Mostrando postagens com marcador Política. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Política. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Entrevista exclusiva com João Pedro Stédile

 Não é todo dia que a gente se bate com o João Pedro Stédile. Tive essa sorte. Conversamos um bocado. Cara extraordinário. Aproveitei e fiz uma boa entrevista com ele, publicada no site da CUT Sergipe e que disponibilizo aqui no Blog. Vale a pena conferir.

“A reforma agrária está parada no governo Dilma”

Avaliação é do coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, que esteve em Sergipe para participar da I Conferência Camponesa do Estado e lançar o livro Dicionário da Educação do Campo

De passagem por Sergipe, onde veio para participar, no Assentamento Quissamã, da I Conferência Camponesa do Estado, João Pedro Stédile, coordenador nacional, fundador e maior liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, deu uma pausa na sua apertada agenda – deu palestra e lançou o livro Dicionário da Educação do Campo –, para conceder uma entrevista exclusiva, onde falou sobre o pouco avanço da reforma agrária no governo Dilma, a disputa com  o agronegócio, a criminalização, por parte da mídia e do judiciário, dos movimentos camponeses e de luta dos trabalhadores, os enfrentamentos com a mídia burguesa e a necessidade de emissoras públicas sob controle da sociedade, passando por uma rápida análise sobre a situação da reforma agrária em Sergipe. Confira a seguir a entrevista com este economista, gaúcho de Lagoa Vermelha, de formação marxista e referência mundial de lutador social, que aos 52 anos continua firme na batalha obstinada por reforma agrária ampla e justa no Brasil.

- Qual a avaliação que o senhor faz da situação da reforma agrária no Brasil no governo Dilma?
João Pedro Stédile – A reforma agrária está parada no governo Dilma. Na nossa avaliação, que é compartilhada por outros movimentos sociais que atuam em todo o Brasil, isso se deve à conjugação de vários fatores. O primeiro é que ainda o agronegócio é hegemônico na sociedade, e quem defende o agronegócio criou, via imprensa nacional, uma falsa imagem de que é este tipo de negócio que será a redenção da lavoura no Brasil, que é ele que carrega o Brasil nas costas, quando é o contrário. Se o governo não liberasse R$ 120 bilhões para financiar o agronegócio, eles não aplicariam nada na lavoura. Segundo, porque o governo Dilma, sendo um governo de composição, na nossa opinião, as forças majoritárias que coordenam a agricultura no Brasil pertencem ao agronegócio, isso não só no Ministério da Agricultura; esta visão também permeia outros ministérios, como o do Planejamento, a Casa Civil e o Ministério da Fazenda. Um terceiro fator é que falta no Brasil um debate aprofundado de projeto para a o país. O governo Dilma está apenas administrando as contas públicas e a herança do Lula, mas falta ao país um debate maior de projeto, para onde vamos e o que temos que fazer. E a reforma agrária só tem sentido se ela estiver dentro do bojo de um projeto de país. Apesar de que no senso comum reforma agrária é apenas desapropriar áreas e assentar camponeses, no fundo mesmo reforma agrária é apostar num outro modelo de produção agrícola, que se contrapõe e é antagônico ao projeto do agronegócio. E um último motivo do por que da reforma agrária estar parada é que acabou havendo um loteamento besta no INCRA entre as diferentes correntes que compõem o governo federal e isso tira a unidade de um projeto nacional.

- Como assim, um loteamento besta?
JPS - Veja, nós não somos contra partidos que fazem parte do governo indicarem seus quadros para compor este governo. É da natureza da política. Mas o que relutamos em aceitar é que o INCRA, que é estilo Banco Central, ou seja, é uma área especializada e, portanto, é preciso ter quadros que entendam do assunto, no caso do INCRA, tenha pessoas que não entendam de reforma agrária. Pra se ter um ideia do descaso, tivemos um caso absurdo na Superintendência do INCRA de Goiás, onde os partidos da base do governo de Goiás sortearam os cargos públicos a que tinham direito dentro de um copo. Aí, o INCRA no estado caiu para o PTB, que indicou um dentista para o cargo, um cara que não sabe diferenciar uma espiga de milho de uma abóbora. E no fim, somos nós que pagamos essa conta.

