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domingo, 27 de novembro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte III


Na parte I falei sobre o divórcio e sobre a necessidade de deixar o passado bem resolvido para se poder seguir em frente. Na parte II dei algumas dicas de como se deve viver a nova relação. A parte III dedico-a à questão: e quando há filhos?


Obviamente que é muito importante que os filhos aceitem o novo relacionamento da mãe (ou do pai), mas não podem ser eles a ditar as regras ou ter a última palavra sobre esta tão grande decisão.

Se não entramos numa nova relação por causa dos filhos, ou até se terminarmos a relação por causa deles, porque não aceitam, porque não querem, porque boicotam, ou porque temos medo que tudo isto os afecte, vamos mais cedo ou mais tarde responsabilizá-los por essa escolha, geradora de infelicidade.

Portanto, antes de achar que tem de optar pelos filhos em detrimento de um novo amor, porque os filhos estão primeiro do que tudo, porque já sofreram muito e não merecem sofrer mais… pare, respire e pense. Os filhos vão acabar por aceitar. Dê-lhes tempo, siga alguns conselhos que aqui vou deixar e, sobretudo, não desista. E também não sinta culpa. A verdade é que não está a fazer nada de errado.

É natural que os filhos tenham medo. Depois de tudo o que falámos, consegue dizer que também não tem? Tem, claro que tem. E, no entanto, é adulta e racionaliza as coisas de forma diferente de uma criança ou de um jovem. Os mais novos não têm a facilidade de um adulto de verbalizar o que sentem, até porque alguns sentimentos são inconscientes, logo, impossíveis de serem pensados.

Não vamos dourar a pílula. Não é fácil, não é tarefa simples…ou pode não ser. Mas é um processo natural e é compreensível e mesmo imprescindível que haja muito empenho da parte de todos, especialmente dos adultos envolvidos.

Por exemplo, os filhos, principalmente os mais novos, podem sentir medo de serem substituídos no coração da mãe ou do pai. Sentem medo de perder o seu amor. É extremamente importante que os pais expliquem aos filhos que o que sentem por eles não vai mudar, nem vai diminuir ou passar para outra pessoa. O amor divide-se entre todos, ou multiplica-se. É elástico. É como um polvo cheio de tentáculos. Ou uma mãe com muitos braços.

Nesta fase, os filhos precisam mais ainda de atenção. Por isso, terá de se desdobrar, dedicando-lhes tempo em exclusivo…e o mesmo acontece com a nova relação. É cansativo, é complicado e é difícil…mas tudo se consegue quando se faz com o coração.

Também é importante que a introdução do novo elemento seja feita de forma gradual. No início os filhos não devem ser envolvidos. Deixe passar algum tempo, deixe que haja mais certezas e que tudo se torne mais sólido. Aí será a hora de agir. De forma tranquila e em pequenas doses. 

Os primeiros contactos não devem acontecer em casa, mas sim em espaços neutros. De preferência organizando actividades que sejam divertidas para as crianças. Antes de tornar tudo oficial, procure pensar e organizar programas que sejam estimulantes e cheios de boa disposição. Isso ajudará mais do que pensa, porque as crianças começam a gostar daquela pessoa, a gostar da companhia dela, sem o peso de ser o namorado/a da mãe ou do pai.

Então estará na hora de contar e não se admire se, a princípio, e mesmo com pezinhos de lã, for ainda tudo um pouco confuso na cabeça deles. Vai levar algum tempo para que todos se adaptem à nova situação.

Quando contar aos filhos, ouça-os. Nessa altura e sempre. Ouça-os atentamente, coloque-se no lugar deles, seja compreensiva e respeitosa. Os filhos não vão decidir o futuro dos pais, mas é mesmo muito importante que se sintam escutados. Pedir aprovação ou conselhos poderá ser tentador e, num primeiro impacto, pode até parecer reconfortante para as crianças, mas pense que está a passar para eles uma responsabilidade que não devem ter e para a qual não estão preparados. Portanto, ouça-os, faça-os sentir especiais, por serem escutados, mas as decisões e as escolhas são sempre suas, não deles.

O novo elemento também terá de se empenhar e trabalhar para que os laços se construam, para que a relação com as crianças funcione e também para que a relação entre o casal se torne segura, sabendo que há um terceiro elemento, sempre presente, mesmo quando não está, que são os filhos. É preciso jogar entre proximidades e distâncias, essencialmente usando o bom senso. E a paciência. Esta tem de ser uma das peças chave.

Lembre-se que também para a outra pessoa não será fácil. Também terá medos, também não conseguirá adivinhar como a criança irá reagir, o que irá sentir, se a aceitará.

Queremos que corra bem, mesmo muito bem. E pode, de facto, correr muito bem, melhor ainda do que o esperado. Mas não alimente o desejo de que para o seu filho ou filha, o seu namorado seja um pai daqueles instantâneos, como se saísse na farinha Amparo. Mais ainda se os seus filhos já tiverem um pai. Aqui para nós, também não ia querer que a namorada do seu ex. fosse vista pelos seus filhos como uma mãe, pois não? Mãe há só uma. Mas o novo elemento pode ser uma pessoa importante na vida deles e vai com certeza reconfortá-la saber que ela os trata bem e que gosta deles de verdade. Terá é de saber gerir os ciúmes e aceitar a realidade. Mais uma vez a mesma ideia: ninguém vem substituir ninguém. Vem somar afectos, não diminuir. Se houver amor, carinho, respeito pelos limites, há espaço para todos. Porque relações saudáveis e pessoas que nos querem bem, nunca são demais.

Se o seu namorado também tiver filhos, nunca, mas nunca deve entrar em comparações sobre os rebentos de um e do outro. Nunca deve criticar os filhos dele ou a forma como ele os educa, ou até como a ex. dele, a mãe dos filhos, os educa. É um terreno de areias movediças. Muito cuidado!

E por falar em exs., é bom que todos os exs. (sim, todos) respeitem as novas relações. Quando ainda se gosta sente-se ciúmes. Quando já não se gosta continuam a sentir-se alguns ciúmes. E por vezes por despeito ou só porque sim, dizem-se coisas em frente aos filhos, que nunca se diriam, se a razão não andasse completamente toldada.

De facto, é uma fase da vida em que esquecemos a sensatez, disparamos para todos os lados, atropelamos os dias e quase parecemos bonecos desarticulados. Mas Roma e Pavia não se fizeram num dia e a adaptação a novas reconfigurações familiares também não. E dão trabalho. Oh se dão! Mas as coisas são mesmo assim, há uma certa fatalidade nisso. No entanto, também acredito, e isso é mesmo bonito, que no fim somos nós que escolhemos, somos nós que decidimos se continuamos ou atiramos a toalha ao chão. Somos nós que decidimos se depois de toda a tormenta e dos invernos da vida, estamos novamente prontas para a bonança e para os dias soalheiros de verão.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte II



Depois de uma separação, de um divórcio, ou de uma crise de vida, passamos por momentos tumultuosos e desgastantes, até sentirmos que estamos prontos para começar de novo. Há quem tenha a certeza de que nunca mais vai querer passar pelo mesmo outra vez, começar do zero, ou voltar a amar. Há quem confesse ter medo de ficar sozinho ou que mais ninguém se interesse por si, ou ache que vai ser muito complicado por causa dos filhos, ou tudo junto… – e a verdade é que se não é a vida a boicotar-nos, somos mestres em fazê-lo a nós mesmos. 

É normal haver medos e dúvidas, mas são tantas as questões que surgem, que ficamos exaustos só de pensar no que vem pela frente. “O que é que os outros vão dizer?”, “Será cedo demais?”, “Como é que as crianças vão reagir?”, “Estarei apaixonada ou apenas carente?”, “E se correr mal?”… É normal colocarmos questões, é normal ter dúvidas, é adaptativo o medo do desconhecido, do re-começo. Torna-se desadaptativo se nos congela, bloqueia, paralisa e não nos permite seguir em frente.

