Ana Cris e Fernando Trevisan, twittando às escuras!O invisibilidades II, segunda edição do evento de ficção-científica do itaú cultural, foi em setembro e eu ainda não terminei o meu relato.Portanto, muito tempo me distancia das duas mesas sobre as quais vou escrever - justo eu que não fazia anotações pois fotografava - vou tentar puxar pela memória...
O Domingo estava um pouco mais vazio: para alguns, era sinal que o sábado não tinha sido bom, para outros, foi o almoço de domingo, para uma terceira parte, uma turma teria exagerado na cervejinha de comemoração da noite anterior, e para o quarto final de teóricos especuladores, foi a pequena discussão sobre Star Treck que afastou uma parcela visível do público.
Domingo, segundo dia - Mesa 1
Por uma crítica de Ficção-Científica no Brasil: primeiros passos
Rodolfo LonderoCheguei atrasado para a mesa com Adriana Amaral, Alfredo Suppia e Rodolfo Londero. A mediação foi de Rodolfo S. Filho, que tive oportunidade de conhecer no dia anterior.
A primeira impressão que tive é que havia algo errado com o nome da Mesa. O correto deveria ser algo como "a jovem pesquisa de ficção científica acadêmica", algo assim. Mas estejam atentos: "primeiros passos", diz o título da palestra. Fábio Fernandes (o curador do evento) não disfarça: ele sugere que não há uma crítica da Ficção Científica no Brasil (oh!) e aposta que ela virá de lá: da academia, dos jovens pesquisadores que estão usando seu tempo para refletir a Ficção Científica e suas reverberações por aí.
Das falas, consegui pegar apenas Adriana Amaral e Alfredo Suppia - o atraso (e o abismo já mencionado que distancia minha memória) comprometeu meu entendimento das posições do Rodolfo Londero - mas ele demonstrou grande repertório e esclarecimento sobre as pontuações. Com tese de mestrado foi sobre a recepção do cyberpunk no Brasil, estudo de caso de Santa Clara Poltergeist (veja adiante). Agora, no doutorado, segue na FC. Por sorte, consegui um trecho interessante em vídeo: confiram um pouco mais adiante.
Adriana AmaralAdriana Amaral fez questão de frisar que o campo de estudo dela é a subcultura ligada à ficção-científica, em especial ao cyberpunk. Senti que a fala dela poderia ter sido mais enriquecedora se houvesse um diálogo maior com as demais, pois pareceu-me descontextualizada, especialmente em relação às outras mesas. Mas levantou curiosidade e simpatia, sem dúvida, ainda mais com o Overlock sendo presenteado no dia anterior e circulando ainda nas mãos da platéia - se for para elaborar uma "teoria da conspiração" diria que Fábio Fernandes, em seu plano de revolucionar a literatura de ficção-científica no Brasil, convidou-a para mostrar que a ficção científica pode ir além, fazer mais e dialogar com o mundo real, modificando-o... que pode ser vivenciada. Será?
Adriana também falou um pouco sobre o fandom (fan, de fã, dom, como em kingdom), sobre como a ficção científica parece fechada a um certo grupo de admiradores, como a platéia presente (!). E disse isso como uma antropóloga, de fora da "civilização indígena" para a qual, ironicamente, está discursando. Mas não foi com maldade, não entendam mal. Ela disse em seu Blog, as palavras e as coisas, quando foi convidada para a mesa que na platéia "são todos homens e nerds rs ", mas não é agressivo, não... foi até com uma certa - e para mim preocupante - simpatia.