- Stédile, e essa crise econômica internacional, que se estende ainda hoje?  Ela tem sido utilizada como discurso para emperrar ainda mais a reforma agrária e a produção agrícola familiar e dar mais força ao agronegócio, no sentido de que este produz commodities que ajudam a equilibrar a balança comercial brasileira?
JPS – A crise mundial teve dois cenários que, para mim, são, por enquanto, bastante contraditórios. O primeiro é que ela atraiu para o Brasil muito capital financeiro internacional e que foram aplicados em compra de terras, usinas (para produção de combustíveis) e hidroelétricas, e isso fez o preço do hectare de terra subir, dificultando o cenário para nós, já que o capital internacional disputou terras com o INCRA. O Segundo movimento contraditório é que os preços das commodities agrícolas internacional subiram mais de 200% da crise pra cá, porque os capitalistas foram nas bolas de mercadorias especular. Mas isso tudo é temporário e efêmero, e aí se aplica o dito popular: quanto mais alto for, maior será o tombo. Espero que as autoridades do governo Dilma tenham juízo para se dar conta de que essa euforia momentânea das exportações agrícolas não significa nem solução definitiva para os nossos problemas econômicos e muito menos para um projeto de país; pelo contrário, a conseqüência negativa de tudo isso é que o Brasil tem abandonado o seu projeto nacional, por exemplo, na indústria. O Brasil está em pleno processo de desindustrialização. Na década de 80 a indústria pesava 36% na economia nacional, hoje pesa 15%. Isto é que é muito grave, porque a indústria significa produção de riquezas e empregos a longo prazo.

- Na sua opinião, a atual formatação do Congresso Nacional, com as bancadas ruralista e empresarial fortes, também cria uma cenário muito mais difícil para a luta por reforma agrária e para os movimentos sindical e social?
JPS – Na verdade o Congresso Nacional nunca nos foi favorável e não gera política. O Congresso é o espelho do que acontece na sociedade, diferente do Judiciário e da Imprensa, que são dois instrumentos de poder que a direita controla com muito mais força, a mãos de ferro, contra a classe trabalhadora, contra a reforma agrária e contra a esquerda. O Congresso é espelho. Como estamos vivendo um longo período de refluxo dos movimentos de massa e uma apatia geral quanto à participação na política, isso se reflete no Congresso, nas pautas que são discutidas e no rebaixamento dos que são eleitos, porque para se eleger hoje, o sujeito tem que gastar milhões, e grandes empresas é que bancam. Nós só vamos mesmo melhorar o nosso Congresso Nacional quando houver financiamento público das campanhas, porque isso dará uma democratizada no processo eleitoral. Enquanto estiver do jeito que está, será sempre muito difícil para os trabalhadores e para os movimentos sociais.

- Você falou há pouco da Imprensa. Esta mesma Imprensa, que sempre te demonizou, demonizou o MST e os movimentos de trabalhadores de uma forma geral, continua forte, já que o ‘latifúndio midiático’ é outro setor que continua intocável e que segue criando dificuldades para a luta por reforma agrária e a favor dos trabalhadores...
JPS – Claro, claro! Das várias esferas de poder que há na sociedade brasileira, a mídia é onde estamos longe de ter hegemonia. Os trabalhadores de fato conseguiram disputar, em parte, o governo (federal), e ainda assim gerou-se um governo de composição de classes, como no caso dos governos Lula e Dilma. Nos governos estaduais, este cenário é ainda mais complexo. São raros os governos estaduais onde os trabalhadores tenham hegemonia. Diante deste cenário, a direita e a classe dominante se refugiaram em dois instrumentos onde elas têm controle absoluto: o Judiciário e a Mídia, que são usados como armas contra a luta social e contra os trabalhadores. Então, quando se fala em criminalização dos movimentos sociais, é preciso levar em consideração que o que está acontecendo no Brasil nos últimos dez anos, do Lula pra cá, é que a direita não precisa mais usar a repressão contra sindicalistas, nem mandar mais assassinar líderes camponeses. Claro que aqui e acolá ainda acontecem esses casos extremados de violência, mas o foco maior da criminalização é que a burguesia tem usado a imprensa para satanizar os movimentos, para desmoralizar a luta social de maneira a criar um sentimento na opinião pública de que quem luta por transformação é baderneiro, de que movimento sindical só pensa em greve, e isso é a maior forma de criminalizar, é você condenar por antecipação. É isso que tem sido feito contra os nossos movimentos.