Um grupo de especialistas criou uma fórmula que aponta mais ou menos para o tempo certo para re-começar. Dizem eles que é um mês de espera por cada ano da relação que terminou. Ou seja, 5 anos de relação equivalem a pelo menos 5 meses de espera até estar pronto para começar de novo. Esta é, pelos vistos, uma fórmula matemática, mas não será de certeza uma fórmula mágica que resulta para todos. De qualquer modo é interessante pensarmos nisto.

Quando sentimos que podemos re-começar, que a vida nos está a dar - e nós próprios nos estamos a dar - uma oportunidade de voltarmos a ser felizes é quando deixamos de estar demasiado presos a lembranças, dúvidas, ressentimentos…ou devia ser. Por isso, e tal como foi referido na parte I, é preciso dar tempo, para que o passado fique no passado, para que o perdão aconteça, para que nos encontremos e nos sintamos realmente bem connosco próprios, sem precisarmos de mais ninguém. Estamos prontos para ter outra pessoa na nossa vida quando não precisarmos dela. Faz sentido?

O medo do vazio, do silêncio, da solidão, torna-nos frágeis e mais dependentes. Quando nos fortalecemos e nos tornamos mais autónomos e mais seguros, aí sim, estamos prontos. Embora a vida toda tenhamos ouvido que “a dor da perda de um grande amor se cura com outro grande amor”, temos de perceber e aceitar que não é um novo amor que nos vem salvar de nós mesmos, não é um novo amor que nos vem completar. Quando ele chegar já temos de nos ter salvo. Somos nós os nossos próprios bombeiros. Os nossos apaga fogos. Os nossos salva vidas.

E para isso é preciso trabalhar, trabalhar, trabalhar. Trabalhar a tolerância à frustração, a tolerância à mudança, a capacidade de adaptação a novas situações; trabalhar para estabelecer expectativas mais realistas, para mudar comportamentos e atitudes. Em suma, trabalhar o nosso novo Eu.

Saber o que se quer, o que não se quer, o que se idealiza e ter o passado resolvido são passos essenciais para não repetir o mesmo guião no novo relacionamento. De facto, saber o que realmente queremos, o que nos faz felizes; saber também o que precisamos mudar em nós para podermos viver uma nova relação com futuro; sentirmo-nos preparados para aceitar alguém real, diferente das nossas expectativas e idealizações, diferente do que somos e do que o outro era; aceitarmos que quem vem é um ser humano também com alguns defeitos; aceitar que é impossível mudar seja quem for a não ser nós mesmos; não desejarmos substituir ninguém; não entrarmos em comparações e cobranças; não termos medo de mudar, mesmo que seja doloroso,tudo isso são tarefas-chave desta nova fase da vida.

Nós funcionamos inevitavelmente por substituição. É comum que o novo amor seja alguém com características, físicas e/ou comportamentais semelhantes àquele que se foi. Seleccionamos alguém que pareça corresponder às nossas idealizações, sobretudo quando o outro imaginário continua presente. Temos tendência a comparar, cobrar e exigir que quem chega supere e cure todas as feridas e, assim, mais uma vez podemos correr o risco de não estar a ver a pessoa real, mas a que imaginámos, a que só existe na nossa cabeça. E podemos correr o risco de repetir os erros que cometemos no relacionamento anterior. É muito importante confrontarmo-nos com isto para que aceitemos que a pessoa que vem não tem de ser mais ninguém a não ser ela própria. Não há pessoas iguais, somos todos diferentes. E se não há pessoas iguais e esta nova pessoa é única, não a podemos amar da mesma maneira que amámos o nosso antigo amor. Temos de encontrar novas formas de amar, novas formas de nos relacionarmos e procurarmos não trazer demasiada bagagem para o presente. Por mais compreensivo que o outro seja pode sofrer, ressentir-se e até saturar-se. 

Reinventar-se é a solução. Repensar a própria identidade. Criar uma nova pele. Reconstruir-se. Mas não podemos esquecer que existem forças psíquicas que vão procurar fazer com que tudo permaneça na mesma. Porque mudar dói. Queima como ferro em brasa. Mesmo quando mudamos para melhor. 

Seja um amor definitivo ou um amor de transição – sim, aceite também que pode não ser o amor da sua vida e não há mal nenhum nisso – permita-se vivê-lo como uma nova oportunidade e com muita intensidade. Por isso aproveite, aproveite muito. Começar de novo tem coisas tão boas! Ainda se lembra do que é sentir um friozinho na barriga ou borboletas no estômago?



E depois de passarmos as passas do algarve não merecemos alguma paz, com agitação positiva? Agora sabe o que quer, mas também sabe que não vale a pena aborrecer-se por coisas que não merecem, que nem passam muitas vezes de ninharias. Saiba escolher as suas batalhas, aceite que nenhum relacionamento é perfeito e prefira ser feliz a ter sempre razão.



Espero que tenham gostado. Na parte III falaremos da nova relação e no envolvimento dos e com os filhos.





domingo, 23 de outubro de 2016

A difícil arte de começar de novo – parte I


Um dos pilares de apoio ou sustentação do ser humano é a relação que ele mantém com os outros. De facto, não fomos feitos para ficar sozinhos e quando acontece uma separação temos uma necessidade vital de fugir do vazio que se instalou bem dentro de nós e que não foi apenas causado pela ausência daquele com quem partilhámos a vida, mas por todos os sonhos desfeitos, por todos os projectos e planos que ficaram por realizar.

Aceitar que tudo mudou e seguir em frente exige uma determinação e coragem épicas. Lidar com tantos sentimentos, muitos deles contraditórios – raiva, negação, culpa, tristeza, saudade – vira a nossa vida de pernas para o ar e quando se misturam é como se tivéssemos caído mesmo no olho do furacão, com ventos de 185 km por hora. 

O fim de uma relação é como um luto que se faz, que leva tempo, que deixa marcas e que faz mossa. Que condiciona tudo o que vem a seguir. Começar de novo é difícil, é algo que pode demorar e não deve ser apressado. É uma conquista que não acontece de um dia para o outro, mas terá de começar algum dia e por algum lado. Então que comece por nós, num olhar para dentro, num trabalho solitário, dorido, mas necessário, para que o fantasma do passado não crie uma sombra sobre o futuro. 

A ansiedade de se estar só pode-nos levar a escolhas não reflectidas, pode atirar-nos para um novo relacionamento antes de estarmos prontos, antes de termos feito a catarse ao relacionamento anterior. Então, antes de escrever sobre o novo relacionamento (parte II), será importante pensar sobre o que estamos a deixar para trás.

Tenhamos a idade que tivermos, um divórcio obriga-nos a crescer, de repente, de forma dolorosa, porque a vida não espera. As tarefas repartidas passam a ser só de um e temos de aprender a ser independentes, a viver sozinhos, a fazer coisas que para o outro eram simples, mas que o não são para nós Aceitar perante todos o novo estatuto, dar ou não dar explicações, responder ou não a perguntas indiscretas, ter vontade de desaparecer…mas continuar. Isto é crescer e é assustador.

Mas crescer é também responsabilizarmo-nos pelo porquê de a relaçãonão ter resultado. É necessário reflectir sobre isto a sério, enquanto ainda lambemos as feridas. Fosse qual fossea tomar a iniciativa de pôr um ponto final, é importante pensarmos sobre o que fizemos e não fizemos e não só sobre o que o outro fez, não fez e deveria ter feito. Será que compreendemos realmente porque é que não deu certo?

A ideia não é de todo reacender mágoas e encontrar culpados ou bodes expiatórios. É necessário parar de alimentar pensamentos destrutivos, culpabilizantes, vitimizadores, que não deixam seguir em frente. E a ideia é mesmo seguir em frente. Pensar sobre isto para aprendermos mais sobre nós e reaprendermos a ser felizes. Não é ficar preso à dúvida, agarrados com unhas e dentes ao questionamento permanente: “”Onde foi que eu errei?”, “Onde foi que eu errei?”, “Onde foi que eu errei?”, “E se eu tivesse feito diferente?”. 

