In Dubia Pro Feto
DO BAÚ DA MEMÓRIA III
DO BAÚ DA MEMÓRIA II
SUPREMA LATA II
Nascida, ou pelo menos com mais de 10 semanas, claro!
DÚVIDA V
DÚVIDA IV
DÚVIDA III
DÚVIDA II
DÚVIDA
Descubra as Diferenças
Num comentário a um post meu de ontem, Hugo Evangelista observa que a imagem que escolhi tem mais de 10 semanas. É verdade. (Na realidade, tem uns 500 anos - saiu da pena de Leonardo da Vinci). E pergunta se não seria de boa fé mostrar uma imagem com menos de 10 semanas. Aqui está ela, caro Hugo - a mesmíssima que você me indicou. E agora, deixe-me perguntar-lhe, permitindo-me deduzir do seu texto que será pró-Sim até às 10 semanas: qual é a diferença? Meus caros Sim-Em-Certas-Circunstâncias: é só isso que está em jogo neste referendo, se exceptuarmos uma minoria que reconhece que é uma vida humana que se elimina, semelhante a uma criança, e ainda assim acha aceitável (a esses terei de chamar assassinos). E se este blogue, e este referendo, não servirem para mais nada, que sirvam para isto: para vos fazer, a vós, Sim-Em-Certas-Circunstâncias, tirar a cabeça de debaixo da terra, olhar para a fotografia acima, e perguntarem-se se se pode matar um ser humano, só porque ainda não se lhe vê os olhinhos.
DO BAÚ DA MEMÓRIA
O TRIUNFO DA VONTADE
SONDAGEM
A Minha Pergunta do Referendo
Voto de vencido
Jorge Miranda: mesmo com abstenção >50%...
O constitucionalista Jorge Miranda defende que o resultado do referendo sobre a despenalização do aborto deve ser sempre respeitado, mesmo que não votem metade dos eleitores, argumentando que a condição legal para ser vinculativo é contrária à democracia.
A Constituição da República consagra que o referendo "só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento", norma prevista igualmente na Lei do Referendo.Para Jorge Miranda, esta norma, que decorreu do acordo de revisão constitucional de 1997 entre o PS e o PSD, "não serve para nada" e "é contraditória com a ideia de princípio democrático"."Não em termos jurídicos, mas em termos políticos, seria chocante que a Assembleia da República tomasse uma deliberação contrária ao voto popular", afirmou o constitucionalista.Os constitucionalistas Bacelar de Gouveia e Gomes Canotilho salientaram que, quer ganhe o "sim" quer ganhe o "não", se o referendo não tiver efeito vinculativo a decisão de mudar ou não a lei é sempre "uma questão política".Num cenário em que votem menos de metade dos eleitores, o destino a dar ao projecto de lei do PS que despenaliza a IVG até às dez semanas de gravidez é uma questão "exclusivamente política", defendeu, por seu lado, o constitucionalista Jorge Bacelar de Gouveia."Do ponto de vista jurídico e constitucional, pode dizer-se que a Constituição torna-se indiferente ao resultado se este não for vinculativo", afirmou Bacelar de Gouveia.Gomes Canotilho sublinhou igualmente que, no mesmo cenário, "passa a ser uma questão de intuição política".Sobre o assunto, Gomes Canotilho defendeu que não teria sido necessário realizar um referendo para alterar a lei penal, argumentando que "o que está em causa é a exclusão da ilicitude" da IVG."Se o que está em causa é uma alteração do código penal, esta questão deveria seguir o mesmo processo legislativo que seguem todas as outras alterações ao código penal, pela via parlamentar", sustentou.
Só o aborto
O Estado acha por bem legislar sobre todos os aspectos da nossa vida na defesa dos palermas dos consumidores que não sabem recorrer aos tribunais civis para resolver abusos contratuais, intrometendo-se como um Estado absolutista, com o argumento falacioso da defesa da "parte fraca". Só o aborto é que se revela um assunto da estrita competência da mãe.
ALTERAÇÕES
Uns fanáticos, estes médicos
O que os dez médicos do colégio de especialidade de psiquiatria vêm fazer é clarificar a aplicação da lei quanto à questão da saúde psíquica, esclarece o bastonário, Germano de Sousa, que pediu o documento há dois meses.