- Mas ao menos a mídia tem te deixado um pouco mais em paz? Como está a sua relação com a imprensa nacional?
JPS – De maneira geral, não mudou nada. Continuam batendo pesado. É só o MST fazer algum movimentação de ocupação ou obter alguma conquista mais concreta que a imprensa bate e bate firme. Mas agora também já observamos uma outra forma de ‘bater’ no movimento, é ‘esconder’ o próprio movimento. Antigamente, qualquer ocupação de terra que fazíamos, imediatamente repercutia na imprensa nacional. Eles se deram conta de que isso era uma maneira de fazer propaganda pra gente. E o que é que estamos vendo agora, de uns três a quatro anos pra cá? Eles estão querendo nos ‘esconder’. A gente pode fazer a luta que for, geralmente não sai uma linha, nem pro bem nem pro mal.

- Neste caso, para os movimentos social, camponês e sindical, não seria vital lutar muito mais para construir os seus próprios meios de comunicação para fazer essa disputa?
JPS – Ah, sim, sem dúvida nenhuma! A classe trabalhadora tem que atuar em várias frentes para se contrapor à hegemonia da burguesia. Uma das frentes é construir os seus próprios meios de comunicação, sejam rádios comunitárias, jornais, boletins, ou comprar espaços na mídia comercial, rádio e televisão, mas principalmente, pressionar o governo para que tenhamos emissoras verdadeiramente públicas, sob controle social, não como vem acontecendo. Veja a TV Brasil, acabou virando uma emissora ‘chapa branca’, assim como a TV Cultura é a ‘chapa branca’ dos tucanos. Isso não pode! Temos que ter emissoras públicas com controle da sociedade e a serviço da sociedade, para que isso democratize a televisão, que é o maior instrumento de comunicação. E, ao mesmo tempo, a única maneira de alterarmos essa correlação de forças é nós estimularmos a luta social, porque o reascender do movimento de massas é que vai criar um outro clima na sociedade.

- E como você tem observado a reforma agrária mais especificamente em Sergipe?
JPS – Pra te dizer a verdade, tenho pouca informação sobre o cenário, mas acho que aqui tem mais condições de se avançar, porque o governo estadual apoia os trabalhadores. Entretanto, infelizmente, a reforma agrária é uma questão nacional e independe na maioria das vezes de iniciativas estaduais. Então, eu acredito, embora não conheça bem, seja um verdadeiro ignorante da realidade local, que a situação não é diferente da realidade nacional.

- Diante de todo este cenário de dificuldades, você continua esperançoso de que a reforma agrária avance no Brasil?
JPS – Todo mundo que trabalha nas organizações populares, seja no movimento social, sindical ou nas igrejas, quem lida com o povo tem que ser otimista sempre. Quem é pessimista ou melancólico não pode atuar com o povo. Temos sempre que ser esperançosos e passar a mensagem de que só a luta arranca conquistas. Evidentemente que na história de construção de um país, as coisas vão acontecendo por ondas; agora estamos no refluxo dos movimentos sociais, mas virão outros momentos de retomarmos a ofensiva dessa luta. É não desanimar e continuar lutando sempre, porque é a única maneira que temos para avançar.




quinta-feira, 17 de maio de 2012

Operação Navalha: bodas de madeira e impunidade

Há exatos cinco anos, a sociedade sergipana acordava perplexa com os noticiários bombásticos de centenas de policiais federais cumprindo mandados de prisão, busca e apreensão, ocupando apartamentos em edifícios grã-finos e mansões nababescas em Aracaju e também em vários pontos do Brasil. Numa operação quase cinematográfica, todo o Sergipe acompanhou as prisões de figuras importantes do meio político, empresarial e servidores acusados de desvio de verbas públicas.