As respostas podem demorar. Podem até nunca chegar. Não se atormente. Aceite que a vida tal como a conhecia mudou, diga basta à raiva, afaste-se da culpa e de todos os sentimentos negativos. E se for necessário lute. Lute até sentir que esgotou todas as hipóteses de recuperar o que já foi perdido.

Faça o luto à relação, às idealizações, às expectativas. Numa relação, o outro não é apenas o outro. O outro divide-se entre o outro real e o outro imaginário. Aquilo que ele é e aquilo que sempre desejámos que fosse. É muito comum que haja discrepâncias entre eles, porquenós idealizamos muito. Idealizamos e internalizamos o outro dentro de nós de acordo com as nossas necessidades, expectativas e percepções. E quando nos separamos, separamo-nos do outro real e a fantasia demora a desaparecer. Crescer também é parar de confundir idealização com realidade.

Não mate o amor. Nem mate o passado. Ao amor deve dar sempre mais uma oportunidade, quando a altura certa chegar. Ao passado deixe-o simplesmente onde ele pertence, no passado. Retire fotografias, objectos, roupas que tragam à memória aquilo que não é tempo para ser lembrado. Faz sentido manter as lembranças longe da vista e longe do coração (claro que quando há filhos deve deixar algumas lembranças do pai nos quartos das crianças). Se ainda existem objectos do outro lá por casa, é porque ainda não sente que consegue fazer este corte. Mas renovar é preciso. Não é tolice quando se aconselha a redecorar a casa, mudar de corte de cabelo, substituir o guarda-roupa, ou algumas peças, ir para o ginásio, fazer coisas novas. Mudar ajuda a partir para uma nova fase da vida, de nos redescobrirmos, de resgatarmos uma identidade pessoal e social muitas vezes perdida, de reconquistar a felicidade.

Quando a separação psicológica acontece, - porque a separação física é apenas uma das etapas e euma separação efectiva requer uma separação psicológica – vai conseguir retirar a importância que colocou no outro, vai conseguir enterrar os mortos, mesmo que eles ainda estejam bem vivos.

E um dia vai conseguir fazer as pazes com o passado, vai deixar de pensar nos anos de vida que perdeu e no que deu de si sem valer a pena. Um dia talvez consiga acarinhar os momentos bons e pensar que se no fim deu errado, em algum momento do caminho deu certo. Como li algures “Se o amor não deu em nada, não se engane, deu amor”. Faça-o por si, para que o rancor, a raiva, os remorsos possam desaparecer. Perdoar é seguir em frente. Perdoar não é esquecer.

Aceitar que nem tudo foi mau não é querer voltar a uma vida que já ficou para trás, que embora conhecida, não foi o que sonhou para si. É seguir em frente, rumar ao desconhecido, começar de novo, com toda a coragem que vai conquistando pelo caminho, sabendo que não quer ser quase feliz ou ser feliz só um pouco, ou às vezes, ou mais ou menos.






domingo, 9 de outubro de 2016

O que é isto da inveja ou será que a galinha da vizinha é mesmo melhor do que a minha?


Sei, à partida, que, ao bordar este tema, vão surgir comentários do tipo: “Deve julgar-se mesmo importante, coitada”, ou “Mas ela pensa que tem alguma coisa que valha a pena ser invejada?” (tal como disse a Sónia Morais Santos há uns dias, parece que as bloggers “têm a mania de medir tudo pela inveja”) – mas a verdade é que esta questão é recorrente e por isso corro o risco e quero mesmo deixar esta reflexão em jeito de crónica.

Começo por confessar que, ao longo da minha da vida tenho sentido algumas vezes o sabor amargo da inveja. Ou porque sempre fui boa aluna, ou porque mais tarde criei a família que muitos consideravam perfeita, ou porque com 4 filhos conseguia conciliar, aparentemente muito bem, a vida pessoal, com a familiar e com a profissional. Mesmo quando tudo mudou e o meu projecto de vida terminou e eu passei um mau bocado, continuei a ouvir falar de invejas. Desta vez é porque achavam que tinha dado a volta à situação e tinha até, imagine-se só, conseguido mais tempo para mim. Até uma querida amiga acabou por me confessar que gostava de estar no meu lugar, que só mesmo se se separasse é que ia conseguir voltar a sentir-se pessoa, para além de mulher e mãe. Também me aconselharam a não falar sobre a minha vida relacional, quando reencontrasse o amor – “Há muita inveja por aí!” – e também associaram os episódios menos positivos que me iam acontecendo ao mau olhado, olho gordo ou mal de invejas. De facto, até o senso comum aconselha: Se estás bem não fales nisso.

E eu como sou do contra, achei que estava já na hora de falar sobre este tema tabu, talvez o grande não dito dos nossos tempos, mas de que todos já mais ou menos provámos o sabor amargo ou já sentimos na pele as ferroadas, bem piores do que as de um lacrau. É provavelmente o sentimento mais mal visto e dos mais antigos da Humanidade – de Caim a Abel, às madrastas más da Branca de Neve e da Gata Borralheira, a Mozart que foi alvo da inveja do compositor italiano Satieri, às obras de Shakspeare, aos filmes, séries ou telenovelas mais actuais, a inveja sempre esteve presente e, se por um lado ela é ocultada, por outro é caracterizada como fazendo parte da vida. A realidade é que a inveja é natural e está presente nas relações humanas, está presente no nosso quotidiano, mesmo quando não conseguimos admitir que lá está.

Porque é que sentimos inveja ou porque somos invejados?

Sentimos inveja porque comparamos e, muitas vezes, quando comparamos invejamos e com a inveja vem o ressentimento e a frustração de não conseguirmos o mesmo, de não sermos assim, de não termos as mesmas coisas. A questão é que só sentimos inveja porque nos falta uma grande dose de amor próprio para nos sentirmos felizes com o que temos e competências para conseguirmos também bons resultados para nós, sem termos de passar por cima de ninguém. O sentimento de inferioridade é um veneno que nos vai corroendo por dentro.

Está patente na vida de todos nós este padrão e o que é preciso é saber como geri-lo – comparações, competições, rivalidades. Podemos até falar em desamor social. Crescemos com a ideia de termos de ser os melhores, que não podemos deixar ninguém passar-nos à frente. A competição é uma característica humana que sempre esteve e vai continuar a estar presente na nossa sociedade.

Nós conhecemo-nos e percebemos do que somos capazes através do outro, através da tal comparação que fazemos. O curioso é que o processo começa por ser de identificação e de admiração. Eu só invejo o que admiro, mesmo que não admita isso, nem sob tortura. Eu admiro, mas em vez de ficar feliz pelo outro e lutar para conseguir também bons resultados, passo a desejar o que o outro tem, o que o outro conseguiu, o que o outro é. E em vez de lutar pelos meus objectivos, diminuo-me, invejo e desejo até que o outro perca o que possui. Pelo caminho ainda troço do que o outro é, humilhando-o, muitas vezes de uma forma indirecta, desvalorizando os seus feitos e até “roubando”as suas ideias.

Esta inveja surge da observação das nossas próprias limitações ou da percepção errada dessas limitações. Muitas vezes parece que não fomos competentes, mas a nossa maior dificuldade foi “simplesmente” a de escolher adequadamente metas, traçarmos objectivos possíveis de alcançar. E em vez de procurarmos olhar para as coisas desta forma, continuamos a desejar o que o outro tem, em vez de mudarmos as nossas percepções, adaptarmos metas e valorizarmos o que já conseguimos atingir, procuramos sobretudo fora de nós, quando o caminho passa por olharmos para dentro. Vive-se focado no que falta e não no que se tem.

A inveja revela muito mais sobre o invejoso do que sobre o invejado. Revela medos, incapacidades, percepções distorcidas. Como mostra a palavra, inveja vem do latim in-evidere, que significa não ver ou ver enviesado. Vemos com uma lente de aumento o que o outro tem e utilizamos a mesma lente para ver o que nos falta. Então, será que a galinha da minha vizinha é mesmo melhor do que a minha? Depende tudo da nossa percepção.

