2 - TOPONÍMIA DAS MÓS

José Gomes Quadrado

Quase sempre a palavra Toponímia aparece a encimar uma lista de nomes geográficos relativos a uma determinada área geográfica. Mas aqui ela aparece a anunciar a intenção de contribuir para o esclarecimento da origem ou significado etimológico de alguns dos sítios da povoação das Mós e do seu termo, tentando “ler” o que cada palavra nos revela e, em certos casos, procurar encontrar explicação para os fenómenos relacionados com alguns dos nomes mais singulares, fundamentado na investigação de especialistas, distinguindo esta fundamentação da mera divagação toponímica. Em muitos casos, o sentido primitivo dum topónimo aparece-nos sob a forma de um substantivo ou nome comum, que pode ou não ter um carácter descritivo. Outras vezes, é um nome próprio, geralmente o nome de alguém que num tempo mais ou menos remoto foi dono duma propriedade existente nesse sítio. Neste singelo ensaio poderemos verificar que na nomenclatura geográfica das Mós avultam os nomes relacionados com os rosários de montes e vales que envolvem a povoação e encaixam outros sítios do seu termo. E cada uma destas designações mais não é do que a definição do respectivo fenómeno geomorfológico, pertencendo a respectiva terminologia à Geomorfologia ou Geografia Física.

