Antes de mais nada, gostaria de pedir desculpas pela sumiço geral. Já deve ter passado quase um mês e devo admitir que será um exercício de memória continuar a falar do Invisibilidades, 2° evento de ficção científica promovido pelo Itaú Cultural.
Mesa 2
Mercado Editorial
Com Ana Cris Rodrigues (clfc), Samir Machado de Machado (não), Ednei Procópio (giz), Richard Diegues (tarja) e Jaques Barcia (terraincognita).
Moderação: Sílvio Alexandre (www.universofantastico.com.br )
Edinei, pulso firme e números 'de cabeça' Fábio Fernandes, curador desta edição do evento, deve ter se realizado quando formou essa mesa. Já há tempos, como pudemos verificar no Fantasticon e nas entrelinhas de postagens em seu Blog, Fábio vem defendendo a idéia da WEB como terreno tão válido para a publicação quanto a mídia impressa. Além de tradutor de livros em papel (de clássicos como "O Homem do Castelo Alto") ele encabeça hoje dois projetos de revistas online com seu parceiro Jaques Barcia: Terra Incógnita e Kalíopes (disponível no site do CLFC). As duas com a pretensão de fazer barulho no cenário da FC nacional e chamar atenção para o que está sendo produzido lá fora.
PAPEL x WEB
Foi assim: Ana Cris, atual presidente do CLFC, e Jaques Barcia - ambos editores de publicações online - defenderam com romantismo a migração dos escritos para a Web, a publicação de textos, revistas, contos e o que mais for na internet. Associaram isto à divulgação maciça, maior visibilidade, mais leituras do material disponibilizado desta forma.
Edinei Procópio e Richard Diegues, editores respectivamente da Giz e da Tarja, se mostraram muito mais abertos e realistas. Reconhecem e acreditam no potencial da internet, mas não desmerecem a boa e velha mídia impressa. Já o Samir, da Não Editora... o negócio dele ainda é papel (mas não descartou nada).
6 MIL DOWNLOADS
Um argumento fraquinho usado no debate foi a quantidade de Downloads em comparação com a quantidade da tiragem de um material impresso. Ana Cris, que está entre trancos e barrancos tocando a digitalização do CLFC, disse que 3 autores convidados a publicar seu material na Somnium recusaram pois preferiram fazê-lo em um veículo impresso.
Ela deu uma leve debochada da atitude comparando a tiragem de 300 exemplares (pouco inferior, diga-se de passagem, à tiragem do Fabulário #1) aos 6.000 downloads da revista BlackRocket. Oras... 6mil exemplares vendidos, por exemplo, seria realmente algo a se admirar, não é? Mas 6mil downloads? Será que é grande coisa mesmo esse número de 6mil downloads? (Não me refiro à revista, ela é sim, muito boa e muito bem feita!)
Donwload não significa também que o material tenha sido lido não é? Ok... essa discussãozinha não é nada produtiva, oras... mas serve para tomarmos mais cuidado com a numerologia empregada neste ou naquele discurso.
Sílvio Alexandre e Ana Cris Rodrigues
NUMEROLOGIA
Por falar em numerologia: Sílvio Alexandre surpeendeu na mediação, levando as perguntas anotadinhas, com dados específicos, numéricos, para colocar em debate. Só surpreendeu mais mesmo Edinei Procópio que, quem diria, apresentou números de cabeça, de institutos de pesquisa diferenciados.
Aliás, Edinei e Richard, respectivamente editores da Giz e da Tarja, pareceram realmente muito preparados, muito inteligentes, muitos "antenados". Se fosse para julgar a publicação dessas editoras pela credibilidade que seus editores conseguiram passar nesta ocasião, poderíamos sair comprando todos os livros. Mas, infelizmente, não é assim.
Se o discurso de Ana Cris e Jaques Barcia foi pautado pela qualidade literária, pela contribuição ao gênero e refinamento dos materiais, ficou a impressão (para algumas pessoas no público que conversaram comigo depois, eu realmente não senti isso na hora) que o discurso dos dois editores "impressos" estava pautado apenas por um critério muito duvidoso de "vendabilidade".
Bem... se podemos conferir o material editado por Jaques e Ana Cris na web, gratuitamente, para averiguar o material da Giz e da Tarja não adianta numerologia ou outras formas, místicas ou não, de especulação: resta ir às livrarias (ou pedir pela internet, que é mais garantido).
Richard Diegues e Edinei Procópio ENQUANTO ISSO...Às vezes a gente pode ter a impressão que o movimento na literatura fantástica brasileira se dá geograficamente no eixo Rio-São Paulo (ou no Sudeste) e no Nordeste. Quando fazemos isso, é bastante saudável considerar ingenuidade de nossa parte.