E o parecer, que foi suscitado por um questionário de uma jornalista do "Diário de Notícias", é claro: "Não se estabeleceu nenhuma relação causal, directa e inequívoca entre o estado de gravidez e qualquer grave e duradoura lesão para a saúde psíquica que permita fundamentar a interrupção da gravidez em critérios médicos absolutos", adianta ao PÚBLICO o bastonário.
Ou seja, esclarece, não há nenhuma situação provada em que se possa estabelecer uma relação entre gravidez indesejada e mal psíquico, salvo "em situações isoladas que devem obedecer a um exame pericial caso a caso". O parecer não define qualquer doença ou forma de sofrimento que, por si só, se enquadre na definição prevista na lei, acrescenta Germano de Sousa.
Clarificando o que se entende por "grave e duradoura lesão para a saúde psíquica", os médicos que redigem o documento excluem abortos por "ocorrências banais da vida" e "estados patológicos não graves, transitórios e/ou tratáveis", enuncia o bastonário. Refere-se, por exemplo, o caso da depressão, que, por ser tratável na maioria dos casos, não é considerado motivo lícito para um aborto nos termos da lei.
Os psiquiatras consideram mesmo que não é a gravidez que é passível de causar danos psíquicos; a existirem, estes podem mesmo ser agravados pela própria interrupção da gravidez, explicita o bastonário, que afirma identificar-se com o parecer que é assinado pela presidente do colégio de psiquiatria, Maria Luísa Figueira.
"A interrupção voluntária da gravidez como forma de preservação da saúde psíquica não só pode não garantir a resolução do problema como até induzi-lo ou agravá-lo", refere o bastonário.
Tendo em conta este pressuposto, qualquer intervenção que implique risco para a mulher só deve ser considerada "depois de esgotadas outras intervenções terapêuticas alternativas e com melhor relação risco/ benefício" na preservação da saúde psíquica, continua, dando como exemplo a terapia medicamentosa ou psicoterapêutica.
No parecer, que será tornado público aos clínicos portugueses através do boletim da OM, conclui-se que a aplicação da lei nos serviços públicos tem sido correcta e "corresponde às práticas seguidas pelos médicos portugueses", informa o bastonário.
Em 2003 houve 37 em 137 interrupções de gravidez por doença materna reportadas pelos serviços de saúde que foram devidas a doença mental; em 2001 tinham sido 21 num total de 126, lê-se num relatório da Direcção-Geral da Saúde (DGS).
Críticas a Espanha
As patologias físicas justificaram os restantes abortos na categoria de doença materna, com as patologias infecciosas no topo, seguidas das cancerígenas e crónicas graves. Os episódios de internamento por aborto dão conta de um total de 699 interrupções legais realizadas em 2003, informa a DGS.
No parecer, os médicos especialistas comparam também o caso português com o espanhol. Na legislação deste país, prevêem-se as mesmas situações que em Portugal - nomeadamente para "evitar um grave perigo para a vida ou a saúde física ou psíquica da grávida" - mas a esmagadora maioria dos casos (97 por cento) é justificada por motivos ligados à saúde materna, sendo invocados sobretudo motivos psicológicos.
A grande diferença, consideram os clínicos portugueses, está no sistema privado espanhol, onde é feita a maioria das interrupções: 97,5 por cento do total de 80 mil abortos ali realizados anualmente são-no numa rede de clínicas privadas só dedicadas à prática de aborto, referencia Germano de Sousa.
Segundo o bastonário, os especialistas da Ordem apontam o caso espanhol como "uma prática negligente e abusiva da lei", afirmando que em Espanha é-se "mais permissivo, mas tal acontece mais por motivos sociais"; em Portugal os "critérios são científicos".
TVI PELO ABORTO
PREFIRO 29 DE FEVEREIRO
Não, não sofremos de incoerência!
Já tentei, em vão, explicar que existem causas de justificação ao nível do direito penal, previstas na parte geral e que, por uma diferente técnica legislativa, por vezes, se opta por consagrá-las especificamente por referência a um certo tipo legal de crime.