Tratando-se aqui da Toponímia das Mós, terá inteiro cabimento começar por referir (mais uma vez) este topónimo. Quem se deu ao trabalho de ler outros meus escritos, nomeadamente o que veio publicado na Revista “COAVISÃO“ N.º 5, sabe que eu defendo a ideia de que o nome desta povoação terá origem no facto de em tempos antigos aqui terem prevalecido as mós manuais, ou “móos de braço”, como antigamente de dizia. Mas volto à carga para começar por dizer que não conheço topónimo que tantas vezes tenha “mudado” de grafia. Efectivamente, depois da fórmula medieval As Moos, tem sido designada de maneiras tão díspares, como: Asmos, As Mós, As Moz, Moz, Mós e, ainda, Mós do Douro.
No “Bosquejo Histórico das Mós” exprimi a opinião que me parece mais consensual, escrevendo: “Mós, ou As Mós como também é conhecida”, rejeitando o seguidismo de lhe chamar Mós do Douro.
Embora sendo um indefectível dourófilo, sempre considerei extravagante acrescentar-lhe este potamónimo, assim classificado por ser um nome geográfico cujo étimo mais remoto designava, apenas, o Rio. Tem a sua origem num vocabulário pré-romano, já que enraíza no radical céltico DW ou "DWR", «água» (ou água corrente) documentável no irlandês "dur" (1). Os autores gregos da Antiguidade chamaram-lhe Dorios e na língua latina passou a ser Durius. Em suma: o étimo remoto está naquele radical céltico e o étimo próximo no latim Dorius (variante de Durius). Como demonstra o nome que tomou com o aparecimento da língua portuguesa: Doyro e (mais tarde) Doiro ou Douro.
Também o nosso topónimo Penafria apresenta o elemento toponímico celta Pen que está na raiz do latim Pinna e aportuguesado deu Pena, significando penha, penhasco, penedo, pedra, cabeço, etc.. (No galês actual, pen significa cabeça), Temos então no nosso topónimo Penafria um nome celtico-latino: Pen e o latim frígida. Penafria significará, à letra: penha (fraga) fria.
O nosso conhecido Moninho que é considerado, pela generalidade dos autores, como tendo a origem no antropónimo (nome de pessoa) germânico (suevo ou visigótico) Munnius, Mas o etimologista, J. Pedro Machado, escreveu: " Também há a hipótese de se dever a nome ibérico de pessoa Munus, Muna. "(1).
Com proveniência em étimos latinos temos nomes como Freixo e Freixieiros. Segundo o que apurou José Leite de Vasconcelos, em " Textos Arcaicos" (pág. 203), aquele apresenta a seguinte série fonética:" fráxinu-(=frácsinu) > Fréiseno> > Fréixeno = Fréixeo > Freixeo > Freixo. E Freixieiros < man =" homem">
Chousas (ou Choisas) do nosso topónimo Vale das Chousas ou Vale das Choisas (como diz a gente das Mós) vem do latim Claudo e empregava-se para designar terras que serviam para pastagens de gado, aparecendo também como sinónimo de corte, curral, redil, etc., onde o gado pernoitava. Viterbo, no Elucidário (pág. 99) apresenta Chousa como sinónimo de tapada.
Também do latim palumba (pomba brava) provém o prefixo pomb que com o sufixo eira deu o topónimo Pombeira. E Pombal, com o sufixo al, depois de ter passado por Palumbar (como ainda hoje se diz em mirandês). Este topónimo dever-se-á, certamente, ao característico pombal circular que, até ao início dos anos 40 do século o XX, existiu no princípio da empinada e longa encosta que se estende até ao Ninho do Corvo. E quanto à origem do nome Monte da Pombeira, será que se deve a alguma numerosa colónia de pombas bravas que por lá existiu?
Também do nome duma ave deriva o topónimo Vale Minhoto, que vem de minhoto (milhafre) ave de rapina.
Vale Manfonso e Vale Mampaz, são dois topónimos com elementos de origem germânica (sueva ou visigótica). No primeiro, Vale Man-Fonso, temos: Vale (vulgaríssimo na nossa toponímia) está filiado no latim Valle; Man no gótico Manna, homem, (tal como em Mangualde) e Fonso, grafia medieval de Afonso, nome também de origem germânica. Portanto, Vale Manfonso significaria (à letra): Vale do Homem Afonso. O erudito Dr. Pedro Augusto Ferreira (Abade de Miragaia) também nos fala do elemento man, incorporado na composição do gentílico normando: nort + man = homem do norte.
No segundo topónimo a única diferença está no sufixo paz, do latim pace.
Se me é permitido divagar um pouco, diria que Mampaz faz lembrar Mampastor que no português antigo significava juiz, responsável pela justiça, sendo levado a pensar que Mampaz poderia significar homem ou juiz de paz. E continuando a divagar, será lícito imaginar que tanto este como aquele Afonso seriam os principais proprietários em cada um dos vales. "Se non é vero é bene trovato"...
Depois da influenciação sueva e visigótica, entre os séculos V e VII, veio a influência árabe, como consequência do domínio muçulmano. Nas Mós temos uma rua chamada da Atafona, dada a existência de um moinho de moer sumagre. Aquele nome provém do vocábulo árabe tahona. De origem árabe é, também, o nosso topónimo Cadima que provém de qadimu, cadîma. Antigamente chamava-se cadima ao que era público: caminhos, estradas e cadimas às terras agora designadas maninhas.
Um étimo árabe muito curioso para nós é Jabolon (monte), donde provém o nosso Janvão e donde deriva também o nome comum jabali, que deu na língua portuguesa javali, animal antigamente mais conhecido nas Mós pelo nome de porco-montês.
Mas a maioria dos nomes geográficos das Mós foram sendo formados com os recursos da nossa própria língua, descrevendo, sobretudo, acidentes geográficos, quase sempre relacionados, como ficou dito, com os rosários de montes que encaixam a povoação e, duma maneira geral, todo o seu termo: montes, vales, portelas, etc. Designações que ocupando grande parte da nomenclatura toponímica das Mós, derivam, algumas delas, de antiquíssimos arcaísmos. Lembro aqui do topónimo Selada que vem do arcaísmo Sellada. Olhando atentamente a cordilheira de montes que termina no Alto da Selada verificamos que a respectiva lombada, muito empinada, chega àquele ponto e quebra, formando um escalão. Este sítio mais baixo do monte é atravessado pelo caminho estreito e ziguezagueante, por onde se passa de um para o outro lado do monte. E porque se apresenta como uma depressão oblongada, faz lembrar a curvatura duma gigantesca sela. E desta parecença derivará o topónimo.
Para além da correnteza de montes que incorpora o Alto da Selada outros montes há que, encaixando a povoação, estão seperados por vales. E quando estes se apresentam como sítios de passagem (mais ou menos estreita) entre dois montes, são designados portelas, sendo a mais conhecida a Portela, situada entre os montes de Santa Bárbara e da Pombeira. Sobranceira ao Vale de Trigo, foi em tempos (não muito distantes) ponto de passagem indispensável para quem se dirigia para a Estação de Freixo, para o Rio Douro e para outros destinos.
Mas além desta, na Toponímia das Mós existem mais de uma dúzia de topónimos que integram o elemento Portela que, em alguns casos, não representa mais do que um desfiladeiro. Portela tem o Lameirão que, etimologicamente, quer dizer grande lameiro. Nunca por lá vi nenhum lamaçal, mas sim frondosos olivais, amendoais, hortas e alguns pastos para o gado, durante uma parte do ano. Riqueza económica, botânica e ambiental que a acção negligente ou mesmo criminosa de alguns acabou por destruir.
Já vimos que Penafria deriva de penha ou penedo; da fenda duma fraga donde brote água, deriva o nosso topónimo Gricha, apresentado em raros dicionários como regionalismo.
Barreira significará encosta, outeiro, cabeço. Cabeço, por seu turno, pertence ao número de vocábulos que se relacionam com o corpo humano, adquirindo uma significação geográfica (metafórica), como é o caso do Cabeço da Negra.

