segunda-feira, 29 de março de 2010

Partido Mandelista ou Partido Leninista? - Nahuel Moreno

Texto de Nahuel Moreno extraído do livro O partido e a revolução


O NOVO CARÁTER DE NOSSOS PARTIDOS

Acreditamos que a origem das divergências que temos com a maioria em todos os terrenos — teórico, programático, estratégico e tático — encontra-se numa diferença fundamental: a que mantemos em relação ao método de construção de nossas seções.

Os companheiros da maioria, entre os quais se destacam Mandel e Ger­main com seus trabalhos teóricos, propõem uma série de definições e tarefas que pretendem mudar as normas leninistas de construção do partido. Para eles, o setor essencial sobre o qual deveremos dirigir nossa propaganda e agitação e que define os traços fundamentais de nossa política é a "vanguarda de massas", que existiria em todo o mundo. Essas afirmações transformam-se em um verdadeiro principio.

Para assegurarmos o êxito de nossa estratégia, que consistiria em ga­nhar a hegemonia dentro da vanguarda, deveríamos empregar duas táticas: 1) realizar campanhas políticas cujos eixos fossem definidos a partir das inquietações da vanguarda, com a condição de que tais inquietações não se oponham á luta de massas; 2) concentrarmo-nos o máximo possível para tornar conhecidas as ações "exemplares" da vanguarda".

Uma vez que tenhamos ganhado essa vanguarda de massas, utilizararemo-na para duas tarefas. A primeira seria ajudar os operários avançados dos sindicatos a lutar contra a burocracia; a segunda, fazer propaganda e agitar entre esses operários a necessidade de que se organizem em comitês de fábrica e órgãos dc duplo poder, para estarem preparados para qualquer onda futura de lutas massivas generalizadas.

Para completar esse esquema, Mandel promove essa concepção, que a princípio aparecia como específica da atual etapa, para o terreno geral. Já não é somente a função de nossos partidos nessa etapa e numa região, mas de seu caráter em todo o mundo e em toda a história. Além de se opor a concepção de construção do partido, a concepção de Mandel não serve para nada: sequer para ganhar a vanguarda. Serviria no máximo para sermo ganhos pela vanguarda para suas ações "exemplares".

Para os bolcheviques, as coisas são diferentes: o partido revolucionário tem de ganhar a hegemonia na classe operária e no movimento de massas. Isso se consegue trabalhando sobre eles, propondo-lhes que assumam a política que propomos. Somente quando isso ocorre é possível derrotar a burocracia; somente desse modo o partido ganha seu direito histórico de ser considerado um partido revolucionário, vanguarda da classe operária na luta contra o capitalismo.


O QUE É VANGUARDA?

Pela forma como estão colocadas as coisas, é evidente que o ponto de partida desta discussão é uma definição precisa de vanguarda, de que papel cumpre e de quais são suas relações com o partido bolchevique. No trabalho que citamos anteriormente, Mandel, adiantando-se á conclusão do documen­to europeu, tentou apresentar uma interpretação teórica sobre o novo papel do partido bolchevique e da vanguarda. No quadro em que resume toda a sua concepção, assinala que há três segmentos fundamentais na formação da consciência de classe: as massas, que avançam da ação para a experiência e daí para a consciência; os operários avançados, que caminham da experiência à consciência e da consciência para a ação; e o núcleo revolucionário, que da consciência vai à ação e daí para a experiência.


massas: ação > experiência > consciência

operários avançados: experiência > consciência > ação

núcleo revolucionário: consciência > ação > experiência


Em seguida, Mandel diz que, invertendo este esquema, obtém-se "a seguinte imagem" (?) da qual se pode tirar "conclusões práticas" (?). Eis a imagem reveladora:


massas: ação > experiência > consciência

núcleo revolucionário: consciência > ação > experiência

operários avançados: experiência > consciência > ação

Primeiro deteremo-nos na questão dos três setores: as massas, os ope­rários avançados (vanguarda) e o partido.

No marxismo utilizado por Marx existem estruturas (as classes) e superestruturas (as ideologias e as instituições). As massas estão na estrutura e o partido revolucionário na superestrutura. A classe operária, as massas e a sociedade em seu conjunto possuem superestruturas que são de dois tipos: objetivas e subjetivas. As objetivas são as instituições e as subjetivas são as ideologias e as consciências. Um sindicato, um jornal operário, um partido, uma publicação nacionalista são superestruturas institucionais subjetivas, da classe ou do movimento de massas. Os partidos comunistas e socialistas também. A consciência sindicalista e a reformista fazem parte da superestruta ideológica, subjetiva, da classe operária. Como são ideologias burguesas, são "falsas consciências" operárias. A ideologia trotskista é a "consciência verdadeira" da classe operária e faz parte da superestrutura ideológica ou subjetiva. O partido trotskista é a expressão objetiva desta ideologia e, portanto faz parte da superestrutura da classe operária. Na luta para ganhar a classe operária e o movimento de massas, todas essas instituições e ideologias combatem umas ás outras encarniçadamente. Isso é muito claro.

Resumindo, vemos que existem dois segmentos fundamentais: a estrutura e a superestrutura. Ou, dito de outra forma, as classes, por um lado, e as instituições e ideologias, por outro. Mandel, que fala de três, parte de um fato real, evidente: existe urna numerosa vanguarda. Porém, com nosso esquema, não temos onde localizá-la. Não é uma classe nem uma instituição. É necessário então revisar o marxismo? Quer dizer, existe uma terceira categoria? A vanguarda se localiza na estrutura, junto à classe operária e movimento de massas? Ou se localiza na superestrutura, junto do partido?

Todo o trabalho teórico de Mandel debate-se com esse problema insolúvel. Consciente de que necessita de uma definição que justifique plenamente o descobrimento dessa terceira "categoria", ele diz:

"A categoria do operário avançado parte da estratificação objetiva inevitável da classe. É um resultado de sua origem histórica distinta, assim como da diferente posição no processo social de produção e de sua diferente consciência de classe."

Essa definição, no entanto, não soluciona nenhum problema. Se o elemento decisivo é a "estratificação objetiva" da classe, a vanguarda faz parte dela. Vale lembrar: da estrutura. E se a definição decorre da "diferente posições no processo social de produção", significará que, ainda que continue sendo parte da estrutura, é outra classe. Finalmente, se definirmos a vanguarda por sua "diferente consciência de classe", ela fará parte, junto com as demais consciências, da superestrutura.

Essa contradição agrava-se quando Mandel descreve o "operário avan­çado" (ou vanguarda). Acontece que essa nova categoria tem uma "essência" francamente surpreendente. É

"...aquela parte da classe trabalhadora que já se encontra envolvida num grau mais alto que as lutas esporádicas e que já alcançou o primeiro nivel de or­ganização e o que a distingue das massas é o fato de que nem durante o período de calmaria abandona a frente da luta de classes, continuando o combate, agora, por assim dizer, com "outros meios". [...] Tenta transformar os órgãos de resistência formados durante a luta em órgãos de resistência permanentes, isto é, em sindicatos. Publicando jornais operários e organizando grupos de educação, tende a cristalizar e elevar a consciência de classe criada durante a luta. Portanto, ajuda a dar forma ao fator continuidade, opondo- se à necessária descontinuidade na ação das massas, e ao fator consciência, opondo-se à espontaneidade que possui o movimento de massas."

Que tem a ver tudo isso com as "origens históricas diversas", as "dife­rentes posições no processo social de produção" e a "estratificação de classe"? Um militante sindical do setor mineiro inglês cumpre parte dos requisitos que pede Mandel para ser considerado "operário avançado": "alcançou o pri­meiro nível de organização", "não abandona a frente da luta de classes" nos "períodos de calmaria", "publica jornais", "tende a cristalizar e a elevar a cons­ciência", "opõe-se á espontaneidade" e "ajuda" o "fator continuidade". Porém, não cumpre os outros requisitos: não tem uma "origem histórica distinta" da que possuem os mineiros ingleses, não faz parte de nenhuma "estratificação de classe", nem ocupa uma "diferente posição no processo de produção".

Inversamente, os técnicos proletarizados da indústria automobilística nor­te-americana, que, sim, cumprem esses três últimos requisitos — têm origem histórica diversa da que possui a classe operária dos Estados Unidos, ocupam, relativamente, um papel distinto na produção social e estão particularmente estratificados dentro da classe operaria—, não cumprem os outros, pelo menos em Detroit, onde a vanguarda indiscutível (os "operários avançados") foram os operários negros, que quase fizeram uma insurreição há poucos anos. Atual­mente, ocorre o mesmo com os operários imigrantes da Renault francesa.

Mandel não tem como escapar dessa contradição. Mistura o quantitativo com o qualitativo de forma inexplicável. Se a definição é quantitativa, vanguarda são os operários "mais conscientes", os "mais lutadores", "mais inteligentes" da classe operária. Ou seja, fazem parte de uma estrutra (a classe operária) onde se diferenciam do resto de seus companheiros por serem "mais" em alguma coisa. Se a definição e qualitativa, isto é, os que "continuam o combate", os que "publicam jornais", os que "alcançaram um primeiro nível de organização", então, a vanguarda localiza-se na superestrutura. A contradição é de ferro e não se pode sair dela por mais que se queira formular uma definição diferente. Confirma-se assim o marxismo, que existirem somente duas categorias, e não três.

Como, então, definir a vanguarda? Se quisessemos fazê-lo com a ajuda da lógica dialetica, diríamos que a vanguarda é um fenômeno, não um existente (um ser); quer dizer, diferente das classes e superestruturas, a vanguarda não tem uma existência permanente durante toda uma época. Na luta, os setores que estão á frente são vanguarda. É um termo relativo. Seu próprio nome indica que existe uma retaguarda. Nesse sentido geral, o partido é vanguarda da classe operária; a classe operária é vanguarda de toda a sociedade. Vamos a exemplo concretos: na França de 1936, o movimento operário foi a vanguarda; porém em1968, foi o movimento estudantil. Na Argentina, de 1955 ate 1966, foram os operários metalúrgicos; em 1968, os estudantes. No Peru, sob a ditadura de Hugo Blanco, os camponeses foram a vanguarda; durante a presidência de Velasco Alvarado, foram os professores.

Não é casual que Germain, contradizendo de certo modo suas próprias definições, refira-se somente a vanguarda operária, porque é nela que se faz mais evidente que vanguarda não se define por estratificações, nem por níveis de consciência e de organização, mas pelo papel que cumpre em determinada luta. O caráter de fenômeno pode se manifestar inclusive no transcurso de uma mesma luta: no começo do Cordobazo, o papel mais avançado foi cumprido pelos estudantes, depois pelo movimento operário, e, dentro deste, pelo sindicato da indústria automobilística. Nas lutas do proietariado francês depois da Revolução russa, houve uma vanguarda, como Thorez e Marty, que, depois, em 1936, encontrava-se na retaguarda.

