Na minha adolescência, só havia um modo de garotos pobres do subúrbio ficarem atualizados, com o que acontecia de novo no mundo da música: Sendo um rato de loja de discos.
Eu era um deles e me abancava na loja Top Som Discos, que ficava próxima à praça de Realengo.
A ideia era passar pela loja sempre que possível, na volta da Escola, tendo assim acesso ao acervo disponível para venda. O objetivo principal era de apenas folearmos e manusearmos as capas dos "compactos" e "LPs" de vinil, mesmo que não fôssemos comprar, pois só de ouvirmos as músicas que o vendedor colocava no toca discos, como chamariz, já valia a pena.
Foi numa dessas ações de "rato", que manuseei pela primeira vez aquela capa branca, com desenhos de animais mitológicos no centro. O nome era "A Night At The Opera" de um tal Queen. Nunca tinha ouvido falar, mas gostei da capa. Tentei ouvir, mas o vendedor, preocupado com a venda do LP de Sambas Enredo do carnaval que se aproximava, tentou dissuadir-me. Disse que era muito chato, "tipo ópera" e garotos não gostavam de ópera.
O tempo correu , o carnaval passou e um dia o vendedor da loja de discos, sem ter o que fazer, perguntou se eu queria ouvir o tal disco encalhado da capa branca. Eu prontamente fui. De cara eu ouvi a guitarra de Brian May e entendi que estava diante de um dos melhores sons que já havia ouvido. Era meio esquisito aquele tipo de vocalização do grupo. Realmente eram como cantores de ópera. Mas eu gostei. O cantor tinha uma voz diferente, meio fora dos padrões Pink Floyd, Deep Purple, Slade e Led Zeppelin, mas aquilo ali também era Rock...e do bom. Meu primeiro contato foi com "Death on Two Legs", a música de abertura do disco.
Sempre tive um bom ouvido para músicas e aqueles acordes não sairiam da minha cabeça.
A falta de grana para comprar discos, nos transformavam em pesquisadores de rádios especializadas em música. Numa dessas pesquisas, descobri uma rádio FM de pouquíssima audiência, com um sinal de ótima qualidade e que me apresentaria aos maiores fenômenos musicais dos meados dos anos 70. Era a extinta rádio Eldorado FM, cujo apelido era EldoPop. Foi ali que conheci Supertramp, Peter Frampton, Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Bob Marley, entre outros.
A EldoPop era uma rádio fora do eixo, assim como os artistas que ali tocavam. Jovem Guarda , Bossa Nova e Tropicalismo nem passavam perto das agulhas daqueles toca discos. Até que um dia eles tocaram "Death on Two Legs". Meu bom ouvido me levou novamente ao primeiro contato com o Queen, da Top Som Discos. A partir dali não descansei. O Queen estava na grade da rádio. A única maneira de ter a música em meu acervo, seria deixando o gravador K7 preparado para o momento em que fosse tocada na programação. Até que um dia, mais ou menos naquele mesmo horário, pouco antes da Voz do Brasil, os caras tocaram e consegui gravar.
Toquei muito essa música, e no volume máximo. Minha mãe achava horrível, mas toquei até enjoar.
Hoje, algumas décadas depois, vejo o Queen na TV. Tenho saudades daquele tempo. Tempo em que Freddie Mercury era apenas um "esquisitão" desconhecido do Brasil, de queixo enorme e uma voz poderosa. Tempo em que "Death on Two Legs" era tocada no volume máximo e cheia de chiados da velha K7 Basf , no toca fitas Sharp.
O tempo passa, as pedras rolam e minha mãe adora o Queen.
Marcos Santos