segunda-feira, outubro 30, 2006
Derrapando sobre versos de um poema (Momentos passageiros)
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade. José.
sábado, outubro 28, 2006
Adenda: A memória que hoje deixo (não minha)
Agradecimento por uma sugestão de leitura
Antes de mais, refiro o autor: Álvaro Gomes. Pela grande idoneidade que revela, alicerçada em vasta cultura pedagógica (e não só pedagógica). E também, no que respeita a esse único livro que dele ainda li (Blues pelo Humanismo Educacional?), pela deliciosa escrita incluindo uma requintada ironia na mordacidade com que sabe desmontar e reduzir à sua real mediocridade uma publicação recentemente erigida a "best-seller" cá pelo nosso país, na área da educação.
O livro... eu diria que é pena Álvaro Gomes ter tido que dedicar tanta atenção, através de uma entre mais de setenta obras que publicou, ao livrinho O eduquês em discurso directo, de Nuno Crato - diria... se não fosse necessário denunciar o real 'valor' desse livro que já esgotou várias edições, mas assim, digo que ainda bem que o fez.
Quando li o referido livro de Nuno Crato, não consegui terminar as últimas páginas pois estava já demasiado nauseada, e nem ocupei nenhum post a comentá-lo - apenas terei feito um ou outro comentário nalguns (poucos) blogues. Mas agora falo nele, pois fiquei muito contente por encontrar bem destacada na livraria da FNAC a resposta que ele precisava que alguém soubesse dar com a notável autoridade com que Álvaro Gomes a deu (estava bem destacada, mas não tanto, diga-se, como continua a estar O eduquês em discurso directo).
Mas, quero dizer (e sublinhar) que a náusea que o dito livrinho me causou nada tem a ver com as opiniões pedagógicas de Nuno Crato e muito menos com a pessoa do autor, pois eu posso pessoalmente despresar actos, atitudes, etc., isso não envolve os autores enquanto Pessoas nem o direito a terem as suas opiniões. Acontece é que Nuno Crato até é um investigador conceituado na sua área, para mais a da Matemática, e não é por ser Matemática Aplicada que espero menos que a formação matemática de uma pessoa tão considerada nesse campo lhe tenha incutido o hábito e a auto-exigência de rigor intelectual extensivos a qualquer obra que entenda merecer ser publicada, mesmo que noutra área.
O que me nauseou nesse livro não foi, como já disse, o conjunto de opiniões pessoais sobre pedagogia, mas sim os métodos a que recorreu e a que se limitou para ridicularizar nomes conhecidos, alguns com trabalho sério na investigação no campo da educação-ensino (outros não tanto, mas não é isso que importa quando falo dos métodos usados para essa ridicularização). Caracterizar as perspectivas pedagógicas seja de quem for por meras citações de uma ou outra frase infeliz e desinserida do contexto, ou ir buscar, em jeito de argumento, um caso de ignorância que encontrou, ou, pior, chegar ao obsceno uso de uma só ínfima citação, isolada de um extenso e importante documento, para ridicularizar alguém que já não se encontra entre nós para se defender - e tanta falta faz no domínio da Educação Matemática, que tão querida lhe era -, em suma, fazer tudo isto é que me causou a náusea.
Álvaro Gomes soube mostrar a ausência de referentes que fundamentassem, minimamente, ao menos, as "opinionites" de Nuno Crato ("opinionite" - termo usado por Álvaro Gomes), pois o que se espera de um investigador, acho eu, é que revele ter alguns fundamentos que suportem as suas opiniões. Em que consagrados pedagogos e investigadores se baseia? Porque parece nem os conhecer?
"Se, como vimos, este livro silencia a essência nuclear das Ciências da Educação, qual é o lastro fundamentante da formação pedagógica de Nuno Crato? Onde aduba ele o seu pensamento?" - Com estas palavras, Álvaro Gomes resume o que eu desejava que fosse feito publicamente, e que era, simplesmente, lembrar a responsabilidade que deve sentir e demonstrar alguém que publica um livro mas é um investigador e um homem das 'ciências do rigor', e não apenas um dos tantos jornalistas ou comentadores que vão fazendo o "serviço" que lhes é pedido ou até, nalguns casos, lhes é imposto.
quinta-feira, outubro 26, 2006
Título...?
