Cumpriu-se Abril?
Hoje
mais uma vez descemos a Avenida da Liberdade, nas comemorações do 25 de Abril.
Muita
gente, muita serenidade nos cidadãos comuns, muita curiosidade dos muitos
turistas, (que também de cravo na mão) tiravam fotografias a tudo e a todos.
Há
sempre as vozes criticas, que vão criticando os que continuam a comemorar Abril
de cravo ao peito. Mas não é, não pode ser, nenhuma vergonha comemorar a
“Revolução dos Cravos”!...
Não
podemos ter vergonha de ostentar um cravo ao peito e muito menos de contar aos
mais novos como foi a revolução.
Só
podemos ter orgulho, porque conseguimos pôr fim a cinquenta anos de ditadura,
com uma revolução em que as espingardas em vez de tiros tiveram flores!...
E
a revolução só teve sucesso porque o povo anónimo, cedo se juntou aos soldados,
encheu as ruas e no fundo condicionou qualquer tentação mais bélica que poderia
ter acontecido entre militares.
Os
Portugueses são considerados gente de brandos costumes, muitas vezes
depreciativamente, mas, isso significa, que também somos gente de Paz. E, se
significar que somos tolerantes com as diferenças dos outros, não será com
certeza um defeito, mas sim uma virtude!...
Aquele
espírito da revolução dos cravos, (que vivi intensamente, com todo o
entusiasmo, decorrente da própria revolução e potenciado pelos meus dezoito
anos), já não existe.
Aqueles
momentos de sonho, de esperança e de espírito de solidariedade e de
fraternidade, que trouxe à rua no primeiro dia 1 de Maio (livre) milhares e
milhares de pessoas, numa alegria e num espírito de união, sem partidos, sem
sectarismo, nem interesses, mostrando que afinal os portugueses também se conseguem
mobilizar e que já o provaram muitas vezes.
Passaram
43 anos, será que “Abril se cumpriu”?
Muita
coisa falhou. Mas, foi a própria revolução a culpada dessa eventual falha? Ou
fomos nós, os Portugueses?
Quem
permitiu que se apropriassem do poder, os mesmos do costume, desvirtuando os
ideais de humanismo, de solidariedade e de participação cívica activa?
Quem
permitiu este clientelismo e conformismo que deixámos instalar?
Quem
promoveu a indiferença e a falta de participação cívica?
Em
última análise, a responsabilidade é de TODOS!
No
entanto há que olhar para trás, com um olhar isento e justo e compararmos. Vemos
com certeza hoje um país bem diferente do Portugal de 1974.
Muitos
esqueceram como era a vida dos cidadãos mais humildes, ou melhor, a vida da
maioria dos cidadãos. Esqueceram como eram as suas terras sem água e sem luz,
como eram as acessibilidades, as escolas, a saúde…
E
muitos esqueceram o que era a falta de liberdade, de liberdade de reunião e de
expressão, a insegurança, a perseguição política, a censura, a repressão…
Portugal
claro que mudou, mudou muito, mas a esperança, o sonho não foi concretizado,
Portugal poderia ser hoje um país fantástico, onde imperasse a justiça social,
onde fosse efectivamente cumprida a Constituição, cujos alicerces se basearam nos
ideais de Abril.
Os
erros cometidos, os caminhos errados não se podem apagar, mas é urgente que se
crie uma consciência cívica forte, para que se exija que a justiça funcione,
que haja transparência na vida pública, que se acabe com a corrupção e o
compadrio, para que TODOS tenham realmente direito a uma vida digna, onde haja
justiça e equidade, para que finalmente se “cumpra Abril”.
Maria
Teresa Serrenho