domingo, 8 de janeiro de 2012

Amor, evaporito.

Apareces sempre nas piores alturas. Sem convite, o teu descaramento chega a ser ofensivo. A arrogância com que te presenteias, vestido a rigor nesse teu sangue-frio clássico. Apareces sempre nas piores alturas. Vens esticar o dedo à ferida, ainda está o rasgão fresco. És como aqueles cristais que nos obrigaram a estudar em Geologia - as coisas hediondas que nos obrigam a saber - que se instalam nas fendas das rochas, se deixam dissolver na água da chuva, pela calada, e quando a senhora pedra está pronta para sarar, lá cristaliza o cristal, caprichoso, para deixar boa impressão - BAM!, ar da sua graça, está a rocha mais estalada. Algumas chegam a desagregar - as coisas hediondas que nos obrigam a saber, para acabarem inúteis em analogias pobres. Apareces e - BAM!, ar da tua graça - fragmento.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Coração que está de partida, e nunca partido.


"(…) é preciso partir
é preciso chegar
é preciso partir é preciso chegar… Ah, como esta vida é urgente!"





Mário Quintana, Poema Transitório






(Boas férias!)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quando for grande, quero ser.

Chega a ser irónico. O sarcasmo cospe-nos na cara dos sonhos. Crescemos juntas, engendramos prioridades para uma vida adulta que, então, víamos tão distante. Tão distante que nem parecia nossa. Crescemos iguais, com sonhos opostos. Tínhamos as prioridades invertidas. O topo da tua pirâmide, base da minha. E o que eu julgava pro bono, tu tinhas como sine qua non. Sem a qual não pode ser: eu gritava "carreira" e tu clamavas "amor". Chega a ser irónico, ver como a vida nos trocou as voltas. A vida, então tão longínqua, tornou-se uma realidade palpável. Um problema real. Aqui e agora: tu não tens escolha. Ingénuas, como quando éramos miúdas e sonhávamos quem seríamos quando tivéssemos a idade que hoje temos, não lhe demos ouvidos. Eu escolhi a carreira e tu escolheste o amor. Crescemos a acreditar que a vida é feita de escolhas. De encontros entre as nossas prioridades e as oportunidades que o acaso se lembra de dar. Rimo-nos do destino.

Hoje acordo ao lado do homem que nunca julguei encontrar, ou merecer. De tronco despido, beija-me a testa enquanto me pede de mansinho que fique mais cinco minutos. Mais cinco minutos de amor. Hoje tu mal paras em casa porque trabalhas a um ritmo que exige mais de ti do que cinco minutos de suor.
Sonhar que podíamos ter tudo não foi só ingénuo como foi cobarde. Fechamos olhos à vida e ao poder que o acaso tem. Porque a vida também é feita de desencontros. Chega a ser injusto. E não tem graça nenhuma.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Amor, ponto e vírgula.

Diz-se muito do amor. Há sempre mais qualquer coisa a dizer dele. Acrescenta-se, porque não é novidade nenhuma. Nascemos porque amamos. Ou porque alguém quis que viessemos a poder amar. Viver, amando. Diz-se muito do amor. Mas é do desamor que não me canso de falar. Da sensação de sucção que fica depois do amor. A vida a escapar-se dele, de nós. Aquele vento de dentro para fora, o buraco negro centrado no peito e voltado para toda a gente. E de toda a gente nunca há uma que nos perceba. Porque o desamor não se percebe. Não se percebe como apareceu, como não vai embora. Num povo de fadistas, parece-nos coisa eterna. Começa torrencial e nunca termina, ameniza naquele dormente estado de chove e não molha. Falar-vos do desamor depois de me assumir voz do amor, é como enunciar-vos a morte depois de vos prometer vida. Mas o amor peca aí, pelas promessas. O desamor tem a tarefa facilitada, então. Tem muito por onde pegar, pano para mangas para pontos finais. Habituados a vírgulas, a pontos de exclamação, olhamos para o ponto final e não percebemos. Alguém na impressão se enganou, alguém dactilografou aquilo mal. Era uma vírgula com certeza, porque não há mais? Espreitamos para lá do ponto e a página em branco presenteia-se como um abismo claro e evidente. Não há mais nada. A história bonita ficou escrita para trás, e uma longa história, porque do amor muito se diz. E não se percebe. Quer-se saber quem decidiu aquele fim de frase, fim de sentença, a pior delas todas. Ditada assim "ponto". Sempre me ensinaram que nas vírgulas se respira e nos pontos finais se pausa. Gabava-me da minha leitura exímia e exagerava na pontuação. Expirava nas vírgulas, entoava as exclamações e lia "ponto" para mim quando chegava a fim de frase. Fim de linha. Ponto. Pausava. Mas no desamor não se pausa. Depois do amor, não se chega a fim de linha. Empurram-nos do abismo. E não se respira porque não há vírgulas, nem se exclama porque a página é de um branco solitário e desansabido. A vida sem cor, depois do amor. E não há muito que gabar porque não há que ler. A história escrita até ao fim, e o fim sempre desolador. Eterno, fadista. Ponto.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Saudosismo não, Amor.

