Uma Epígrafe
"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]
domingo, novembro 13, 2011
d'AS COUSAS (e d'Os Motes)
segunda-feira, agosto 08, 2011
MILONGUEANDO UNS TROÇOS
Uma poética não pode ser adâmica, ou seja, jamais se instala num hipotético marco zero da epopéia humana. Todo fazer humano, essa aventura em poíesis, nasce em certa altitude histórica e está irremediavelmente embebida em seu caldo de culturas (no sentido popular que se dá a esse termo: usos, costumes, crenças, vigências consuetudinárias). Uma poética, mesmo miscigenada, não se pode alienar de si mesma, de sua terra, de sua gente, de sua língua. A poética que urde a canção que hoje lhes apresento é profundamente terrunha, telúrica. Canta o seu rincão com voz universal. Uma poética assim não é apenas brasileiríssima e gaúcha. É visceralmente humana:
Milongueando uns troços, de Mauro Moraes/voz: Bebeto Alves
Era inverno sim, eu perdido em mim
Rabiscava uns versos pra enganar a dor
O tédio, o pranto, o tombo
E encantava mágoas, milongueando sonhos
Mas havia em mim, um cismar doentio
De agregar estimas aos atalhos gastos
Dos compadres músicos
Repartindo as tralhas tendo o olhar recluso
Somos dessa aldeia filhos de parteiras
Na parelha injusta da cor
Somos pensadores sem pedir favores
Somos dessa plebe, febre de palavras
Na fronteira oculta dos rios
Somos cantadores sem pedir favores
Caso esta biboca, cova da desova
Dilarece o fruto, mastigando o gulo
O sumo, o tudo, o nada
Pego essa pandilha e engravido a rima
Se amor der sombra, a sesteada é pouca
Pra escorar no esteio, os livros, os arreios
O riso humano, o cusco, os ossos
E talvez, amigos, milongueando uns troços.
Postagem dedicada à minha amiga-escrita Rejane Martins,
Imagem:
Boteco Tchê
quarta-feira, julho 28, 2010
Ranhuras no ventre da baleia
“Agora, erramos, orgulhosos e tristes, de ato vão em ato vão,
modelando vasos fechados e cortando lanças circulares,
não mais portadoras de aguilhão.
Uma besta espantosa, de índole recurva,
nasceu do cansaço universal e impera entre nós:
come voraz a cauda e engole a própria garganta.
Criações e atos perecem: sua respiração, interna, letal.”
********************** (Osman Lins, in AVALOVARA)
Nos últimos dias, venho sentindo a sensação de estar criando um inútil objeto estético. Não há como escapar desse sintoma neurótico, sendo cidadão de um mundo niilista. Poderia alguém viajar no ventre duma baleia sem ser digerido pelas secreções de suas vísceras; sem se corromper, sem sucumbir ante a volumosa força das entranhas do cetáceo?
Sempre acordo tomado pela angústia de ser parte de uma civilização que agoniza lentamente. Sento-me, todas as manhãs, diante dessa máquina e modelo uma estranha máscara mortuária. Folheio Osman Lins e deparo-me com a imagem desse animal autofágico. Somos contemporâneos de uma sociedade entrópica. De um organismo que se despedaça. Uma máquina programada para destruir a si mesma...
Enquanto modelo essa máscara, ouço ao fundo a voz roufenha e gutural de Chico Science: "...do caos à lama/da lama ao caos...". Pela janela, vejo a Ilha-sem-Deus. Invade-me as narinas, a maresia do ar. Meus cinco sentidos, as portas da minha alma, repentinamente alertas para essa apreensão lírica do mundo. Um lirismo arrebatador, como um súbito acréscimo da receptividade disto que me circunda. Percebo, apavorado, uma dilatação dionisíaca do real. Eis que o grande Pã me sufoca! Sinto-me diante da perspectiva de ser devorado pelas mandíbulas dessa alimária espantosa, que estertora, enquanto que me arrasta no seu ventre. Do fundo da alma me chega uma oitava de Camões:
“Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da Terra tão pequeno?”