Entretanto, interrompi para outro clic, em view blog, porque estava a pensar no título deste cantinho e fui olhá-lo e pensar um pouquito nele. Não estou com intenção de o mudar, acontece apenas que "memórias" é palavra que, para mim, pode ter várias conotações - uma delas, a de Passado, outra, a de Presente.
Mas, voltando à questão de "memórias de prof"... ná(!), por agora, decididamente, não. E menos ainda memórias de prof de Mat. Neste momento de confusão e instabilidade criadas nas escolas, neste momento, também, em que melhorar o ensino da Matemática ou a aprendizagem dela pelos alunos, tirar da cabeça destes o "bicho papão" com que os assustam antes de chegarem à escola ou que neles se instala depois (não ouço em lado nenhum a pergunta Porquê? - será que essa não é conveniente?), incutir-lhes autoconfiança e levá-los à descoberta do gosto pelo pensar desafiante, etc., etc., neste momento, dizia, em que pretender isso tudo (incluindo os etc. que não explicitei) passa por imposição, do exterior, de elaboração pelos professores de planos pedagógicos, estratégicos, ou o que cada um prefira como designação, e sujeitos a aprovação superior (se não forem, não há uns eurozitos para algum software ou outro material, ou para pagar umas aulas a mais - que ainda acabam por fazer os alunos deitarem matemática pelos olhos orelhas e narizes com tanta aula de apoio e tanto estudo acompanhado centrado na dita disciplina (espero e acredito que não seja geral, mas que sei de escolas onde tal está a acontecer, isso sei), planos esses que não hão-de esquecer de prever o uso do "banco de recursos educativos para a Matemática", do GAVE, especialmente os 1000 itens 'tipo' de exames para o nono ano, pois sem alguma garantia de prioridade ao 'treinamento' para o dito exame lá se vai a almejada melhoria do "sucesso" (pobre Matemática, mereces mais que treinamentos, e pobre Sucesso que, por este andar a reboque de "estatísticas", com tão reduzido significado ainda acabas por ficar).
Ai... ia-me agora saindo um "nome feio" dirigido a mim mesma pois já me saiu escrita a mais que não era nada intenção. O que eu queria só dizer (e era mesmo só, juro), é que no contexto de alguns dirigismos e respectivos "objectivos" e "prioridades" actuais, as minhas memórias (e de muitos outros professores) relativas às questões do insucesso em Matemática e aos factores nele intervenientes (incluindo os métodos de ensino-aprendizagem desta) afiguram-se, de facto, do passado. Só que no passado há mau e há bom, por isso há 'coisas' do passado que permanecem actuais, mas, em certos presentes, realmente não encaixam, inclusive por poderem não ser os 'convenientes'.
Julgo que não perdi o sentido de oportunidade (ou de não oportunidade), por isso digo que, por agora, tenho mais que fazer... xô... memórias para a prateleira... até tenho andado a ler uns romances fascinantes, levam-me a umas noitadas sem apetecer largá-los mas, por enquanto, estou a precisar de abusar desse prazer, bem como do que me vem dos poemas belos e inesperados que me têm sido proporcionados por generosa simpatia de uma pessoa maravilhosa a quem deixo aqui o meu grande e sensibilizado agradecimento.
terça-feira, outubro 24, 2006
Voltando sempre a... utopia e realidade.
No entanto, não gosto de ter este cantinho em prolongado silêncio, por isso venho deixar dois poemas da Sophia de Mello Breyner Andresen. Porque ontem, antes de adormecer, apeteceu-me reler um pouquinho dela e um poema estava a mover-me a pô-lo aqui, mas... logo quatro páginas adiante, outro pequenino fez-me desistir. Hoje, acabei por optar por pôr os dois.