Sei o que pensas sobre eu voltar. Foste o primeiro a avisar-me que não visitasse a casa onde fui feliz, porque sou uma mulher saudosista. Avisaste-me das regras da sensatez. Voltar aqui é como relembrar porque fui embora. Como quem olha uma cicatriz que fingiu não ter. Talvez precise acender um cigarro. Sei como detestas este meu vício, mas sou uma mulher saudosista.
Não trago grandes cartas na manga. Não preparei grandes enredos, nem tenho um número especial para lançar neste meu regresso. Chamemos-lhe isso, o meu regresso. Sei que vais voltar cá também, mais cedo ou mais tarde. Quando vires os maços de tabaco espalhados e as folhas rasuradas de ideias, raramente completas, vais dizer que está tudo na mesma. Sou uma mulher saudosista, mas não é a nostalgia que me define. Nem tão pouco os meus vícios. Está tudo diferente agora, repara. A ferida sarou, levou pontos e lágrimas - e quando me perguntam de que foi a cicatriz não escondo o que ma deixou. O desamor.
Apago o cigarro num cinzeiro improvisado. Chateia-me esse cheiro adocicado e quente que me pesa nas mãos quando me sento a escrever, maldito vício. Olho em redor - estou de volta. Mas não regresso desarmada, isso não só seria insensato como impossível. Quando voltares cá, tu também, bate à porta. Vou mudar as fechaduras pela manhã - e não te admires se não te responder. Sou uma mulher saudosista mas, mais que isso, tenho histórias para continuar e um amor para viver. Um Coração em Demasia à espera.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

E se...














... o Coração estivesse pronto para voltar?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ventos da mudança.

O Coração em Demasia fez as malas e está pronto para mudar de casa. Fui muito feliz aqui e avisarei os interessados do meu novo endereço.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Coxas de frango.

Arrasta os pés como se arrastam os dias pela sua pele. Ele vai um pouco mais atrás, segura um carrinho de compras entre as mãos já frágeis, as mãos já cansadas. Ela pára. Ele, porque vai um pouco mais atrás, ainda se arrasta mais dois passos até estancar também. Ela encara-o. As suas rugas espelham-se no rosto dele, frágil e já cansado. Passaram tantos anos juntos, ora gargalhando ora discutindo. Os risos marcaram-lhe as maçãs do rosto em pesadas folgas e a indignação fez casa entre sobrancelhas e na testa que se dobrou em berros veementes. Nele ela vê o tempo que viveu. No rosto dela, ele lê o tempo que vai perder.
- Tu já viste? Tão nova e a querer-se casar.. Não sabe nada da vida, António.
Chama-se António. Tem o rosto marcado pelos dias que se arrastam como os seus passos já cansados. Afasta um pouco o carrinho das compras, aproxima-se da mulher.
- Amélia.
Chama-se Amélia. Tem os olhos muito grandes e claros, atenta no rosto dele. Talvez se lembre das gargalhadas que lhe vincaram o rosto e os berros que lhe estragaram a rígida fonte dele.
- Amélia, repete, não sejas tonta. O que sabias tu aos dezanove anos? Deixa-a pensar que ele é o amor da vida dela. Deixa-a casar-se, deixa-a amar.
Pausa. Pondera a última deixa. Parece pesar as palavras como sentenças. Reformula: Deixa-a pensar que ama.
A senhora, que se chama Amélia, fecha muito os seus olhos grandes e claros. Parece suspirar.
- Um dia a vida deixa cair a fantasia e ela, depois, sabes como é que ela fica? Sabes António? Sozinha, é como ela fica.
- Tu não ficaste sozinha. Não achaste que eu era o amor da tua vida?
Ela ri-se. Um vagaroso riso. Balança os braços, parece desengonçada.
- Não António! A minha mãe é que achou que sim.
O senhor, que se chama António, não parece importar-se com a resposta. Pega numa embalagem de coxas de frango, fala num tom brejeiro:
- Devia ter-me casado com a tua mãe.
Riem-se muito, como se estivessem na sala da sua acolhedora casa e não no corredor das carnes de um supermercado. Ela estala a língua no céu-da-boca, por fim. Parece conformar-se. Arrasta os passos como os dias se arrastam na sua pele. Ele volta ao carrinho de compras, um pouco mais atrás. Lembra como não sabia nada da vida aos dezanove e já se achava douto no amor. Estava pelo menos certo do seu nome. Amélia.