Não sei por que insisto nesse tema. Minha psicanalista, ao ler a ELEGIA PÓS-MODERNA, poema que eu acabara de escrever, aconselhou-me para que me ocupasse com amenidades.
— Ninguém se interessará por essas coisas, Poeta, ponderava ela.
Foi o bastante: abandonei seu consultório e nunca mais voltei lá.
Conforta-me constatar, ao ler Osman ou Roger Garaudy, essas duas grandes almas, que, desde 1968, eles também estavam debruçados sobre o mesmo tema... Nesse tempo, o Green Peace mal dava os primeiros vagidos...
Estaríamos todos criando uma obra inútil e sem sentido?
Pouco me importa! Arranharei, com unhas afiadas, o ventre verde-oliva desse anfíbio. Creio ser esta a única atitude possível a quem navega nessa bizarra embarcação.
***
Fonte da img.:
Jonas chega a Nínive
***
N. do A.:
o texto acima é fragmento de meu romance Bóstrix n'água.
terça-feira, abril 22, 2008
Ainda o efeito poético

Caetano Veloso
Fonte do texto:
http://www.revista.agulha.nom.br/velo.html#terra
quarta-feira, abril 16, 2008
Lirismo reflexivo: Ecos do Eco

Em seu Pós Escrito ao Nome da Rosa, Umberto Eco,
o autor deveria morrer ao concluir a sua obra,
só para que não pudesse comentá-la,
tampouco, interferir nas interpretações dos seus leitores.
Por isso, creio eu, não deve o artista intentar
fazer a crítica de sua própria obra, por temerária e inútil.
que não há óbice em explicar como e por que se escreveu.
Interessante o trecho sobre A Filosofia da Composição,
em que descreve como e por que Edgar Allan Poe
Relata, inclusive, como Poe enfrentou aquela luta mais vã, drummondiana,
para alcançar as palavras com as quais, finalmente,
E o que seria esse efeito poético do Edgar Allan Poe?
Bem, o efeito poético, segundo Eco, no mesmo pós-escrito,
pode ser definido como:
de gerar leituras diversas,
sem nunca esgotar-se completamente”.
sabe que deve desenvolver algo do imaginário.
às vezes, não mais que de uma vontade ou de uma lembrança.
O artista, então, mergulha na matéria com a qual trabalha,
(matéria que tem suas próprias leis naturais,
incluindo a lembrança da cultura em que está embebida,
o eco da intertextualidade),
para moldar sua obra, isto é, capturar, com palavras, tintas, sonoridades,
o efeito poético, e assim plasmar um insólito objeto de gerar interpretações.
trabalhava à revelia de quase todas as convenções literárias da época,
juntando um pouco de velhas crônicas, de façanhas heróicas,
muito de pitoresco, e até de vulgar ou chulo,
colhido diretamente da boca do povo, para
que, ao contato direto com a vida, juntam o poder,
ao mesmo tempo analítico e lírico, de compreendê-la,
de dramatizá-la e de interpretá-la”.
e o efeito poético que Umberto Eco tomou emprestado a Poe,
lembram-me algo do que diz G. M. Kujawski,
em seu artigo Lirismo e Análise da Natureza, datado de 1979:
um método fenomenológico, e rigorosamente
descritivo, de abordar a natureza”.
sentimento que parece nos dominar ao vermos, por exemplo,
uma rosa florindo solitária,
sua rubra coloração,
sua carnação aveludada,
a delicadeza do seu desenho;
ou mesmo quando o mar,
nos toma de assalto, e
“em toda a sua pureza fenomenológica”.
se aproxima desse maravilhamento/estranhamento,
dessa surpresa do ser diante da rosa,
dessa quase hipnose diante da coisa viva.
Assim, um poema, obra de arte plurissignificativa,
deve trazer, engastada em si, essa estesia,
fluindo como algo quase musical.
O fulgor dessa presença lírica deve provocar em nós certa inquietação,
certo choque com a patência da coisa escrita,
ou seja, a perplexidade em face da evidência de que
o poema existe, coisa única,
que o poema está-aí, quando poderia não-estar...