Vamos ver se através de umas pequenas hipóteses práticas eu consigo tentar transmitir esta ideia.
Afastemo-nos por uns breves momentos do aborto para nos centramos num outro tipo legal de crime: a difamação.
O bem jurídico protegido por aquele é a honra. Acho que não causa grande celeuma que o bem jurídico tem dignidade penal.
Ora, diz-nos o artigo 180º, nº1, Código Penal:
“Quem, dirigindo-se a terceiro imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias”.
O nº2 daquele artigo consagra que:
“A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira”.
Trata-se de um outro exemplo em que, especificamente, a técnica do legislador nos conduz à Parte Especial do Código Penal.
Agora imaginem que lhes era dirigida a seguinte pergunta: concorda que, porque há imensas difamações no nosso país, a pessoa não seja punida se difamar outra durante o fim-de-semana?
O exemplo é caricato, admito-o. Mas tentem seguir o meu raciocínio.
Imaginem que respondem àquela pergunta “não, não concordo”. E não concordam por diversos motivos, entre os quais achar que não há qualquer razão para a pessoa não ser responsabilizada por um comportamento livre seu, que põe em causa um bem jurídico alheio, apenas e só porque ao fim de semana está mais descontraída e quer ser maledicente.
São então confrontados com a questão: então, mas isso não faz sentido, porque aceita que quando haja interesses legítimos (…) a conduta não seja punível. Ainda por cima está em causa a liberdade de expressão de uma pessoa que não pode ser cerceada.
O que responderiam? Imagino que qualquer coisa do género “Não há qualquer contradição interna no nosso pensamento, porque na hipótese já prevista na lei aceitamos que haja um recuo da protecção penal do bem jurídico honra em nome de outros interesses ou circunstâncias que podem ser relevantes. Já no caso que nos foi colocado à consideração não conseguimos discernir qualquer conflito entre direitos ou bens jurídicos, até porque o exercício do direito à liberdade de expressão, sendo como o próprio nome indica livre, implicará a responsabilidade” (Vou deixar de lado a questão de saber quais os limites dessa liberdade de expressão)
Ao que me resta um apelo. Tentem fazer a transposição do raciocínio para o caso do aborto. Podem não concordar connosco, podem apresentar argumentos de política criminal que justifiquem a não punição do aborto (e nós cá estaremos para os contraditar), mas não desviem as atenções para o que não está em causa.
O debate segue dentro de momentos.
Num Cinema Perto de Si
Dando a palavra aos filósofos
BASES DE INTELIGIBILIDADE DO NÃO QUE PROCLAMAMOS
O "post" que se segue é grande, maçador e faz pouco apelo a recursos estilísticos. Mas, afigura-se essencial, porque só depois de criado um quadro mínimo de inteligibilidade podemos conversar. O debate segue dentro de momentos. Até lá, fiquem com estas notas.
O aborto é um problema complexo que, como qualquer outro problema, pode ser abordado sob diversas perspectivas. Quer religiosas, quer morais, quer científicas, quer jurídicas. Pode ser questionado em termos amplos ou em termos restritos. A nós não nos interessa criar uma tertúlia que a ele se dedique, mas interessa-nos, isso sim, esgrimir argumentos que possam fundar uma resposta a uma questão concreta: a pergunta que vai ser submetida a consulta popular em data a marcar pelo Sr. Presidente da República.
Dito isto, o nosso enfoque privilegia a vertente jurídica. Porque, quer se goste, quer não se goste, do que se trata é de discutir se o aborto até às 10 semanas deve ou não ser considerado crime. Sem que isso, obviamente, implique uma qualquer forma de autismo que nos afaste da contemplação dos dados lançados pelas descobertas científicas ou pelas indagações sociológicas acerca do fenómeno. Mas implicando, outrossim, que não pretendemos impor uma qualquer visão religiosa do mundo ou uma certa moral pessoal.
Se a nossa questão é jurídica, o primeiro problema que temos de enfrentar é o de saber até que ponto o direito pode intervir nesta matéria. O mesmo é questionar em que medida é legítimo ao Estado resolver, através dos mecanismos próprios do ordenamento jurídico, o problema.