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse - proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
(A Forma Justa)
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quinta-feira, outubro 19, 2006
Adenda
terça-feira, outubro 17, 2006
Hoje... apenas uma citação e um poema
"A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida."
John Dewey (1859-1952)
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Das Utopias Se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não querê-las. Que tristes os caminhos, se não fora a mágica presença das estrelas! Mário Quintana |
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sábado, outubro 14, 2006
Bom fim de semana!
sexta-feira, outubro 13, 2006
Adenda: Uf!!!
Pois... "persistência" é precisa, mas muita "paciência" também!!!
(Apetecia-me ir ver um pôr do sol, mas às duas da manhã... restou-me conciliar tudo olhando apenas pela janela aqui do meu cantinho)
Persistence: Sunset
"It is wise to adopt the pace of nature, her secret is consistency and patience."
Entre estar na oposição e estar no governo...
Da declaração de voto do PS na Assembleia da República, em 3 de Dezembro de 2003:
(...)
(...)
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Da reunião das Organizações Sindicais da Plataforma Sindical de Professores para o ECD com o Ministério da Educação, realizada no dia 12 de Outubro de 2006, em Lisboa:
Artigo 5.º
Direito de negociação colectiva
1 - É garantido aos trabalhadores da Administração Pública em regime de direito público o direito
de negociação colectiva do seu estatuto.
Artigo 6.º
Objecto de negociação colectiva
São objecto de negociação colectiva as matérias relativas à fixação ou alteração:
incluindo as respectivas escalas salariais;
quarta-feira, outubro 11, 2006
terça-feira, outubro 10, 2006
Globalização e políticas educativas...
Por isso, são indispensáveis não só as vozes que apelem a resistir e não desistir, mas também uma maior divulgação dos movimentos que, pelo mundo, se vão criando e ampliando contestando a inevitabilidade ou irreversibilidade que se pretende incutir nas mentes - movimentos que vão restituindo a esperança. "Globalização" tem hoje uma conotação de um processo puramente económico, a par da concentração e controle da informação nas mãos do poder financeiro, em suma, de um totalitarismo, mas a mundialização da resistência e da luta por uma sociedade mundial ou global(como se prefira designar) efectivamente democrática não é uma utopia. Inclusivamente, a não desistência dos professores, antes a persistência numa educação para a cidadania e para a formação do pensamento autónomo e crítico (e não apenas para uma integração nos interesses do "deus" mercado) tem uma importância fundamental para que aquele objectivo não seja de facto utópico.
Aqui deixo uns excertos de um artigo*...
“(...) diversos autores (Petrella, 1999; Weissheimer, 2002; Hirtt, 2001a) chamam a atenção para o processo de mercantilização da educação, destacando que é o mercado que determina o que a educação deve fazer (...). Esses aspectos da educação como mercadoria são reforçados nos discursos oficiais com os argumentos da necessidade de adaptar a educação às mudanças que a "sociedade do conhecimento" exige por parte da escola.
(...)
As reformas internacionais da atualidade têm a mesma configuração, uma vez que estão baseadas nos mesmos princípios: os de tornar a educação um dos motores do crescimento económico, precisando aproximá-la do modelo empresarial, a fim de que ela corresponda à lógica do mercado. Os indicadores dessas reformas (...) apontam para uma formação vinculada à lógica de mercado, voltada para uma sociedade globalizada, na qual o capital, o dinheiro, é mais importante do que o homem como sujeito e ser crítico, produtor de conhecimento e construtor de sua história.
(...)
Contra essa situação alguns movimentos** sociais, sindicatos, a sociedade civil, como lugar das lutas sociais e das resistências, têm-se organizado, buscando saídas e alternativas ao modelo neoliberal. Há um sentimento crescente de que se precisa de outra mundialização, de uma globalização diferente daquela que aumentou a miséria, a exclusão, o desemprego, a dívida dos países em desenvolvimento, o número de analfabetos.