Como acontece com esse A Borboleta,
Patência nº 1: A Borboleta
Ó Borboleta!...
Tu também foste tecida
com milhares de partículas indivisíveis como eu?
E de onde vem essa tua multicolorida atomicidade?
Somos ambos filhos da larva e da morte...
Mas eu, absolutamente, não te sou.
E tu, verdadeiramente, não me és.
Tento palpar com as pupilas
o teu saltitar amarelado, flor em flor,
mas apenas esvoaço em ti, amareladamente.
Isso, assombroso.
Isso, apodítico.
Nós somos!
Nós somos!
Nós somos, alada amiga!
Eurico
Pina, 22/10/1992
Nota: O poema é antigo, mas o comentário é novíssimo,
Luiz Eurico de Melo Neto
Recife/Olinda
Abril/2008
quarta-feira, outubro 24, 2007
Lirismo reflexivo
Sobre o lirismo no pensamento marioandradino, achei essas interessantes citações, no blog Ensimesmudo.blogspot.com – parapoucos (postagem de 20/08/2004):
Não tão óbvio
Um pouco de teoria?
Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada.
***
A gramática apareceu depois de organizadas as línguas. Acontece que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de línguas organizadas. E como Dom Lirismo é contrabandista...
***
Canto da minha maneira. Que me importa se não entendem? Não tenho forças bastantes para me universalizar? Paciência. Com o vário alaúde que construí, me parto por essa selva selvagem da cidade. Como o homem primitivo cantarei a princípio só. Mas canto é agente simpático: faz renascer na alma dum outro predisposto ou apenas sinceramente curioso e livre, o mesmo estado lírico provocado em nós, por alegrias, sofrimentos, ideais. Sempre hei de achar também algum , alguma que se embalarão à cadência libertária dos meus versos.
***
Por muitos anos procurei-me a mim mesmo. Achei. Agora não me digam que ando à procura da originalidade, porque já descobri onde ela estava, pertence-me, é minha. Aliás versos não se escrevem para leitura de olhos mudos. Versos cantam-se, urram-se, choram-se. Quem não souber cantar não leia Paisagem nº1. Quem não souber urrar não leia Ode ao burguês.
***
O "Prefácio interessantíssimo" foi publicado como introdução aos poemas de Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade. Este "prefácio" tem a importância de um manifesto que revela alguns ideais do Modernismo.
Fonte:
http://ensimesmudo.blogspot.com/2004_08_01_archive.html
terça-feira, outubro 02, 2007
Por que Eu-lírico?

Transcrevo aqui um brevíssimo comentário do Carlinhos do Amparo, extraído do zine Eu-lírico, nº 6:
Lirismo, sim. Mas não lirismo comedido: pura contemplação da natureza ou catártica expressão das emoções.
Lirismo, sim. Porém centrado em uma analítica da existência, se isso lá é possível. Algo como o que nos fala G. M. Kujawski:
O poeta tropeça com o estar-aí da coisa. Qualquer coisa: um pássaro, uma pedra (como no célebre poema drummondiano), um recorte qualquer da realidade. E esse choque com a patência da coisa exige a mediação lírica, o assombro, o maravilhamento, a subitânea iluminação do ser. Nesse instante, a Palavra se torna instrumento de reaproximação com o derredor, a circum-stantia, a realidade tal com a encontramos.
Uma atitude irrevogável e consciente presentifica-se no eu enunciador do poema, o eu-lírico: a atitude de auscultador, não de estrelas, como em Bilac, mas auscultador da Existência.
O poema não responde à pergunta: por que o pássaro está aí em vez de não estar?
O poema é o pássaro, vôo repentino, é a coisa no fulgor de sua presença, é o impacto como o essencial. Mas o poema é, antes, o fascínio órfico, o lírico palpitar do real...
***
Transcrevo também o meu poemeto (nem tão rigorosamente descritivo, tampouco fenomenológico, rsrsrs) que originou o comentário acima, naquela edição de 12 anos atrás, do zine Eu-lírico:
Um pássaro de seis asas...
