No tempo em que tudo se debatia
Não é fácil fazer um texto sobre a Reforma Agrária (RA). Mais do que uma análise que se estribe em sólidos conhecimentos sobre o Alentejo e a sua agricultura, para mim – hoje com cinquenta anos – a RA é, antes de mais, um exercício de Memória. Dito de outra maneira: é naquilo que sou hoje que inquiro o tempo em que esse movimento social se efectivou.
Assim, ao revisitar o 25 de Abril, lembro esse imenso caudal humano no qual, sem excepção, todos achavam que a circulação da palavra – e estou a falar de política – não era território exclusivo de especialistas, os ‘políticos’. Todos tinham o direito de dar a sua opinião e de fazer circular nas escolas, nos locais de trabalho, nos autocarros, nas paredes das ruas. Assim vertidos no espaço público e sujeitos a intenso e acalorado debate, os enunciados políticos – como os referentes à Reforma Agrária – transformaram desde logo tal espaço num locus de liberdade e cidadania: nunca como então se discutiu tanto o futuro do país e da terra.
Para mim, estudante de liceu com dezanove anos, e para muitos outros e outras colegas, companheiros e camaradas, essa discussão sobre uma parte do território constituiu também uma verdadeira revolução na forma de ver o país e a sua inserção no tempo e no espaço do mundo. À circulação de pessoas pelas comissões de apoio à RA – penso em Lisboa e de Lisboa – e de trabalhadores alentejanos pelas ruas da capital, em manifestações de rua ou em vendas directas de produtos agrícolas, veio a corresponder não só uma transformação das fronteiras simbólicas que afastavam o país de si mesmo – ou seja, uma destruição das categorias com que todos se pensavam entre si –, mas também e inclusivamente, das fronteiras simbólicas no interior das quais o país, como um todo, se colocava a si próprio no mundo. De um ponto de vista que se atenha em exclusivo sobre os modelos de organização social que então circulavam, a vinda triunfal de um tractor da Bulgária ou da União Soviética para uma cooperativa agrícola alentejana pode hoje parecer um anacronismo. Mas não é. E não é – some-se a isso, e a título de exemplo, a descolonização – se pensarmos que a forma como nos vemos hoje é resultado de um complexo processo de construção e reconstrução do mundo. Desse ponto de vista, a RA deveria ser pensada como uma importante peça de um devir que se cumpre numa enorme complexidade.
É claro que fica a nostalgia de um tempo em que divisávamos a possibilidade de um mundo melhor. Também ela parece um anacronismo. Mas não é. Afinal, uma sociedade é isso mesmo: um conjunto de pessoas que se vêem a si próprias e à sua inserção no mundo de formas diferentes.
Assim, ao revisitar o 25 de Abril, lembro esse imenso caudal humano no qual, sem excepção, todos achavam que a circulação da palavra – e estou a falar de política – não era território exclusivo de especialistas, os ‘políticos’. Todos tinham o direito de dar a sua opinião e de fazer circular nas escolas, nos locais de trabalho, nos autocarros, nas paredes das ruas. Assim vertidos no espaço público e sujeitos a intenso e acalorado debate, os enunciados políticos – como os referentes à Reforma Agrária – transformaram desde logo tal espaço num locus de liberdade e cidadania: nunca como então se discutiu tanto o futuro do país e da terra.
Para mim, estudante de liceu com dezanove anos, e para muitos outros e outras colegas, companheiros e camaradas, essa discussão sobre uma parte do território constituiu também uma verdadeira revolução na forma de ver o país e a sua inserção no tempo e no espaço do mundo. À circulação de pessoas pelas comissões de apoio à RA – penso em Lisboa e de Lisboa – e de trabalhadores alentejanos pelas ruas da capital, em manifestações de rua ou em vendas directas de produtos agrícolas, veio a corresponder não só uma transformação das fronteiras simbólicas que afastavam o país de si mesmo – ou seja, uma destruição das categorias com que todos se pensavam entre si –, mas também e inclusivamente, das fronteiras simbólicas no interior das quais o país, como um todo, se colocava a si próprio no mundo. De um ponto de vista que se atenha em exclusivo sobre os modelos de organização social que então circulavam, a vinda triunfal de um tractor da Bulgária ou da União Soviética para uma cooperativa agrícola alentejana pode hoje parecer um anacronismo. Mas não é. E não é – some-se a isso, e a título de exemplo, a descolonização – se pensarmos que a forma como nos vemos hoje é resultado de um complexo processo de construção e reconstrução do mundo. Desse ponto de vista, a RA deveria ser pensada como uma importante peça de um devir que se cumpre numa enorme complexidade.
É claro que fica a nostalgia de um tempo em que divisávamos a possibilidade de um mundo melhor. Também ela parece um anacronismo. Mas não é. Afinal, uma sociedade é isso mesmo: um conjunto de pessoas que se vêem a si próprias e à sua inserção no mundo de formas diferentes.
Luís Almeida
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