Há quem fale em inveja boa, inveja branca. Temos tanto medo da inveja que quando a sentimos, sentimo-nos obrigados e reforçar que é do bem. Sim, a inveja pode ser boa, mas também há quem diga que se for boa não se pode/deve chamar inveja, tal é a carga negativa que carrega.

Se tomarmos alguém como referência, se tivermos alguém como modelo, se essa pessoa nos motivar, se ao nos compararmos nos sentirmos estimulados a sermos melhores, se nos tornarmos mais criativos… isso só pode ser bom. Nos primórdios da evolução a inveja teve um papel importante. Desejar o que o outro conseguia era um indicativo do quanto era possível conquistar. Se um macaco conseguia dois cachos de bananas e outro conseguia cinco, o primeiro macaco percebia que também ele podia conseguir uma quantidade maior. Isto estimulava a competição, competição esta que ajudou na evolução da espécie.

Daí que possamos dizer que a inveja é um dos sentimentos mais antigos e primitivos. Segundo os psicanalistas, até o bebé sente inveja da mãe porque é dependente dela, porque o alimento provém da mãe e não está sempre ao seu alcance. Pode mesmo recusar o peito como retaliação. O bebé precisa então de tolerar as frustrações para que cresça saudável. E fundamentalmente é o que todos que sentem inveja precisam. Tolerar as suas frustrações, olhar para si mesmo e descobrir potencialidades, recursos, formas de ficar e ser feliz. A inveja tem cura.. E o primeiro passo é assumir-se que se sente inveja. Ao fazê-lo esta perde a força demolidora que tem. Podemos continuar a admirar o outro e as suas capacidades, sem querer que algo de mau lhe aconteça ou que perca o que conseguiu atingir.

Deixamos de sentir inveja quando sentimos gratidão. Gratidão pelo que se conseguiu alcançar, pelo que a vida nos deu, aceitando também que ela não é perfeita. Usufruímos da vida que temos quando deixamos de viver a ilusão de que só seríamos felizes de outra maneira. Então a chave é aceitar, conviver bem com a realidade, em suma, gostar da nossa galinha!

O facto de nos compararmos não tem de ser mau se nós, pais, educadores, adultos em geral, soubermos que uma pressão desmedida e que uma visão destorcida da realidade podem tornar as nossas crianças infelizes e escravos de eternas comparações. Mas tal como referi, a comparação não tem de ser má. Um estudo realizado pela Associação Americana de Psicologia mostra que quem tem a oportunidade de ver alguém a realizar uma tarefa, consegue ter ideias novas, ser mais ousado, mais criativo, mais flexível do que aqueles que não observaram ninguém a praticar as mesmas actividades antes de si próprio. Agora, é importante nunca nos esquecermos que não somos todos iguais. Se há os que se sentem estimulados com a competição, há aqueles que sofrem muito com isso.

Então, tal como a raiva, o medo, a tristeza, a inveja pode ser um sentimento que nos ajuda a viver e a progredir, se em doses moderadas. A solução é aprender a dominar as emoções e viver concentrados no crescimento pessoal, no desenvolvimento da auto-estima e ainda inspirando-nos no que se passa à nossa volta. Se o que cobiçamos nos destrói, o que admiramos constrói-nos.

E o invejado? Há algo que ele possa fazer?
Quem é invejado sente-se vulnerável e essa é a sua fragilidade. Acreditar no poder da inveja, acreditar que a inveja pode prejudicar é colocarmo-nos numa posição de medo, de profecia que se auto-cumpre – vamos estar sempre a pensar que aquela vitória ou aquele acontecimento positivo vai acabar a qualquer momento e acabamos por agir em conformidade. Acreditar que os outros têm tanto poder, limita a nossa vida. E depois, se algo de mau efectivamente ocorre vamos sempre achar que foi por algo que nos fizeram – se atribuímos a nossa felicidade a nós mesmos, então também devemos atribuir os nossos infortúnios aos nossos actos, porque nós somos responsáveis pelo que nos acontece. Cada um é sobretudo responsável por se deixar influenciar por sugestões, opiniões ou sentimentos dos outros. Por mais que nos custe aceitar, nós é que acabamos por alimentar os sentimentos negativos que outras pessoas possam ter em relação a nós. Então a receita continua a mesma – concentre-se no positivo, concentre-se em ser feliz!



Para finalizar, como é que podemos saber se alguém é mesmo nosso amigo ou se no íntimo morre de inveja da nossa vida? Se pensarmos bem, vamos conseguir concluir que não é só nos maus momentos que se vê quem está efectivamente ao nosso lado, quem é verdadeiro, genuíno, amigo. Os verdadeiros amigos são aqueles que vibram com o nosso sucesso, com a nossa felicidade. Aqueles que ficam contentes por nos saberem bem, que ficam felizes por estarmos felizes, que querem para nós simplesmente o melhor.



terça-feira, 20 de setembro de 2016

A capacidade de estar só ou como lidar com a solidão



Estamos sempre em rede e afinal estamos quase sempre sozinhos.

Há dias li um comentário de uma amiga virtual que dizia que ninguém se devia fiar no número de amigos do facebook – o mesmo é dizer que o número de amigos do facebook não é indicador de uma rede de suporte consistente no mundo offline. Foi só um comentário que alguém deixou a alguém, mas para mim tocou numa questão sobre a qual tenho reflectido bastante e trocado impressões com os meus botões.

A verdade é que estamos na era do “ao alcance de um toque”, mas estamos cada vez mais sozinhos.

Quando comecei a minha relação, que passou a casamento e terminou em divórcio, estávamos ainda a anos-luz da realidade actual. Eu ainda tinha uma máquina de escrever em casa… Por amor de Deus! Depois passei para computador, mas sem internet e quando voltei a ficar solteira, muitos anos depois, o mundo tinha mudado – internet, facebook, instagram, twitter, touch, ipodes, ipads, iphones, chats – e nada mais seria igual.

“No meu tempo” não estávamos à distância de um toque, mas também não havia tantos mal entendidos: porque se está online, porque não se está online, porque não respondeu ainda à mensagem enviada, porque aceitou um pedido de amizade de x, porque enviou um pedido de amizade a y… Podia haver outros temas, mas estes não havia de certeza. Isso quer dizer que os desaguisados modernos são apenas frescuras dos tempos que se vivem? Frescuras ou não – não me parecem frescuras, porque quanto a mim este assunto é sério – são, sem dúvida fruto da era em que vivemos. E isso assusta um bocadinho…

Não sei se antigamente era melhor. Era sobretudo diferente e temos de pensar nisto para podermos agir, para podermos retirar o que de bom a vida online nos trouxe e tentar de alguma forma contornar os problemas que também nos trouxe. E são muitos, de facto.

Antigamente estávamos mais sozinhos…mas sentiamo-nos menos sós. Parece paradoxal, mas faz sentido, se pensarmos bem. Antigamente sabíamos esperar, sabíamos lidar com a espera, sabíamos lidar melhor com as frustrações, com a solidão, as rotinas e com a presença do outro, quando ela existia. Podíamos passar mais tempo sozinhos, mas as relações eram mais vividas presencialmente. Agora está-se quase sempre presente na vida do outro, mas efectivamente isto é um engano, uma ilusão.

Fala-se muito da falta de toque, do viver por trás do ecrã, de coleccionar relações em relativamente às quais não nos entregamos totalmente, tudo para explicar as grandes neuroses dos tempos em que vivemos

Eu vejo a vida actual de uma forma um pouco diferente.

Vê-se mais, exige-se mais, controla-se mais… e não sabemos lidar ainda com isso. Estamos mais contactáveis, o que pode ser bom, mas isso é válido para todos, o que leva a mais ciúmes, mais controle, mais obsessões, mais depressões…porque percebemos que no fundo não controlamos praticamente nada e a vida escorre-nos por entre os dedos. A verdade é que nunca controlámos, mas antigamente não tínhamos tanta percepção disso quanto agora. Não conseguíamos chegar ao outro tão facilmente, ele não estava tão acessível, mas também não estava acessível a ninguém, quanto muito aos colegas de trabalho – as infidelidades estavam quase todas associadas ao trabalho e agora há um sem número de novas possibilidades. Agora, as pessoas estão acessíveis praticamente 24 horas por dia e chegam em segundos a qualquer parte do mundo.