Podemos dizer que cada ascenso ou luta tem sua vanguarda: existiu a dos IWW e a do PS estadunidense e também a que dirigiu as lutas da CIO; da primeira surge Cannon, da segunda Farrel Dobas; da estudantil de 1968 surge Krivine, Dutschke e Cohn Bendit; das nacionalidades opri­midas, Malcolm X.

Recapitulando, podemos dizer que a vanguarda é própria de cada luta, que, numa mesma luta, diferentes grupos podem alternar-se nesse papel; que um que hoje é vanguarda amanhã não só poderá deixar de sê-lo como pode, até, converter-se em retaguarda. O destino da vanguarda é ser ab­sorvida pela classe ou ser assimilada pela superestrutura. Por exemplo, se alguma delas torna permanente sua atividade, criando uma ideologia e cons­truindo uma organização, passa a fazer parte da superestrutura. As vezes a vanguarda é absorvida por um partido ou organização de massa. Thorez transformou-se em stalinista, Reuther virou burocrata, tal como Lechin na Bolívia e Vandor na Argentina; Cohn Bendit dedicou-se ao cinema e Kri­vine a construir o partido trotskista na França. Outros grandes setores da vanguarda, ao abandonarem a luta, voltam a confundir-se com sua classe e com ela seguem na estrutura.

Ao tentar aprisionar a vanguarda em uma "categoria", em vez de defi­ni-la, o esquema de Germain faz com que o conceito se perca para a nossa compreensão. Ao ignorar os aspectos desigualmente desenvolvidos que se combinam para dar lugar a esse fenômeno, revisa completamente o materia­lismo histórico. Esse não é porém, o único defeito de sua invenção.


ONDE ENTRAM AS ORGANIZAÇÕES REFORMISTAS?

Germain não sabe. E efetivamente esse é outro erro, muito mais grave que o anterior. Parece que, para Mandel e Germain, as organizações socialdemocratas não têm nada a ver com o partido revolucionário. Mais que isso, parece que não existem. Isso se deve a que Mandel-Germain acredita que nossa luta fundamental é contra a falsa e atrasada consciência da classe: operária e das massas, o que é correto somente no sentido geral. Porque a falsa consciência não é formada simplesmente pelas ideias incorretas que a maioria dos indivíduos membros da classe operária ou do movimento de massas têm em sua cabeça. A falsa consciência expressa-se em instituições fortíssimas, objetivas — as grandes organizações reformistas. Elas captam e organizam os trabalhadores, educam-nos nessa falsa consciência, imprimem jornais para torná-la conhecida, empregam métodos burocráticos próprios dos gângsteres para defendê-la. Nossa luta contra essas falsas conciências não é uma intervenção cirúrgica nem uma seção de psicanálise para extrair da mente de cada operário as ideias equivocadas. É uma luta de morte contra as organizações que as mantêm, contra a sua ideologia, contra os seus métodos e, fundamentalmente, contra a sua política.

Podemos ignorar essas organizações ao elaborar um esquema da relação de nossos partidos com o movimento operário e sua vanguarda? Existe realmente essa relação pura "partido-vanguarda-massas"? De jeito nenhum: nossa relação com a classe operária é uma relação de superestrutura revolucionária com estrutura de classe. E a vanguarda não é o único mediador, porque entre nós e a classe operária estão outras superestruturas, os partidos operários, os sindicatos e outros organismos da classe, que geralmente são reformistas, às vezes ultra-esquerdistas. Isso vale também para nossa relação com o movimento de massas. Por isso, nossos partidos não podem traçar uma política para a classe operária e para ganhar a sua vanguarda sem traçar uma política para os sindicatos, os partidos comunistas, os socialdemocratas os comitês de fábrica. Não dizendo somente que não se pode ignorar as organizações reformistas e burocráticas, como tambem que temos de destruí-las. Trotsky disse:

"A classe em si não é homogênea. Seus diferentes setores adquirem consciência por vias distintas e com ritmos distintos. A burguesia participa ativamente desse processo. Cria seus próprios organismos dentro do movimento dos trabalhadores ou utiliza os já existentes opondo uns setores operários aos outros. No seio do proletariado atuam diferentes partidos."

Mandel-Germain foram levados por suas tendências subjetivista e fenomenológicas a esquecer que um dos nossos principais objetivos, senão o principal, é varrer as direções e partidos oportunistas da direção do movimento operário. Como não vê esse obstáculo para o desenvolvimento da consciência de classe, que são os partidos contra-revolucionários, descobre algo assombroso:

"o que hoje atrapalha a classe operária [no processo de] adquirir urna consciência política de classe é, sobretudo, a influência constante do consumo e da mistificação ideológica da pequena-burguesia e da burguesia. E [é por isso que, para Mandel-Germain,] o processo de abrir os olhos para a ciência social critica pode jogar um verdadeiro papel revolucionário no novo despertar da consciência de classe entre as massas.

Quer dizer, então, que a nossa principal luta é contra a "influência constante do consumo e da mistificação ideológica da pequena burguesia"? Deve­mos abandonar a luta que sempre travamos contra as direções traidoras e re­formistas do movimento de massas? Esse é o melhor caminho para as massas atingirem a consciência de classe? Nós, arqueotrotskistas, vamos continuar no nosso caminho. Mais que isso: para combater essas direções, em lugar de abrir mais os olhos "para a ciência social crítica", vamos usar uma política, a política trotskista, contra a stalinista e a socialdemocrata.


A VERDADEIRA RELAÇÃO ENTRE AÇÃO, EXPERIÊNCIA E CONSCIÊNCIA

Segundo o esquema mandelista, as massas, a vanguarda e o partido percorrem diferentes e difíceis caminhos para chegar à consciência, á ação ou à experiência.

Desse esquema, já eliminamos a vanguarda, uma vez que se trata de fenômeno, seu desenvolvimento não pode seguir nenhuma seqüência previ­sivel. Só falta acrescentar que, enquanto cumpre papel de vanguarda, qual­quer setor obedece, nesse período, às mesmas leis de desenvolvimento que o próprio movimento de massas e o partido obedecem, ainda que de forma contraditória. Para os marxistas, "o espontâneo é a forma embrionária do consciente". Ou seja, ação, experiência e consciência são partes de uma tota­lidade que se dá em todos os níveis, desde o partido até as massas. O elemen­to determinante dessa totalidade são as ações do movimento de massas.

Não vemos por nenhum lado essa ação sem consciência que Mandel atribui à classe operária e às massas. Ao contrário, acreditamos que não exis­te nenhuma ação sem consciência prévia. O regime capitalista e imperialis­ta, com suas infâmias, provoca mudanças na consciência das massas (ódio, repúdio, indignação etc), que são prévias a todas as ações. Se existisse uma seqüência, diríamos que é a seguinte: a realidade objetiva da sociedade bur­guesa causa impacto na consciência das massas e isso desencadeia suas ações. Porém, essa realidade objetiva causa impacto através de uma experiência — a de sofrer a exploração. Por exemplo: o patrão explora o operário (realidade objetiva do regime capitalista); este sofre a exploração (faz a experiência de ser explorado); sente desejos de mudar sua situação (chega à consciência de que deve lutar contra o patrão); lança-se à luta (passa para a ação).

De qualquer modo, essa seqüência não é nada mais que um esquema, porque o operário contemporâneo, por exemplo, antes de sair à luta, vai ao sindicato; isso é, sua experiência não parte do zero, já que se apóia na experiência das camadas anteriores de operários; não necessita nem repetir exatamente o caminho dos antecessores nem reinventar o sindicato em cada luta. já sabe até certo ponto o que é uma greve, uma ocupação, uma mani­festação, um abaixo-assinado e é consciente dessa experiência.

Mandel poderia dizer agora que a classe operária só aprende através de suas ações. Isso é certo, mas não contradiz o anterior: não quer dizer que a classe operária efetue ações sem consciência. Nas ações do movimento de massas, encadeiam-se distintos níveis de consciência e experiência. Cada ação tem sempre como ponto de partida um determinado nível, que desem­bocará em outro superior, que por sua vez será ponto de partida de novas ações.

Dentro da consciência da classe operária e das massas exploradas, há uma luta entre concepções falsas e verdadeiras. Um operário socialdemocra­ta, por exemplo, odeia o fascismo, o considera seu pior inimigo e quer a uni­dade operária para lutar contra ele, mas ao mesmo tempo confia em sua di­reção burocrática e reformista. Em relação ao fascismo, tem uma consciência verdadeira; em relação à sua direção e, por conseguinte, em relação à forma de lutar contra o inimigo, uma falsa. Aqui, como em todo conhecimento, e papel da prática é decisivo. Somente a prática pode consolidar sua consciência de classe e atacar a sua falsa consciência; somente a prática poderá permitir-lhe superar o falso e afirmar o verdadeiro, para chegar a um novo nível de consciência, que terá novas contradições, sempre superáveis através de novas ações. Dizer, porém, que a prática é o fator determinante no caminho da consciência de classe, não quer dizer que o caminho comece por ali.

Mandel poderia insistir em que, de qualquer maneira, estamos de acor­do com ele em que a ação é a única que leva à consciência de classe e que, portanto, nesse ponto não temos diferença. Não é certo. Temos duas divergências fundamentais. A primeira é que Mandel fala de um nível de consciên­cia desconhecido e nós da consciência de classe, que todos sabemos o que é. Para ele, cada setor chega a um diferente nível de consciência (a vanguarda, por exemplo, chega a uma consciência "empírica e pragmática") e somente o partido revolucionário chega á consciência de classe (que, para Mandel, é cientifica e não política). A segunda diferença é que para nós a consciência de classe se alcança justamente através de um fator superestrutural, o partido revolucionário, e não através de meras ações e experiências do movimento operário.

As massas não chegam automaticamente à consciência de classe, à consciência universal e histórica. Podemos dizer que o movimento de massas aproxima-se dela assintoticamente, isso é, em cada etapa está mais próximo dela, porém, nunca a alcança por seus próprios meios. O partido é o único que pode fazer com que essas duas linhas, cada vez mais próximas uma da outra, deixem de ser assíntotas; que o movimento de massas confunda-se com a consciência política de classe.

A concepção mandelista é a posição típica dos intelectuais anticonfor­mistas, existencialistas e fenomenólogos europeus do pós IIª Guerra, dos quais Sartre é um clássico expoente. Significa a negação do Homem e, neste caso, do caráter humano do movimento de massas e da classe operária, por­que o Homem diferencia-se dos animais por ser consciente, em diferentes graus, de suas ações.

