19 outubro 2006

O impacto do “minério” nas Mós

Crónica das Mós
A saga dos volframistas
«A 1 de Setembro de 1939, no dia em que teve inicio a terrífica 2ª Grande Guerra, o governo de Salazar emitiu uma declaração proclamando a “neutralidade portuguesa no conflito europeu”. A nossa situação geográfica, o rumo que Hitler acabou por imprimir às suas investidas (para Leste) e algumas afinidades ideológicas, permitiram a Salazar manter a proclamada neutralidade e desenvolver a estratégia que mais convinha à preservação do império colonial e mais favorecia o comércio externo português. Para atingir este objectivo viria a participar, progressivamente, na chamada “Guerra Económica”, sobretudo, a partir de meados de 1941, quando - com a invasão alemã na Rússia – um conjunto de produtos assumiu uma grande importância estratégica, com especial destaque para a exportação dos minérios do volfrâmio, que viria a funcionar como “faca de dois gumes”, já que foi assinando sucessivos acordos: quer com os ingleses, mantendo o País fiel à secular aliança com a Inglaterra; quer com os alemães, não só para manter a estratégia acima referida mas também porque esperava, então, uma vitória (mesmo que parcial) da Alemanha. Sendo Portugal o maior extractor destes minérios na Europa, mais do que competitividade entre os beligerantes, estabeleceu-se uma agressiva emulação, desenvolvida pelas respectivas representações diplomáticas, através de agentes que agindo com maior ou menor secretismo, deram origem ao desenvolvimento do contrabando e à subida em espiral do preço dos dois minérios. O efeito desta alta na agricultura do Norte e Centro do País foi deixando o governo cada vez mais preocupado, motivo que o levou a regular e a controlar com maior firmeza o mercado, o que implicou o aumento da repressão, não só em relação aos contrabandistas mas também aos que extraíam os minérios sem licença. Numa conjuntura em que 15 ou 20 gramas de “minério” passaram a render mais do que aquilo que se colhia nas magras courelas ou do que pagavam por um dia de jeira, a maioria dos camponeses das Mós virou volframista, mesmo correndo os riscos provocados por sucessivas surtidas da GNR, porque actuava sem a exigida licença. Para além de residentes, esta opção viria a ser tomada, também, por alguns mosenses ausentes há vários anos, chegando alguns a deixar o “colarinho branco” e tal como outros retornados (mormente do Porto), vieram para integrar parcerias que laboravam, sobretudo, no sítio sugestivamente designado FILÕES. Este, como outros espaços mineiros, situa-se numa das lombas ondulantes que se erguem até ao termo de Freixo de Numão, parte das quais podem ser observadas do esplendoroso miradouro de Santa Bárbara. Vertentes muitas vezes percorridos por um dos meus informantes privilegiados, o amigo Rui Solteiro, que conhecendo como ninguém os espaços mineralíferos desactivados, ou seja, o que resta de galerias, trincheiras e poços, é de opinião que teriam sido os das Mós quem mais minérios extraiu “de todos os povos do nosso concelho”. Mas os condicionamentos impostos pelo orografia dissuasória, devidos ao volumoso Montargão (e não só) não permitiam que a nossa povoação tivesse acesso às principais estradas do concelho, e esta terá sido a razão suficiente para impedir que as grandes empresas mineiras se estabelecessem no termo das Mós, optando, antes, por se fixarem no de Freixo de Numão. Sendo assim, talvez só possamos afirmar que terá sido nas Mós onde, eventualmente, mais gente se ocupou na extracção de volframite e de scheelite por conta própria, incorporando diversos tipos de parcerias. Esta generalização ter-se-ia ficado a dever (entre outros eventuais factores) à existência no seu termo de duas linhas de água do tipo torrencial, os ribeiros das Mós e o de Valmampaz, praticamente secos durante grande parte do ano, e sobretudo aquele, que sempre foi um autêntico depósito sedimentar detrítico, constituindo uma sucessão de espaços onde a extracção de minérios era fácil. De tal maneira, que duas que duas jovens munidas de um pequeno sacho e de um alguidar de zinco, ganhavam o dia e ânimo, esgravatando areias e cascalhos, provenientes da secular erosão que as enxurradas, desde sempre, provocaram nas referidas e empinadas ladeiras que, longitudinalmente, se estendiam ao longo da margem esquerda do ribeiro, desde Sobradais até às proximidades da povoação. Parcerias como esta optavam pela chamada “forma de exploração à superfície”, esgravatando ou escavando onde melhor lhes parecia, actuando impelidos por palpites, desde que nas proximidades existisse água que propiciasse a lavagem dos minérios. Para além da recolha proveniente de detritos, devidos ao fenómeno de aluvião, os grupos maiores e mais organizados actuavam em terrenos mineralíferos – mormente no já referido sitio dos “FILÕES” – munidos de ferramentas e equipamento, como: pás, picaretas, ferros pontiagudos, marras, guilhos, etc... Os montões de terra iam sendo despejados no “rolho”, para se proceder à “lavagem do minério”, utilizando enxada rasa “baixa”, de folha quase tão larga como o interior do “rolho”, onde ela funcionava num “vai e vem” para apurar os dois minérios mais pesados do que os restantes componentes dos detritos. Regra geral, a água não abundava, então tornava-se indispensável a proximidade de 2 poços contíguos: um a montante cuja água depois de passar pelo “rolho” entrava no outro, para voltar a ser revertida para o primeiro. Água sempre movimentada com a ajuda de um gravano. Esta tarefa viria a ser exemplarmente demonstrada pela Associação de Cultura e Recreio “As Mós”, no carro alegórico com que galhardamente participou no Desfile Etnográfico da Festa das Amendoeiras em Flor, no ano de 2004. Os volframistas por conta própria actuavam sem o prévio conhecimento do valor económico de jazigos metalíferos e com um insuficiente conhecimento da arte de abrir galerias que, portanto, eram minadas sem o devido escoramento, dando azo a desmoronamentos, o mais trágico dos quais roubou a vida a dois volframistas dum grupo de mosenses que actuava nos Filões. E além deste desastre, mais um ou outro aconteceram, provocando fracturas, nomeadamente, de pernas. Os minérios recolhidos em detritos, de pequenas dimensões, eram depois espalhados em pratos e escolhidos a dedo, separando a volframite de uma cor negra e brilhante da scheelite (“o minério branco”) de uma cor branca amarelada e que apesar de serem mais duros, densos e pesados do que os outros detritos, mesmo assim, era necessário retirar-lhes eventuais impurezas, para não se “vender gato por lebre”, como, por vezes, acontecia. Esta tarefa era normalmente desempenhada por mulheres. As consequências sociais e urbanísticas desta saga serão assunto dum próximo artigo. »
José Gomes Quadrado
(in jornal «Pinhel Falcão», 7 de Setembro de 2006)

Comments:
"...toupeiras insaciáveis arrancando à terra o pó mineral negro e denso que endurecia os canhões que incendiavam a guerra;" Parabéns José Quadrado
 
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