Já li artigos que referem que agora somos todos mais fracos, que nos escondemos atrás dos écrans, que os laços criados não têm consistência e que podem ser facilmente desatáveis, mas, no meu ponto de vista, somos todos mais fortes para conseguir sobreviver nesta enorme selva tecnológica, em que a segunda pergunta, depois do “Como é que te chamas” é “Tens facebook?”.

Temos de ser fortes porque temos de confiar mais no outro, na relação e em nós próprios. Temos de trabalhar cada vez mais a capacidade de estar sós, quando o outro está mesmo “ali ao lado”. Tem de se confiar que, mesmo com tantas mudanças a acontecerem simultaneamente, nada vai mudar irremediavelmente no minuto a seguir. Temos de ter essa segurança. As pessoas ainda gostam uma das outras à boa maneira de outros tempos e temos de acreditar piamente nisso.

O bicho papão é a solidão que sentimos e os aliados da solidão são vários, principalmente o medo de sermos trocados, de não sermos suficientemente bons para mantermos uma relação que perdure no tempo, o medo de não conseguirmos preencher o vazio que sentimos e de não termos resposta para tantas dúvidas que nunca poderão ser respondidas. E se a solidão é o bicho papão e o medo o seu grande aliado, o antídoto está no salto de fé que temos de dar. Temos de acreditar, continuar a acreditar, não parar de acreditar. Mas acreditar no quê? Na integridade, na verdade, na bondade das pessoas, na solidariedade, na capacidade de amar os outros e sobretudo a nós mesmos, na capacidade de aceitarmos que não somos donos de nada nem de ninguém, de que ninguém verdadeiramente nos pertence, na capacidade de aceitarmos que a vida é feita de escolhas, de escolhermos parar de nos sentirmos ameaçados, na capacidade de pararmos de controlar o outro, de sabermos esperar, de aprendermos a desligar.

Quando decidirmos lutar por nós, vamos treinar a possibilidade de desligar, de relativizar, de sermos mais calmos em relação ao que nos rodeia, às pessoas, coisas e circunstâncias, fortalecemos o amor-próprio e a capacidade de estarmos sós. Aprender a desligar na era dos mil olhos abertos dia e noite parece uma inconsistência, mas talvez o caminho seja mesmo por aqui. Só podes estar verdadeiramente conectado a alguém, criar laços consistentes, se aprenderes a desligar.

Back to basics. Ah pois é! Achas que consegues?



terça-feira, 20 de outubro de 2015

Os psicólogos também chocam de frente


Há uns tempos li um título bastante sugestivo – realmente não há nada melhor do que um bom título – “As fadas  também tomam Prozac”. Na altura não li o artigo, confesso, mas o título não me saía da cabeça e, embora sem me aperceber do erro, fiz uma interpretação minha do título original. Sempre que pensava nele era “As princesas também tomam Prozac”. A ideia de as princesas dos contos de fadas e mesmo de as princesas reais, cujas vidas imaginamos perfeitas e até invejamos, precisarem de medicação, por sofrerem, por não aguentarem as exigências da “profissão”, por não se sentirem capazes de honrar as expectativas que recaiam sobre elas, fazia-me todo o sentido. E houve um dia em que se fez o clique. Era sobre isso que queria escrever: os psicólogos também tomam Prozac – quem diz Prozac, diz Diazepam e Sertralina, mas, convenhamos, não tinha a mesma pinta. Contudo, como não queria levar emprestado um título que não era meu, surgiu-me um substituto, que se enquadrava perfeitamente na ideia que queria transmitir. Podia não ser tão bonito, mas era verdadeiro: Os psicólogos também descarrilam. Uns dias depois, ao falar com uma psicóloga amiga sobre um determinado assunto, dizia-me ela, “não é bem um descarrilamento, é mais um acidente. Um acidente inesperado, como uma crise imprevisível, onde se chocou de frente numa colisão brutal, se partiram as duas pernas, onde há sangue por todo o lado, estamos em choque e a tentar processar o que nos aconteceu, olhando pelo lado de fora para aquele cataclismo, como se não fosse da nossa vida que se tratasse”. E o título simplesmente surgiu. Os psicólogos também chocam de frente. A 180 à hora, contra muros de pedra, paredes de cimento, contra camiões cisterna. Também entram em coma, colapsam, também querem largar tudo da mão, também sentem que não têm forças para continuar, para resistir, para aguentar a pressão.
Escolhi os psicólogos, porque sou psicóloga. Também poderia ter escolhido os professores, porque também sou professora. Ou as mães, porque sou mãe, 4 vezes mãe. Podia até ter escolhido as princesas, embora já só seja uma princesa aos olhos dos meus filhos, ou porque ainda me recordo dos dias em que acreditava ser uma princesa.
O que quero dizer é que há profissões, há papéis sociais que desempenhamos que nos obrigam a ser um exemplo diário, de força, determinação e virtude. Uma mãe não pode chegar um dia e dizer simplesmente “não aguento mais, chega, não quero mais ser mãe!”; uma educadora de infância não pode aparecer um dia sem aquele sorriso rasgado na cara ou a sua paciência infinita; uma política não pode tirar fotografias onde apareçam mais uns centímetros de pele do que os aparentemente estipulados como permitidos, nem pode mostrar a barriga de grávida… Um psicólogo não pode deprimir, não pode não se conseguir ajudar, desistir. É que somos exemplos, vistos como seres perfeitos, sem defeitos, sem pecados. E se até o psicólogo “descarrila”, o que acontecerá com os comuns mortais? Como é que ele pode ajudar outros, se não consegue ajudar-se a si mesmo?
Temos de parecer, mais do que ser. E ninguém quer realmente saber da vida difícil das mães, das princesas, dos psicólogos,dos professores, dos políticos… Tal como os anjos não têm sexo, é como se estas pessoas não tivessem vida. Não lhes é permitida a condição humana.
Nós somos um pouco voyeuristas e encontramos algum tipo de prazer sádico e retorcido na tristeza dos outros ou, para não parecer tão mal, posso simplesmente dizer que a tristeza dos outros, principalmente dos sobrehumanos, torna “os outros” mais humanos… essas crises dos “intocáveis” justificam as fragilidades de quem não tem esse estatuto.
Um médico fuma, embora diga aos seus pacientes para não fumar. Um médico também adoece de uma doença física e morre, não há como escapar, a menos que seja atropelado, assassinado, que caia de um 10º andar… Mas quem não ouviu já dizer “ele está doente? Mas é médico!”.
E os psicólogos também são pessoas, com vida pessoal, com acontecimentos traumáticos, com crises de vida, umas esperadas e outras totalmente inesperadas. Também sofrem, também desesperam e também não encontram em si todas as respostas e todas as estratégias para lidar com os males do mundo e com os seus próprios males. Sofrem pela vida dos outros. Sofrem pela sua própria vida. E por vezes precisam que os ajudem. Os psicólogos também precisam de tempo para se restaurar, para colar os pedacinhos partidos, fazer terapia à alma e reaprender a amar, principalmente a gostarem mais de si próprios. E acreditem, essas experiências, tão humanas, só os tornarão mais entendedores do sofrimento alheio, não mais fracos ou mais incapazes.
Um dia alguém chocou de frente, entrou em coma, deixou de conseguir funcionar, deixou de conseguir trabalhar, de cuidar dos filhos, perdeu o interesse por tudo. Quase desistiu. Aos poucos foi aprendendo novas estratégias, foi descobrindo o que estava a ser ou não tóxico na sua vida, foi encontrando novas formas de lidar com o acidente e criando uma nova identidade, a partir das cicatrizes deixadas, mas não deixando que essas cicatrizes fossem o que o/a definissem. O Prozac pode ter ajudado. Que eu saiba, não é crime tomar medicação, nem vergonha, nem uma maldição. Pode ter sido uma mãe, pode ter sido um professor, pode ter sido um psicólogo… Pode ser qualquer um. Pode ser qualquer pessoa. Porque um dia, todos podemos chocar de frente.