Para tanto, relembramos sumariamente – e em termos gerais – quais as condições de emergência do direito. Para que é que ele serve? Até onde pode ir? Ora, acho que todos percebemos que o direito existe para ordenar condutas sociais. O mundo é um só e nós somos muitos, cada um com a sua mundivisão e com a percepção exacta da escassez de recursos que aquele viabiliza. Mas, ordens reguladoras há muitas e nem todas podem ser consideradas ordens jurídicas. A Máfia também tem as suas regras de conduta, o regime nazi era uma ordem (para mais assente numa legitimidade popular). Apesar disso, nenhum destes regimes pode verdadeiramente ser concebido como uma ordem jurídica. É que para se falar de direito há que ter em conta uma outra condição de emergência – a chamada condição ética. Para que haja direito é necessário que algo funde as normas que mobilizamos para resolver os problemas concretos. E esse algo é – no estado actual de desenvolvimento da nossa civilização – a ética.
Pressupomos uma ética. Pressupomos a dignidade do ser humano, visto como pessoa, e todo o sistema se alicerça nesse pilar fundamental. É certo que outros tentaram uma neutralidade axiológica, mas isso não só se afigura inalcançável (a própria neutralidade é em si mesma um valor pressuposto), como nos pode conduzir a graves consequências, na medida em que todos ficaríamos reféns do poder tendencialmente arbitrário do legislador do momento. Mas para obviar divagações filosóficas e metodológicas, ao mesmo tempo que se tenta obter algum consenso viabilizador do diálogo, deixem-me relembrar-vos que nada disto é metafísico. A Constituição da República Portuguesa tem como pórtico de entrada essa mesma ideia: a dignidade da pessoa humana.
A primeira conclusão que podemos retirar é essa mesma: o direito está onde se ponha um problema de partilha do mundo – ou seja, onde em conflito surjam dois ou mais sujeitos – que urge resolver com apelo a um quadro axiológico.
Não vou explicar, porque gerador de dissenso, a diferença que separa o indivíduo da pessoa. Ainda que possa chamar à colação um acervo de argumentos que me levem a aderir à segunda em detrimento do primeiro, para o que quero explicar basta-me que aceitem esta ideia.
Voltemos, então, ao aborto. Temos de um lado a mãe e do outro lado o embrião. Se o direito se pronunciar sobre o tema do aborto não está a impor a moral a quem quer que seja. E não está porque não se trata de regular uma relação entre mim e a minha consciência, mas entre mim e outra vida humana (espero que ninguém recuse que o embrião é vida e, dentro da categoria de vida, vida humana. Se eventualmente recusarem, podem sempre pedir a um médico que explique que há ali células vivas). Há mais do que um indivíduo. Há uma relação de alteridade. Logo, a moral não tem nada a ver com o assunto, sendo o nosso problema unicamente jurídico.
Dir-me-ão. Mas está a impor valores e uma ética. Pois, sim. Pois estou. Da mesma forma que se impõe uma ética – a do respeito pelo próximo – quando se proíbe o homicídio ou a pedofilia. Reparem em dois pontos: mesmo inconscientemente e acriticamente, há sempre a fundamentar qualquer norma do nosso sistema um valor, um princípio. Sem ele a responsabilidade que, aos diversos níveis, se impõe à pessoa ficava sem suporte e seria meramente arbitrária. E não me falem em consenso, porque este obtém-se sempre a posteriori e nunca é generalizável (pensem que, por exemplo, na Holanda surgiu há pouco tempo um partido político cujo programa inclui a defesa da pedofilia). O nosso ordenamento jurídico terá de ter um suporte. E esse suporte – volto a repetir – é a dignidade da pessoa humana, que nunca poderá ser posta em causa (para facilitar, mesmo que não concorde inteiramente com a formulação individualista e a densifique com apelo à pessoalidade, relembro: eu só posso ir até ao ponto em que não lese direitos alheios).