Era o estouro de mais um grande escândalo nacional, de proporção colossal, à altura do montante saqueado: R$ 178 milhões só em Sergipe. R$ 300 milhões em todo o país, surrupiados pela quadrilha comandada pelo capo de tutti capi Zuleido Soares de Veras, dono da Construtora Gautama, sugadouro dos milhões de reais dos cofres estatais direto para o bolso de uns poucos larápios. E quem é a turma do Zuleido que operou em Sergipe, em especial dentro da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) e do TCE?

Aqui foram pegos pelas escutas telefônicas da PF e durante as investigações nada menos que 11 figuras ilustres, que respondem ação penal por peculato e/ou prevaricação, mas que até hoje espera para ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. A casa caiu para o ex-governador do DEM, João Alves Filho; seu filho e diretor-presidente da construtora Habitacional, João Alves Neto; Flávio Conceição de Oliveira Neto (chefe da Casa Civil no governo João Alves, conselheiro afastado do TCE e braço direito de Zuleido nas operações em Sergipe); o ex-deputado federal pelo PPS, Ivan Paixão; o ex-presidente da Deso no governo João, Victor Mandarino; o ex-secretário da Fazenda no governo João, Gilmar de Melo Mendes; o tesoureiro da campanha de João Alves em 2006, Max Andrade; Roberto Leite e Kleber Curvelo Fontes (ex-diretores da Deso), Sérgio Duarte Leite e Renato Conde Garcia (prestavam serviços à Deso).

Mas apagados os holofotes da mídia, habeas corpus pra todo lado livrando a gatunada de ver o sol nascer quadrado, e o tempo se encarregou de mais uma vez favorecer a turma do colarinho branco, para quem as cadeias são meras figuras de filme de Sessão da Tarde.

E o caso foi perdendo interesse da população. E da Justiça também. Cinco anos depois e nada. Fosse num casamento, seriam Bodas de Madeira, motivo para bolo, champanhe e festa. Mas não se comemora pilantragem. No conjunto da população honesta, fica apenas a amarga sensação da impunidade que campeia por essas terras, beneficiando os grandes tubarões que estraçalham e consomem com voracidade as carnes e entranhas dessa vaca de fartas tetas chamada erário público.

E ficamos a ver navios como aqueles que zarpavam há quinhentos anos, cheios de fétidos saqueadores europeus e arrobas e mais arrobas das riquezas roubadas desse fértil chão e dessa gente brasileira, tão dócil e tão servil, para não dizer tola.

E temos que engolir seco a arrogância dessa gente espúria, que no fim das contas ainda volta às páginas das nauseabundas colunas sociais, mesmo depois de terem estampado as páginas policiais com seus crimes vis.

E ainda há os que descaradamente (ou seria desesperadamente?) buscam a política (ou retornam a ela) mesmo depois desses escândalos, por duas boas razões: ganhar foro privilegiado e abrir oportunidades para novas rapinagens. Dupla vitória.

E o que é pior, ainda há muita gente por aí, cego por sua própria ignorância e falta de memória, que engole fácil a torpeza dessa gente, ignoram seus golpes e saques sistemáticos ao dinheiro público, dando-lhes os votos que lá na frente serão garantia pra novos golpes e novos saques.

“Rouba mas faz!”, justifica um sacripanta. “Ele deu emprego pros meus filhos”, arrota outro descerebrado. E é graças a esses que essa gente se perpetua e perpetua seus crimes. Ao fim, a sociedade toda é quem fica com o saldo negativo dessa conta.

É na ignorância de uns, no silêncio e covardia de outros, na omissão da maioria e na lentidão e ineficácia da Justiça que as ratazanas vão se multiplicando e engordando.