domingo, 21 de março de 2010

O que ficou por dizer.

Estás à procura de uma razão lógica quando não a há. Estou tão assustada que a única coisa sã que consigo fazer é mandar-te embora. Não tenho tempo para lidar com a dor, não agora, não mais. Eras a constante da minha vida. Podia tudo mudar, tu serias o mesmo. E tudo mudou. Mas tu estavas lá, acenavas quando me afastava e eu sabia sempre onde regressar - havia o teu braço esticado, curvando acenos no horizonte distante. Até que te cansaste e baixaste os braços. Estou tão perdida, agora, que a única coisa sã que consigo fazer é ficar estática, tentar pertencer a este pedaço de terra onde estagno, petrificada. Estás à procura de uma razão lógica quando os únicos motivos moram no coração. E esse há muito perdeu a racionalidade ou o juízo. Levaste-mo tu, nos teus braços. E eu fiquei tão assustada, depois. Tu não percebes. E eu estou demasiado perdida para ir ter contigo e explicar-te. Levanta um braço. Estou tão assustada, vê. Que a única coisa sã que podes fazer é ir ter comigo e dar-me um abraço. Sem perguntas dificeis, sem quereres perceber.
Abraça-me. Encontra-me. Mata o meu medo nos teus olhos ternos e nos teus braços, acenando pela manhã. E então, mesmo estando tudo mudado, eu serei a mesma.

sábado, 20 de março de 2010

Will you?


sexta-feira, 19 de março de 2010

Tudo ou nada.

Eu não quero ser tua amiga.
Já tenho muitos amigos.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Boa viagem.

Está tão habituada a despedidas que diria não as sentir. Mentiria, se o dissesse. Ainda assim, está habituada a despedidas. Conhece os seus rostos e as suas etapas. Prepara-se para ver malas feitas e desejar um punhado de votos de felicidade e uma pitada de boa sorte. Não faltará ao aeroporto no dia da partida, como se o espectáculo masoquista a fascinasse, arregala muito os olhos e o pânico confunde-se com entusiasmo - como se o egoísmo não a domasse. Sabe de cor a pontada no peito que se segue, a saudade aguda gritada em plenos pulmões aos ouvidos. Ouvidos que se esquecem da voz e a voz que se cala em berros aos ouvidos. Entre a primeira e a terceira vez, esqueceu-se de perguntar o que fazer com os planos. Afinal, não havia quem lhe respondesse. Ninguém sabe o que fazer com os sonhos. Depois da quarta já não se importou com fotografias, talvez não as devesse tirar de todo. Agora já não se revolta, mas ainda chora em cada adeus. Dir-se-ia habituada, se se pudesse criar um hábito de dor, manchado como folhas de papel lacrimejadas.
Diz-lhe que vai partir. Ela responde-lhe um sorriso muito grande, como se o egoísmo não a domasse. Está tão habituada a partidas que só encontra um motivo para teimar em ficar: alguém tem de esperar os regressos no terminal de chegada, de olhos muito arregalados. Como se o sórdido espectáculo a fascinasse, ela prepara-se para desejar um punhado de votos de felicidade. A boa sorte guarda-a no seu bolso. Vai precisar. Afinal, ninguém sabe o que fazer com o medo.

domingo, 14 de março de 2010

Hoje é aos espertinhos dos anónimos!

Eu sei que a liberdade de expressão é um direito. Sei que a educação é virtude só para alguns e que a ignorância anda pela rua ao desbarato. Mas esta para mim é nova. Vocês acham mesmo que são as vossas meia dúzia de frases aportuguesadas e anónimas que me vão mudar ou educar, ou qualquer que seja a vossa intenção? Aos anónimos que se acham tão smart e doutos, uma dica: eu vou ser sempre stupid.

sábado, 13 de março de 2010

Rever e amar.. -te.

