30.12.07

Meu mundo e nada mais

Ah, 2007! Feliz ano novo. Garrafas de cidra baratas sendo quebradas no asfalto, fogos, gente bêbada, promessas. Mal o ano começa, temos um buraco. Ou uma cratera, como queiram. São Paulo questiona, pela primeira vez, o valor de uma vida humana diante de obras necessárias, porém faraônicas e mal planejadas. O tal apagão aéreo vira panfleto e prosélito da classe média que pode viajar de avião, as estradas se tornam a violenta rota de fuga.
Próximo do meu primeiro ano como funcionário público, percebo que não há glamour, só cobranças. De um apedeuta ginecológico, passei a quase ser mulher de tanto falar com naturalidade em citologia oncótica, metronidazol e puérpera.

Num mundo onde tudo precisa ter planejamento mercadológico e uma sigla, Luís Inácio e seus rapazes e moças lançam o PAC, para esconder o fracasso do programa Primeiro Emprego. Ou seria para revitalizar a economia do país, que segundo os tais especialistas de jornal (engraçado, eles nunca estão no poder... suas idéias funcionam melhor em editoriais), não cresceu como a China, que faz o trabalhador suar 16, 18 horas por dia, ou como a Índia, que valoriza o ensino superior ao mesmo tempo que suporta a miséria ao lado das universidades. Enquanto o menino João Hélio morria de forma assustadora nas mãos de uma corja sem escrúpulos e o prefeito de São Paulo, descontrolado, chamava de vagabundo um homem, lá estava eu, dentro de um ônibus, indo para Tramandaí ver o mar pela primeira vez, ao lado de uma das melhores pessoas do Universo. Depois revi Porto Alegre ao lado de outra das pessoas mais incríveis do Universo (ok, meu universo é limitado pelo rio Jundiaí). Foi um carnaval sem samba, sem marchinhas e sem desfiles. Viu só como Deus ainda existe?

Aquela menina do Shop Tour, vestida como corista de igreja, entoou o mantra oficial desse ano, "Vai tomar no cu". Foi explícita, pois esse ano muita gente nos mandou tomar onde o sol não bate dizendo coisas como "relaxa e goza". Bastante apropriado, pois sexo anal é dolorido. Ou renunciando ao cargo para não perder os direitos políticos. Ou voltando à Câmara com apoio popular. Ou fazendo gestos obscenos após uma reportagem.
Não comemorei aniversário nenhum. O meu, deixei passar. 38 anos sem muito brilho, ao lado de pessoas igualmente opacas. Bem, comi um pedaço de bolo e comprei um tênis novo - sempre compro meus presentes - além de ter beijado com fervor pessoas que jamais verei de novo.
Meu blog fez um ano e esqueci de presenteá-lo com meia dúzia de palavras. Ele veio me assombrar, noite dessas, e me deu inspiração para duas ficções que ganharam o prêmio Hugo, foram indicados ao Pulitzer e receberam propostas de produtores para que fossem transformadas em filmes, um dirigido pelo Fernando Meirelles e outro pelo Brian de Palma. Acordei banhado em suor, com a fronha translúcida graças à minha baba e lembrando das duas pessoas que comentaram a minha incursão à seara ficcional. "Sai dessa lama, filho". Saí.

Enfrento a maioria de meus medos. Me sinto desconfortável quando me deixo levar por um motorista em uma rodovia cheia de carros frenéticos mas não deixo de viajar. Não gosto de sentir aquela luz cegante durante uam consulta oftalmológica, não gosto de ter a pressão de meu globo ocular medida, e nem por isso deixo de ir ao oftalmologista. Certo, não subo em um cavalo por motivo algum - tenho PAVOR desse bicho - e não ando de moto nem se minha vida dependesse disso - tenho PAVOR daquele treco motorizado sobre duas rodas - , porém sou um sujeito que encara os jilós da vida com a boca aberta (mas não muito). Contudo, quando o avião da TAM se chocou contra o prédio da TAM Express, tive outro medo. "Será que algum de meus amigos está no vôo?", me questionei, aflito e egoísta. Quando vi a dor dos parentes, queimei no fogo de Hades e logo voltei ao Valhala (eita, que angu mitológico é esse?) ao conversar com meu irmão gaúcho no MSN.

