Oswaldo Martins. Poeta e professor de literatura. Autor dos livros desestudos, minimalhas do alheio, lucidez do oco, cosmologia do impreciso, língua nua com Elvira Vigna, lapa, manto, paixão e Antiodes, com Alexandre Faria. Editor da TextoTerritório
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Capoeira, camaradas!
O livro infanto-juvenil Capoeira Camará, de Cesar cardoso, que saiu no ano passado pela
Editora Paulus, ilustrado pela Graça Lima, foi selecionado pela Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil para fazer parte do catálogo brasileiro
que a FNLIJ levará para a Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha, na
Itália, a principal feira do mundo no seu gênero e que acontecerá em final de
março desse ano.
Comemoremos o Cesar!
teoria um das partes do universo
as partículas da água o andar dos bichos
as marés dos vermes o boxe dos astros
os bobos os bonecos-ô
os borralhos ocos
os andares da morada o
vago simpático
as ruas abotoadas o aparelho
dos reinos
os linhos-cru os ecoo-ôs
os afrescos nôs
as patas do gado o ritmo
das via-lácteas
o labéu dos lábios a
rodela dos frascos
os pregos os pespegos-ê
pegos o soco
o estômago dos lufa o sopro
da lama
a alma das gemas o ouro
dos bocós
o riso-cu ê do ê boi-um
boeira-ronco
a alva do alvar a claridade
do poste
a bosta do boi o
estrume do cheiro
o risco-ô bordado o eco-ê
q, desdê
(oswaldo martins)
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Banca imobiliária
Quanto valerá um despejo?
Quanto valerá a destruição da história?
Quanto, os despejados?
Quanto, a desfaçatez oficial?
Quanto, a falta de ética?
Quanto, o sarcasmo?
Quanto, o vale tudo?
Quanto, a mão boba?
Quanto, a tranquilidade burguesa?
Quanto, o achaque?
Quanto, a especulação imobiliária?
Quanto, o peculato?
Quanto, a desídia?
Quanto, uma cidade destruída?
Quanto, a educação calhorda?
Quanto, a cavilosa educação?
Quanto, a corrupção das mentes?
Quanto, o absurdo?
Quanto, os homens terrificados?
Quanto, os homens trancafiados?
Quanto?
Quanto?
Quanto?
O mercado dos desvalores?
O mercado dos desvalidos?
O mercado dos prostituídos
Sequazes do capitalismo?
(oswaldo martins)
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Morrer aos poucos
CARLOS
ALEXANDRE AZEVEDO (1972-2013)
Morrer
aos poucos
Por
Luciano Martins Costa em 12/02/2013 na edição 733 Observatório da Imprensa
O técnico de computadores Carlos
Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade
excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico
de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi
Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs
fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de
memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura
militar. Travessias torturadas é o título do livro, e bem poderia ser também o
título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de
S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi
provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos
agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado
de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques
elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo,
eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos
integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já estava preso na
madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do
Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela
havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a
porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido
alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o
bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques
elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a
família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy
conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre
nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da
ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com
computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato
da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam
na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo
poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre
a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais,
autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência
Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia também ser uma fonte para
a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante
quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas
seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que
precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade
brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido
político com o qual a ditadura tentou se legitimar.
A morte de Carlos Alexandre é a
coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de
tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos
agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar
divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No
entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos.
Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte
de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista
expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer
alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na
noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que
Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa
um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil,
coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado
pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando histórias como essa, a
imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as
redes sociais para pedir a volta da ditadura.