Ver-te de novo foi como se me tivessem dito que o céu não existia para depois me darem a provar as nuvens do teu sorriso. Pude saborea-las com o teu odor quente.. o mesmo que me faz estagnar nas escadas rolantes do metro quando alguém passa por mim com um perfume igual ao teu.. só que desta vez eras mesmo tu. Com os teus olhos muito verdes e aquela pinta no direito, como se para te impedir de seres perfeito. O teu odor quente a lembrar-me o teu beijo doce. O teu odor quente a lembrar-me a tua cama dócil e o feio hábito que tinhas de comer com as facas como se com colheres.
Ver-te de novo foi como se me tivessem dito que o inferno é tudo que existe para depois me abençoarem com um anjo. A tua aura, lembrando-me da minha. Viste-a, quando me sorriste? Viste os meus olhos muito castanhos, concentrados em não chorar memórias que o teu odor quente faz lembrar?
Onde estão os amantes que fomos? Para onde os deixamos partir e a troco de quê? E se eles voltassem hoje, cruzando-se na rua e chorando memórias, poderiam ser o que tinham sonhado em primeiro lugar? Porque ela sonhava com o céu e viagens a Itália de barco. Haveria então de te acordar todos os dias dizendo-te como eras perfeito, beijando-te o sinal teimoso que tens no olho direito, e adormecer-te-ia as noites ditando versos cheios do amor que sentia no peito quente. Quando ainda não lhe tinham dito que o lugar dos sonhos é sete palmos abaixo de terra e que tudo mais é nada.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Fuck. Honesty it is.


sábado, 6 de março de 2010

Para já sou Lulu.

"A Lulu quer o que quer qualquer mulher
Que o amigo a abrace bem
E que a faça rir também.
A Lulu tem um medo mas guarda-se em segredo
O amigo vai esperar que ela queira pô-lo a par.
E se a conversa fica em perigo
ele ri-se um pouco e triunfante
Diz-lhe
«É bom ser teu amigo
mas igualmente bom ser teu amante»
A Lulu não traz más recordações
E o amigo atrás diverte-a com canções
Ela dá-lhe a mão e dá-lhe um pouco do coração
Ele faz de tudo para compreender
Depois de tudo para lhe agradecer

E se a conversa os põe em perigo
ele ri-se muito e gaguejante
Diz-lhe
«É bom ser teu amigo
mas igualmente bom ser teu amante
»."


B Fachada - Cantiga de Amigo.

segunda-feira, 1 de março de 2010

JAMAIS!

Eu não quero amar nunca mais. Eu sei o que disse do amor. Eu sei o que já berrei dele. E por isso mesmo o escrevo agora, para que nas noites nostálgicas me lembre que não quero mais dele - nunca mais! Tenho-o visto por aí, muitas vezes até. Vezes demais. Traz sempre um rosto feio e tresanda a mágoa e a sacrifícios. Vejo pessoas que se diminuem pelo amor porque ele se acha Maior. Porque o julgam Salvador. E depois choram sangue e encobrem feridas com palmadinhas nas costas e meios sorrisos. O amor não é nenhum messias. É maldição. É um gato maldito, egoísta e fugitivo. Pensar que já nele vi o fiel canino. Já disse, eu não quero amar nunca mais! Não me queiram cega perdida, pequena e desdentada.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Marte da Lua.

Da lua vê-se a tua casa. Distingue-se a ponta da casota do cão, espevitada como o seu temperamento obstinado, e de quando em quando uma nuvem rosa passeia-se entre o teu portão e o outro lado da rua. Deduzo que seja a tua mãe a perguntar as boas novas à D. Erminda, que tem a filha grávida de três raparigas e está muitas vezes à janela. Olha o nada, porque o tudo tem ela em casa. Berra numa das camas, segurando a barriga cheia e a mão do marido babado.
Da lua onde me deixaste, vê-se a tua casa. Pouco te vejo por lá, sais cedo e chegas quase sempre tarde. Quando os carros já descansam no que suponho ser a beira do passeio e as casas, ensonadas, se apagam. Não sei o que pensas quando não te adormeço as noites porque não mo dizes e eu não consigo ver bem de tão longe. Mergulho no Universo escuro e lavo a cara nas nuvens chuvosas, cor de prata, para tentar chegar a ti. Rasgar-te a pele nos dias em que te esqueces que a tens vestida, reluzente e apaixonante como ontem e como no dia anterior a ontem. E como no dia em que te conheci, muitos dias anteriores a esses. Tocar-te e deixar que me transformes em ouro, reluzente e apaixonante como a bonita pele que vestes. Ver-me nua, vestida na tua reluzente pele, meu amor.
E podia estar agora numa das camas da minha mãe, chorando dores como se nuvem, agarrada a uma redonda barriga, redonda como a lua, e uma mão esquecida. A tua, meu amor. Mas beijei dos teus lábios o céu e por cá fiquei. Daqui vê-se o tudo, porque mais nada importa. A tua casa e a ponta espevitada da casota do cão. O ronronar do teu carro pelo final do dia, adormecendo-me os dias pelo doce hábito de te saber de volta. Ao céu, onde mais nada importa. Ensonada como as casas da tua rua, apago-me com as estrelas da minha.