O partido cumpre as mesmas leis que o movimento de massas, todavia num nível qualitativamente superior. A consciência do partido revolucionário não é mais que a experiência histórica do movimento operário e de mas­sas. Em vez de partir de uma consciência e experiência parciais e limitadas, o partido parte da consciência e experiência históricas e universais. Para extrai-las, utiliza uma série de ciências combinadas em uma - o marxismo-, as eleva á consciência histórica, universal e abstrata e as transforma em um programa político marxista.


CONCIÊNCIA CIENTÍFICA OU POLÍTICA?

Para Mandel,
"...a categoria de partido revolucionário surge do fato de que o socialismo marxista é uma ciência que, em última análise, só pode ser assimilada com­pletamente de forma individual e não de maneira coletiva.
[ E isso acontece porque] o marxismo constitui a culminação [...] de pelo menos três ciências sociais: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica e a ciência po­lítica clássica francesa (o socialismo e a historiografia francesas) e sua assi­milação pressupõe, pelo menos, um entendimento da dialética materialista, do materialismo histórico, da teoria econômica marxista e da história critica das revoluções e do movimento operário moderno."

Isto quer dizer que elevar a consciência de classe é chegar à compreensão teórica, cientifica e global do marxismo como ciência; manejar a dialética, a sociologia, a economia e a história marxistas. Por isso só poderia ser assi­milada "de forma individual e não coletiva". Por isso, só uma ínfima minoria cientifica pode chegar a ela. É a concepção mais derrotista que se poderia imaginar. Na realidade, é uma tarefa impossível para o movimento operário realizar. Se pretendemos expulsar da consciência dos trabalhadores todo o lixo ideológico acumulado pela burguesia e pela burocracia e substitui-lo pela "ciência marxista" — a "ciência social crítica"—, não devemos construir um partido, mas pedir ao imperialismo que nos financie a construção de uma universidade com capacidade para centenas de milhões de trabalhadores de todo o mundo, com balsas de estudo para que todos possam frequenta-la. Como Mandel vê que isso é impossível, conforma-se em dizer que somente uma pequena minoria de indivíduos pode elevar-se á consciência de classe.

Isso lhe cria um problema: que fazer com essas massas que são incapazes de adquirir a consciência de classe? Mandel-Germain "resolve" esse problema liquidando o partido como partido político revolucionário e dando grande importância, em seu lugar, a um setor social especifico, a "intelectualidade técnica". Ela teria, segundo ele, "a possibilidade de participação massiva den­tro do processo revolucionário e na reorganização da sociedade", que levará aos "extratos desesperados e críticos da classe operária o que eles não podem realizar, devido ao estado fragmentado de sua consciência: o conhecimento e

a consciência que lhes possibilitará reconhecer a verdadeira face da escandalosamente velada exploração e da opressão disfarçada a que são submetidos". Ou seja: essa intelectualidade, que se transforma em revolucionária como setor social, não como parte da militância partidária, tem em suas mãos a tarefa de despertar a consciência da classe. A principal tarefa do partido re­volucionário, já que a fundamental ficou nas mãos da intelectualidade, será assessorar teoricamente essa intelectualidade técnica, dando-lhes cursos de "ciência social crítica" mandelista. Assim, o papel dessa "ciência social crítica" é decretar a morte do partido bolchevique. Com isso, Mandel, entre outras coisas, dá fundamento a uma acusação que a burguesia faz permanen­temente ao movimento de massas revolucionário: que é uma massa incons­ciente arrastada e enganada por um punhado de agitadores que escondem seus fins políticos.

Para Mandel, a classe operária não pode reproduzir de forma massiva nenhum conhecimento, o que equivale a dizer que a sociedade em seu conjunto não avança no conhecimento. Ele acredita que, assim como só os indivíduos assimilam o socialismo científico, somente os indivíduos são ca­pazes de assimilar e reproduzir os conhecimentos acumulados pela Huma­nidade desde a pré-história até os nossos dias. O que está fazendo Mandel é confundir a parte concreta dos conhecimentos (isso é, os resultados) com sua elaboração. Porém, a sociedade (ou a classe operária, ou qualquer ostro setor dela) avança incorporando os resultados científicos, não os métodos de investigação que levaram a esses resultados. Negar isso seria o mesmo que dizer que um indivíduo que não estudou medicina e farmacologia não saberá utilizar a aspirina. No entanto, há muitos anos a Humanidade faz uso dela para livrar-se da dor de cabeça, com bons resultados.

O que Mandel faz é criar dois tipos de consciência: a de vanguardas que é "empírica" e "pragmática", e a consciência de classe, que é "científica global", ou seja, a da "compreensão teórica". Isso significa que a cons­ciência política, o programa, não existe nessa moderna fenomenologia da classe operária. Para Mandel, o fato de o operário estar ou não de acordo com o programa do partido revolucionário não tem relação com seu nível de consciência; não significa que tenha se elevado a consciência de classe. Para Trotsky, por outro lado,

"...não se pode formular os interesses de classe de outro modo que não seja por meio de um programa, como tampouco se pode defender um programa sem criar um partido. [...]A classe, tomada em si, não é mais que terreno para exploração. O papel do proletariado começa no momento em que de classe social em si passa a classe política para si. Só é possível conseguir isso por meio de um partido. O partido é essa ferramenta histórica com a qual a classe adquire consciência [...]. O desenvolvimento da consciência de classe, isso é, a cons­trução dc um partido revolucionário que arraste atrás de si o proletariado, é um processo complicado e contraditório."



Como vemos, para Trostsky, "o desenvolvimento da consciência de classe" é um processo objetivo. A categoria de partido revolucionário surge do fato de que o marxismo, como partido, é um programa. Imaginemos um partido integrado por grandes intelectuais que lidam perfeitamente com os aspectos científicos do marxismo, mas que não se preocupam em formular um programa politico, nem em trabalhar com ele sobre o movimento de massas. Esse é um partido revolucionário? Não. Um partido revolucionário é, evidentemente, aquele no qual alguns companheiros entendem a fundo o marxismo e colaboram com a imensa maioria de trabalhadores que militam nesse partido para formular um programa correto e levá-lo á prática.

Entre o programa do partido e a ciência marxista há uma relação dialética: sem teoria (ciência) marxista não se pode elaborar um programa re­volucionário. Tambem há uma relação dialética entre esse programa e as ações das massas: se não parte das ações das massas, o programa não pode ser revolucionário. E tambem há uma relação dialética com a atividade do partido: sem um partido que o leve á prática, nenhum programa é, por si ,mesmo, revolucionário.

Todos esses elementos confluem para alcançar essa realidade concreta que é o partido revolucionário com seu programa. E esse partido é "o mais alto grau de desenvolvimento da consciência de classe proletária", como diria Mandel.

Por isso dissemos que ao superestimar uma parte essencial do partido revolucionário — a ciência a marxista—, cai em um desvio cientificista intelectual sobre o papel do o artido e da consciência de classe. A consciênciaa dee classe é a transformação da "classe social em si" para "classe política para si", segundo Trotsky. Para Mandel, seguindo seu raciocínio, a consciência de classe deveria ser a transformação da classe operária em consciência cientifica e não em consciência política, como para Trotsky. E isso e uma barbaridade.

Basta que setores da classe operária apóiem politicamente o partido marxista para que se elevem á consciência de classe. Basta que indivíduos ou setores da classe incorporem-se ao partido e aceitem seu programa e estatutos para que sejam a máxima expressão da consciência de classe. Isso é assim ainda que as massas que apóiam politicamente o partido e os indivíduos ou setores que se incorporam a ele, aceitando seus estatutos e programa, não saibam uma só palavra de filosofia, economia ou sociologia marxista, ou seja, que não tenham assimilado "completamente" o marxismo como "ciências". Esse é o critério clássico, de Lenin e Trotsky. Como vemos, muito menos exigente que o de Mandel.

A consciência de classe significa que os operários saibam que a socie­dade sofre de um câncer, o regime capitalista e imperialista, e que o único remédio para esse cancer é o nosso programa e o nosso partido. Esse conhecimento, como assinalava Trotsky, pode e deve ser adquirido de forma massiva, e não individual, pelo movimento operário de massas. O movimento operário e de massas adquire esse conhecimento confrontando, no transcur­so de suas ações as diferentes políticas que lhe propõem os diversos partidos que existem em seu meio.

Se existe um partido revolucionário que dá a politica correta, isso é, a que responde aos interesses históricos e imediatos da classe operária em cada uma das lutas, o movimento operário e de massas o reconhecerá como seu partido e terá se elevado á consciência política de classe. Se esse partido não existe, o movimento não poderá fazê-lo. O papel do marxismo "como ciência" é transformar os interesses históricos e imediatos da classe operária em um programa de mobilização, ou seja: uma política para cada luta real do movimento de massas, que tende a dirigir essa luta em direção á tomada do poder. Para dessa maneira ganhar as massas para nosso programa e nosso partido, liquidando as suas direções traidoras e oportunistas.

[..]


NOSSO TRABALHO POLÍTICO SOBRE AS MASSAS E A VANGUARDA: PROPAGANDA E AGITAÇÃO

Pelo que dissemos até agora, pode parecer que opinamos que o partido deve ignorar a existência das vanguardas que surgem a cada momento da luta de classes e que não se pode propor a elas nenhuma atividade. Isso não é ver­dade. Reconhecemos que a vanguarda do movimento operário e do movi­mento de massas é um setor ao qual devemos dar importância e sobre o qual devemos trabalhar. O que dissemos ate agora é que essas vanguardas não são as que definem a política do partido nem suas palavras de ordem nem sua organização nem suas análises.

Há uma grande parcela da atividade do partido que está destinada à vanguarda: a propaganda. Assim definiu Lenin quando disse:

"Enquanto se tratava — e na medida em que ainda se trata — de ganhar para o comunismo a vanguarda do proletariado, a prioridade recaia e recai no trabalho de propaganda."

O problema é que para Mandel-Germain nosso trabalho sobre a vanguar­da deve ser muito mais ambicioso do que nos propunha Lenin. Trata-se de

"...campanhas políticas nacionais em torno dos problemas cuidadosamente escolhidos para coincidir com as inquietações (necessidades) da vanguarda, que não estejam contra a corrente da luta de massas e ofereçam a nossas seções a possibilidade de demonstrar capacidade de iniciativa efetiva, ainda que modesta. E concentrar sua propaganda e, onde seja possível, sua agi­tação, sobre a preparação desses operários avançados."


E o documento de Germain esclarece ainda mais essa posição. Segundo ele, o que foi planejado no IX Congresso
"...foi um giro em direção á transformação das organizações trotskistas de grupos de propaganda em organizações já capazes daquelas iniciativas politicas, em nível da vanguarda de massas, que são solicitadas pela dinâmica da própria luta de classes."