Chegados a este ponto, antevejo berros, choro e ranger de dentes. Acalmem-se. Não quero impor nenhuma visão pessoal, desarreigada do direito que já existe. Hoje concedo tudo só para ver se consigo fazer entender-me. Por isso nem vou falar no plano do dever ser. Falar-lhes-ei apenas do plano do direito que já é. Pois bem. O nosso direito civil reconhece que o embrião (o nascituro, para usar a designação aí acolhida) é pessoa e trata-o como tal.
Sim, eu sei. Não tem personalidade jurídica, mas esta não se confunde com a personalidade humana, tanto que as associações, sociedades e fundações têm personalidade jurídica e não são seres humanos.
Quando digo que o direito civil reconhece no nascituro uma pessoa humana, digo que o artigo 70º CC, que consagra a tutela geral da personalidade física e moral do indivíduo, inclui no seu âmbito de protecção os nascituros.
Não sou só eu que o digo. Outros antes de mim o disseram, pelo que passo a citar:
“O artigo 70º CC acolhe uma protecção geral da personalidade física e moral dos nascituros concebidos (…). Os concebidos são seres vivos humanos intra-uterinos dotados de uma estrutura e dinâmica próprias, e, como tais, são indivíduos dotados de uma naturalística personalidade físico-moral. Aliás, a ratio legis do artigo 70º vale também para os concebidos porque também carentes de uma protecção geral contra ofensas à sua personalidade, não só para nascerem com vida e ilesos, mas também para que a própria gestação se processo no modo próprio” (Capelo de Sousa, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 269)
“Embora não tenha personalidade jurídica plena, é, para efeitos do artigo 70º, um indivíduo – e até mais do que isso uma pessoa – e tem uma personalidade física e moral” (Capelo de Sousa, ob. cit., pp. 270)
“O nascituro é um bem jurídico autónomo, porquanto o concebido não é um nada humano, mas já um embrião, uma firmada spes vitae” (Orlando de Carvalho, Teoria Geral da Relação Jurídica Civil, pp. 171 e 185)
Isto quer dizer que se o embrião, o nascituro, sofrer alguma lesão na sua integridade física durante a gravidez da mãe, ele tem direito a uma indemnização. Novamente citando:
Castro Mendes (Direito Civil, Teoria Geral I, Lisboa, 99. 228) confere um direito de indemnização a uma criança que nasce defeituosa por virtude de um acidente sofrido pela sua mãe por culpa de terceiro.
Orlando de Carvalho considera que o direito à integridade física abrange o direito a não sofrer lesões mesmo na fase intra uterina ou embrionária (Ob. Cit., pp. 187)
Pereira Coelho afirma que “em face das regras de responsabilidade civil, o nascituro pode adquirir um direito de indemnização por danos sofridos antes do nascimento” (Direito das Sucessões, pp. 193)
E olhando para a jurisprudência (vulgo, decisões dos Tribunais) nacional e estrangeira, vemos que a orientação é a mesma. O Supremo Tribunal Federal Alemão (BGHZ 8, 243) reconheceu um direito de indemnização a uma criança nascida com sífilis inata, porque a sua mãe foi infectada com tal doença através de uma transfusão de sangue. Entre nós, a Relação de Lisboa já confere, desde 1977, indemnizações aos nascituros por danos que tenham sofrido, não só por lesões na sua integridade física, como moral.
Ademais, os civilistas têm entendido que o poder paternal (os poderes e deveres que os pais têm em relação aos filhos) se estende aos nascituros. Novamente citando, “a expressão ainda que nascituros do actual nº1 do artigo 1878º CC (…) reporta-se não apenas à representação destes pelos pais mas também aos deveres dos progenitores do concebido de velar pela segurança e saúde deste (…), ou seja, às obrigações de defesa do concebido” (Capelo de Sousa, op. cit. pp. 269)
Neste ponto, devo recordar que ainda não falei de moral, religião, mas que me estou a ater ao sistema de direito tal-qualmente ele existe.
Concluímos que o embrião é considerado – e tutelado – como pessoa pelo nosso ordenamento jurídico civil.
Mais do que isso, podemos pensar no artigo 24º CRP e interpretá-lo no sentido de integrar naquela expressão “direito à vida” a vida do nascituro, do embrião.