Samir Machado de Machado, editor da Não e organizador do Ficção de Polpa A
Não Editora é uma editora independente de Porto Alegre, já
velha conhecida do pessoal aqui do Fabulário, e que chamou a atenção da comunidade de ficção científica antes mesmo de existir, com a coletânea Ficção de Polpa. Explico: na época, o lançamento da primeira coletânea foi realizado pela
editora Fósforo. (mais detalhes no site das editoras).
Samir Machado de Machado, um dos editores da Não e organizador das coletâneas de "literatura especulativa" Ficção de Polpa, veio para enriquecer a mesa. O discurso dele soa bastante distinto do que ouvimos dos demais editores presentes (online ou não) e do discurso que costumamos ouvir vindo dos dois outros "eixos" ("Nordeste" e "Sudeste", se é que eles existem assim, enquanto eixos).
Ele não se preocupa em separar "mainstream" de "literatura de gênero", não aponta dados desmotivadores da recepção do público, entre muitas outras coisas que prometem, a longo ou a imediato prazo (afinal, você já pode pedir
os livros deles pela livraria cultura) um novo fôlego para a literatura fantástica nacional! (Ao menos, para uma delas).
DUAS FICÇÕES DE POLPA, NÃO UMA!Esse detalhe me chamou a atenção. Quase não falei dele, mas Samir Machado de Machado, um dos editores da Não e organizador das coletâneas Ficção de Polpa estava presente. Como sempre, ele deu seu parecer (lúcido parecer) de quem está de fora do gueto, com visão geral e abrangente.
Em dado momento, Ana Cris falou com alegria do artigo publicado por ela (juntamente com Alexander Lancaster) na
Scarium #19: disse que estava falando da mesma coisa que a antologia que veio depois (e sem conhecimento prévio um do outro, vale ressaltar) organizada pelo Samir. Ora! Eu li os dois materiais e tive contato com a conceituação de ambos...
Se há algo que eu posso dizer a respeito é que não, não é a mesma coisa. Samir Machado de Machado e Ana Cris Rodrigues não estavam falando da mesma coisa. Mas isso é assunto para um artigo à parte.
LÁ FORA E AQUI DENTRONo discurso do Jaques Barcia (e do parceiro e curador, Fábio Fernandes, também) a gente houve algo que pode parecer às vezes um certo culto ao exterior, ao que é produzido lá fora. Bem... a impressão que os dá (digo impressão por que não li nossos contemporâneos estrangeiros ainda, então só tenho discursos de terceiros para me apoiar)... a impressão que dá é de que os americanos estão lá na vanguarda da Ficção Científica.
Fábio e Jaques não escondem nem um pouco a opinião de que deveríamos nos contaminar com a literatura e o espírito desses escritores (que são além de americanos, franceses, russos, romenos ou de onde quer que sejam afinal)... e, afinal, quem poderia ser contra eles nesta opinião? Mas, junto a isso, parecem levantar discretamente a bandeira de que esta é uma obrigação dos leitores/escritores de ficção científica que devem ler os textos em inglês, importar os livros via
amazon.com e buscar contos e copylefts na web.
Não é assim a atitude mais mediadora que poderíamos esperar, é verdade, mas os dois também não estão lá fazendo só o gênero reclamão e questionador: é possível conferir que estão indo além disso logo na Terra Incógnita #1, trazendo ao conhecimento do público brasileiro novos autores.
Às pessoas, como eu, que não dominam o inglês a ponto de destrinchar os romances de 300 páginas que são produzidos no exterior, só nos resta esperar a facilidade de pequenos contos traduzidos, entrevistas e quem sabe, uma ou outra indicação, no futuro, vinda de um tradutor de confiança de alguma editora interessada em ficção científica para que traduzam, de repente, um
Perdido Street Station tão breve quanto possível....
Jaques Barcia
CONVERGÊNCIA, OTIMISMO E COBRANÇATrês coisas ficaram claras no debate:
1) Há sim um crescimento dos gêneros fantásticos, no Brasil, nos últimos tempos (ainda vamos descobrir no que isso vai dar);
2) Parece haver uma tendência, ao menos no discurso da mesa, de liquefação (êêêê) nos limites destes gêneros, seja entre si, seja com aquilo que está "fora do gênero";
3) A mesa, muito sabiamente, cobrou qualidade dos escritores presentes. E acredite, um grande filão do público era composto por escritores ou pretensos escritores. Muito bem feita a cobrança, diga-se de passagem (e particularmente, bastante refinada no discurso do Jaques).
CONCLUSÕESEste debate foi menos polêmico e mais produtivo que o anterior. A Mediação de Sílvio Alexandre ajudou muito para manter o nível e o preparo, conhecimento do terreno e diversidade de opiniões engrandeceu a mesa.
Nota dez para o Fábio, que parece ter captado as energias certas para a elaboração desta mesa!
Ah! E para aqueles que ficaram achando que "foi dito o mesmo de sempre, o que sempre dizem"... talvez não tenha sido acrescentado muito tempero ao caldo desta discussão, nada foi "repetido" inutilmente.
LUIZ PIRES,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas no Unicentro
Belas Artes