Para a maioria, deve-se tender à agitação e às ações ("iniciativas polí­ticas") "em nlvel da vanguarda de massas". Ainda que fosse correto que os esforços de nossas seções concentrassem-se na vanguarda, só o fato de pro­por agitação e ações sobre ela já entra em contradição com o leninismo ("a prioridade recai sobre o trabalho de propaganda").

Deveria ser amplamente conhecida a definição de propaganda como "a atividade de transmitir muitas ideias a poucos" e a de agitação como a de "transmitir poucas ideias a muitos". A propaganda vai de um curso de eco­nomia marxista ou de lógica dialética até uma palestra individual com um ativista operário, a quem explicaremos a situação nacional e internacional, nosso programa e as diferenças entre a nossa e as outras organizações operá­rias. A agitação, pelo contrário, consiste em ievantar umas poucas palavras de ordem (às vezes uma só) que dêem saída para a luta que trava cm cada mo­mento o movimento operário e de massas (aumento de salários, liberdades democráticas, assembléia constituinte, todo poder aos sovietes etc).

O que caracteriza um partido ieninista-trotskista é que sua atividade principal é a agitação sobre toda a população explorada, e não só sobre um setor dela, ainda que esse setor seja a classe operária. O que caracteriza o partido mandelista é que sua atividade principal é a agitação e as campanhas políticas principalmente sobre a vanguarda.


A ARTE DE ENCONTRAR A5 PALAVRAS DE ORDEM

Um partido bolchevique começa fazendo uma análise da etapa da luta de classes. Dessa análise surgem uma, duas ou três tarefas essenciais para o movimento de massas, que concretizamos em palavras de ordem. Esse é o aspecto concreto de nossa política, por isso, é o fundamental. A teoria e a propaganda servem para precisar esse aspecto. Toda a nossa atividade (incluindo a teoria e a propaganda) está subordinada a esse objetivo último: definir quais são as tarefas gerais que enfrentam as massas em uma etapa determinada, para traduzi-las em palavras de ordem.

Vejamos um exemplo: toma posse um novo governo. O esforço teórico do partido concentrar-se-á em definir esse governo com precisão, em anali­sar cuidadosamente a relação de forças entre as classes, os setores que integram o novo governo e os que estão na oposição, a relação de ambos com o imperialismo, o papel que desempenham nele as forças armadas etc. Se daí se deduz, por exemplo, que é um governo bonapartista contra-revolucionário, definiremos umas poucas palavras de ordem agitativas que responderiam ás necessidades que esse governo coloca ao movimento de massas (defesa das conquistas econômicas, liberdades democráticas, defesa das organizações operárias). Constataremos, porém, que essa caracterízação e essas tarefas são distintas das que propõem as direções reformístas e burocráticas e a ultra-esquerda e que também se chocam com as tendências espontâneas da van­guarda. Isso exigirá que nossa propaganda gire ao redor da explicação cons­tante das características do regime, da polêmica com nossos inimigos ínter­nos ao movimento operário sobre essa caracterização e por que as tarefas que propomos ao movimento de massas são as corretas. Em síntese: nossa teoria estará voltada a descobrir quais palavras de ordem deveremos agitar; nossa propaganda, a explicar à vanguarda por que devemos agitar essas palavras de ordem e não outras. Isso não quer dizer que sejam nossas únicas atividades teóricas e propagandístícas, mas são as principais.

Esquematizando, podemos dizer que toda a ciência e arte trotskistas sintetizam-se na capacidade de elaborar as palavras de ordem adequadas para cada momento da luta de classes. Isso é o mesmo que dizia Lenin:

"Portanto, a atividade essencial de nosso partido, o palco de sua atividade deve consistir num trabalho que seja possível e necessário tanto nos períodos de explosões mais violentas como nos de calma absoluta, isto é, deve con­sistir em um trabalho de agitação política unificada para toda a Rússia, que ilumine todos os aspectos de vida e dirija-se às massas em geral."

Lenin baseia essa linha de denúncias políticas em uma confiança cega na capacidade de organização e de mobilização do operário atrasado ou do operário médio, e não na capacidade especial dos operários de vanguarda ou "avançados" Em relação ao movimento de massas, nunca se detém na van­guarda operária ou na necessidade de que o partido tome iniciativas próprias na ação, mas somente na organização de campanhas agitativas. Para Lenin, se causamos impacto nas massas com uma dessas campanhas, os operários são capazes de tudo. O papel do partido é iniciar essas campanhas, acompa­nhar e dirigir o movimento de massas. Por isso, criticava os intelectuais:

"...que não sabem ou não têm a possibilidade de ligar o trabalho revolucioná­rio ao movimento operário para formar um todo. [...] Devemos imputar a culpa a nós mesmos, em nosso atraso com respeito ao movimento de mas­sas, por não sabermos ainda organizar denúncias suficientemente amplas, sonoras, rápidas contra todas essas ignomínias [...], o operário mais atrasado compreenderá e sentirá [...] e, ao senti-lo, ele mesmo vai querer reagir, e vai querer com um desejo irresistível, e saberá então organizar uma bata­lha contra os censores, participar amanhã de uma manifestação em frente á casa do governador que tenha sufocado um levante camponês, dar depois de amanhã uma lição nos policiais de batina que desempenham a função de santa inquisição etc."

Já vimos como Trotsky recordava a Espanha (um país tão caro a Man­del-Germain que o usa como analogia para a atual situação européia):

"As forças de que dispomos são pequenas. Mas a vantagem de uma situ­ação revolucionária consiste em que um grupo, inclusive pouco numeroso, pode chegar a ser uma grande força num curto espaço de tempo, com a con­dição de que saiba formular prognósticos exatos e lançar a tempo as palavras de ordem corretas."

Trotsky resume sua posição dizendo:

"A agitação não é somente um meio de comunicar ás massas esta ou aquela palavra de ordem, de chamá-las à ação etc. Para o partido, a agitação também um meio de escutar as massas, de sondar seu de ânimo e seus pensamentos e, segundo os resutados, de tomar uma ou outra decisão prática."

E cansou-se de dizer a mesma coisa para os Estados Unidos:
"Quando iniciamos uma luta, não podemos estar certos da vitória. Apenas podemos dizer que nossas palavras de ordem ajustam-se á situação objetiva, e os melhores elementos compreenderão-na e os mais atrasados que não a compreendem não se oporão. O importante, quando o programa for aprovado definitivamente, é reco­nhecer as palavras de ordem muito bem e utilizá-las habilmente para que em cada parte do país todo mundo utilize as mesmas palavras de ordem ao mesmo tempo. Três mil podem dar a impressão de quizen ou cinquenta mil"

sábado, 13 de março de 2010

Por uma Arte Revolucionaria Independente - Leon Trotski e André Breton

Texto extraído do site: http://www.culturabrasil.pro.br/poruma.htm

Um libelo pela mais plena e absoluta liberdade de expressão, sem qualquer tipo de amarras.

Leon Trotski e André Breton, tiveram em 1938, na Cidade do México, um encontro histórico de que resultou, após muitos debates entre eles e outros agentes culturais, este documento, cuja versão final foi elaborada por Breton e Diego Rivera, com a aquiescência de Trotski. Naquele momento nascia a F.I.A.R.I. – Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente – de vida efêmera mas importância histórica crucial.

Dentre os propósitos estabelecidos, ressaltamos:

_ Uma aliança em prol da civilização, da vida, do ser humano em sua plenitude de manifestações.

_ Nenhuma barreira, nenhum tipo de controle, nenhum limite aos sonhos, à cultura ou à arte, que todos nascem no mesmo lugar.

_ Um libelo pela mais plena e absoluta liberdade de expressão, sem qualquer tipo de amarras.

_ O mais vigoroso repúdio a toda e qualquer forma de autoritarismo ou dirigismo.

_ Os meios materiais devem ser postos sem limite ou controle de qualquer espécie a serviço do ser humano e da arte.

_ A arte jamais deve ser reduzida a serviçal do capital.

_ O capitalismo é liberticida por definição.

_ O socialismo não pode ser autoritário.

_ Se destruir uma obra de arte é considerado por todas as pessoas sensíveis um gesto hediondo, como classificar o gesto de impedi-la de sequer existir?

_ Repúdio à barbárie das guerras e do autoritarismo.


Ao texto final, assinado por Leon Trotski e André Breton na cidade do México dia 25 de julho de 1938.


POR UMA ARTE REVOLUCIONARIA INDEPENDENTE
André Breton e Leon Trotski

1) Pode-se pretender sem exagero que nunca a civilização humana esteve ameaçada por tantos perigos quanto hoje. Os vândalos, com o auxílio de seus meios bárbaros, isto é, deveras precários, destruíram a civilização antiga num canto limitado da Europa. Atualmente, é toda a civilização mundial, na unidade de seu destino histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas com toda a técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente intolerável.

2) Naquilo que ela conserva de individualidade em sua gênese, naquilo que aciona qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento objetivo, uma descoberta filosófica, sociológica, científica ou artística aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não se poderia desprezar uma tal contribuição, tanto do ponto de vista do conhecimento geral (que tende a que a interpretação do mundo continue), quanto do ponto de vista revolucionário (que, para chegar à transformação do mundo, exige que tenhamos uma idéia exata das leis que regem seu movimento). Mais particularmente, não seria possível desinteressar-se das condições mentais nas quais essa contribuição continua a produzir-se e, para isso, zelar para que seja garantido o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual.

3) Ora, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais geral dessas leis, violação à qual corresponde necessariamente um aviltamento cada vez mais patente, não somente da obra de arte, mas também da personalidade “artística”. O fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade, fosse ela apenas formal, obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda, nos limites exteriores do pior convencionalismo. Exceto quanto à propaganda, a mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora atingiu seu apogeu.

4) É evidente que não nos solidarizamos por um instante sequer, seja qual for seu sucesso atual, com a palavra de ordem: “Nem fascismo nem comunismo”, que corresponde à natureza do filisteu conservador e atemorizado, que se aferra aos vestígios do passado “democrático”. A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a. criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura. Se, no entanto, rejeitamos qualquer solidariedade com a casta atualmente dirigente na URSS, é precisamente porque no nosso entender ela não representa o comunismo, mas é o seu inimigo mais pérfido e mais perigoso.

5) Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário.

6) A surda reprovação suscitada no mundo artístico por essa negação desavergonhada dos princípios aos quais a arte sempre obedeceu, e que até Estados instituídos sobre a escravidão não tiveram a audácia de contestar tão totalmente, deve dar lugar a uma condenação implacável. A oposição artística é hoje uma das forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.