Muda, sou trovão.

Não me perguntaste a cor dos olhos ou por que linhas se rasga o meu cabelo, se curto se comprido. Não te perguntaste se o meu rosto seria expressivo, a boca muito perto do nariz ou o queixo saliente. Não indagaste as minhas feições e tinhas uma só dúvida. Querias saber se, mulheres reunidas numa enorme sala, eu sobressaíria. Fossem os meus olhos de um azul-oceano ou o meu cabelo vermelho como fogo, cortado pelas orelhas, pequenas. Querias tão-só saber se o que me torna única, fosse o meu corpo como Deus quis, seria vísivel, palpável. Intrigavam-te as minhas palavras. Mas e muda? Calada, seria objectivável o meu mistério?
Mulheres comigo reunidas numa enorme sala, tu continuarias cativo. Não porque o meu cabelo avulto denuncia o meu olhar extravagante, mas porque eu não sou a típica rapariga que tem medo do escuro e da trovoada. Eu sou a mulher que sonha um dia ser apanhada no meio de um tornado. E para ti, meu querido, tenho uma só dúvida.
Podes tu ser essa força da Natureza? Calado, sê tempestade.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Falar-vos d'Ela.

Tem o lábio superior em forma de coração e os olhos um pouco mais juntos que o habitual. É mais fácil falar da sua aparência mas mais refrescante dissertar sobre a sua personalidade. Se pudesse, não pararia quieta um segundo. E não se enganem: movimento é vida.
Ela podia ser aquilo em que eu seria bom. Saberia então que há um sítio onde pertenço. Ali, um pouco acima do seu queixo pequeno - no lábio inferior que alguém se esqueceu de desenhar. Completar-lhe-ia a forma de coração e, se pudesse, não pararia quieto um segundo. E não se enganem: vontade é Amor.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

M de mulher. M de menino.

Odeio que me chames mulher com esse teu sarcasmo embrulhado no «lh» só porque ainda me vês menina e moça. Porque te negas a ver que cresci? Custa-te assim tanto admitir que já não podemos brincar ao faz-de-conta porque há responsabilidades que vêm com isto da idade? Odeias o desdém com que te atiço o «assim tanto», sibilante e assustador para o menino que ainda julgas ser. Não gostas que pinte os lábios quando estou de saída porque dizes que pareço vulgar e gostas de fazer mímica no espelho em que me arranjo, para silenciosamente me insultares de palhaça. Perdi a conta ao número de vezes que montas este espectáculo privado. Mas não é como se tivesses mais que fazer.. É por isto que me cospes nos sonhos, não é? Porque não tens mais que fazer? Gostas de os agarrar, vê-los bem, falar deles aos teus amigos como se teus fossem - os sonhos e os amigos - e depois rasgas tudo só para veres de que são feitos. Não sabes o que isto é, ter ambições. Estar de saída, arrumares os cacos em que te fizeste na noite anterior e seres composto pela manhã. Não conheces o orgulho da vitória nem a pontada nele da derrota, porque nunca te alistaste para a corrida. Não podes brincar ao faz-de-conta para sempre. A idade não é só um número. Faz-de-conta que não crescemos. Faz-de-conta que somos um casal de verdade. Faz-de-conta que tens objectivos. Faz-de-conta que tens amigos que se importam com isto tudo.
Odeias que to diga com esta indiferença, eu sei. Mas depois de tantos anos a ver-te pisar-me enquanto mulher - e mulher dito de uma vez só, sem línguas de fora no «lh» - só porque me querias menina e moça, não há muito sentimento que te possa guardar na sola do teu sapato. Ou que lá coubesse. Daí a indiferença: é pequenez o suficiente.

Dias de Amor e de chuva.