desimitação de orides fontela
hécate
deusa vampira
vem
noiva profunda
vem apodítica feiticeira
bárbara rainha
dos desejos
vem e deposita-me
os óleos
endurece
os infernais aparelhos
de ogou, o ferreiro
vem
cadela
que teu cio de puta
entorpece os sentidos
e põe mais alerta
o caralho de eros
(oswaldo martins)
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
sábado, 16 de fevereiro de 2013
para fabiana
barbacena
rola ladeira abaixo
(tonico mercador)
era madrugada o trem
em vias de extinção
passava oblíquo como uma névoa
os fantasmas brincavam de esconder
com longínquos antepassados
a cidade descia suas ladeiras
mundo afora
dormiam seus habitantes
nas bibliotecas fechadas
como nos contos de schultz
a poeira os livros
eram maçanetas abertas
a cidade era bela flagrada
desde sua diáspora
(oswaldo martins)
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
antiode para os tatibitates
os
tatibitates com suas cláusulas atemporais inventam privadas famílias privados
usos do poder e privadas privadas onde defecam suas fezes de jantares funestos
os tatibitates usam touca ao anoitecer para aquecer os miolos com a febre as hemoptises
os hivs
e
as modorras das novelas dos jornais que pingam sangue e medo nos lares face-burguês
nas explosões do cabo das pontes que não caíram aqui ou alhures onde lhes
aprouver a intenção falaciosa do inimigo da hora
reinventam
as muriçocas da dengue da febre amarela das utis ceias de bactérias e caixotes
imensos onde o corpo se deixa ficar quieto esperando o atestado o intestado
instrumento que louva a morte profiláctica e limpa
os
tatibitates se comovem com a noite e rezam quando o mundo os surpreendem com as
calças o pinto murcho na mão e os fundilhos rotos da miséria alheia quando
reagem às bossas dos artistas de pacotilha e infinitas solidões intimistas
choram
os tatibitates assim revelados como gansos desafogados cheios de romantismos
idealizações com que privam das privativas sensações do pseudo abandono da
pseuda dor dos que ao fazerem poemas são os defeca dores sentimentais da poesia
os
tatibitates preferem despir as mulheres às oito horas e proibi-las no curso
livre das passistas de corpo rechonchudo que balançam ao ritmo do dia nas
catracas das lotações das latas d’água na cabeça e no tufão dos quadris
os
tatibitates preferem as pererecas robustas das barrigas trabalhadas nas academias
de busto americano e coxas-tanque preferem o uso dos eufemismos à bela palavra
tabasca, que babacas são os tatibitates os tatibabacas dos tatibobocas
com
estes que tatibabaqueiam cuidado
que
são os que tatiboboqueiam avessos aos boquetes aos minetes à alegria do sexo
tatibitates
que usam na bô boca cruéis regimentos de leis e ordem e progresso ou a pátria
sempre enquanto nas deltas de vênus agem como agiam os funestos deuses do
latrocínio e do assassínio aos poucos na asfixia do crédito na mão boba
dos
dez por cento
do
toma lá da cá que o chiquinho eternizou
com
seus delírios de pobreza e víveres retirados aos pobres
os
taitibitates não comem à santa mesa o corpo de santa clara madalena
e
preferem foder o cu do pobre com o conservadorismo do papa alemão
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Poesia 2013 sete Ascenso Ferreira
A FESTA
Minha filhinha, Papai Noel!
É uma figura tragicômica!
Não se iluda com os seus enredos!
Pois que no meio dos seus brinquedos!
Virá um dia a bomba atômica!.
(Ascenso Ferreira)
Poesia 2013 seis
AS PALAVRAS
(Tradução: Haroldo de
Campos)
Girar em torno delas,
virá-las pela cauda (guinchem, putas),
chicoteá-las,
dar-lhes açucar na boca, às renitentes,
inflá-las, globos, furá-las,
chupar-lhes sangue e medula,
secá-las,
capá-las,
cobri-las, galo, galante,
torcer-lhes o gasnete, cozinheiro,
depená-las, touro,
bois, arrastá-las,
fazer, poeta,
fazer com que engulam todas as suas palavras.
(Octavio Paz)
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
Prosa 4
__ Devo dizer-lhe que, desde que o caro Ogou não dá mais no couro, sou obrigada a buscar parceiros entre os mortais, e eles não estão à altura, naturalmente. Posso trepar facilmente um mês inteiro sem parar.