(1) MACHADO, José Pedro, Origens do Português, vide pág. 115 e seguintes.

TOPONÍMIA DAS MÓS (continuação)

Etimologicamente o termo Toponímia significa o estudo histórico e linguístico da origem e da evolução dos nomes próprios dos diversos lugares. Quando este estudo é destinado a uma aldeia rural e recôndita como a nossa, no sistema de referenciação geográfica predominam topónimos com origem em substantivos comuns ou nomenclaturas de disciplinas como a Geografia Física (como já ficou dito), a Botânica, a Zoologia, a Geologia, etc. Mas também temos um pequeno número de topónimos que para além do seu significado geográfico, testemunham a evolução “urbanística” da povoação, ou revelam outros factos sociais e históricos da vida comunitária mosense dignos de registo. É de alguns deles que vou começar por me ocupar.

Vejamos o caso do Cabo d`Aldeia (Cabo vem do latim vulgar capu e Aldeia do árabe aD-Dai`â (1)). Como é sabido, actualmente, Cimo do Povo e Fundo do Povo designam duas extremidades do casario das Mós, mas durante séculos, o Cabo d`Aldeia era o fundo, uma extremidade da povoação. Os factos sociais e históricos que progressivamente acabaram por colocar este sítio num ponto sensivelmente equidistante do Cimo e do Fundo do Povo ficaram explicitados no meu trabalho “Um Motim nas Mós”.
Como também ali ficou escrito, durante muitos séculos, o casario mosense esteve concentrado em redor da igreja “do Apóstolo S. Pedro”, que a partir de 1836 foi transformado no actual cemitério. Este antigo aglomerado ficou para sempre designado por Castelo (derivado do latim Castellu), topónimo que actualmente dá nome à rua que atravessa a Lajinha (diminutivo de laja, laje), – vizinha do sítio onde foi edificada a sede da nossa briosa Associação e do futuro “Centro de Dia” – nome da rua que abrange também o velho recinto do Tronco, onde antigamente eram ferrados os animais.
A pouco mais de 100 metros do Tronco fica o Terreiro (do latim terrarius), espaço largo e plano, situado no centro da povoação e que ao longo dos séculos teve as mais diversas utilizações sociais, avultando o seu incomparável e secular préstimo como local de convívio quase permanente de mosenses e de visitantes do sexo masculino, e também um espaço ao ar livre e arborizado, onde sempre tiveram lugar não só a maioria dos episódios dos arraiais da Festa anual, mas também a realização de outros incontáveis folguedos.
Sobranceira ao Terreiro e ao Cabo d`Aldeia fica a Rua do Forno (do latim furnu ou fornu), cuja importância histórica reside no facto de ali permanecer (restaurado) o Forno Comunitário e de, mais adiante, permanecer erguida (e também restaurada) a casa particular onde a professora D. Maria do Carmo Almeida chegou a dar aulas a várias dezenas de alunos em cada ano lecctivo, nos anos do histórico crescimento demográfico das Mós, ou seja, entre 1935 e 1944. Foram nove penosos anos em que o Salazarismo manteve encerrada a agora designada “Escola Velha”, depois de ter sido preso um professor por motivos políticos.
Escola Velha designa o sítio onde foi erguida, nos anos 70 do século XIX, a primeira escola masculina das Mós. Mas ali deveriam ser afixadas duas placas (no largo e na rua) onde figurasse o nome do Professor José António Saraiva, homenageando-se assim a memória de alguém que sendo o primeiro professor que ali deu aulas, foi, além de insigne pedagogo, um exemplar cidadão e, durante décadas, membro da Junta de Freguesia. Seria um acto de gratidão semelhante ao que aconteceu com a memória do sempre lembrado Dr. Castelinho.
A Escola Nova (agora também desactivada) foi construída no fim da primeira metade do século XX, num terreno situado para além da capela de Santo António e do Fundo do Povo e mais distante, ainda, ficariam as amplas instalações da Junta de Freguesia das Mós, construídas depois do 25 de Abril. Estas modernas construções valorizaram muito a Rua de Santo António, embora antes delas fosse já um dos sítios mais significativos da povoação, por nela ter sido edificada há séculos a capela de Santo António. Sobre o étimo do respectivo topónimo, julgo que será interessante referir que quando Fernando Martim de Bulhões resolveu tornar-se frade franciscano (talvez em 1220), adoptando, em Itália, o nome de religião Anthonii, ainda não existia na antroponímia portuguesa o nome António.
Por cima da Rua do Forno fica a Rua do Chalé, onde está situado um edifício brasonado cuja “história” ficou amplamente contada na minha crónica “O Antigo Chalé das Mós ou Casa do Campinhos”.
Além de uma dezena de topónimos “urbanos” com algum interesse social e histórico, na toponímia rústica mosense existem cinco dos chamados topónimos arqueológicos, a saber: Aldeia Velha, Cruzinha, Campanas, Castelo Velho e Necreal com raiz no grego nekró (2) e relativo ao sítio onde eram sepultados cadáveres, antes da existência da igreja do “Apóstolo S. Pedro”.
Em alguns destes sítios foram referenciados vestígios arqueológicos, outros embora com poucos ou nenhuns destes vestígios, são igualmente considerados topónimos arqueológicos.