Alfredo Suppia me impressionou com a fala - primeiro porque não foi tolamente pessimista e reclamão, como já estamos habituados a ver por aí, em todas as áreas que consideram-se periféricas ou malditas, segundo porque, muito felizmente, mostrou que estava fazendo jus a sua cadeira no palco: tinha um bom e diversificado repertório e propriedade sobre o que estava falando. Para ele, no cinema - que é sua área de estudo - Ficção Científica não é a margem, é uma das correntes principais e com muito apelo comercial inclusive. Saem dezenas de filmes por ano (senão mais) em Hollywood e muitos, muitos mesmo chegam ao Brasil. Muitos seriam realmente bons filmes, e muitos são bem sucedidos.Rodolfo S. Filho
No cinema brasileiro, Suppia disse não ser tão grande a escassez. Isto é, se formos contar a produção de curta metragens. Ele disse que o mercado no Brasil está crescendo (e alguém duvida disso!?) e que há muitos estudantes nas universidades e pessoal recém formado fazendo curta metragens de Ficção Científica - bem, um dia alguns desses caras devem fazer longas metragens, não é? E eles já tem gosto pela coisa, então quem sabe?!
A visão, ou o interesse, de Alfredo Suppia pareceu bastante abrangente (nesse sentido, muito próxima a visão de nosso pequeno coletivo). Entre os filmes que mencionou fazerem parte de sua pesquisa sobre ficção científica, destaco o brasileiro Kenoma. Uma rápida pesquisa pelo seu nome no google nos leva também a um bom número de textos de sua autoria sobre o cinema de ficção-científica.
Quanto ao Rodolfo S. Filho, ele foi um excelente mediador, com umas perguntas meio exageradas e canastronas mas muito instigantes e bem formuladas. Soube conduzir bem a conversa, levá-la e trazê-la de volta, proporcionando uma visão geral e diversidade de temas, sabendo lidar com a mesa heterogênea.
Domingo, segundo dia - Mesa 1
Ficção Científica Brasileira: passado e presente do gênero no Brasil
Flagrei uma anotação no caderninho da pessoa que estava aa meu lado!Como na mesa anterior, o título também não era assim tão correspondente ao conteúdo. Mas quem se importa! Bráulio Tavares, Fausto Fawcett e Guilherme Kujawski compunham essa mesa mediada por Sérgio Kulpas.
A mediação de Kulpas deixou a desejar, é verdade, mesmo tendo começado bem, com uma pergunta que rendeu assunto até o final da mesa: como os autores presentes lidavam com a linguagem em seus trabalhos.
Kulpas arrancou comentários aborrecidos do público e não era para menos, sua euforia acabou atrapalhando mais do que ajudando: atropelava a fala dos demais com comentários, em geral sem grande pertinência, e acabou por confundir seu papel de mediador, unindo-se a discussão ao lado dos demais. Especialmente na segunda metade da mesa, quando não disfarçava mais seu entusiasmo.
TavaresBráulio Tavares é nosso já conhecido escritor, crítico e compositor brasileiro que dedica uma parte de seu tempo à ficção científica e à literatura fantástica - com pelo menos três coletâneas de contos dignas de nota, publicadas pela editora Casa da Palavra. Mais uma vez (tal qual no Fantasticon), ele fez a ponte entre a literatura convencional e a discussão em torno do gênero. Desconsiderou as colocações do mediador sobre seu texto literário (invenção de linguagem), confessou-se melhor crítico que escritor e trouxe para a discussão a tradição negligenciada da ficção científica Brasileira.
Com habilidade, expôs a sinopse (e os devidos comentários) de textos que ele considerava, na literatura brasileira, essenciais, ou verdadeiras obras primas da ficção científica. Mias uma vez, elaborou uma fala rica, distante da obviedade, do esperado, do comum. Segue abaixo um pequeno vídeo, que serve para ilustrar o sentido de sua fala.
Fausto Fawcett é músico e ficou famoso algumas décadas atrás com o hit Kátia Flávia, mas ele estava lá por ter escrito o livro de ficção científica Santa Clara Poltergeist (que também é nome de música e de vídeo). Com um discurso cheio de idas e vindas, digressões fenomenais e arrancando muitas risadas da platéia, Fausto convenceu a todos. Ainda que se perdesse em alguns pontos e pudesse parecer esguio em outros, traçou relações muito interessantes e - se não resolveu nada - trouxe novo tempero a discussão. Aliás, um tempero bem particular, bastante diferente do que estamos acostumados na FC brasileira.