Esperando ter encontrado algum consenso, vamos dar mais um pequenino passo para não nos confundirmos todos novamente.
Para o direito penal ser legítimo temos de preencher duas categorias: a dignidade do bem jurídico e a eficácia.
Quanto à dignidade do bem jurídico, acho que estamos conversados (mesmo os penalistas que admitem a descriminalização ou despenalização do aborto aceitam sem problemas essa dignidade. V.g. Costa Andrade). Espero que depois de tanta citação não continuem a berrar que estamos a impor uma moral.
Resta-nos a eficácia. Considera-se que o direito penal só é eficaz quando não haja outro meio menos gravoso de tutela daquele bem jurídico. Ora, por mais que me esforce eu não consigo arranjar nenhum.
Permitir que a mãe aborte implica desproteger totalmente o embrião. Dir-me-ão que há casos em que é possível abortar sem que haja crime. Pois há. Tal como há casos em que é possível matar sem que haja crime. Mas são casos excepcionais em que entram em conflito com o direito à vida do filho outros direitos da mãe e se estabelece uma ponderação prática dos mesmos. Ou casos em que as circunstâncias envolventes permitem concluir por uma especial atenuação ou exclusão da culpa da mulher. Nenhuma dessas explicações colhe quando o aborto seja feito a pedido daquela, sem causa justificativa. Menos colhe a ideia de liberdade da mulher, porque essa foi exercida a montante, ou seja, no momento da prática do acto sexual.
coração e compaixão (mas só a partir do nascimento)
a fernanda câncio denunciaria uma filha sua de 15 anos que cometesse um crime? a sua irmã? a sua melhor amiga? a sua prima?
teria dúvidas? hesitaria? então, depois de "conquistado" o direito social ao aborto, o casamento homossexual e a adopção por casais homossexuais, resta-lhe defender uma nova - e definitiva - causa fracturante: a abolição de todo o direito penal.
cada um, por definição, define-se como entende. e a fernanda define-se assim como uma pessoa com convicções muito prá frente. tão prá frente que nem precisa de pensar muito nelas. e se calhar é o que faz melhor. porque com convicções destas era coisa para acabar em abalos ou, pior ainda, contristamentos.
Tolerância
O Que É Que Isto Tem a Ver com Aborto?
BLOGUE DO NÃO - 10; Câncio - 0
É oficial: está baralhadíssima!
Está muito à frente, embora denote um certo espírito passadista. Na verdade, longe vão os tempos em que o facto de uma pessoa se dirigir a outra mais do que uma vez era indício de segundas intenções. Mas, inova, claro, ao falar de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não sei se a vou desapontar, mas tenho a minha sexualidade definida e portanto casamento consigo nem em estado de demência.
Ou talvez não tenha reparado que eu sou mulher. Não sei… Parece-me um bocadinho baralhada noutros assuntos, pelo que podia estar também nesse.
De qualquer modo, isso não interessa nada.
Vamos lá às suas ideias (já agora, por aqui choveu hoje!).
Falava de moral. Ora eu de moral não lhe falo (e por isso não lhe dou uma justificação moral para o aborto de pessoas com malformações, porque não há moralmente – de acordo com a minha moral – qualquer razão, embora a haja juridicamente. Pedia-lhe que consultasse o que sobre isso escrevi e bem assim o que o Rui Castro escreveu). E sabe porquê? Porque a moral implica uma relação entre cada um de nós e a sua consciência. Pertence ao foro íntimo da pessoa, tanto que a sanção típica desse ordenamento de conduta é o remorso. Eu não imponho a minha moral a ninguém. E penso que a Fernanda Câncio também não deve impor a sua, seja ela qual for. Mas, minha cara Fernanda Câncio, reparo agora que voltou a resvalar para um pensamento tradicionalista e conservador… Está a surpreender-me.
Lá está. Moralmente eu dar-lhe-ia uma resposta que não dou juridicamente, porque o direito, tendo um fundamento normativo transpositivo e transtextual, que faz apelo à ética – ao fazer apelo à dignidade ética do ser humano –, não se confunde com a moral.