(...)
Nesse contexto de resistência e proposições, a educação, que foi fortemente atingida pelo projeto conservador neoliberal, também tem demonstrado a sua capacidade de organização, buscando caminhos (...) para desenvolver ações que possam barrar esse avanço desmesurado da privatização do ensino, além de buscarem uma educação com qualidade socialmente referenciada, isto é, que não esteja voltada apenas para uma preparação imediata para o mercado de trabalho.
A certeza de que um outro mundo é possível é que tem congregado as pessoas nas associações, movimentos, sindicatos, organizações não governamentais, buscando conjuntamente a construção dessa nova realidade. Para essa nova configuração societal, a educação deverá ter um papel preponderante, como um poderoso instrumento de libertação dos homens e mulheres e como meio de desenvolver a cidadania e permitir o acesso aos bens socialmente produzidos pela humanidade.
Os profissionais da educação que deverão actuar nesse novo mundo solidário e justo precisarão ser preparados sob outras bases, nas quais sua dignidade como pessoa e como profissional seja respeitada (...), o perfil dos cursos deve preocupar-se com uma formação para a cidadania que inclua a capacidade de fazer análises críticas da realidade, contribuindo para o bem-estar social.
Essa outra sociedade, diferente da neoliberal, está sendo construída pelos movimentos sociais, mediante a resistência, as lutas, a apresentação de alternativas contra a globalização das desigualdades, a favor da escola pública, contra a mercantilização do ensino e pela construção de "inéditos viáveis", como sonhava Paulo Freire. Essa luta significa a mundialização da resistência, pelo direito à vida, e tem congregado, cada vez mais, um número maior de pessoas, porque este modelo que aí está aumenta o número de excluídos, de despossuídos. A crença de que um outro mundo é possível está posta (...).”
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* MAUES, Olgaíses Cabral. International reforms in education and teacher training. Cad. Pesqui., São Paulo, n. 118, 2003. Disponible en: http: script="sci_arttext&pid=s0100-15742003000100005&lng=es&nrm=iso".
** Nomeadamente, realizações como o Fórum Mundial de Educação (FME), em 2001, o Fórum Continenal da Educação (no Quebec), também em 2001, o Seminário Mundial de Educação (no Fórum Social Mundial), em 2002, bem como manifestações da Rede Social da Educação Pública das Américas (Red Sepa).
sexta-feira, outubro 06, 2006
Adenda
John Audubon
quinta-feira, outubro 05, 2006
Arquivo (19.55)
segunda-feira, outubro 02, 2006
Cuidando do meu estômago
Mas espero que esta (in)disposição demore pouco tempo a passar, pois faz-me falta esse "bouquet de blogues a que nos vamos afeiçoando", como designou a 3za num comentário que deixou no cantinho da Tit, e do qual me permito transcrever uma parte:
"E o bonito neste bouquet de blogues a que nos vamos afeiçoando é a diferença que se completa em harmonia... Todos juntos são muito mais do que a soma das suas partes. Todos juntos são a verdadeira essência do que é o professor... do que é a escola. E isso não se mata. Nem o sonho."
Entretanto, este meu não apetecer temporário tem a ver com o meu estômago que, fisicamente (e felizmente), até anda sempre de boa saúde, mas, quando tem umas indisposições metafísicas, leva-me a fazer limpeza ao frigorífico para eliminar eventual comida estragada, bem como a evitar refeições que suspeite terem algum ingrediente insalubre.
Ora, o meu estômago dá-se muito bem com a leitura e eu até acabei de adquirir um montinho de livros que me andam a apetecer urgentemente. Assim, nos próximos dias os meus dedos vão evitar as teclas para se ocuparem a virar páginas.
Claro, não passo o tempo em casa, e como o Outono ainda anda quase Verão, vou aproveitar para sentir o Sol, procurar algumas flores ou belas folhas outonais para olhar e, de caminho, não esquecerei de trazer legumes frescos para casa, pois não tolero agressões ao meu estômago.