Obrigada Maria Capaz. Obrigada a todos os que partilharam, que deixaram comentários maravilhosos, que fizeram like.



terça-feira, 4 de agosto de 2015

O teu futuro é hoje



Futuro. Presente. Passado. Por vezes meio desfocado, porque as memórias formam borrões e distorcem um pouco a realidade. Já pensaram que só vemos o que queremos ver?
Futuro. Presente. Passado. Todos temos uma mala que carregamos connosco, uma bagagem por vezes demasiado pesada, algumas curvas sinuosas com sabor a fado.
Quando nascemos, nascemos sempre da estória de alguém. Chamemos a isso amor, acaso ou continuidade. E no fim faremos sempre parte de uma estória maior e teremos sempre também a nossa própria estória, um enredo-que-podia-ser-um-filme, com mistura de açúcar e sal. De facto, a vida é feita de múltiplas narrativas que se entrecruzam, que se interligam, que coexistem. Para o bem… e para o mal.
Vivemos quase sempre como se fossemos personagens de um livro já escrito, um guião dominante do qual não podemos fugir nem escapar. Nunca deram por vocês a pensar “Quero mais, quero tudo, quero o que ainda não veio, o que ainda não chegou, se atrasou… não pode ser tarde demais!”?
Muitas e muitas vezes, vezes sem fim, deixamos escapar outras leituras, outras construções, outras possibilidades. São as nossas estórias alternativas. As que deixámos na sombra, por não encaixarem, por parecerem desgarradas do resto, por sentirmos que não as merecíamos, porque tivemos medo, ou simplesmente porque não demos por elas.
Se resgatarmos estas estórias podemos criar outros caminhos, outras conclusões, outros finais.
Se olhares para o passado é para pensares no que ainda te falta fazer, li algures. E eu acrescento, se olhares para o passado é para olhares com atenção, para aqueles momentos em que o guião podia ter sido outro, que foi outro, mesmo que por breves instantes. Pensa no que foi diferente, no que podia ter sido diferente, no que podes ter deixado escapar. Mas olha bem, sem medo. Usa o que podes. Usa o que tens. E pensa que o pior cego é mesmo aquele que não quer ver.
Não esperes que a vida se resolva sozinha. Tu és tu e as tuas múltiplas encruzilhadas, as tuas múltiplas lentes, as tuas múltiplas verdades. O teu multiverso – seja lá isso o que for.
Não esperes que a vida se resolva sozinha. Não queiras ser apenas feliz no futuro. O futuro é agora. O teu futuro é hoje.




Este foi o segundo texto que escrevi para a Maria Capaz e que saiu hoje mesmo. Mais um orgulho.

terça-feira, 7 de julho de 2015

És capaz



Ontem decidi que um dia destes escrevo um texto com este título, também como homenagem à Maria Capaz. E como homenagem a muitas mulheres que não sabem, que pensam que não são, que têm medos, ideias catastróficas...mas que no fundo são capazes. One step at a time.

Foi uma honra ver o meu texto lá.
Quem sabe se depois deste não se seguirão outros mais?



http://mariacapaz.pt/cronicas/merde-porque-em-frances-soa-sempre-muito-melhor-por-sofia-arriaga/

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Somos Família - convite




Eu adoro procurar inspirações, adoro mostrar peças que descobri, adoro mostrar os melhores saldos da estação, adoro falar de moda e de fait-divers. Faz-me falta e completa aquilo que eu sou.



Mas não passo sem os meus textos de psicologia, sem a ligação às minhas raízes, o que eu tanto estudei para saber.



E por isso quando surge um convite assim, não posso recusar.

Faço parte da grande família do Somos Família. E vejam lá que pomposo, sou autora convidada.





SOMOS FAMÍLIA é um evento que se insere nas comemorações do Dia da Família, que se celebra a 15 de Maio. Prolongando-se durante uma semana o “Somos Família” irá decorrer entre os dias 12 e 18 de Maio.

O projeto “Somos Família” pretende preencher uma lacuna no panorama de eventos nacionais, contribuindo para o enriquecimento das Famílias Portuguesas.

De Segunda a Sábado, iremos dedicar cada dia a um dos membros da Família (grávidas, bebés, crianças / Jovens, Pai/ Mãe e Avós) com palestras e workshops de formação, administrados por profissionais especializados.

A grande festa de homenagem à Família, será celebrada no Domingo, 18 de Maio.



E uma das primeiras iniciativas do Somos Família aqui está:



O Somos Família e o Centro Pré e Pós Parto têm o prazer de a/o convidar para a 1ª Conferência Somos Familia: "Quando as crianças estão doentes - como lidar com os sintomas mais frequentes"

O orador convidado é o Dr. Paulo Oom, Pediatra e autor.

Será já no dia, 8 de Março das 10.00 às 12.00 horas no Altis Grand Hotel



A Entrada é gratuita...





INSCREVA-SE JÁ através do email: geral@more-than-stories.com







Se me quiserem chamar prima, basta fazerem parte da família!


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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Tic tac tica tac – pensar a gravidez e a maternidade


Embora sejamos uma sociedade envelhecida, é importante, talvez até por isso mesmo, pensar a gravidez e a maternidade porque, no fundo, ao fazermos esta análise estamos a reflectir sobre a nossa continuidade geracional e também sobre a nossa própria maturidade, como adultos que somos. Efectivamente, o nosso estatuto enquanto adultos começa aí. Somos um povo que foi perdendo os seus rituais de passagem e este, curiosamente, é dos poucos que ainda nos resta.
A gravidez é uma transição que requer uma ressignificação especialmente do papel da mulher enquanto mulher-ser feminino, enquanto esposa, enquanto profissional e enquanto mãe, mas também do homem, especialmente enquanto ser masculino, pai e marido, do casal enquanto par conjugal e também parental, e se pensarmos bem, de toda a família, porque é quando estas duas pessoas deixam de ser em primeiro lugar filhos, aos olhos dos seus próprios pais e restante família alargada, para passarem a ser pais e adultos, com outras preocupações, responsabilidades e objectivos de vida.
A gravidez é, então, uma transição, uma fase de grandes transformações, um momento de um enorme turbilhão de emoções e de adaptações a uma nova realidade. Adaptações a uma realidade externa e mudanças no nosso mundo interno, sem dúvida. Aceitação de uma nova identidade.

Muitas vezes este processo tem início mesmo antes da gravidez, quando se começa a sonhar o bebé e a fazer uma retrospectiva da sua própria vida e da sua história, das relações que construiu na infância com as pessoas mais significativas para si, com um olhar diferente, mais intenso, mais crítico até. Há um desejo profundo de fazer igual ou de fazer diferente. De fazer melhor.
A mãe da mãe é, de facto, o primeiro e principal modelo de comportamentos e afectos. Foi ela quem ensinou o que é ser mãe e como é que uma mãe se sente e se comporta. Acomodar-se ao papel materno é olhar para trás para projectar o futuro. É reavaliar relações, tanto nos aspectos mais gratificantes como nos mais dolorosos. É incorporar e mimetizar o que se considera altamente importante seguir e assumir o que não se quer fazer, por não ser adequado à sua forma de ser, por não fazer sentido, por ser sentido como muito negativo. Integrar e repensar-se enquanto filha e aceitar o que de bom e de menos bom houve no desempenho dos pais é essencial para se ser mãe.
Ao mesmo tempo que a mulher trabalha a relação com os seus pais, vai acomodando internamente as suas expectativas à realidade, gerindo todas as ambivalências próprias desta fase. Está feliz e não está feliz, quer a gravidez e não quer, aceita este novo estado e as transformações físicas e psíquicas inerentes e não aceita. Rejubila por tudo o que aí vem e teme as grandes mudanças. Sonha com um bebé ideal e uma gravidez ideal que, aos poucos,vão sendo substituídos pela mais doce ou mais dura das realidades.
Aos poucos vai crescendo a capacidade de pensar o bebé, à medida que a barriga cresce, à medida que os movimentos do bebé se fazem sentir, à medida que a data do parto de aproxima. Os cuidados consigo, com a alimentação, as consultas, os exames médicos, o pensar e preparar o quarto do bebé, os primeiros pontapés, as primeiras roupinhas efectivam esta realidade e espelham, sem dúvida, todo o investimento dos pais.