Chovia torrencialmente e o meu guarda-chuva partira-se em dois, pelas varetas metálicas. Tirara-mo da mão ainda antes de me dar um ruidoso beijo na testa. Não me abraça como habitualmente, nem me protege da chuva que cai em torrente. Olha-me nos olhos, por muito tempo, em silêncio, como se nunca os tivesse visto antes. Tem as mãos nos meus ombros e os braços muito esticados. Porque sou mais pequena, não lhe chego à cintura com os meus. Pouso a minha mão nas suas suas. As minhas muito frias e molhadas, as suas molhadas e muito quentes. Estou encharcada, tentando perceber o que é este espanto mudo, debaixo do temporal. Tento falar, fala por cima:
-Eu..
- Tive tantas saudades tuas.
Continua a fitar-me nos olhos, há qualquer coisa que atrapalha o seu olhar, como se areia.
- Isso é raiva?!
Aproximo o meu rosto do seu, parece-me ver laivos de raiva em pepitas de areia na sua iris verde-água, forçando-o a semi-cerrar as pálpebras.
- É.
Acrescenta um repetido e compulsivo acenar de cabeça à resposta monossilábica. Antes que o meu rosto lhe possa revelar qualquer reacção, um misto de surpresa e indignação, a testa enrugada e os lábios premidos, a tensão explorando-me os poros por veias de sangue avulto, encolhe muito os braços e puxa-me para si de rompante, como um trovão. Beija-me num ímpeto. Segura-me o peito das costas com uma mão e o fundo com outra. Provo-lhe a raiva dos seus lábios encharcados e saro das feridas com a sua língua.
Até aos ossos, também eu chorara saudade em torrente. Até partir em dois nos seus braços, como duas varetas metálicas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Acreditar no Amor como se na vida.

Tu nunca pudeste experimentar isto. O Amor. Nunca adormeceste num corpo quente, desejando trincar a própria carne até provar o sangue do coração com uma raiva inexplicável e uma simultânea paixão ternurenta que a ti - porque nunca experimentaste isto do Amor - pode parecer tão antagónico. Tu nunca amaste uma pessoa ao ponto de quereres fazer dela uma música, uma frase, só para não te esqueceres da sua voz ou da sua caligrafia e para que, cantando-a ou escrevendo-a repetidamente, a pudesses dizer de tua. Sentires, então, o teu corpo como um ponto de energia tão forte e tão capaz que o Universo te parecesse mundano. Tu nunca correste mundo sem sentir que não foste a lado nenhum porque o Amor não te acompanhava, só porque nunca o pudeste experimentar. Provar as suas alegrias, num clímax a que nunca te permitiste, porque temes as suas tristezas. Não sabes ainda que não há tristeza maior que esta: nunca poderes ter experimentado isto do Amor, o cálice da vida. Desconheço, sinceramente, porque te levantas pela manhã, se achas que isto não existe. Se achas que não há tal na vida, pergunto-me para que vives tu.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Rewind in time.

Eu quero voltar atrás.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Plan B.

Eu vou acordar amanhã e perceber que foi tudo um sonho mau.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Feliz Carnaval, por fim.