Sua "tese" que mais me chamou a atenção foi a de que a ficção-científica, no Brasil e em outros países (Índia, Angola...), tem um ar diferente, uma lógica e um comportamento diferente da FC norte-americana e européia: um ar de traquitana, de "jeitinho" que se dá as coisas. Pode parecer óbvio falando assim, mas acredite: muita coisa foi (e ainda é) produzida no Brasil como mero reflexo do que se fez no exterior, e uma visão assim colocada, vinda justamente do padrinho-mor de Kátia Flávia e Regininha Poltergeist, tem muito significado!
o jornalista Guilherme KujawskiKujawski é ligado ao Itaú Cultural (inclusive um dos responsáveis pela bienal de arte e tecnologia, emoção artificial), mas estava lá também por um livro de ficção científica, o seu Piritas Siderais. Foi bastante discreto e humilde, mostrou muito decoro e respeito com os demais componentes da mesa e falou pertinentemente sobre movimentos literários, dando exemplos de literatura onde a forma ganhava maior importância - e como isso poderia ser caro à FC. Nesse sentido, acrescentou muito à fala de Tavares e ao ponto de vista geral da mesa, levantado pelo Kulpas.
Aliás, esta visão geral disse a plenos pulmões: ficção científica é literatura. Está sujeita as regras e avaliações da literatura e não pode esquivar-se do que já foi conquistado nesse campo. Assim, a última mesa "casou-se" com a primeira - e o Invisibilidades II, evento de ficção-científica do itaú cultural, parece ter terminado com a seguinte mensagem: ficção científica é coisa séria!
Ou quase. Para terminar descontraído, o evento preparou uma edição temática do Pecha Kucha Night. Não vou me deter muito aqui, deixo três pontos:
1 - Pecha Kucha Night é um evento que surgiu no Japão (Pecha Kucha = burburinho, reza a lenda). Foi criado por um escritório de arquitetura e é uma forma de apresentar projetos, teoricamente mais dinâmica que a tradicional. A idéia é que há um número definido de slides e um tempo definido para cada slide, nada muito além disso - mas com apresentação animada (e quando não "intervenção") da organização. No fundo, no fundo, é um nome descolado para "apresentação de powerpoint".
2 - A versão de São Paulo é bem animada, com interferências do apresentador, gracinhas e boicotes por parte da equipe técnica. Muito bom isso, aliás. O Pecha Kucha paulista está "sediado" no Itaú Cultural, mas o formato foi dado - como nos contou o Kujawski - por Paulo Scott, que comanda o evento Vocabulário, n'o Barco (e mais alguém que - desculpem- eu não me recordo). A apresentação ficou então sob égide do Kujawski que, infelizmente, não tem nem de longe a desenvoltura e carisma do Paulo Scott. Uma pena, pois fica claro que Kujawski está tentando "imitar" Scott e sua turma (dentro dela também o poeta Chacal) - impressão que tenho é que Kuja ganharia mais se tentasse um estilo próprio.
3 - A adesão para esse tipo de evento não costuma ser muito impressionante, nem em número, nem em qualidade. Com o tema ficção científica, então! Mas entre algumas apresentações ruins houve coisa boa. Inclusive uma saída de mestre da organização, que frustou uma apresentação meia-boca e ainda assim mostrou todas as divertidíssimas imagens que o expositor preparou (apenas com o intuito de ser selecionado). O grande destaque foi o Alfredo Suppia, que preparou uma ficção hilariante a partir de frames extraídos de filmes (curtas e longas) de ficção científica de diversos tempos e origens.
Saldo positivo no evento que se mostrou mais denso e interessante que o Fantasticon, pelo menos até agora. Correram pedidos acalorados para que o evento se torne anual, e não bienal. Tolice! Deixem como está, que está de bom tamanho. Dois anos é tempo de distinguirem-se as tendências e os assuntos mais pertinentes relativos ao gênero e de escolher a dedo um bom curador.
Diminuir a frequência seria comprometer a qualidade. E tenho dito!
LUIZ PIRES,
é webdesigner e estudante
de Artes Visuais no Unicentro
Belas Artes