E eis que chega o parto, um processo abrupto caracterizado por mudanças rápidas. Este momento é temido, porque é doloroso, desconhecido e porque realmente é aqui que tudo começa, devendo o período pós-parto ser considerado a continuação do período de transformação, onde efectivamente se dá a separação mãe-bebé, onde ocorrem modificações fisiológicas sérias, bem como alterações na rotina e relacionamento familiar. Finalmente surge o bebé real e aceita-se o bebé que nasceu e aceita-se que o bebé é uma pessoa separada, que já não é só da mãe, mas também é do pai e até dos outros elementos da família.

O voltar para casa traz simultaneamente alívio e preocupação. Sai-se num dia e volta-se uns dias depois, para uma vida nova e diferente daquela que se deixou, uma vida que ainda não se compreende totalmente. É de facto muito raro haver mães que se sintam completamente adequadas a este novo papel, embora se ouça muitas dizer que nasceram para isto.
As necessidades do bebé e da mãe nem sempre são convergentes, o que é compreensível. Nem sempre a mãe se sente capaz, quando ela própria está fragilizada e a precisar de atenção e carinho. É então que começa a perceber que a realidade é mais complicada do que a fantasia que criou  e é imprescindível que peça ajuda e que se faça valer da sua rede de suporte e cuidados.

Todos estes meses a aceitar e compreender a gravidez e tudo o que a envolve e eis que agora a mulher tem de se desligar da gravidez para iniciar outra fase e esta é tão longa que vai durar toda a vida – a condição de ser mãe.

Quando se tem mais filhos pode parecer tudo mais fácil, pois afinal já se passou por aquele tsunami antes. Só que agora a sua família está mais complexa do ponto de vista relacional. A experiência que já se tem atenua a ansiedade e aumenta a eficácia, mas o facto de já se ter outro ou outros filhos cria medos difíceis ou impossíveis de ignorar. Medo de não conseguir cuidar dos filhos ao mesmo tempo, culpabilidade por ter de dividir a sua atenção e culpabilidade por não saber se vai conseguir amar os filhos de forma igual. É importante que a mulher veja este filho como um filho único, ou seja, diferente dos outros filhos e que prepare o(s) outro(s) filho(s) para a chegada do irmão ou irmã.

Será que ao escrever tudo isto estou a assustar quem me lê? Talvez não…possivelmente sim. A verdade é que são períodos difíceis, são períodos de crise. A boa notícia é que também são momentos óptimos para evoluir, para amadurecer, para aprender e crescer. São momentos mágicos, muito mágicos. Um dos riscos a ter em conta vem da própria sociedade que não dá espaço à mulher para não gostar desta fase, que cultiva o estereótipo de maternidade como “a fonte da eterna satisfação sem fim, ping-ping-ping”; que cultiva a ideia de que quem não gosta de estar grávida não pode ser boa mãe ou que a mulher tem forçosamente que passar pela maternidade para ser mulher. A maternidade não vem com um relógio no bolso tic-tac-tic-tac, não vem nos genes, não é inata. A noção de maternidade natural e instintiva não existe, ou melhor, parece existir porque a determinada altura as mulheres apercebem-se que de facto ser mãe é fundamental para a sua realização pessoal, num contexto em que a maternidade é valorizada e acarinhada, num contexto que permite que a mulher se sinta confortável com este papel. As mulheres que escolhem não ser mães não são menos mulheres, de maneira nenhuma. Para além de tudo, ainda há que lutar contra tantas expectativas e pressões. Basta vermos as frases que postamos nas redes sociais, os vídeos que partilhamos, os anúncios enternecedores que nos fazem ficar com lágrimas ao canto do olho e o coração a bater mais forte. São frases e anúncios onde o bem-estar sentido com a maternidade é realçado e o desconforto e as preocupações disfarçadas de brincadeiras e piadas leves, muito leves. Ser mãe e pai não é, afinal de contas, tão natural quanto a satisfação das nossas necessidades mais básicas.






Texto escrito a convite da minha homónima Sofia, blogger, pediatra, mãe querida e grávida linda
https://www.facebook.com/pages/Crónicas-de-Estetoscópio-e-Biberão





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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Querida mãe



Querida mãe, esta noite acordei a estranhar o silêncio. Não havia barulho algum e pensei que o mundo tinha acabado e que te tinhas esquecido de mim. Comecei então a chorar, assustado, e tu apareceste. Que bom. Fiquei tão feliz a embalar-me no calor do teu peito que acabei por adormecer antes de mamar tudo o que precisava. Quando percebi que me ias colocar no berço, chorei outra vez. Vamos falar a sério, sei que estavas com pressa para ir dormir mais um bocadinho. Deste-me o teu peito, assim meio de repente, e a seguir trocaste-me a fralda. Estava tudo calmo, um silêncio bom e nós dois juntinhos, tão especial aquele momento que eu até perdi o sono. Eu acho que até foste compreensiva, mas começaste a bocejar um pouco e resolveste que eu tinha mesmo de dormir. E eu não queria dormir. Talvez precisasse de mais dez minutos ou meia hora contigo, mas tu estavas mesmo decidida a pôr-me na cama e ires deitar-te. Estavas cada vez mais nervosa e até chamaste o pai. Eu não queria o pai e aos poucos fomos ficando todos muito irritados. No fim, acordei a casa toda cinco vezes. De manhã cedo estávamos todos com cara de quem foi à discoteca. Acho que estraguei tudo. E acabaste por dizer ao pai que eu eu tinha um problema de sono. Eu não, juro! Tu é que vens dar-me de mamar cheia de pressa e eu sinto que não queres estar comigo. Os adultos têm hora certa para tudo, mas eu ainda não entendi essas coisas de relógio e tarefas estafantes que vocês precisam fazer. Quando o meu corpo está com o teu, quero ficar do teu lado para sempre. Do alto dos meus 3 meses ainda não entendi lá muito bem que tu és uma pessoa e eu sou outra. Um dia eu vou sair pelo mundo, vou telefonar e posso deixar-te doida de preocupação. Nessa altura vais entender como eu me sinto agora. Mas até lá vamos acabar por nos entender, inclusivamente através das palavras. Agora sinto a angústia da separação, porque acabei de passar por essa experiência. Tu também, eu sei, mas vives tudo isto como uma adulta consciente. Para mim tudo ainda é tão novo aqui fora. Mas eu tenho a certeza absoluta de que vou aprender tudo tudo o que me ensinares, principalmente através dos teus sentimentos em relação a mim. Mãe queres um conselho do teu filho bebé? Quando eu chorar à noite não venhas a correr desesperada, como se o mundo fosse acabar. Espera um bocadinho, respira fundo, ouve o meu choro até que ele atinja o teu coração. Demora o teu tempo e depois, por favor, acorda e vem. Abraça-me devagar, não acendas a luz, fala baixinho e dá-me a tua maminha para eu mamar. Depois de eu arrotar, peço-te mais um pouco de paciência. Não te esqueças que nós bebés somos sensíveis aos sentimentos dos adultos. Se eu sentir que estás com pressa, sou capaz de desatar aos gritos, mas se esperares um pouco mais, até o meu segundo suspiro vá, quando meus olhos estão mesmo fechados e o meu corpo muito molinho, aí sim podes colocar-me no berço que eu de certeza que não acordo antes de sentir fome outra vez. À medida que trabalhares a tua paciência, querida mãe, eu estarei a desenvolver a minha tranquilidade e nós não teremos mais noites desagradáveis. Apenas noites de mãe e filho, que um dia passam, como tudo na vida. E aí acho que vais ter saudades.


