29 outubro 2006

O impacto do “minério” nas Mós (II)

Crónica das Mós

Consequências sociais e urbanísticas

Uma das primeiras e mais significativas consequências da “febre do minério” foi o aumento da população residente nas Mós. De 1930 a 1940, a população passara de 757 para 723 habitantes, ou seja, perdera 5,6% dos seus habitantes. Entre 1940 e 1944, o número de residentes terá crescido cerca de 40%, ultrapassando um total de mil habitantes. E digo terá, porque não conheço registo fidedigno deste histórico crescimento populacional, que se ficou a dever menos ao retorno de mosenses que se tornaram volframistas, mas sobretudo à fixação de várias dezenas de famílias oriundas de zonas mais populosas do Alto Douro, como a da Régua, a do Tua, e até uma numerosa família luso-espanhola aqui se fixou! Durante aqueles breves anos, os resultados da extracção e venda do “minério”, mais do que estancar a sangria demográfica, tiveram o condão de inverter o fenómeno migratório das Mós, já que de aldeia propensa a fornecer um número crescente de emigrantes, passou a ser “ponto de chegada” de imigrantes activos. Tirante um caso ou outro, esta gente não veio à cata do “eldorado”, mas para suprir a falta de assalariados que então grassava na povoação, visto que (como referi na crónica anterior) a partir da altura em que 15 ou 20 gramas de “minério” passaram a render mais do que uma jeira, nenhum “jeireiro” mosense se prontificava a trabalhar por conta de outrem. Os imigrantes vieram então para serem recrutados por pequenas ou médias empresas mineiras e, sobretudo, para trabalharem na construção civil. Os poucos mosenses que se ocupavam nesta actividade funcionavam, quase sempre, como mestres carpinteiros ou pedreiros. E porque a procura era muita, mais do que operários, actuavam como pequenos empreiteiros, opinando e/ou concebendo, sobretudo os mais criativos e engenhosos, a melhor maneira de construir ou reconstruir as numerosas casas novas então erguidas. Os extraordinários aumento e renovação do parque habitacional da aldeia representam o testemunho mais perene e significativo da repercussão que a extracção e venda da volframite e da cheelite tiveram nas Mós. Entre 1941 e 1943, não havia “loja”, casebre ou pardieiro que não estivesse habitado. E como sempre, os piores instalados eram os imigrantes, mas também havia mosenses a viverem em condições muito precárias: em casas ou casebres, muitas vezes alugados ou cedidos, quase sempre construídos por um só piso, alguns deles com chão lajeado ou mesmo de terra batida! E foram muitos destes que vieram a promover a construção de residência própria, mormente, nos sítios do Pombal e do Atalho, onde, anteriormente, não existia uma só casa de habitação. A arquitectura escolhida seguiu, regra geral, as técnicas tradicionais de construção, dando lugar a habitações verdadeiramente rurais e não imitações de casa exóticas como, mais tarde, aqui como em todo o mundo rural português viria a contecer. Foram construídas de acordo com características especificas, perfeitamente integradas na paisagem envolvente, obedecendo às condições geológicas, isto é, utilizando o xisto, o único tipo de pedra existente no termo das Mós. Uma das alterações mais significativas então introduzidas na construção das novas casas com mais de um piso residiu, sobretudo, nas escadas, que passaram a ser interiores e feitas de madeira; contrastando com as escaleiras exteriores feitas em pedra, que anteriormente prevaleciam, terminando num balcão (maior ou menor) e, por vezes, nos já muito raros alpendres. As casas com alpendre à entrada que já eram poucas, praticamente desapareceram com as inovações “arquitectónicas” trazidas da Europa pelos nossos emigrantes na segunda metade do século XX. As casas baixas e casebres pertencentes a proprietários residentes, de uma maneira geral, foram demolidos e substituídos por casas de habitação construídas por: um pavimento térreo – servindo de corte (loja) de animais e/ou de arrumos de alfaias, batatas, cebolas, cereais, etc. – e por um ou dois pisos de sobrado para habitação. Alguns dos imigrantes eram caiadores o que levou a um mais generalizado emprego da cal nas paredes exteriores de algumas das melhores casas então erguidas, mormente as construídas no designado “estilo colonial” e que mais tarde vieram a ser pintadas, como demonstra a casa que ilustra este texto. mesmo assim, a grande maioria das casas apresentavam as paredes de xisto sem reboco. Comum a quase todas era o telhado de duas águas, com telhas vindas da Touça (salvo erro) e que assentavam numa trave e num ripado de madeira. Eram raras as que tinham janelas de vidro, sendo mais comum as de madeira, e nalguns casos existia, quando muito, um simples postigo, quase sempre com um único batente. É que entre os muitos mosenses que construíram ou reconstruíram as suas próprias habitações, gente havia a quem o dinheiro amealhado apenas permitiu erguer as paredes exteriores, telhar, assombrar e fixar a pedra da lareira, onde se cozinhava e toda a família se aquecia nas noites frias de Inverno. E porque (tal como as demais casas modestas) não tinham chaminés, o fumo da lareira escoava-se pelas telhas, por onde entravam também raios de luz solar. E erguendo o olhar, observava-se melhor a generalizada arquitectura das casas da povoação: maior altura no centro do que dos lados, devido à configuração da cobertura de telha vã. E porque estas novas assoalhadas eram amplas e pouco mobiladas, tornavam-se propícias à realização de vários bailes aos domingos, levados a cabo por uma juventude residente, numerosa como nunca e amiga de folgar (como sempre) e que graças a tão propícias condições, cantou e dançou como nenhuma outra geração que a precedera. Até ao aparecimento e divulgação das grafonolas, os cantares tradicionais assumiram um papel determinante na realização dos seculares bailes de roda. Depois passou a dançar ao som de músicas revisteiras vindas do Porto e de Lisboa. Viveram-se quatro anos de uma certa euforia, isto é, com entusiasmo ou sensação de bem-estar. Mas”foi sol de pouca dura”. Acabada a “Guerra Económica”, sucedeu-lhe o ano hidrológico (Outubro de 1944 a Setembro de 1945) mais seco do século XX. E a partir de então, as condições de vida agravaram-se de tal modo, que apesar do aparecimento de ingressos nas obras de construção do troço da Estrada Nacional N.º 324, entre Murça e a Estação de Freixo, a população residente passou a decrescer tão progressivamente, que chegou aos 714 habitantes registados em 1950! Esmiuçado o que duma maneira geral já era sabido, resta dizer que não parece lícito que alguém “letrado” tenha publicamente omitido a existência de vestígios do impacto que a extracção dos minérios do volfrâmio deixou nas Mós. José Gomes Quadrado (Jornal «Pinhel Falcão», 21 de Setembro de 2006)

Comments:
«bailes aos domingos, levados a cabo por uma juventude residente, numerosa como nunca e amiga de folgar (como sempre) e que graças a tão propícias condições, cantou e dançou como nenhuma outra geração que a precedera.»
Foi assim mesmo Dr. Quadrado.
 
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