Durante esses cinco anos, a CUT de Sergipe e seus sindicatos filiados praticamente estiveram solitários (irritantemente solitários) na luta contra a impunidade relativa à Operação Navalha. A cada aniversário, fizeram manifestações nas ruas cobrando julgamento e cadeia para os envolvidos, martelando o governo Marcelo Déda para que fizesse auditoria na Deso; em frente à Assembleia Legislativa, montaram uma barbearia pra cobrar dos deputados – sem sucesso – que instalassem a CPI da Navalha; distribuíram doce de leite e lavaram de creolina a entrada do Tribunal de Contas do Estado, pra desinfetar a “sujeira” ali presente; fizeram carnavais contra a corrupção, marchas do 1º de Maio contra a rapinagem do dinheiro público, enfim, foram insistentes.

Ainda este ano, a CUT foi mais uma vez a única entidade a estar na frente do TCE, não para fazer festa para a conselheira Isabel Nabuco D’Ávila que se aposentava, mas para lembrar do seu envolvimento com Flávio Conceição e suas falcatruas, tudo devidamente registrado nas conversas telefônicas interceptadas pela PF, onde os conselheiros negociavam sentenças e trocavam propinas em latas de doce de leite, que a doméstica da conselheira descia para pegar.

E nada lhe aconteceu. Foi aposentada com pompa, cobertura animada da imprensa, puxa-saquismos a dar de penca e direito até mesmo à banda marcial da Polícia Militar e saudações especiais do governador do Estado pelos seus relevantes e competentes serviços prestados como conselheira do TCE. Bravo, bravíssimo! Fecham-se as cortinas e o povo é quem tem que rir de si mesmo: é o palhaço do espetáculo!

E Flávio Conceição? Este ainda mama tranquilamente nas tetas do TCE. É conselheiro afastado compulsoriamente, ganhando sem bater um prego seus R$ 25 mil mensais, enquanto nosso “Tribunal de Faz de Conta” figura excentricamente como o único do Brasil a ter oito conselheiros.

Mas cinco anos já se foram, e até entre os bravos cutistas o cansaço já bate. A sensação é de que a pizza já está mais do que assada e pronta pra ser servida com vinho e docinho de leite de sobremesa. Mais uma vez, a gatunagem sairá vitoriosa, e a população é quem sairá perdendo.  

O Superior Tribunal de Justiça, em especial a ministra Eliana Calmon,  responsável pelo caso desde o início, tem em suas mãos, desde o dia 2 de maio último, a ação pronta para ser julgada. Adiou-se então o julgamento, passando para 16/5 (ontem). Não foi julgada. E continuam os adiamentos. Até quando? Esperar mais o quê? Os crimes prescreverem? Até hoje, nem Zuleido, nem nenhum dos envolvidos com ele em Sergipe sofreram qualquer punição.

Seguiremos assim, com a Justiça premiando os grandes saqueadores do dinheiro do povo? E estes continuarão rindo e semeando a perniciosa lição de que roubar (muito) compensa? Há motivos para acreditar que sim. A navalha da Justiça anda cega há tempos... 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A nomeação que pode ser um tiro no pé

“Novo comandante da PM promete rigor contra os marginais”. A manchete do fim de semana de um jornal diário da capital não deixa qualquer dúvida sobre o papel que o coronel Maurício Iunes cumprirá como novo comandante-geral da Polícia Militar de Sergipe.
 
Em meio aos alardes diários e sistemáticos da mídia – em especial de histriônicos apresentadores radiofônicos – sobre uma crescente onda de violência que campeia por todo o Sergipe – ainda que os números não comprovem isso, o coronel está sendo ungido com o óleo sacrossanto da “licença para resolver” pelo chefe maior do Estado, o governador Marcelo Déda, e pelo secretário da Segurança Pública, João Eloy. “Ele é um homem afeito ao trabalho das ruas”, destacou o primeiro; “Iunes é conhecido de toda a sociedade sergipana por sua operacionalidade e suas características de proatividade”, laureou o segundo.
 
E em espaços importantes da imprensa, a mesma sacra unção. “Coronel Iunes é a esperança de uma PM atuante”, publicou o amigo jornalista Eugênio Nascimento em seu blog, para ir mais longe na sua análise: “O coronel Iunes é velho conhecido da população. É um militar ágil, capaz de dar respostas rápidas para os problemas, ainda que questionáveis no procedimento de alguns casos em relação ao respeito aos direitos humanos. Mas o povo pouco está ligando para isso. Ele parece fazer o que o povo quer. Um policial de soluções e que esteja nas ruas de todo o Estado transmitindo segurança”.