Depois de um hiato, voltei a ver uma novela. Quando criança, não as assistia; preferia Vila Sésamo. Na adolescência, vi algumas pequenas gemas de Cassiano Gabus Mendes, Janete Clair, Walter Negrão. Quase adulto - ok, sou adulo apenas cronologicamente. Podemos continuar? - , algumas de Silvio de Abreu, Benedito Ruy Barbosa e Manoel Carlos. Depois todo mundo quis fazer novela e o dejá vù foi asfixiante. Até o advento de Camila Pitanga e Wagner Moura. Parafraseando Luís Inácio, nunca na história desse país se viu um casal tão... delicioso. O cara era o vilão da história e tinha tudo para ser apenas mais uma caricata figura da teledramaturgia; a garota, uma prostituta mergulhada nos clichês e lugares-comuns preconceituosos. Graças à catiguria da cachorra e o amor que o escroque sentia pela vagaba, todas as cenas que vi da novela eram apenas as que eles apareciam. Se a Taíxxxx fosse um pouco melhor aproveitada, como era ao lado do vilão-mor, eu poderia dizer que vi quase toda a novela. Mas Paraíso Tropical, para mim, eram apenas "Bebel e Olavo" e a música da Elis, mal aproveitada.

A dor em minha perna direita, que ainda me acompanha, me fez abandonar o supletivo. Ouvi muita asneira, vi muita cara feia. "Você quer é viver de forma medíocre", "falta é força de vontade", "que desperdíco de inteligência, agora você vai desistir de vez". A dor é minha, de mais ninguém. Se alguém consegue se concentrar em uma aula de supletivo com adultos se comportando como bebês mimados, sentado em uma carteira feita para crianças até 12 anos e sentindo o latejar de uma dor quase insuportável, mérito de quem consegue. Não sou tão forte e concentrado assim. Pretendo me transformar num daqueles monges de filme de ação do Michael Dudikoff, que quebram paredes de isopor, ops, concreto, apenas com a força do ki.

Enéas morreu. ACM morreu. E nem assim as raposas percebem que esse é o final de todos. Nair Belo morreu. Benazir Bhutto morreu. Pavarotti morreu. Paulo Autran morreu. O Lé morreu. Eu ainda não morri. Aguardo notícias.

Quase consigo ter um computador de novo. A trave impediu o gol. Consegui me livrar de uma dívida com o Itaú. A bola foi onde a coruja dorme e entrou mansinha. Comprei um Mp3 baratinho com meu PASEP e contabilizo 98 músicas. Gol olímpico. Meu puxadinho teve que ser abortado antes mesmo de sua concepção. Chutou para a torcida.

Ouço vozes. "Por que no te callas?". "Pede pra sair!". "Bota na conta do papa". "Eu nunca vou te abandonar". "Ou ele ou eu". "Moço, tô com uma dor no pé da barriga". "Eu, na minha concepção, acho isso, você não acha?". "Quero marcar um ultra-vaginal". "Mô, é assim que faz?". "Nei, vem aqui". Vai pra sala um falar com a enfermeira...

Tevê digital. iPhone. Nintendo Wii. E eu só queria uma vitrola onde pudesse ouvir meus vinis. Como não encontrei, me desfiz de meus 30 discos restantes. Logo terei que me desafzer de meus CD's também. Ah, a tecnologia... a melhor desculpa para o abismo social.

Qual é a moral dessa mal e porcamente editada retrospectiva, afinal?

  • Minha vida é uma sucessão incessante de modorras.
  • O mundo anda tão complicado... (mas isso é título de música!)
  • A memória de alguém é função da intensidade do estilo de vida.
  • "Você precisa encher seu blog com algo, senão sua conta expira".
  • 2007 acabou.

Ah, 2008! Feliz ano novo. Garrafas de cidra quebrando no asfalto...

Ainda estou aqui. Quem sabe melhores retrôs virão, sem esse travo de amargura?