Prosseguindo um propósito começado no escrito agora continuado, vou apresentar mais alguns topónimos fundamentados em patronímicos:
Janalves – tem origem na contracção de Janes com o apelido Alves (Janes ou Jannes é uma alteração de Joannes> Johanes, ou seja: Joannes> Joanes> Janes> Jane + Alves = Janalves);
Aquele elemento antroponímico entra também na formação do nosso topónimo Gonçalo Joanes, (nome pelo qual ficou conhecido o viaduto ferroviário que atravessa a “foz” do Pigarro);
O mesmo prefixo (abreviado) integra também o topónimo Jampires, só que neste caso a contracção é com Pires
Passemos a nomes geográficos que têm a sua proveniência nas configurações dos terrenos, nos acidentes geográficos ou na natureza dos solos:
Atalho – antes de transformado em bairro, era um sítio ladeirento e pedregoso que se erguia a partir de um caminho (agora um troço de estrada) que ali fazia uma curva larga para tomar o rumo Sul. O topónimo deriva de um carreiro enviesado que atravessava a colina, permitindo aos andantes mais apressados encurtar a distância entre dois pontos do referido caminho;
Colado – passagem larga entre montes e outeiros;
Costa – rua ladeirenta das Mós e que (tal Cabeço) pertence ao número de vocábulos metaforicamente relacionados com o corpo humano, com uma significação semelhante a encosta;
Portelinha – diminutivo toponímico de Portela que, por sua vez, deriva do latim portella;
Porto – este topónimo mosense significa “porta de entrada”, vau de um ribeiro, onde se passava a pé, ou a cavalo numa besta;
Torrão – por terrão, terreno arável.

Topónimos botânicos com formação adjectival:
Carrascal corresponde a mata de carrascos ou carrasqueiras, sendo o substantivo comum carrasco “um vocábulo pré-romano, talvez de origem ibérica” (4);
Sobradais – o mesmo que sobrais plural de sobral (de sobro+sufixo al) o mesmo que sobreiral que designam um conjunto de sobros ou sobreiros do latim suber, eris.
Carvalhal – do latim Carbaliaes, carva
Cardeira e Cardal – deriva de cardo do latim carduus ou cardus
Fieital – sítio onde crescem fieitos ou fetos de várias espécies.
Zambulheira (= Zambujeira), derivado do substantivo comum zambujeiro, espécie de oliveira brava.

Zoónimos ou nomes geográficos relacionados com animais temos, entre outros:
Pintainho, Vale da Cabra (do latim Capra); Corujeiras – sítio penhascoso com pinheiros onde, certamente, sempre se acoitaram corujas.

No Fundo do Povo temos o topónimo Curral, porque se trata dum recinto onde, em tempos passados, se juntava e recolhia o gado. Curral tem como étimo remoto o latim currale.

A maioria dos topónimos referentes à Geologia estão relacionados com a actividade mineira, mormente ligada à extracção de volframites e da scheelite, como são: os Filões (que incluía outros no sítio da Gricha); menos conhecidos são os topónimos Minas, Portela das Minas; Chão Grande, etc.

No nosso património não temos pelourinho, nem cruzeiros, nem outros monumentos para figurarem na nossa Toponímia. Mesmo as Alminhas, no caminho do Colado, no lugar dum painel representando as almas dos mortos penando no Purgatório, está uma singela cruz pintada numa lajinha colocada no fundo dum nicho embutido numa tosca parede de xisto. O nosso motivo de orgulho está nos cenários de presépio que encaixam o casario e foi também, durante mais de um século, o donairoso Olmo do Terreiro, verdadeiro ex-libris das Mós, que ao secar nos deixou a chorar, como se um parente muito próximo nos morrera.
E por agora termino, em 21 de Outubro de 2007.

(1)) José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 2ª edição, 1967, Volume I, pág. 184
(2) Idem, idem, idem, Volume III, pág 1652,
(3) Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidário de Palavras Antigas…, Vol I, pág. 88.
(4) José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, II volume, pág. 1025