O grifo é nosso e mostra-se importante para destacar algumas questões que, nessas horas, ficam escamoteadas e passam longe das análises mais aguçadas dos nossos colegas de imprensa: será que é isso mesmo que o povo quer, uma polícia que possa ser questionável do ponto de vista dos direitos humanos, desde que acabe com a marginalidade e traga segurança? Quem seria mesmo esse “povo” que aparece na análise do caro colega de imprensa? E quem são mesmo os bandidos no meio desse “faroeste caboclo”?

As perguntas se mostram pertinentes quando analisamos a continuidade do artigo do jornalista – e que reflete o pensamento de boa parte dos que fomentam a opinião pública por aqui: “Quem mais ver (sic) violência é o pobre. Ela está no bairro e na rua em que ele mora e isso intimida. Talvez por isso é que um homem de ação, apontado como um policial que enfrenta os problemas com certa violência, seja a necessidade básica popular contra os marginais que rondam sua casa”, conclui o jornalista.

A análise é por demais rasa e bastante perigosa. A partir-se dela, finca-se a premissa de que para certos fins, quaisquer meios se justificam. E não é assim.

Primeiro, o pobre vê muita violência na sua rua porque é exatamente ali aonde por último chegam as políticas públicas. Onde falta educação, saúde, transporte de qualidade, saneamento básico, emprego e opções de lazer e cultura sobra a violência. Isto é fato.

Segundo, há que se considerar que, onde faltam todos esses direitos, os pobres preferem a polícia bem longe, porque por perto, são os primeiros a sofrer na pele com ações truculentas pela simples condição de serem pobres. Isso também é fato. Há muito que se convencionou, com apoio sistemático de grande parte da mídia, que todo morador de morro ou de favela é bandido, só cabendo à polícia decidir o grau. Nas operações policiais em favelas, morra traficante ou morador, pra quem vê no noticiário, é tudo igual. É menos um.

Sejamos honestos, quem mais quer a polícia aparelhada até os dentes, nas ruas e agindo com dureza são os mais aquinhoados, para assim terem assegurado os seus insuspeitos direitos de propriedade e de acumular bens e capital, e que assim seja mantido o pacto social que perpetua a estratificação do bem-estar e fartura para alguns, miséria e fome para a maioria.

Assim, em lugar de políticas públicas abrangentes e distribuição de renda para erradicar a miséria, com a coragem de tirar dos mais ricos para fazer chegar aos mais pobres, financia-se uma polícia dura e seletiva, com comandantes mais duros ainda. Pela tradição do atual comandante, é o que o governador terá. E deverá arcar com a sua escolha.

Afinal, basta uma rápida pesquisada na internet para constatar que pelo menos em dois episódios (graves), o coronel deixa claro seu jeito de agir: em setembro de 2009, praticou abuso de autoridade, cárcere privado e espancamento contra um universitário de 20 anos, que estaria se encontrando com sua filha de 14, (ao jovem, teria dito “que já tinha matado vários e matar mais um não faria diferença”); em abril do ano seguinte, teria espancado a própria irmã, inclusive com uso de revolver na boca da vítima, tudo para que assinasse a transferência de uma empresa de segurança para o seu nome (o caso consta no B.O. número 2010/04620.0-000273, registrado no Departamento de Grupos Vulneráveis da Polícia Civil, no dia 1º/04/2010, das 21 horas às 21h30).

À época, o delegado da Polícia Civil Paulo Márcio, em sua coluna no Universo Político.com, escreveu sobre o caso: “(...) Não desejo alfinetar nem pôr na berlinda o governador Marcelo Déda, que não dispõe de mecanismos para sondar o psiquismo de seus subordinados nem prever ações e atitudes desastrosas e tresloucadas, quando não criminosas. Acredito, tão-somente, que não só por esse fato, mas, sobretudo pelo conjunto da obra, Maurício Iunes já deu provas mais do que suficientes de que não possui o equilíbrio necessário para permanecer à frente de tão importante cargo [na época, chefe do Comando do Policiamento Militar da Capital – CPMC]”.

