia ser também o
título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de
S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi
provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos
agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado
de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques
elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo,
eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos
integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já estava preso na
madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do
Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela
havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a
porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido
alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o
bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques
elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a
família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy
conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre
nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da
ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com
computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato
da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam
na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo
poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre
a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais,
autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência
Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia também ser uma fonte para
a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante
quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas
seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que
precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade
brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido
político com o qual a ditadura tentou se legitimar.
A morte de Carlos Alexandre é a
coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de
tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos
agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar
divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No
entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos.
Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte
de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista
expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer
alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na
noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que
Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa
um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil,
coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado
pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando histórias como essa, a
imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as
redes sociais para pedir a volta da ditadura.