7) A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta adquirir, converte o artista em seu aliado potencial. O mecanismo de sublimação, que intervém em tal caso, e que a psicanálise pôs em evidência, tem por objeto restabelecer o equilíbrio rompido entre o “ego” coerente e os elementos recalcados. Esse restabelecimento se opera em proveito do ”ideal do ego” que ergue contra a realidade presente, insuportável, os poderes do mundo interior, do “id”, comuns a todos os homens e constantemente em via de desenvolvimento no futuro. A necessidade de emancipação do espírito só tem que seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.

8) Segue-se que a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos. Melhor será confiar no dom de prefiguração que é o apanágio de todo artista autêntico, que implica um começo de resolução (virtual) das contradições mais graves de sua época e orienta o pensamento de seus contemporâneos para a urgência do estabelecimento de uma nova ordem.

9) A idéia que o jovem Marx tinha do papel do escritor exige, em nossos dias, uma retomada vigorosa. É claro que essa idéia deve abranger também, no plano artístico e científico, as diversas categorias de produtores e pesquisadores. "O escritor, diz ele, deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro... O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio. Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte.

10) Reconhecemos, é claro, ao Estado revolucionário o direito de defender-se contra a reação burguesa agressiva, mesmo quando se cobre com a bandeira da ciência ou da arte. Mas entre essas medidas impostas e temporárias de autodefesa revolucionária e a pretensão de exercer um comando sobre a criação intelectual da sociedade, há um abismo. Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual. Nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando! As diversas associações de cientistas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver tarefas nunca antes tão grandiosas unicamente podem surgir e desenvolver um trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor coação externa.

11) Do que ficou dito decorre claramente que ao defender a liberdade de criação, não pretendemos absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior.

12) Na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão. É natural que se volte então para as organizações estalinistas que lhe oferecem a possibilidade de escapar a seu isolamento. Mas sua renúncia a tudo que pode constituir sua mensagem própria e as complacência degradantes que essas organizações exigem dele em troca de certas possibilidades materiais lhe proíbem manter-se nelas, por menos que a desmoralização seja impotente para vencer seu caráter. É necessário, desde este instante, que ele compreenda que seu lugar está além, não entre aqueles que traem a causa da revolução e ao mesmo tempo, necessariamente, a causa do homem, mas entre aqueles que dão provas de sua fidelidade inabalável aos princípios dessa revolução, entre aqueles que, por isso, permanecem como os únicos qualificados para ajudá-Ia a realizar-se e para assegurar por ela a livre expressão ulterior de todas as manifestações do gênio humano.

13) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução. Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas razoavelmente divergentes. Os marxistas podem caminhar aqui de mãos dadas com os anarquistas, com a condição que uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário, quer seja representado por Josef Stálin ou por seu vassalo Garcia Oliver.

14) Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo. Numerosas pequenas revistas locais tentam agrupar a sua volta forças jovens, que procuram vias novas e não subvenções. Toda tendência progressiva na arte é difamada pelo fascismo como uma degenerescência. Toda criação livre é declarada fascista pelos estalinistas. A arte revolucionária independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário criar.

15) Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das idéias contidas neste apelo, que nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar de compreender a necessidade do presente apelo, pedimos que ergam a voz imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação.

16) Quando um primeiro contato internacional tiver sido estabelecido pela imprensa e pela correspondência, procederemos à organização de modestos congressos locais e nacionais. Na etapa seguinte deverá reunir-se um congresso mundial que consagrará oficialmente a fundação da Federação Internacional.

O que queremos:

a independência da arte -- para a revolução
a revolução -- para a liberação definitiva da arte

terça-feira, 9 de março de 2010

A Moral e a Atividade Revolucionária (Moral Bolche ou Moral Espontaneísta?) - Parte II - Nahuel Moreno

Texto extraído do arquivo marxista da internet disponível em: http://www.marxists.org/portugues/moreno/1969/moral/cap02.htm

Como Encaramos o Problema Moral


Terminamos a primeira parte de nosso trabalho rendendo nossa homenagem à moral guerrilheira. Quando criticamos as outras morais, assinalamos de passagem, que em alguns pontos e em determinados momentos podemos coincidir com a moral espontaneísta, sem deixar de criticá-la. Trata-se de ver porque razões e com que métodos encaramos nossa análise do problema moral, que expliquem estas contradições formais.

A chave de toda nossa analise e das soluções que propugnaremos, radicam no fato de que para nós a moral é relativa e adequada a determinadas relações objetivas entre os homens. Dessas relações cremos que há uma que é privilegiada, a relação como militantes do partido. Mas, que seja privilegiada não quer dizer que seja a única, que é a única relação enquanto homem, membro de uma classe, operário ou estudante de tal fábrica ou tal faculdade, noivo ou esposo de tal mulher, sócio de tal clube e membro de tal família, afiliado a tal sindicato, ativista de uma greve, estabelecemos uma série de relações e formamos parte de uma série de estruturas sociais. Concretamente o militante não é somente militante, homo politicus, mas homem de tal sociedade e localizado em tais setores.

Isto cria uma situação contraditória, já que tantas morais como estruturas sociais existem, segundo vimos anteriormente.

É a principal contradição que sofremos neste aspecto de nossa vida e conduta: a pressão de morais distintas sobre cada um de nós.

À solução pluralista do problema - "cedamos à moral de cada um desses setores" -, nós respondemos com uma solução unitária dessas contraditórias pressões. Todas elas devem ser mediadas pela moral e nossa condição de militantes do partido. Somos, então, afiliados ao sindicato-militante; esposo-militante; estudantes-militantes; operário-militante, etc. Todas essas diferentes localizações com suas pressões morais e das outras, nós as combinamos e tratamos de conseguir uma síntese neste caso moral, com nossa condição de militantes.

Nossa intervenção na vida da sociedade tem três níveis, poderíamos considerar talvez quatro. Um nas estruturas objetivas, externas ao partido e ao nosso círculo: a classe, o setor, a vizinhança, o sindicato, a tendência sindical ou artística a que pertençamos. A outra, a privilegiada, é nossa participação na estrutura partidária. A última, são as relações intimas com nossos amigos, companheiros, família, etc., incluindo as relações conosco mesmo como indivíduos biológicos e culturalmente condicionados. Em cada um desses níveis e setores, deve-se estabelecer uma solução dialética do problema, como o que encontramos para o homem-militante. É por outro lado, a mesma questão vista desde um outro ângulo.

Entre todos esses níveis, que vão do mais objetivo ao mais intimo e subjetivo, existe uma relação dialética, tudo esta mediado pelo nível partidário, base, principio e fim de toda nossa conduta, incluída a moral, em todos os níveis. Na classe, tanto como no sindicato ou na vizinhança, atuaremos como militantes do partido e tratando que nossa atuação, incluída nossa atitude moral, ajude ao desenvolvimento do partido e da revolução. O mesmo no terreno mais subjetivo, pessoal, nossas relações íntimas. O grande mediador de nossa moral, em seus distintos níveis, é o partido. Isto não quer dizer que não haja tendência à choques e que cada um de seus níveis tenha problemas, necessidades, princípios específicos, que possam provocar e provocam tensões, contradições agudas às vezes. Justamente quando dizemos mediador, queremos dizer que há uma relação dialética, ou seja, contraditória entre os distintos níveis que devem ser sintetizados pela moral e a conduta como militantes do partido.


Nossa Moral Frente à Classe Operária, as Outras Classes Exploradas e as Lutas do Movimento de Massas

As classes exploradas, nossa classe operária entre elas, têm de acordo com seu nível de consciência e organização, diferentes morais. Isso para nós é um fato objetivo. Inclusive diferentes setores dessas classes podem ter diferentes níveis morais. É muito diferente a moral de uma categoria que vive de obter muitos triunfos de grandes lutas, de outra categoria que suportou derrota após derrota. O mesmo com relação aos camponeses de uma região a outra.

As diferenças morais, assim como ideológicas, organizativas e políticas entre o guerrilheirismo e o espontaneísmo obedecem a essas razões objetivas, o diferente nível de suas lutas, como de sua consciência. Enquanto o espontaneísmo reflete a primeira grande onda de ascenso do movimento de massas na Europa Ocidental, depois de quase duas décadas de estancamento e retrocesso, o guerrilheirismo reflete uma situação pré-revolucionária, uma consciência e organização que se lança à guerra civil, a máxima expressão da luta de classes. O primeiro, ao contrario, expressa somente as primeiras etapas da luta.

Dai suas profundas diferenças e a proximidade entre o guerrilheirismo e nós no problema moral, como frente a outros problemas, sem chegar a ser o mesmo. Essa proximidade esta provocada por nosso acordo na continuidade e organização da ação revolucionária, dos métodos de guerra civil. Depois desse acordo, nossas diferenças em todos os terrenos se acentuam.

A moral de nossa classe operária, por exemplo, é muito diferente tanto do guerrilheirismo, como do espontaneísmo. Seu nível de consciência e organização foi, e seguem sendo em grande medida, essencialmente sindical. Desenvolveu uma moral adequada à sua conduta de varias décadas: alto grau de disciplina sindical, apoio e sacrifício por suas organizações sindicais e todas as outras características da moral sindicalista. Tem muito pouco de guerrilheira e espontaneísta, ainda que agora alguns setores juvenis, ligados à vanguarda do movimento estudantil, começam a ter outra conduta e logicamente outra moral que se aproxima objetivamente a certas características espontaneístas e guerrilheiras e que podem ser caldo de cultura para o desvio guerrilheiro urbano.

Como militante e como partidos nacionais de um partido mundial, não podemos deixar de militar nesses movimentos, ao nível que se dêem, observando sua moral. Mas nossa atuação política e moral tem um objetivo, mostrar que a nossa é superior, tender a eleva-los não só politicamente, mas também moralmente. Para isso, impõe-se que sejamos os melhores na própria moral deles. Isto já o disse Trotsky em uma famosa fórmula: devemos ser o melhor soldado, operário, ativista sindical. Na simplicidade dela, sintetizou tudo o que vimos dizendo: somos os melhores na moral das classes exploradas em todos os seus níveis, desde os mais baixos até os mais altos. Nas fábricas, os preguiçosos são mal vistos, vai contra a moral dos setores operários mais responsáveis, melhores; Trotsky tirou uma conclusão moral lógica, temos que ser os melhores operários, os que mais trabalhamos, para ser os que melhor representamos a moral deles. Se em um determinado momento da luta de classes, um setor importante do movimento considerar que não há que produzir nada para o patrão, nós trocaremos pela raiz nossa moral e deixaremos de ser o melhor operário para nos transformarmos, desde o ponto de vista produtivo, no pior. A forma de nossa moral estará mudada, mas seu conteúdo e objetivos não, já que seguimos sendo os melhores representantes da moral da classe operária ou dos explorados em seu nível.