__ Para fazer amor o ano inteiro, é preciso...
__ Escute, meu jovem, os humanos fazem amor, mas os deuses trepam.
(Dany Laferrière - País sem chapéu - Editora 34)
sábado, 9 de fevereiro de 2013
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Prosa 3
Escrevo: pássaro. Uma manga cai. Escrevo: manga. As crianças jogam bola na rua entre os carros. Escrevo : crianças, bola, carros. Pareço até um pintor primitivo. Aí está, é isso, achei. Sou um escritor primitivo. (Dany Laferrièrre - País sem chapéu - Editora 34)
Frases de lá e daqui 1
"Entretanto, em Roma, o Papa apela à calma e à serenidade". (Pedro Eiras - Os 3 desejos de Octávio C. Oficina Raquel)
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013
para umas e outras
os olhos destas meninas
estranhos cintilam
ao andarem por aí
na ponta do cigarro
nas roupas coloridas
que algumas escondem
(oswaldo martins)
os romancistas
nas margens das páginas preenchidas
evocam às vezes num desenho um deus
e dedicam-se com denodo a seu
ofício
de censor mas deixam algumas pistas
do que fora o átimo da palavra
original
e a retorcem no ritmo de um sutil
murmúrio no qual as vestes tomam
um circular movimento de música
jogam bananas com os dados
tão comezinhos que dir-se-ia
sequer terem em si um deus
cínico como machado de assis
(oswaldo martins)
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
Pilulinha 29
Beleza e tristeza, de Yasunari Kawabata, editado
pela Estação Liberdade, em 2008, é um romance de construção ao mesmo tempo delicada
e furiosa. A partir da criação dos diversos envolvimentos amorosos, o autor
desenvolve uma trama em que os pequenos detalhes sobrevivem ao todo da
narrativa. A sedução dos personagens ao se mesclar à sedução da narrativa cria
um ambiente em que as pequenas perversões se desenvolve quase sem que se as
perceba.
As
pequenas descrições que tangem a mordida dada no dedo mínimo ou nos ombros de
algum personagem vão se desenvolvendo ao largo das discussões “sérias” sobre a
arte pictórica e a escrita do romance e com elas fazem um elo sutil, um desenho
intenso disfarçado sobre a leveza do traço. A perversão nos romances de
Kawabata está sempre presente – uma das mais belas formas de perversão aparece
no não menos belo A casa das belas adormecidas –
e a serviço da descoberta dos traços mínimos que se deslocam aos poucos até
tomarem a forma difusa com que transtorna a própria narrativa, que se pensava
se r sobre algo que não é.
Há,
portanto, diversos níveis narrativos no romance do autor. Como uma escrita em
palimpsesto, Kawabata mais esconde que mostra os traços vigorosos das
personalidades humanas, os traços mais tênues e desumanos da solidão e do
abandono. A maestria do autor permite que se leia Beleza
e tristeza na duplicidade de uma suavidade colérica de que não escapam
sequer os menos atentos leitores, presas desta narrativa que incomoda e faz
vibrar de pavor e alegria a capacidade de compreensão de si mesmos e da
realidade que os circunda.
(oswaldo
martins)
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Prosa 2
Do alto da serra do ouro preto,
depois da Chácara do Manso, à sinistra do Hospício de Terra Santa, ele via Vila
Rica adormecida, esparramada pelas encostas dos morros e vales lá embaixo.
Não volte nunca mais, meu filho.
Nunca mais vai poder me ver, disse o pai, e naqueles olhos duros e obstinados
na teimosia ou na aceitação da sina, na cara crestada pelo sol das lavras, nos
ribeiros e faisqueiras, Januário acreditou ver (quis, forcejava mesmo o
coração) muito longe um brilho de lágrima, uma marca de dor.
A voz pesada e grossa do pai,
cavernosa, arrancada das entranhas. Aquilo que ele disse sem nenhuma reserva,
pudor ou vergonha, chamando-o de meu filho, ainda doía bulindo dentro dele,
como ondas, ecos redondos de volta das serras e quebradas, redobrando, de um
sino-mestre tocado a uma distância infinita. Dentro dele na memória, agora
ainda , sempre.
(DOURADO, Autran. Os sinos da
Agonia. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura. 1975)
Poesia 2013 cinco Ossip Mandelstam
Não é a lua
Não
é a lua, não, é um mostrador.
Que
culpa tenho se as estrelas baças
Me
parecem leitosas, sem fulgor?
Batiúshkov
não merece piedade.
"Que
horas são?", perguntaram-lhe uma vez,
E
ele só respondeu: "Eternidade."
MANDELSTAM,
Ossip. "Não é a lua". Trad. de Augusto de Campos. In: CAMPOS,
Augusto. Poesia da recusa. São Paulo: Perspectiva, 2006.
*
O
corpo me é dado-e com que fim,
Meu
corpo único,tão de mim?
Pela
alegria chã de respirar,
Silenciosa,a
quem devo louvar?
Sou
jardineiro e sou flor- cativo
Na
prisão do mundo sozinho não vivo.
E
já nos vidros da eternidade
Cai
meu calor,meu sopro respirado.
Nela
se grava um desenho pra sempre,
Irreconhecível
de tão recente.
Escorra
do momento a água turva-
O
desenho amado não esbate à chuva.
MANDELSTAM,
Ossip. Trad. Nina Guerra e Felipe Guerra. Lisboa Assirio & Alvim
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