Embora o rugir mecânico das coisas,
Um pássaro de seis...
E a urbe e o orbe
E o universo se desdobre,
Um pássaro...
Atávicos urros na estação metroviária neolítica,
Um passarinho...
(dilata-se o real)
Eurico
Jun/1995
quinta-feira, agosto 09, 2007
Processo criativo em Rilke

Rainer Maria Rilke, Os cadernos de Malte Laurids Brigge,
Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1979, p. 14e 15
(Isabel, grato pelo email com o texto acima).
sexta-feira, julho 06, 2007
Elegia Pós-moderna

Em 31/10/2006 publiquei a notícia abaixo.
Agora publico, em tempo, o poema que motivou uma rídicula censura da minha ex-terapeuta.
Tony Blair anuncia o fim dos tempos!!!
fonte: Jornal Nacional, de 30/10/2006
Tony Blair, na contramão do Mr. Bush, vem a público assumir a posição defendida pelos cientistas, de que, se continuarmos poluindo o planeta nesse ritmo, causaremos uma irreversível recessão economica mundial, nos próximos 50 anos. É que o mundo gastará mais com as consequências da poluição, do que o que gastaria com sua prevenção. Os gastos em 50 anos seriam da ordem de 5% do PIB mundial, provocando um colapso da economia capitalista.
Viva Deus!!!
Queria ver a cara da minha psicoterapeuta,
aquela que, pelos idos de 1988, me aconselhava
a não cuidar de temas ecológicos nos meus textos poéticos.
Taí:
a ecologia ganha dimensões de variável economica.
E com proporções catastróficas.
Anotem aí:
Desde o surgimento do Green Peace, nos idos de 1970, já se anunciava isso que agora vou dizer: O industrialismo e o crescimento economico cego estão com seus dias contados. Em suma: o capitalismo e o socialismo fundados no crescimento sem preocupações ecologicas levam ao extermínio da espécie!
Roger Garaudy já apregoava em 1979, no seu profético Apelo aos Vivos:
"o crescimento dos próximos 30 anos, sob pena de morte da espécie, não pode mais ter a mesma orientação nem o mesmo ritmo dos últimos 30 anos."
Concluo afirmando que, ao reelegermos o Lula, presidente, poderíamos também dar uma guinada em nosso modelo de crescimento, para um crescimento sustentável e ecológico, distanciando-nos do destruidor planetário G. W. Bush.
Eurico
Viva Deus, pequeno sou eu! 31/10/2006
O poema que a tal psicanalista disse-me que era sobre um assunto que não interessava a ninguém é esse aí. Isso em 1988. Confiram:
ELEGIA PÓS-MODERNAou Réquiem ao Futurismo
É preciso traduzir a náusea dos esgotos a céu aberto,
A lenta agonia dos canais imundos,
Escoadouros dos dejetos vis da máquina do mundo.
Quero versos oleosos e negros
Que exalem a fedentina dos peixes mortos
pelos milhões de barris de petróleo jogados ao mar.
Palavras pútridas e fétidas
Como a alma dos rios das cidades industriais.
Houve um tempo em que se cantavam odes triunfais
Fraques e cartolas saudavam fubicas velozes.
Mas os futuristas há muito mudaram-se para o campo
Apavorados com o rugido cruel dos motores McLaren.
Ó, adoradores do imediato,
Há motivo para exclamações eufóricas?
Hoje, um supersônico atravessa a Etiópia num segundo,
E nem por isso os negrinhos esquálidos sobrevivem à fome.
É preciso elegias e não odes.
Nossos versos não devem amar os antigos.
Façamos os versos para/odiá-los.
Na morte, para onde iremos, não há ciência ou indústria alguma.
E vos digo que Marinetti não leu uma linha sequer de Rudolf Clausius ou Sadi Carnot.
Saudava os automóveis num mundo laplaciano e
Com fontes inesgotáveis de energia.
Arre! Santa tolice!