Mas, se nossa moral parasse aí, estaríamos fazendo seguidismo moral. Nosso objetivo moral é estabelecer uma ponte desde essa conduta moral comum até nossa moral. Cada militante do partido não só tem essa moral, mas a combina com a partidária e, portanto, em cada momento trata de superar, principalmente essa moral sindical ou de base operária, até uma moral superior, de classe e internacionalista. Seremos não só os melhores operários, os ativistas sindicais mais disciplinados, sacrificados e lutadores, mas também os que colocaremos que temos que parar por Che Guevara, e que temos que ser solidários moralmente com os guerrilheiros vietnamitas ou nossos próprios mártires. É que cada um de nossos militantes, reflete moral e politicamente o partido em sua conduta diária e não só o setor de classe ao qual pertence.
Nossa Moral Frente ao Partido

Chegamos assim, da moral que temos em nossa vida exterior objetiva, à partidária. Esta é a decisiva, já que como vimos anteriormente, a moral e a política do partido é a intermediária de todas nossas ações. Toda nossa moral, tanto objetiva como subjetiva, está condicionada por nossa condição de militante do partido.

A obrigação moral número um, fortificar o partido, responder-lhe com a própria vida, considerar o dever moral mais sagrado, valha a expressão neste caso, a vida partidária e o desenvolvimento da organização. Todos os sacrifícios são poucos: vivemos por e no partido, para o partido.

Essa colocação tem seus reflexos em nossas relações morais com os companheiros do partido. Com um camarada do partido se estabelece uma relação moral de tipo único, nova, não conhecida por nenhuma das morais tradicionais, que chegaram ao máximo nas seitas religiosas revolucionárias ou nas relações familiares da burguesia na época de ascenso. O princípio que não há nada superior entre os homens como indivíduos que um camarada do partido. É o princípio superior de nossa moral neste terreno das relações pessoais dentro do partido. Portanto, lhe devemos franqueza, a sinceridade mais absoluta salvo por razões de segurança do próprio partido. Mas muito mais que isto, o camarada do partido merece todos os cuidados e considerações. Não há nada nem pode haver sacrifício em favor do camarada que não façamos. Somos, devemos ser, muito mais que sua família, irmãos, filhos ou pais, na etapa de ascenso da moral familiar. Pelo companheiro do partido se arrisca a vida, se faz qualquer sacrifício. O princípio moral é que a vida, a consciência e o próprio corpo físico do camarada do partido valem muito mais que qualquer um. É uma relação abstrata concreta de tipo pessoal única, justamente o que a faz superior a todo o conhecido até o momento. Os camaradas do partido, em sua ampla maioria não se conhecem, mas as obrigações morais não são por isso menos peremptórias. São companheiros e basta, todo o dito anteriormente sobre os nossos princípios valem. Um camarada boliviano perseguido pela repressão, chega a nosso partido e cada um de nós jogará a vida, se for necessário, para protege-lo, ainda que jamais haja ouvido falar dele. A nível interpessoal, este dever moral é a outra cara do principal dever moral a nível de todo o partido, fortalece-lo, desenvolve-lo. Isto não se consegue só com uma boa linha política, mas, de forma concreta, levantando e fortificando, salvaguardando e enriquecendo a moral física, a personalidade, o nível dos companheiros do partido. Nossa obrigação moral é fazer todos os sacrifícios para consegui-lo. Por isso nosso acordo de princípio com a moral guerrilheira, esse alto nível da luta de classes, com respeito ao camarada de luta. Opinamos a esse respeito o mesmo que eles, com a diferença que eles o aplicam de forma específica, em relação fundamentalmente à sua vida e seu corpo, dado o caráter unilateral de sua luta, enquanto nós o desenvolvemos em relação a todos os aspectos da personalidade dos companheiros.


Nossos Deveres Frente a Amizade, o Amor, o Parceiro e a Família Como Retaguarda do Partido

Se a vida no mundo e dentro do partido nos impõe obrigações morais específicas, o mesmo ocorre com as relações subjetivas, íntimas e ao mesmo tempo mais concretas: a amizade, o amor, o parceiro e a família. Estas são nossas relações diárias, de pessoa para pessoa. São as relações sociais mais atomizadas, mas não por isso deixam de ter, como toda relação social; sua moral. Esta também mediada pela condição de militante, mas com suas características específicas.

Antes de mais nada essas relações não têm porque ser relações entre militantes. Ainda que isso possa provocar, melhor dito, provoca situações conflitivas, estas podem ser superadas, inclusive conseguindo-se que o pólo não militante da relação se transforme em militante, rompendo a relação ou conseguindo um equilíbrio relativo. Cada uma destas relações têm suas obrigações morais bem precisas. Todas elas se caracterizam por estabelecer relações que ligam o individual, cultural e, em algumas delas, o biológico. Por isso é o setor mais isolado da macro sociedade, como dizem os sociólogos. A relação não é essencialmente política como no partido, nem as relações objetivas que nos são impostas, como as da luta de classes.

A primeira destas relações é a da amizade. É a de um militante com outro militante ou com quem não o seja. Esta relação se estabelece por um passado, afinidades, desejos ou atividades comuns, muitas vezes por combinação de todos estes fatores. Se consegue assim um vínculo muito mais estreito e concreto que o existente entre militantes. Se a amizade é entre estes, o ideal moral, é a relação já histórica entre Engels e Marx. Tudo o que dissemos entre as relações de companheirismo dentro do partido adquirem aqui uma nova dimensão, porque já não somente a vida e a personalidade do outro é muito mais que o de si mesmo, como também seus próprios problemas pessoais, seus anseios ou muitos deles, valem tanto ou mais que os nossos. Se estabelece um vínculo de anseios, preocupações comuns, em todos os níveis, que obrigam quase a considerar o amigo mais que a si mesmo. Tenho dado o exemplo de Marx e Engels, porém poderia dar a nível partidário a relação entre duas camaradas amigas que é um magnífico exemplo do que venho dizendo. É não ter segredos para o amigo, consultar e resolver juntos os problemas mais íntimos, é uma das obrigações morais principais.

O amor é um grau superior das relações interpessoais, já que complementa ou enriquece a amizade em seu nível mais alto, com as afinidades sexuais e sentimentais.

Se não se dá a nível de militantes, pode ocasionar contradições parecidas às existentes entre os amigos que estão na mesma situação. Porém se é entre militantes me dá pena não ser um bom escritor para refletir tudo o que ele significa de grandioso, profundo, valioso. Creio que aqui começamos a conseguir as mais altas relações interpessoais que tem dado a história, porque o amor entre companheiros, supera todos os níveis dessa categoria humana que recém foi descoberta na Idade Média, e que tem tido um desenvolvimento infeliz através da história.

Em nosso movimento, graças a ele, esta categoria pode conseguir seu pleno e total desenvolvimento. É uma unidade, equilíbrio muito delicado de tipo biológico, sentimental, pessoal e político-partidário. A principal obrigação moral frente ao amor é ser consciente que ele se constrói e reconstrói permanentemente, que não é algo estático, mas dinâmico, uma unidade dinâmica que sempre está se desenvolvendo.

Temos frente a ele todas as obrigações da amizade, com os complementos sentimentais e individuais, que nos coloca o caráter específico desta unidade. Porém o amor é um equilíbrio delicado, como já dissemos. Quando se solidifica surge a parceria e a família, como uma estrutura muito mais sólida.

A parceria é a estrutura monogâmica cujo embasamento é o amor. A parceria é o ideal como moral e estrutura interpessoal, a máxima expressão. É o surgimento de uma unidade que fortalece e estabiliza aos dois componentes, que multiplicam suas forças como conseqüência dessa unidade superior. As obrigações morais entre os membros da parceria são quase totais. É a síntese de todas as outras obrigações morais interpessoais, porém enriquecidas e aprofundadas. A família, os filhos, é a ampliação desta parceria e coloca problemas de outro tipo que seria longo analisar aqui.

Todas estas estruturas interpessoais, se são autênticas, fortificam a militância partidária, porque fortalecem a personalidade e o desenvolvimento do militante. Que é melhor ter uma companheira estável, militante, totalmente integrada consigo mesmo, que nos permita consultar-lhe todos os problemas, como ela faz conosco, que nos permite solucionar todos os problemas individuais, de toda ordem, desde os biológicos aos culturais para ter a moral e o tempo suficiente para militar. Não são estruturas antagônicas, mas complementares.

Porque entre o partido com seus militantes e estas relações se estabelece uma relação única, específica e diferente. É o terreno da moral subjetiva a que tem que ver com nossa militância objetiva, nos sindicatos e na classe.

O partido cuida e intervém diretamente nos aspectos morais objetivos: expulsa sem nenhuma consideração o companheiro que fura uma greve. No terreno interpessoal, a intervenção partidária é indireta e muito mais sutil, cuidadosa, através da opinião ou reprovação partidária, já que justamente por serem relações interindividuais, a dinâmica e as relações que se estabelecem são únicas, concretas, que requerem apreciações também únicas. Isto quer dizer, que o partido tem mais que normas, que também devem tê-las, tendências, consensos.

Por isso o partido, seus militantes, devem defender com todas as suas forças casais que se vão construindo, e fazendo pressão pela via do convencimento moral, da necessidade destas parcerias. Somente em situações excepcionais estas tendências morais em favor do amor e da parceria, podem transformar-se em normas estritas de tipo objetivo. Por exemplo, a norma moral dos guerrilheiros vietnamitas de impedir as relações sexuais entre guerrilheiros para impedir a gravidez das guerrilheiras, é perfeitamente lícita. A de evitar o "adultério" burguês em situações críticas, como prisão ou perseguição do companheiro, utilizando justamente essa situação, principalmente por companheiro de direção do partido, também pode ser transformado em norma ou pelo menos que haja consenso moral de falta grave. Porém em linhas gerais neste terreno a moral é mais subjetiva que objetiva, atua por pressões e tendências mais que normas estritas.

Temos precisado a linha partidária e dos militantes frente ao aspecto moral que devemos observar com referência a uma série de estruturas interpessoais que o partido considera muito úteis, progressivas e necessárias. Nos falta precisar que linha deve ter o militante interessado que constitui essas estruturas.