A minha vida contigo, ou contigo nela, foi sempre um carnaval. Anos a fio de um tortuoso desfile carnavalesco. Todos os dias me pedias uma máscara diferente. Querias que fosse a rapariga misteriosa a quem não poderias conhecer todos os segredos, para garantires que não perderias o interesse em mim porque teria sempre coisas novas para te contar. Mas esse miticismo não podias tu levar a casa para conhecer a tua mãe, então poliste-me arestas para que coubesse no disfarce a estrear no jantar de família em casa dos teus avós. Não me perguntaste se queria ir, deste-me corda como a um boneco e trataste primorosamente dos preparativos. Pintaste-me o rosto em tons claros, apagaste-me o riso porque dizias que o teu pai era de poucas expressões e ensinaste-me a pegar na caneta com a mão direita, não fosse a tua avó achar que eu era filha das trevas por não ser destra. Nos teus tempos livres, porque os tinhas em excesso, obrigaste-me a emagrecer para me poderes mostrar atleta aos amigos e escondias os papos debaixo dos meus olhos com torrões de purpurinas porque ai de quem sonhasse que me fazias chorar até a pele inchar. Ralhavas-me por não ser fotogénica, rolaste-me os olhos porque dizias que os meus tinham uma cor vulgar e proíbiste-me o guarda-roupa de saias curtas. Quiseste-me morena quando fui ruiva, loira quando te fui morena e pediste-me ruiva quando já não sabia de que cor estavam pintados os meus caracóis cansados. Já não sabia dizer de que cor estavam pintados os meus sonhos esquecidos. Cortaste-me o cabelo dois dedos acima da testa e fizeste-me usar um desfiladeiro de perucas que me faziam comichão no couro cabeludo e que descaíam de todas as vezes que inclinava a cabeça. Querias que ficasse quieta, que fosse alta, depois mais alta ainda, que tivesse peito, depois afinal já não, que não perdesse as curvas nas ancas mas que depois não fosse matrona. Todas as fantasias eram insuficientes para o teu ego e não te poupavas a trabalhos. Fizeste-me cozinheira nas tardes de domingo e massagista nas quartas-feiras em que jogavas futebol. Nas noites de sexo sem pudor enchias-me de alegorias como se o meu rosto não te bastasse. Atribuíste-me, ao longo dos meses, personagens e apelidos e vidas como se as nossas fossem aborrecidas demais para serem celebradas. Deixaste de me chamar pelo meu nome porque deixou de ser tão exótico como poderes-me chamar isto ou aquilo que te viesse à cabeça. Eras fiel à máscara que me fazias usar e perdeste-te de mim entre rebuscadas pinturas e robustas vestimentas. Não me perguntavas, pela altura do Entrudo, de que me iria mascarar. Saberias que a última palavra era tua e gozavas do momento como uma criança de confetis na mão. O feriado não era diferente de um qualquer outro dia - eu estava entregue às tuas tortuosas vontades e às tuas perturbadoras fantasias.
Diminuiste-me, durante anos a fio, e fizeste-me sufocar na minha própria pele, como uma peruca que dá comichão. Cega entre brilhos e serpentinas achei que fazer-te feliz justificaria tudo o resto. Que um sorriso teu apagaria todas as más recordações, todos os rasgões na carne e cada cicatriz na alma. E quando, por fim, sorrias, ávido e satisfeito, a cena apenas se tornava mais sórdida. De todas as vezes esperei que fosse a última, achando que, eventualmente, irias sentir falta de mim. Eu sentia.
A minha vida contigo, ou contigo nela, foi sempre um carnaval. Esqueci-me da beleza desta festa como me tinha resignado da minha. Esqueci-me da felicidade da vida porque a minha contigo, ou contigo nela, foi sempre um Inferno.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Tão veloz como o desejo.

Vê-a dançar ao longe, aproxima-se cautelosamente. A vida já lhe ensinara por várias vezes que há mulheres que são perigosas.
Vê-o caminhar lentamente, empurrando corpos na multidão em direcção ao seu, que dança. Certifica-se que lhe guarda um ângulo de vista permanente, a vida já lhe ensinara por várias vezes que há homens que são perigosos.
Não é muito alta, mas não se diria uma rapariga baixa. Tem o cabelo muito liso, uma disciplina brilhante que contrasta com a rebelia com que se meneia. O seu vestido é de um azul oceano, acima do joelho que escapa à bota alta por uns centímetros, e o seu pescoço é longo e cruamente apeticivel, como um pêssego careca. De quando em quando os seus olhos encontram o corpo dele, mas não tem tempo ou luz para lhes distinguir a cor.
Ele deve estar perto do metro e oitenta, o cabelo despenteado fá-lo parecer mais novo mas este seu corpo maduro não engana. O pólo branco, que veste como se uma luva, marca-lhe o tronco e está em disputa com a sua pele, muito morena. Os seus lábios, pelo contrário, estão em perfeita harmonia com o seu bonito sorriso, parecem desenhados por uma mão firme, uma mão generosa.
Vai puxá-la para si, a cautela perde-se tão veloz como o desejo. Falar-lhe-á ao ouvido, uma mão no seu pescoço nu e outra na sua cintura fina. Concentra-se para não as arrastar, explorando-lhe o peito e a anca que alarga em forma de tulipa invertida.
Ela vai marca-lhe o tronco com as suas mãos, reservar-lhe toda a sua visão porque há lições que a vida não deixou bem claro. A respiração dele é, apesar de quente, arrepiante. Está assustada, não quer deixar-se ir por um estranho. Sabe-lhe o nome, a altura e a agilidade com que dança com o corpo, no seu. Mas nada mais. E há mais numa vida para além do desejo, da respiração ofegante. Olha-o nos olhos. São da cor dos seus, entre um avelã morto e um mel vibrante. Mas não lhe parecem assustados. Estão atentos, vigilantes. Escutará ao seu ouvido um "está tudo bem?" e fechará os olhos para tentar perceber se sim se não.
Foge-lhe das mãos, tão veloz como o desejo. Uma não muito alta mancha azul oceano, escapulindo-se pela multidão, assustada. Não olha para trás, não hesita na rebelia com que fura caminho. Sabe-lhe o nome, o tacto do pescoço como se pêssego e a forma do seu corpo, como se desenhado por uma mão firme, uma mão pouco dada a avarezas. Mas sabe, no íntimo da sua alma cor de avelã, que não se ficará por aqui. Beijará a noite dos seus lábios e sugar-lhe-á o medo com a sua própria língua. Porque há mais numa vida para além de lições.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

