Quantas cartas escrevi, quantas recebi. Uma delícia abrir um envelope. Cartas de amigos, de tios e tias, primos e primas, amigos, cartas de amor. Ah, que delicia as cartas de amor. Queimei cartas de amor, acreditam? Para não deixar pegadas, pistas... Para ser invisível!!!!!!!! Que horror queimar cartas de amor, e mais ainda, ser invisível... A gente acaba não se enxergando, onde é mesmo que estou?! Quem sou?! Credo!!!!!!!!! Só não me arrependo de ter queimado cartas de amor porque as lembranças dos amores permanecem naquele lugar misterioso que chamamos memória. Agradeço às memórias. Um templo que frequento. O templo de minhas memórias.
Sou do tempo das cartas que chegavam pelo correio, dos selos preciosos, coloridos, artísticos. Das letras ímpares. Cada qual com seu traço, impressões digitais. A letra e a voz do autor que podia ouvir lendo a carta. Os dois rios paralelos, o desenho gráfico da letra, e a música da voz, os dois rios se juntavam, se juntariam ainda, se recebesse uma carta.
Escrevia para minhas avós, que moravam em Araguari, Minas Gerais, quando eu estava no internato, no Colégio Assumpção, em São Paulo. Cartas deliciosas, nas quais contava... bem, contava o que eu podia... Uma de minhas avós me disse um dia que adorava receber minhas cartas... nelas eu sempre estava alegre... Pois bem, eu "mentia" (nas cartas me dou conta, eu era um simulacro de mim), pois nem sempre estava alegre, e muitas vezes, no colégio, chorava. De saudades, de prisão (pois num colégio interna, estava mesmo presa...), por ser adolescente, por me sentir perdida num mundo que não conhecia, pois não conhecia nem eu mesma. E ainda hoje estou nas bordas de me conhecer, embora mais a vontade em meu corpo e em minha vida.
Agora escrevo a vocês.
Todos os dias agradeço por mais um dia. Agradeço o sandwiche de pão de centeio com queijo derretido e salaminho recém partido, que acabei de devorar. Com um copo de vinho tinto. Agradeço pela companhia de Josino, meu companheiro. Agradeço a alegria de estar aqui escrevendo, o riso que vem e solta os músculos de meu rosto. Agradeço por pensar, sentir e me emocionar, pelas palavras fluirem como agora. Agradeço estar com vocês aqui e na vida.
Que mistério tudo isso. A mesa, o computador, a tela, as letras, o sangue que flui em mim e me aquece. O xale verde ridículo, meu companheiro nas noites de frio. Meu objeto transicional, como o coelhinho do bebê. Que maravilha dizer bobagens, como nesse momento.
Um grande beijo e muita gradidão,
Eliane
sexta-feira, 31 de julho de 2009
sábado, 25 de julho de 2009
O fim dos ciclos
Durmo
e a tartaruga
se arrasta
Acordo
e antes do esquecimento
o sonho abre
teias oníricas
resistêcia viva
atravessada
A tartaruga marinha
verde no verde mar
mostra a não pressa
O futuro e hoje
não ter de chegar
hoje e o fim dos ciclos
Agora viver
a cada expiração
o que não controlo
A morte
eminência parda
o animal ao qual me alio
e a tartaruga
se arrasta
Acordo
e antes do esquecimento
o sonho abre
teias oníricas
resistêcia viva
atravessada
A tartaruga marinha
verde no verde mar
mostra a não pressa
O futuro e hoje
não ter de chegar
hoje e o fim dos ciclos
Agora viver
a cada expiração
o que não controlo
A morte
eminência parda
o animal ao qual me alio
quarta-feira, 22 de julho de 2009
A vida nas entrelinhas
“A elegância do ouriço”
De Muriel Barbery
Companhia das Letras, São Paulo, 2008.
Resenha de Eliane Accioly
Por que o título “A elegância do ouriço?” A autora não menciona, as entrelinhas do romance sugerem: o ouriço é um pequeno animal fechado em uma couraça, cujos espinhos defendem o tenro e delicado ser interior que a habita.
O n° 7 da rua Grenelle, em Paris, é um “belo palacete com pátio de jardim interno, dividido em oito apartamentos de alto luxo, todos habitados, todos gigantescos”, todos habitados por pessoas ricas, em geral esnobes e pomposas.
Renée, a zeladora do prédio, filha de camponeses, se esconde por trás de uma aparência rude, estereótipo de seu cargo, sendo, entretanto, uma mulher sensível, inteligente, autodidata, preparada e culta, com um humor cético e amargo. Esse é seu segredo. Conhece cada um dos moradores, passando sobre eles seu crivo e raio x, ávida de conhecimento do ser humano. Entrou como zeladora com seu marido. Ficou viúva e devido a sua competência permaneceu cargo, importante para ela, afinal _ “sou viúva, baixinha, feia, gordinha, tenho calos nos pés (...) sempre fui pobre, discreta e insignificante”.
Uma das moradoras Paloma, 12 anos. Considera o mundo adulto uma falsidade, pelo que observa dos pais e da irmã mais velha. E também dos amigos dos pais. Acredita que os adultos que conhece estão num “aquário”. Para escapar do aquário da mediocridade humana planeja morrer aos 13 anos. Mas, tem esperança de que seja possível mudar de idéia, ou de rumo, pois não quer morrer de graça, pelo menos a morte precisa de um sentido. Escreve dois diários filosóficos, enquanto procura o que possa desviá-la de dois destinos “compulsórios”: o primeiro ir parar no aquário, o segundo, seu suicídio. Como Renée, Paloma também se esconde, não deixando que entrevejam sua inteligência excepcional. A jovem se disfarça em estereótipos, observando e estudando trabalhosamente os hábitos de jovens de sua idade. Para ela a vida é terrivelmente previsível, e ela se enche de tédio.