Este companheiro, deve ser mais cuidadoso que tudo, já que tem além de suas obrigações como militante, as morais que derivam de seu caráter de companheiro ou amante de uma companheira ou de uma mulher. Sua relação está mediada também por seu caráter de militante. Tratar de elevar a sua parceira, se a relação entra em crise, tratar de evitar que frustre o progresso de cada um dos integrantes, evitar a promiscuidade antes de começar uma relação, fazendo com que esta seja a mais séria possível desde seu início, com perspectivas. Cuidar antes de começar esta relação amorosa se a outra parte sairá beneficiada ou prejudicada. Sempre, a todo o momento, como militante, não pensar em si mesmo, mas na outra parte, respondendo as perguntas: a ajuda?, a prejudica?, que faço para que se supere? são desejos o que tenho e a observo e considero como um objeto ou pelo contrário, meus desejos estão mediados por minha moral de militante e, além disso e principalmente, creio que pode se estruturar algo sério, que a beneficie e a mim, que nos supere a ambos? Estas perguntas morais são as decisivas e só o fato de que as coloque significa um começo de solução a este problema.

Porque atentar para todos estes aspectos por parte de todos, o partido, seus militantes e as partes interessadas, é parte essencial ainda que muito sutil de nossa militância.

Trotsky chamava as famílias dos revolucionários de "a retaguarda da revolução". Me parece um acerto do Velho, ainda que o tenha definido em uma situação histórica distinta da nossa, que restringe o conceito.

Ele se referia essencialmente à família ampla, patriarcal russa, as mães, pais, irmãos. Na pátria de Don Leon a família patriarcal era muito forte. Todas as classes russas, desde a burguesia até a baixa nobreza, passando por todas as exploradas, estavam em luta contra o czarismo. Era lógico que as famílias patriarcais considerassem e ajudassem seus filhos como vanguarda da luta geral e comum de todos contra o czarismo.

Porém na família moderna, a família patriarcal já não existe mais, e governos como o russo, tampouco. Vejamos a realidade de nosso partido. O comum é que os familiares dos companheiros presos, perseguidos, lavem as mãos ou dêem uma ajuda muito pequena, salvo exceções. Nem por essa nova realidade o conceito de Trotsky perde sua riqueza, pelo contrário, adquire uma nova magnitude. O papel que cumpria a família russa de apoiar em todos os aspectos desde o não político ao lutador, desde sentimental até material, o pode e deve cumprir agora relações interpessoais adquiridas e não herdadas, como a amizade, o amor, a companheira, a família. Somente os que estivemos presos ou perseguidos sabemos bem o que significa essa retaguarda moral e sentimental. Fortificar essa retaguarda é uma obrigação partidária de primeira ordem.

O companheiro ou companheira preso ou perseguido não deve sentir somente a solidariedade política e organizativa do partido ou do movimento de massas. Nem só de política vive o homem, mas também deve sentir o apoio amoroso, mais amoroso que nunca de seu amor, parceira e como do partido, mais carinhoso que nunca, de seus filhos e amigos. Quem não atua assim ou trata que não se atue assim é um traidor moral, se é um velho companheiro, ou um inconsciente se é um companheiro novo.


Como Solucionar as Necessidades Biológicas de Cada Militante

O militante, pelo fato de sê-lo, não deixa de ser homem ou mulher, com necessidades biológicas e culturais bem precisas e prementes

Chegamos ao primeiro escalão da sinceridade moral do militante com ele mesmo, de olhar-se no espelho e tirar conclusões de como atuar com ele mesmo. Começando com as grandes necessidades, a comida, o vestido, o sexo, principalmente este, a grande moda entre alguns setores partidários "antidogmáticos".

Aqui como em todos os outros níveis, a mediação para solucionar essas necessidades biológicas passa pelo caráter de militante. A solução biológica de tal forma, beneficia ou prejudica o partido e a revolução? É a pergunta moral que tem que ser formulada, dando uma resposta adequada.

Era um costume de alguns setores do movimento latino americano em velhas épocas, principalmente quando iam ao Chile, solucionar esse problema através dos bordéis, falando claro, através das prostitutas, por exemplo. Sempre considerei essa solução do problema escandalosa moralmente, já que a prostituição também é uma relação, e não um ato individual, no qual intervém dois elementos: o que paga e o que cobra; dos dois, o culpado é um só, o que paga. Os companheiros que pagavam uma prostituta estavam cometendo um ato repugnante de tipo moral, desenvolvendo uma das instituições mais repugnantes da sociedade de classes.

Porém este caso extremo não elimina os outros, os intermediários, os que se dão dentro do partido. Existem companheiros que têm ou tiveram a moral dos Combos: aproveitar as festas partidárias ou reuniões, para ver com quem se podia ir dormir. Isto tinha sido transformado, pela atual direção dos Combos, em uma religião: se faziam festas especiais para praticar a promiscuidade, que terminavam com "trepadas" quase coletivas, com uma divisão, reconheçamos o mérito, bastante eqüitativa de possibilidades, não ficava ninguém de fora. Em nosso partido, pela campanha da direção e em especial das companheiras dirigentes estudantis, que foram as primeiras a se levantarem indignadas contra as acusações que estes canalhas, que praticavam justamente esta moral, e lhes faziam, o assunto é mais dissimulado, mas sob a pele de cordeiro se escondem muitos lobos.

A essência dessa moral é: tenho uma necessidade biológica e tenho que satisfaze-la como posso, dentro ou fora do partido. Esta moral produz dois comportamentos estanques, totalmente separados, entre o biológico e o militante. Todo tempo livre, e se não há o busca, deve ser destinado à satisfação dessa necessidade biológica. Desde o ponto de vista psicológico, não sabe que assim não se satisfaz nunca a própria necessidade biológica porque transformada em um objetivo em si mesma, separada do companheirismo, do respeito mútuo, do acordo ou coincidência sentimental, cultural, partidário, militante e de atividade, o ato sexual por si só não soluciona absolutamente nada, é uma variante da masturbação ou muito pior que ela. Somente satisfaz quando se parte de uma relação total ou quase total.

Mas o problema não é somente psicológico mas, muito mais que isso, político, de militância. A relação sexual ou a possibilidade dela beneficia a outra parte, ao militante que está frente a uma, ou pode prejudica-lo se não há possibilidade que seja parte de uma relação mais estável, dinâmica e duradoura? É a pergunta que todo companheiro deve fazer antes de encarar essa relação. Concretamente, nem neste, nem em nenhum terreno, podemos atuar sem uma linha prévia, ainda que seja provisória. O militante, o marxista, também deve continuar sendo-o quando encara a solução deste problema.

Porque existem extremos onde a condição de marxistas nos exige a não satisfação das necessidades biológicas, como a fome ou o sexo ou as culturais mais primárias como a vestimenta ou a moradia. Quando os presos revolucionários fazem uma greve de fome, quando o companheiro, revolucionário vai preso, tanto ele como sua companheira, deixam de satisfazer algumas das mais prementes necessidades biológicas, mas esta repressão à sua personalidade esta totalmente justificada pelas necessidades da luta. Porque nossa moral não é uma moral de imediatez biológica, fazemos o que as necessidades biológicas nos exigem e nós damos os gostos de vida, mas com uma moral mediada por nosso método e nossa militância, que nos exige antes de qualquer ato, muito mais se este ato se situa no campo moral ou político, que tenhamos linha ainda que seja provisória.
Indivíduo e Partido

Nada disso quer dizer que em nome de nossa moral neguemos as necessidades biológicas ou culturais. Os jovens e os velhos companheiros do partido têm todo o direito moral e individual de encarar as soluções destes problemas como quiserem, experimentando, equivocando-se, fazendo múltiplas experiências, etc., etc. Porém todas elas devem estar mediadas pela condição de militante e pelas tendências metodológicas e morais que assinalamos: ter uma linha e cuidar sempre da outra parte mais do que de si mesmo, considerar sempre as tendências ao amor e à parceria seja no terreno sexual, como para a amizade ou as necessidades do partido. Com a vestimenta ocorre o mesmo. Nós estamos a favor da elegância e que nossas companheiras façam todas as experiências no modo de se vestir, inclusive algo distante dela como a maquiagem que queiram, porém levando em conta a situação e que essa tendência à experimentação, em última instância para a beleza, não vá contra as necessidades partidárias: gastar todo o dinheiro em maquiagem ou em roupas. São tendências contraditórias, todas lícitas, mas que devem ser sintetizadas de forma concreta em cada caso partindo das tendências mais nobres e necessárias, uma delas premente, o caráter de militante do partido.

Nossa moral não é a moral dos lumpens, da imediatez, mas das infinitas mediações, com uma principal, a de militante.

Concretamente, entre o desenvolvimento e experimentação individual, em todos os terrenos, e o partido se estabelece também uma relação. O partido está à morte por esta grande conquista da humanidade que a personalidade e o individualismo que cada qual vá formando e desenvolvendo sua personalidade. Porém esta tendência progressiva não pode, nem deve atuar no vazio, como tendência determinante. Não se trata de que alguém que esteja atuando numa greve se coloque: minha maior necessidade para meu desenvolvimento cultural é aprender idiomas principalmente o inglês (necessidade política premente para quase todos os quadros partidários segundo minha opinião). Se abandonasse a direção da greve por esta razão seria um crime político e moral. É que aqui também se dá uma mediação no desenvolvimento individual, não é abstrato e sim mediado pelo desenvolvimento e necessidade do partido e da luta de classes.

O partido por sua vez, dentro de suas necessidades, deve tender, tende a que cada companheiro alcance o maior desenvolvimento individual possível, que reflitam as necessidades do próprio partido por um lado, as possibilidades do companheiro por outro. Como nos deixou dito a companheira de Cannon, o partido sempre nos dá muito mais que nós a ele. Dentro desta relação existe um amplo campo para o desenvolvimento individual frutífero, para equivocar-se, experimentar, sem prejudicar o andamento do partido e o progresso dos companheiros próximos a nós, porque são nossos camaradas, amigos, amantes, companheiros e filhos.
Uma Moral Para a Liberdade e o Gozo ou da Necessidade da Revolução

Existem companheiros dentro do movimento revolucionário que sustentam ou praticam uma moral: a da liberdade e o gozo. "Enquanto for um bom militante, tudo o que faço que me permita gozar a vida, especialmente as mulheres ou os homens, esta bem, ou como mínimo tenho direito a optar, provar, ser livre, totalmente livre neste terreno". A moral existencialista tão bem definida por seus ideólogos.

Nossa moral não é, nem pode ser uma moral socialista, ainda que tenha alguns elementos dela (a solidariedade e o amor pelo companheiro, superior ao que nós devemos ter para conosco mesmo). Dito de outra forma, não é uma moral para gozar racionalmente e mediada por toda a sociedade (o partido neste caso), todas as possibilidades artísticas, instintivas, corporais ou intelectuais que nos brinda abstratamente a sociedade e a natureza, neste aspecto também nossa própria natureza. Nossa moral é uma moral para a luta implacável para derrotar a um inimigo não menos implacável, os exploradores e o imperialismo.

O espontaneísmo moral é a intenção, por setores juvenis, de gozar como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo, sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade.