"Love is overrated."

Dizem que estar apaixonado é sentir borboletas no estômago e o resto do mundo deixar de existir.
Não é.
São furiosas abelhas e o mundo andar à roda. Digo-o eu.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Para o resto da vida.

Têm as pontas dos dedos muito frias, as mãos da cor do cinzento que vestem. Ela tem as luvas guardadas na carteira que usa a tiracolo, mas não lho diz. Ele tem as suas escondidas nos bolsos do casaco, esforça-se para que ela não as veja espreitando pelo fecho metálico. Só assim podem dar a mão e sentir a pele rígida como o Inverno que se faz sentir esta noite. Atravessam a ponte, ela vai do lado de dentro, vê o rio escuro mas não se assusta como quando vai sozinha. Não vai sozinha e dá-lhe a mão nua apesar de a ter muito fria e luvas na carteira a tiracolo. Do outro lado do rio estacam e, em silêncio, olham em simultâneo para o céu. Está escuro mas nenhum dos dois se assusta. Dão a mão com mais força, ela aquece a esquerda e ele a direita que entrançam entre dedos rígidos. O vapor de água da atmosfera esfria ao ponto de se condensar e, sem anunciar, as gotículas de uma nuvem estão tão leves que o ar atmosférico as mantém suspensas nas alturas. Distinguem uns pontos brancos que caem do escuro, como estrelas desmaiadas e rendidas. Alguns são pequenos cristais de gelo, flocos de neve que dançam sobre as suas cabeças. Chovem nuvens em pequenos pedaços, como se os deuses estivessem a divertir-se à grande numa olímpica luta de almofadas. Ela solta uma gargalhada quente ao ver que ele está a ficar com o cabelo muito branco, o ar em redor da sua boca esfuma-se perto do rosto curioso dele. Ela traz um gorro e por isso continua com o seu cabelo muito ruivo, as duas tranças fugindo das orelhas como raízes selvagens. Sacode-lhe a neve da cabeça com uma mão, pára quando encontra o cabelo dele rapado como se barba, cabelo que ela não pode sentir de tão curto e então passa o polegar na sua sobrancelha. Sente-a amestrada como o seu cabelo ruivo em tranças, que ele segura com a mão livre. Atrás de si um senhor de negro abre um estojo do tamanho de uma criança. Suavemente e sem aviso, como se neve, toca saxofone. A música, como se voz, esfuma-se serena na noite fria. Surpresa com o súbito som, ela volta-se para encarar o saxofonista e larga a mão dele. Sente um repentino frio nos dedos, como se tivesse deixado cair a luva no chão da cidade. Olha-o curiosa. Sob a cabeça dele, ao fundo, o Big Ben está reluzente como a lua, marca as sete horas da noite. Ele volta a dar-lhe a mão, fala por cima do jazz que embala as poeiras de gelo:
- Tens planos?
- Para o resto da noite?
Pausa. Ele é um pouco mais alto, o que faz com que a expressão no olhar dela lhe pareça de expectativa, as rugas na testa aparecem sobre a forma de sublimes linhas paralelas e as pupilas dilatam.
- Para o resto da vida.
Corre o fecho metálico dos bolsos, de onde tira as luvas. Vai vestir as pequenas mãos dela, como quem olha por uma criança obstinada. Delicados, rígidos dedos, deslizando por entre o tecido quente. Ele é um pouco mais alto, o que faz com ela tenha de se pôr em bicos dos pés para lhe chegar aos lábios. Delicados, suaves lábios. Como se neve beijasse, rende-se com as estrelas. O Big Ben, atrás de si, está radiante; os seus ponteiros adormecem na eternidade que os espera, expectante e com sublimes rugas na testa.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Apeteces-me.

Com toda a tua indecência e a minha malvadez.