Renée tem uma amiga portuguesa que considera uma rainha, a Manoela, faxineira em alguns apartamentos do prédio. Manuela cozinha como uma deusa, além de outros atributos. É divertida, uma aristocrata nata, de caráter nobre, e tem a propriedade de encontrar soluções inesperadas.
Kakuro Ozu chega com a morte de um dos moradores. O novo proprietário “alia um entusiasmo e candura juvenis a uma atenção e uma bondade de grande sábio”. Kakuro, atraente e excêntrico para os padrões normativos estéreis dos moradores conservadores do prédio, seguro de si não precisa se esconder. Assim como também a Manuela.
Renée e Paloma têm em comum “a elegância do ouriço”, escondem o melhor de si para se preservar da banalidade do mundo, não se revelam em sua delicadeza a quase ninguém.
Têm em comum a falta de fé num sentido maior (ou religioso) da vida. A arte em suas diferentes formas _ a pintura, a música, a literatura, o teatro, o cinema é para ambas o baluarte, o alimento, e também o sentido maior, o lugar onde se encontram com o sagrado, que no pensamento e palavras delas seria o sublime. É desde o olhar estético que Paloma se indaga, talvez a vida tenha um sentido, ela poderia, então, crescer e na entrada no mundo adulto, ir para a vida, e não para o aquário, assim como a vida, quem sabe, deixaria de ser previsível.
Aqueles que no livro compõem uma tribo especial, vão se encontrar, se reconhecer, apoiar e resgatar uns aos outros.
De Muriel Barbery
Companhia das Letras, São Paulo, 2008.
Resenha de Eliane Accioly
Por que o título “A elegância do ouriço?” A autora não menciona, as entrelinhas do romance sugerem: o ouriço é um pequeno animal fechado em uma couraça, cujos espinhos defendem o tenro e delicado ser interior que a habita.
O n° 7 da rua Grenelle, em Paris, é um “belo palacete com pátio de jardim interno, dividido em oito apartamentos de alto luxo, todos habitados, todos gigantescos”, todos habitados por pessoas ricas, em geral esnobes e pomposas.
Renée, a zeladora do prédio, filha de camponeses, se esconde por trás de uma aparência rude, estereótipo de seu cargo, sendo, entretanto, uma mulher sensível, inteligente, autodidata, preparada e culta, com um humor cético e amargo. Esse é seu segredo. Conhece cada um dos moradores, passando sobre eles seu crivo e raio x, ávida de conhecimento do ser humano. Entrou como zeladora com seu marido. Ficou viúva e devido a sua competência permaneceu cargo, importante para ela, afinal _ “sou viúva, baixinha, feia, gordinha, tenho calos nos pés (...) sempre fui pobre, discreta e insignificante”.
Uma das moradoras Paloma, 12 anos. Considera o mundo adulto uma falsidade, pelo que observa dos pais e da irmã mais velha. E também dos amigos dos pais. Acredita que os adultos que conhece estão num “aquário”. Para escapar do aquário da mediocridade humana planeja morrer aos 13 anos. Mas, tem esperança de que seja possível mudar de idéia, ou de rumo, pois não quer morrer de graça, pelo menos a morte precisa de um sentido. Escreve dois diários filosóficos, enquanto procura o que possa desviá-la de dois destinos “compulsórios”: o primeiro ir parar no aquário, o segundo, seu suicídio. Como Renée, Paloma também se esconde, não deixando que entrevejam sua inteligência excepcional. A jovem se disfarça em estereótipos, observando e estudando trabalhosamente os hábitos de jovens de sua idade. Para ela a vida é terrivelmente previsível, e ela se enche de tédio.
Renée tem uma amiga portuguesa que considera uma rainha, a Manoela, faxineira em alguns apartamentos do prédio. Manuela cozinha como uma deusa, além de outros atributos. É divertida, uma aristocrata nata, de caráter nobre, e tem a propriedade de encontrar soluções inesperadas.
Kakuro Ozu chega com a morte de um dos moradores. O novo proprietário “alia um entusiasmo e candura juvenis a uma atenção e uma bondade de grande sábio”. Kakuro, atraente e excêntrico para os padrões normativos estéreis dos moradores conservadores do prédio, seguro de si não precisa se esconder. Assim como também a Manuela.
Renée e Paloma têm em comum “a elegância do ouriço”, escondem o melhor de si para se preservar da banalidade do mundo, não se revelam em sua delicadeza a quase ninguém.
Têm em comum a falta de fé num sentido maior (ou religioso) da vida. A arte em suas diferentes formas _ a pintura, a música, a literatura, o teatro, o cinema é para ambas o baluarte, o alimento, e também o sentido maior, o lugar onde se encontram com o sagrado, que no pensamento e palavras delas seria o sublime. É desde o olhar estético que Paloma se indaga, talvez a vida tenha um sentido, ela poderia, então, crescer e na entrada no mundo adulto, ir para a vida, e não para o aquário, assim como a vida, quem sabe, deixaria de ser previsível.
Aqueles que no livro compõem uma tribo especial, vão se encontrar, se reconhecer, apoiar e resgatar uns aos outros.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
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