Nós acreditamos justamente o contrário, que nossa moral não é a da opção, como os existencialistas, nem para o gozo como os espontaneístas, mas sim o da necessidade da revolução.

Isto de necessidade não é uma categoria filosófica, mas bem real. Nossa moral deve nos preparar para suportar as torturas, privações biológicas e culturais, terríveis pressões a que nos submete e continuara submetendo o implacável inimigo de classe que estamos enfrentando. Quem não assimila esta moral não é apto, nem útil para a luta. Nossa moral é para a fome, a abstenção, a de ficar com pouca roupa ou maquiagem ou diretamente sem roupa e sem maquiagem, é uma moral que tende a nos afastar da sociedade de consumo, nos opormos a ela em todas as suas facetas, incluído o do gozo, uma categoria neste momento histórico da própria sociedade neocapitalista.

Nada disto significa, tampouco, que nós praticamos a necessidade por princípio. Vivemos na sociedade de consumo em muitos países, sem situação pré ou revolucionaria, pode estabelecer-se então entre o gozo ou o consumo relativo e nossa militância, a necessidade de uma mediação, um equilíbrio. Seria ilógico, por exemplo, que nossos companheiros não tirassem férias porque há guerrilhas no Vietnã ou Venezuela. Dissolveríamos uma situação concreta, a de nossos companheiros na atual etapa da luta de classes de nosso pais, em uma lei geral abstrata: que temos uma moral de necessidade. Porque é da necessidade essencialmente da revolução e do partido no próprio país. Essa é a mediação principal. Por isso, seria um crime que o companheiro responsável da campanha pelo Vietnã, durante o verão abandonasse sua atividade porque tem que tirar férias. Ou que não apoiasse a campanha financeira pela mesma razão e além disso porque tem que comprar roupa de verão. Mas se chegasse ao extremo de não tirar férias no verão por princípio, seria uma grave erro como já assinalamos.
As Soluções Sectárias e Oportunistas

Como em todos os campos, também neste terreno há um enfoque sectário ou oportunista. É bom que o analisemos.

O sectarismo elimina as mediações e contradições, nos coloca uma moral abstrata, baseada em normas rígidas e permanentes, no lugar de concretas, principalmente na mais concreta dela, a interpessoal. Este sectarismo pode se dar em qualquer dos níveis: pode haver uma moral sectária de imediatez, a dos lumpens. Pode haver a das necessidades partidárias: tudo se subordina, desenvolvimento individual, aprendizagem e solução do biológico, o amor, a amizade e a parceria ao que o partido legisla, ou melhor, a direção.

Voz Proletária [2*] levou ao limite estas duas tendências ao mesmo tempo durante um bom tempo de sua existência. Toda a velha guarda partidária sabe do nosso sofrimento há alguns anos, quando tínhamos que discutir com eles, principalmente com sua direção, pelos cheiros nauseabundos provocados pela teoria-práxis que tinham naquela época: que as mais primárias necessidades biológicas deveriam ser feitas "in situ", porque conter as necessidades era um prejuízo burguês.

Paralela a esta defesa absurda de um nível do imediato, que nos provoca imenso incômodo olfativo, havia outra não menos apaixonada (que continua até hoje) e absurda do mediato, das necessidades do partido: havia que vestir, se arrumar, casar e relacionar-se como o indicava o partido. Se descartava toda possibilidade de opção, desenvolvimento, experimentação, ou seja, de conseguir, através de um processo sumamente contraditório e mediado, amigos, amores, parcerias, estilo de se arrumar e maquilar. A parceria escolhida por um ultimato partidário era policialmente vigiada pela direção, assim como suas roupas e costumes. Concretamente, entre o imediato e mediato, o partido e sua necessidades, não deixavam margens para as contradições lógicas, necessárias e positivas.

A oportunista, como sempre, é pluralista. A corrente Viñas (corrente nacionalista argentina, organizada como Movimento de Libertação Nacional), assim como distintas tendências socialistas de esquerda, têm sustentado que o problema moral é um problema individual, de cada pessoas, de cada grupo, que cada um soluciona como quer e tem vontade.

As fofocas, estes comentários de tipo pessoal, são a outra face desta moral. "Cada um faz o que quer, mas sabe que fulano fez tal farra?" É que esta moral é idêntica à dos lumpens e portanto coincide com a espontaneidade de alguns de nossos companheiros.

Nossa solução do problema está a quilômetros tanto de uma como de outra saída. Para nos há uma rígida moral, que o que tenho tratado de definir, mas ela é concreta e não abstrata, relativa e não absoluta, em uma palavra é dialética. Nossa moral não ignora, e não poderia ignorar, porque é uma parte importante da realidade, as necessidades biológicas ou culturais, o desenvolvimento individual, nem a liberdade e o prazer, mas exige que os subordine e os assimile à mediação de nossas normas morais que têm um objetivo central: a revolução e o partido.


Por Um Programa de Transição Moral

Temos assinalado sistematicamente neste trabalho que podemos ter alguns pontos em comum com o espontaneísmo no terreno moral. Aparentemente é uma contradição, mas o é somente para quem tem uma concepção formal e abstrata da moral, não para nós que acreditamos que ela seja relativa. Concretamente, não somente coincidimos em alguns momentos com o espontaneísmo no terreno político, como também no moral.

Isto obedece tanto a razões de método como de programa. Sabemos que a aplicação programática da teoria da revolução permanente é o programa de transição. Programa esse que é político, para a ação do movimento de massas, mas que também serve como técnica para qualquer ação como ocorre com a teoria que lhe deu origem, a da revolução permanente. A ação moral não é uma exceção.

O que caracteriza o programa de transição não é somente as tarefas mínimas, transicionais e máximas. Nem tampouco o caráter dessas consignas: democráticas, econômicas, políticas, de poder, militares, etc., mas sim que algumas são negativas e outras positivas. Há anos que levantamos este problema das consignas negativas e positivas. Como tantas outras questões teóricas nunca tive a possibilidade de explora-las a fundo e desenvolvê-las. Entretanto a idéia geral simples: há consigna de caráter negativo, vão contra algo, e outras positivas, por alguma coisa. Um exemplo: Abaixo Onganía, é negativa; Por uma Constituinte, é positiva. A que mais abarca é a negativa, por isso é a que muitas vezes provoca uma mobilização revolucionária ou multitudinária. No fundo não dá saída, somente abre o caminho para as soluções positivas.

No terreno moral existem não somente consignas mínimas e de transição como também negativas e positivas. Dizemos tudo isto justamente para compreendermos nossa posição frente ao espontaneísmo. Este é um fenômeno e uma consigna relativamente positiva no político, porque suas consignas vão contra os aparatos que controlam o movimento de massas e pela independência e livre mobilização deste. Portanto entram dentro de nosso programa de transição. O "lutemos independentemente dos grandes aparatos, lutemos e lutemos como bem queremos", é a essência programática o espontaneísmo, entra como uma consigna de transição relativamente correta dentro do movimento de massas num dado momento, quando estas começam ou já estão mobilizadas por cima dos grandes aparatos. Seria um pedantismo sectário que em nome de todo nosso programa de transição não compreendêssemos, apoiássemos e incorporássemos estas consignas e movimento ao nosso próprio programa e ação neste momento.
Moral de Chiqueiro ou Uma Forte Moral Partidária?

Todas estas considerações parecem muito gerais e conhecidas. Entretanto não é assim. Existem setores no partido hoje em dia, incluindo a direção, que opõem a esta moral partidária e revolucionária, sua moral de chiqueiro. Muito mais importante que cuidar da moral dos companheiros do partido, começando pelos que devem merecer maiores considerações, os presos e feridos, está o gozo espontâneo de sua própria individualidade, de seu desenvolvimento, suas experiências, de fazer tudo que tenham vontade, de não ser esquemático, ir para frente com tudo. O grave do caso é que não é uma posição teórica, mas todo um programa moral, pelo qual se faz grande campanha e toda a prática possível.

Como todo fenômeno é total. Nesta etapa de pressões da sociedade de consumo essa moral se reflete essencialmente no terreno sexual, numa moral de consumo sexual, porém suas implicações são muito maiores e profundas. A medida que a luta de classes se agudiza, que a perseguição policial nos alerte para a realidade de que vivemos em um mundo de implacável necessidade, que exige uma moral idêntica, aparecerão as outras manifestações desta moral do gozo ou chiqueiro. Os companheiros que assumem essa moral, do gozo, que pode ser sexual ou alimentar, também demonstrarão diante da própria policia seu amoralismo, sua moral de porcos e a falta de uma moral revolucionária.

Nosso partido tem uma moral oposta. Nossos companheiros, frente às torturas policiais, têm sido os primeiros, o exemplo não só em nosso país, mas em toda a América Latina. São muitas as histórias a esse respeito. Existem graves sintomas, no momento muito débeis, de que essa moral, justamente quando mais à necessitamos, começou a mudar. Já há exemplos, muito poucos, de que somos mais paradigmas de conduta moral frente a polícia. É a outra face desta moral de chiqueiro. O que temos desenvolvido neste trabalho é a faceta interna, para dentro do partido, a outra, devido a pouca perseguição, recém começa a se manifestar, que é a moral para enfrentar a repressão.

Porque a questão de fundo saber se alguns companheiros têm se dado conta que ao entrar para o partido entram em uma confraria de perseguidos, parias da sociedade, que estão contra todos os seus valores e falta de valores, por outros valores que consideramos muito mais sólidos, dinâmicos, ricos, estáveis e em desenvolvimento. Se trata de perguntar se sabem que os espera a morte , a mutilação, a perseguição, a tortura e que estão rodeados por companheiros que esperam, por sua concepção revolucionária, tranqüilamente por todas estas perspectivas. Se trata de saber se sabem que pouco tempo para o gozo e que este tem que ser conseguido como em uma cidade sitiada por um inimigo implacável, a que nos exigem ser sumamente cuidadosos, porque todos devem sacrificar-se para manter a moral alta de nossa confraria, sitiada, esfomeada, perseguida. Se trata, enfim, de saber se dão conta que queremos relações interpessoais entre aqueles que coincidem nesta guerra e nesta situação, porque senão se tornam sumamente perigosas porque podem atentar contra o desenvolvimento dessa luta implacável, que não dá chance. Se trata de saber se são conscientes de que não temos nada a ver com a moral dos porcos, das ovelhas e do gado, que nossa moral é uma moral límpida, revolucionária, que exige tudo do militante, e que às vezes em casos extremos, até a frustração de suas necessidades biológicas e sempre a máxima consideração para com o companheiro, o irmão de luta. Se trata, por último, de saber se se dão conta de que temos uma moral revolucionária.


Notas:

[2*] Jornal do POR Posadista