É esse mesmo Iunes quem agora vai comandar toda a PM de Sergipe.

A escolha pode ser um tiro no pé do governador Marcelo Déda que, lembremos, enviou à Assembleia Legislativa uma proposta de Código Disciplinar para os bombeiros e policiais militares, dentro da nova Lei Orgânica Básica, que de tão rigorosa e intrusiva (chega a invadir a vida privada do militar), aplicada nos dois casos acima, Iunes estaria fatalmente enquadrado e em maus lençóis.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

É apenas a danada da política

"Se é para ser um rompimento mesmo, seja o que Deus quiser!". As palavras do líder do governo Marcelo Déda na Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), Francisco Gualberto (PT), na fatídica sessão da segunda-feira 27, dita após a decisão da presidente da Casa, deputada Angélica Guimarães (PSC), de antecipar a eleição para a Mesa Diretora em um ano, joga para o divino o que é resultado da mais humana das relações de poder: a política. E como tudo que é fruto do fazer humano, também a política (e principalmente ela) é movida pelo jogo de interesses. Uma hora, o que pode ser bom para um partido ou agrupamento político, no momento seguinte, a depender da situação e dos interesses em vista, pode não ser.

É assim na política: os interesses mudam conforme a maré. E nesse mar, nem sempre a embarcação, seu comandante e toda a tripulação terão tempo bom para navegar. E com o rebuliço que aconteceu na Alese, muitos estão a preparar o bote salva-vidas, porque o tempo será de mar revolto, em meio a tempestades tropicais. E os primeiros corpos já começam a ‘boiar’, apontando que a eleição antecipada para a direção da Assembleia não passará em brancas nuvens. Até porque, PT e PMDB, os partidos do governador e do vice, Jackson Barreto, ficaram de fora da composição da Mesa diretiva para o biênio 2013/2014.

Avaliando friamente o episódio, alguns fatos chamam a atenção. Primeiro, a atual presidente reeleita antecipadamente Angélica Guimarães utilizou de uma manobra que foi logo tachada de “rasteira” e de “golpe” por governistas. Se foi golpe ou não, vale uma análise mais apurada. Do ponto de vista da presidente e dos 13 deputados que votaram favoráveis à proposta, não há que se falar em golpe ou rasteira, porque o que a deputada fez foi tão-somente interpretar (à luz de seus interesses imediatos e do seu grupo político, capitaneado pelos irmãos Amorim) a uma emenda ao Regimento da Casa, proposta em 2008, pelo mesmo líder governista Francisco Gualberto que esperneou e chamou de golpe e de rasteira a antecipação da eleição.

É preciso lembrar que o dispositivo engendrado por Gualberto e aprovado em 2008 prevê que “Para o segundo biênio de cada legislatura, a eleição da nova Mesa Diretora deverá ser realizada, em Sessão Especial, até o encerramento da Sessão Legislativa Ordinária do segundo ano da mesma legislatura”. Esse ‘até’ ficou como o pomo da discórdia...

Em 3 de dezembro de 2008, o ‘até’ funcionou muito bem para o então presidente Ulices Andrade – hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Por interesses do governador e do seu bloco governista na Alese, foi fundamental antecipar de 15 de fevereiro do ano seguinte para o 3 de dezembro a recondução de todos os membros daquela Mesa Diretora, que incluía, além de Ulices, a hoje presidente Angélica Guimarães (PSC), então vice, e todos os três primeiros secretários, André Moura (PSC), hoje deputado federal, Adelson Barreto (PSB) e Conceição Vieira (PT), que desta vez, dançou, junto com o atual vice-presidente Garibalde Mendonça (PMDB). A oposição não chiou e também não se falou em golpe. Interessou a gregos e troianos e todos ficaram satisfeitos. Como foi decisão consensuado previamente com todos os parlamentares da Casa, não gerou qualquer atrito.