Sobre as fábricas, sobre as gares das metrópoles modernas,
Pairava o irreversível anátema da entropia.
Era mentira a correria do progresso.
Havia um câncer na alma de aço do mundo.
Choremos, pois, à dolorosa luz das siderúrgicas,
Com seus fornos entrópicos, desagregadores e falidos,
onde arderam cadáveres proletários.
Novos profetas apregoam o fim de tudo!
(Entre eles vejo a cabeleira desgrenhada de Einstein)
Ogivas álgicas inauguram o apocalipse.
Baratas cascudas passeiam pelo parque, indiferentes.
E as criaturas perdidas na imensidão que enche a Terra
Olham o firmamento, angustiados olhos ardentes...
Tenho febre e escrevo:
Agora os poemas estão pejados de nojo.
Rói-me um cínico remorso:
Pertenço à raça abjeta de construtores dessa sociedade necrófila.
O que somos, além de um bando de aves de rapina?
Criaturas assombrosas e assombradas, digitamos programas genocidas.
Grandes máquinas soterram lagos.
Serras sórdidas ceifam florestas.
Ó civilização decadente e agonizante,
Ocaso caótico dos engenhos mórbidos,
Raça de víboras que morde a própria cauda!
Ó rodas... ó engrenagens enfraquecidas! Rangido obsoleto.
Mundo ferruginoso das máquinas esquecidas no pátio de manobras.
Espasmo retido dos maquinismos atrofiados.
Onde a fúria inconseqüente?
Tragam-me à cena os futuristas!
Velocíssimos computadores de quinta geração
Teleprocessarão dados dantescos:
Milhões de mortos na China;
Miséria nas favelas do Brasil e fome nas tribos africanas.
Distante, o brilho dos bólides sobre Guernica,
Chorem comigo lágrimas ardentes com os olhos japoneses de Hiroshima;
Assistam comigo aos mísseis pirotécnicos sobre o Vietnam.
E então eu lhes declamarei cloacas pestilentas
Rimas de vísceras de crianças mutiladas
Versos azuis de Césio 137.
No meu país os sofistas traficam leis no Planalto Central
Enquanto os filhos brincam games videotas cercados de seguranças.
É a nação dos que acordam sob as marquises e tropeçam bêbados na angústia.
Lá, os letrados insistem em dizer, em bom vernáculo:
Produzir é preciso!
Viver, não é preciso.
Por isso na há mais tempo para os poetas que se esgueiram pelos becos
Com elefantes escondidos entre os medos.
Nem se pode mais fugir pra Pérsia ou Gerais. Minas não há mais.
Mas há uma enorme pedra no caminho
E a vida humana exige a sua remoção.
Há metafísica maior do que cruzar com gente saudável e dizer bom-dia?
Há algum pecado em sonhar com uma menina a comer chocolates
E esperar que seu pai tenha um emprego para pagar a conta da Tabacaria?
É panfletário querer o poeta água limpa e comida nas mesas modestas?
Sim?!
Já não me importo!
Não há mais tempo.
A febre aumenta e ainda escrevo.
E ouço o ranger de dentes dos demônios do turno da noite.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a frieza disto.
Um frio entrópico disto totalmente imprevisível para os antigos
Que os gregos, os rabinos e Constantino
Morram asfixiados com o cheiro surpreendente das tintas e solventes
Da oficina de lanternagem!
E que os pequenos anjos do aroma sintético
Do pintor neobarroco Eugênio Paxelly, assaltem os passantes,
Ou sujem pára-brisas por moedas irritadas.
Gordas matronas empurram carrinhos repletos do inútil,
no Shoping Center Augusto Comte;
Aristóteles, zangado, faz careta ao fim do século.
Deliro, febril e convulsivo.
Digito, a custo, stop no remoto.
O vídeo perde o brilho estúpido e eu adormeço enquanto
Espero a morte lenta e contemporânea dos aidéticos
E os poemas escorrem do meu corpo, feridas purulentas e escuras,
Como os rios sem vida que cruzam a minha terra natal...