E por isso já lhe falo de ética (ou de filosofia, se preferir, até porque Lévinas definiu a ética como a filosofia primeira).
Quer falar do que subjaz à lei. Acho óptimo. Eu também concordo que é muito mais interessante escalpelizar os fundamentos do direito (que, já agora, não se confunde com a lei) do que atermo-nos ao direito positivo.
Pilar fundamental de todo o sistema é, portanto, a pessoa humana. Ora, a partir daí, e sem me perder num pensamento de índole dedutivista, eu consigo chegar a duas conclusões básicas.
Primeiro, centrando-me no embrião. É um ser humano, é uma pessoa humana (desculpe, mas tratá-lo-ei assim. Sabe, é que já que me fala em filosofia e ética, recuso-me a considerar o embrião vida humana e desqualificá-lo, não o considerando pessoa. Pode ser problema meu, mas é um daqueles pensamentos que me lembra regimes pouco simpáticos, lá para os lados da Alemanha). Ao direito compete, pois, protegê-lo. O próprio ordenamento jurídico (desculpe voltar ao direito positivo, mas como o direito não se queda num enunciado de intenções, às vezes é preciso falar dos comandos sancionatórios – no sentido lato do termo – que concretizam aqueles princípios e valores de que tanto gosta) reconhece inúmeros direitos aos nascituros. E vê-o a diversos níveis (v.g. ao nível do direito civil) como pessoa. Uma pessoa totalmente indefesa, pelo que merece uma tutela fortíssima, capaz de lhe garantir o direito básico a nascer. Vejo, portanto, com bons olhos a actuação do direito penal a este nível.
Segundo, centrando-me na mãe. Uma pessoa livre, que livremente exerce o seu direito à autodeterminação sexual. Uma pessoa que, não sendo inimputável, só é verdadeiramente livre se for responsável pelas opções que toma. Parece-me, portanto, também totalmente consentâneo com esse pilar sustentador de todo o direito que, optando por ter uma relação sexual (desculpe não utilizar os seus termos muito mais cool, mas, como já reconheceu, pauto-me pela boa educação), assuma as consequências do seu acto. Mais do que consentâneo é essencial para que não seja diminuída na sua pessoalidade.
Repare que não estou aqui a falar de responsabilidade criminal. A Fernanda Câncio consegue surpreender-me com as suas posições conservadoras. Achar que o acto sexual em si é crime. Cara Fernanda, longe de nós pensar tal coisa. Até o vemos com bons olhos. Pelo que não fará muito sentido estar a falar de negligência ou dolo eventual por referência a ele. Até porque estes, quer se reconduzam, na esteira do finalismo, ao acto em si, quer se reconduzam às consequências do mesmo, implicam um juízo de censura ético-jurídica que não me parece própria para macular o acto sexual ou a criança que daí resulte. O acto que criminalmente responsabiliza a mulher não é o acto sexual, mas o aniquilamento do embrião que resulte daquele acto. E aqui já não está em causa a moral, porque há um outro ser diferente da mãe, que nos merece respeito. O que não impede que, juridicamente, a protecção penal não possa recuar quando em conflito surjam outros valores, numa óptica de exclusão da ilicitude ou da culpa (tal como acontece em algumas situações em que a tutela penal da vida da pessoa já nascida recua por motivos análogos). Só que na hipótese levada a referendo não há qualquer conflito entre o valor da vida do embrião e outros direitos da mãe, porque o seu acto foi livre.
Voltemos a vincar o carácter livre da relação sexual. A liberdade está no acto em si. Os efeitos dele vão, obviamente, como em todas as acções, para além do controlo das mesmas.
Já que falou no automóvel e no semáforo, pense que uma pessoa pode cumprir todas as regras do trânsito e ainda assim ter um acidente do qual resulte a sua incapacidade. São consequências imprevisíveis e incontroláveis. É uma maçada, mas é mesmo assim. Se a mulher não quiser mesmo correr o mínimo risco pode sempre optar por não ter a relação sexual. Se aceitar o risco, tenha-a protegidamente. Podem os métodos contraceptivos não ser totalmente eficazes, mas são numa percentagem grande. E há tantos no nosso planeta (Terra. Não venho de Marte, Saturno, nem mantenho relações comerciais com tais domínios). Mas tenho a certeza que não preciso de lhe falar deles.