A perspectiva de ‘golpe’ urdida pelo líder Francisco Gualberto e reforçada por outros petistas, como Conceição Vieira, parte daí. Naquele momento, a antecipação foi de apenas dois meses e negociada antes. Desta feita, foi de um ano e discutida à boca miúda apenas com 14 deputados – os mesmos que ficaram e sacramentaram a fatídica votação de segunda. A própria Angélica, Adelson Barreto, Antônio Santos, Arnaldo Bispo, Augusto Bezerra, Capitão Samuel, Gilmar Carvalho, Gilson Andrade, Goretti Reis, Maria Mendonça, Paulinho da Varzinhas, Mundinho da Comase, Venâncio Fonseca e Zé Franco.

Os demais foram ‘pegos com as calças nas mãos’ e não tiveram qualquer possibilidade de reação ou de montar uma chapa. A saída foi se retirar do plenário. Pego também de surpresa, o governador Marcelo Déda teve que engolir seco a derrota palaciana e o racha na sua ‘base de vidro’.

Intrigante é que na mesma segunda-feira, o governador teve uma longa conversa com o empresário Edvan Amorim, o homem dos vários partidos na algibeira. Pelo jeito, a conversa não surtiu qualquer efeito, mesmo com a promessa do empresário de que não tinha qualquer interesse em criar tensões com o governo. Poucas horas depois, 10 mil volts de tensão pipocavam na Alese. E deu no que deu. Rompimento.

Mas o que tem deixado mesmo muito macaco velho da política de cabelo em pé foi ver a participação efetiva dos parlamentares do PSB do senador Valadares na manobra do grupo antecipista. Estavam lá Adelson Barreto (reeleito como primeiro secretário) e Maria Mendonça. Como explicar? Houve algum acordo selado entre os Amorim e Valadares? Esse acordo visa as eleições de 2012 para Aracaju ou já é uma ponte para 2014? Ou os dois deputados simplesmente ‘se rebelaram’. A última hipótese é bastante improvável. Quanto às demais, muito em breve saberemos, já que até agora as lideranças do PSB têm preferido o silêncio sepulcral. Cedo ou tarde, terão de dar explicações.

O líder da oposição na Casa, deputado Venâncio Fonseca (PP), tratou logo de ironizar.  "Lá atrás, em 2008, não foi golpe. Agora, porque não interessa ao PT, é golpe. (...) Nessa Casa não tem criança. Gualberto alterou o regimento lá atrás e deixou a brecha porque era conveniente e poderia usar no momento certo. O problema é que o momento agora não foi favorável. Ninguém mudou uma vírgula da lei que ele redigiu", disse. E é verdade.

O que tirar então desse episódio? Um, que o governo agora sabe o que há muito já se sabia: ele nunca teve uma base sólida na Assembleia, mas apenas uma base aglutinada por interesses imediatos e passageiros, e que mais cedo ou mais tarde racharia... Rachou. Que o grupo liderado pelos Amorim, de apetite voraz, se fortalecia a cada eleição e, uma hora, o tubarão engordado daria o bote... Está dado. Que a corrida para 2014 começa desde já, com os agrupamentos já definindo que caminhos tomar. Então, façam suas apostas! E, por fim, que toda essa refrega também tem um outro objetivo muito claro nos seus bastidores: a indicação de quem fica com a vaga a ser aberta em 2013 no Paraíso da administração pública estadual (de polpuda remuneração, diga-se de passagem), o Tribunal de Contas do Estado, onde se entra basicamente por QI – Quem Indica.

A antecipação de eleição para a Mesa foi benéfica para Ulices em 2008, quando serviu para pavimentar o seu caminho para conselheiro da Corte de Contas. A mesma antecipação de agora também deve beneficiar a . Em 2013, é líquido e certo: estará na ponta da disputa pela vaga aberta com a aposentadoria do conselheiro Reinaldo Moura, a deputada Maria Angélica Guimarães. A indicação é da Assembleia Legislativa. E o desejo, a ribeirinha de Japoatã, que já foi governadora por dez dias – mesmo que quase ninguém lembre – alimenta há muito.

Golpe? Rasteira? Que nada! É apenas a danada da política. E não tem bobo nessa história.