Aliás, é curioso ver que as pessoas que gritam pelo planeamento familiar e invocam a segurança de métodos como o preservativo para evitar doenças sexualmente transmissíveis são as mesmas que, agora, porque dá jeito, vêm dizer que afinal não são assim tão seguros. É curioso.
Mas deixe-me perguntar-lhe uma coisinha… Imagine uma mulher que usa como método contraceptivo a pílula. E mais concretamente usa uma daquelas que, nos períodos em que não a toma, não provoca qualquer hemorragia de privação, pelo que só descobre que está grávida às 11 ou 12 semanas de gestação? Quid iuris, cara Fernanda Câncio, de acordo com o seu inflamado raciocínio?
É que não nos podemos esquecer que, naqueles circos mediáticos montados à porta dos Tribunais, estavam em causa abortos realizados para além das 10 semanas. É importante não esquecer isso. E dizê-lo claramente às pessoas
P.S. Continuarei, apesar dos pesares, a linkar o seu blog. Se quiser, depois nós explicamos como se faz, para começar a fazer o mesmo.
P.S.1. Se quiser ler mais sobre as excepções legalmente previstas, veja as nossas caixas de comentários. Deixei lá ao nosso comentador jurídico de serviço uma explicação mais longa do que aquela que lhe dirigi a si ontem.
é oficial: passou-se
Água mole em pedra dura...
Acalme-se, por favor. O referendo ainda vem longe (se vier. Afinal ainda temos de contar com o Tabu do Sr. Presidente da República) e por este andar não resiste. Já nem a nova medicação de que fala lhe faz efeito, tanto que treslê o meu nome.
Fico contente por ter contribuído para o seu esclarecimento. Mais do que isso, para a verdadeira revolução no seu espírito. Para quem tratava, há um dia, o embrião por “aquilo”, denota uma enormíssima evolução – nem mesmo por nós ensaiada – ao achar que, no ambiente intra-uterino, se lê o código penal (“por acaso eu até já tinha esclarecido há uns anitos este assunto, do ponto de vista da filosofia penal, com o professor costa andrade (hei-de pôr aqui o link, não agora), mas gosto sempre que as pessoas me esclareçam, nomeadamente, como é o caso, sobre o conhecimento que os embriões e os fetos têm do código penal”). Numa assunção clara, obviamente, que só terá protecção a esse nível quem saiba ler e escrever. Apenas temo pela vida dos analfabetos.
Quanto ao resto, o embrião fruto de uma violação tem o direito à vida. Mas, na óptica da fragmentaridade do direito penal, visto como tutela de ultima ratio, entende-se que não é exigível à mãe assumir aquela gravidez. O que não obsta que ela o possa fazer.
Ao que acresce que nesse caso o direito à autodeterminação sexual não foi exercido, mas antes violado. Coisa que não acontece no caso de uma gravidez normal. A mulher, para mais numa altura em que os métodos contraceptivos estão ao dispor de todos, engravida porque quer. Logo, é desresponsabilizá-la e menorizá-la (presumindo-a inimputável, ao melhor jeito do machismo de outros tempos) aceitar que ela possa rejeitar o filho que a própria gerou de livre e espontânea vontade.
E por mais que isso a irrite, são os penalistas (e não eu) que falam, a propósito das excepções legalmente previstas, de causas de exclusão da ilicitude. Nem vou acrescentar o olhar derramado sobre o tema por outros, claramente desfavoráveis à introdução do método dos prazos na nossa legislação, como é o caso de Almeida Costa, que falam apenas da exclusão da culpa, pois temo que isso possa causar uma apoplexia quando me ler.
Seja sempre bem vinda ao blogue do não para esclarecer as suas dúvidas. Até porque, em democracia (que presumo aceitar) o debate é sempre o caminho para o entendimento entre todos. E mesmo que não aceite as nossas opiniões, penso que aceitará que as tenhamos e as possamos exprimir.
Com os melhores cumprimentos,
Mafalda