 Texto de Claudia Rodrigues autora do livro "Mamães mais que Perfeitas", adaptado por 4D

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ser verdadeiramente filho



é dizer, sempre que o caldo entorna, nem que seja um bocadinho:



Não gosto de ti.

Já não sou teu amigo.

Já não te dou um beijinho.

És má.

Gosto mais do pai.

Eu é que mando.

Vou pedir à avó.

Quero agora!

Dá-me já!

Tens calma?

Que chata!

És gorda (ou velha, ou feia, ou má...já disse esta, não já?).




Parece terrível, não parece?
Mas não é...ou nem por isso.
Tenham calma (já diziam os nossos filhos).


Ser verdadeiramente filho é também dar abraços e beijinhos, apertar com força, agarrar nas nossas bochechas com as duas mãos e pedir muitos miminhos. É chamarem-nos de princesas e amorzinhos. É esperar pela roupa aconchegada antes de adormecer. É a sensação reconfortante de bem querer.


As coisas menos simpáticas não podem nem devem ser levadas à letra. É a forma dos nossos diabinhos nos mostrarem a sua irritação. Não é fácil para eles contar até 10 e gerir a frustração.


Temos de aprender a ouvir sem reagir, sem sentirmos tudo como um enorme ataque pessoal, como se assim já não fossemos boas mães, ou pais.
Temos de aprender a não sermos tão drama queens.


As relações saudáveis passam por isto e ainda bem.
Mais complicado é uma família onde as crianças não tem espaço para se zangarem com os que mais amam, assim de vez em quando.


Os pais só irão sentir alguma segurança em relação à atitude que devem adoptar quando puderem identificar e até se sintonizar com o sentimento que desencadeou esse comportamento na criança.

A criança só pode desenvolver a capacidade de tolerar a própria frustração a partir da capacidade que os seus pais apresentam de suportar a insatisfação que a criança experimenta nessas situações, o que eles demonstram quando conseguem impor e sustentar limites.



Keep calm. Aprender a ser pais não deve ser assim tão difícil. Afinal já todos fomos filhos, não já?


Enjoy the ride!






Uma ode aos filhos, depois da ode às mães (aqui).









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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Auto-estima - parte I


As estórias que as crianças contam a si próprias sobre quem são, irá influenciar a forma como se percepcionam, como se sentem, como se relacionam com os outros?

Pensem nisto e vejam por vocês próprios.

Não presto, não consigo fazer nada bem, ninguém quer ser meu amigo é a estória ouvida durante muito tempo, contada muitas vezes por adultos importantes para estas crianças, e que muitas vezes fica a estória da sua vida.
Criam-se padrões de imagens negativas desde a infância, imagens que afectam profundamente o seu autoconceito, a forma como constroem o seu eu.

Estes padrões que são, no fundo, padrões de auto-estima, estabelecem-se muitas vezes logo desde tenra idade e vão-se perpetuando ao longo da adolescência e em toda a vida adulta. As crianças interiorizam não só o que ouvem mas o que vêem nos adultos que consideram especiais. É assim que depois estes padrões se auto impõem. Para além disso as crianças podem acabar por desenvolver determinados mecanismos, de forma a encobrir os seus verdadeiros sentimentos de baixa auto-estima. Muitas crianças, adolescentes e adultos que parecem ser egocêntricos e arrogantes, no fundo uma tentativa exagerada de se sentirem bem consigo próprios, têm efectivamente baixa-auto-estima, baixo auto-conceito, altos níveis de stress, baixa eficácia, baixa capacidade de lidar com novas situações, entre uma panóplia de outras coisas menos saudáveis.

As crianças com baixa auto-estima tendem a atribuir muito pouco valor às suas capacidades e constantemente negam os seus sucessos. Também não estabelecem metas, não fixam objectivos e não conseguem resolver muito bem os problemas com que se vão deparando.
Algumas destas crianças têm um medo enorme, feroz, constante de falhar. Estas, em vez de não traçarem objectivos como aquelas das quais acabámos de falar, traçam objectivos elevados, tão elevados que fica quase impossível serem conctretizados. Desta forma acabam por confirmar a sua própria profecia, de que não prestam, de que não são bons, suficientemente bons, em nada. Quando não acreditamos em nós essa crença vai levar a que nos comportemos de forma a validar, inevitavelmente, aquilo que pensamos e que sentimos. É um ciclo vicioso difícil de cortar ou saltar fora.

Os adultos têm de perceber o seu papel fulcral no desenvolvimento saudável dos seus filhos. Os pais têm de lá estar não só para fazer surgir, desabrochar a auto-estima das suas crianças mas também para manter essa auto-estima ao longo do seu trajecto, que incontornavelmente vai passar por desafios e vicissitudes. Coisas da vida.

Portanto, há uma série de tarefas que os pais podem levar a cabo para estimular os seus filhos, seja em que idade for. E antes de tarefas começamos por mudar alguns pensamentos, se possível. É importante ter a noção de que as crianças pequeninas não percepcionam o mundo como os adultos e não podem de repente aprender a lidar com a frustração e a gerir o stress. E o stress na primeira infância é realmente prejudicial. Mas que stress perguntam vocês. Por exemplo, o stress de um bebé que é constantemente ignorado quando chora. Ou de uma criança a quem lhe é dado pouco contacto físico. Ou de um miúdo a quem não lhe é permitido nunca fazer escolhas, trabalhar o seu sentimento de controle e de competência.

Em síntese, qualquer criança confia nas mensagens que recebe das pessoas à sua volta, mensagens que lhe vão dar uma indicação do seu valor.

As crianças são dependentes dos adultos, inclusivamente para criarem a imagem que vêem ao espelho. Diz-me como me vês, dir-te-ei quem sou. Aqui não há que errar: um laço seguro, feito com linhas de gostar, faz milagres, que não durarão um segundo mas todos os segundos de uma vida.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Como estimular o bebé parte III


Hoje vamos falar um pouco sobre como ajudar o bebé a mover a cabeça para o lado enquanto está deitado de barriga para cima e como voltar a cabeça para o biberão ou peito.

Devemos estender um braço do bebé para um lado e puxar o outro para cima de forma a que o bebé se volte para o lado do braço estendido e devemos deitá-lo em posições diferentes, quer na cama quer no tapete de actividades.
Podemos colocar objectos brilhantes ou luminosos a 30-45cm do bebé, primeiro dum lado e depois do outro. Podemos também colocar uma espécie de varão atravessada no berço, onde colocaremos um objecto brilhante (por exemplo, uma bola de papel de prata ou alumínio). Começamos pelo lado esquerdo e chamamos a atenção do nosso filho para o objecto. Quando virmos que já está a fixar o objecto deslocamo-lo para a outra ponta do varão, ou seja, para o lado direito e voltamos a chamar-lhe a a tenção. O objecto deve ser mudado frequentemente.
Outra dica é falar e chamar o pequenino, ora de uma lado do berço ora do outro, tocando-lhe no braço desse lado. Se ele não voltar a cabeça sozinho devemos ajudar a voltá-la devagarinho, com suavidade, e depois recompensamo-lo com um grande sorriso e palavras carinhosas.

Em relação à hora das refeições, devemos colocar o bebé sempre na mesma posição quando lhe começamos a dar de comer para ele associar a posição ao acto em si. Podemos bater muito levemente com os dedos na bochecha do bebé ou tocar muito suavemente com os dedos por baixo do queixo e depois na bochecha e a seguir introduzir a tetina ou o mamilo. Se o bebé não voltar a cabeça devemos ajudá-lo, fazendo-o voltá-la suavemente mas só depois de lhe darmos a oportunidade de o fazer espontaneamente, sem ajuda.


Como estimular o bebé parte I
Como estimular o bebé parte II

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O Zé Maria deles ou a lucky 21.




Mais um testemunho que eu quis partilhar aqui, convosco. Porque há estórias que nos engrandecem por dentro, que nos fazem pensar.


O nosso filho ZM é a coisa mais doce, mais querida do mundo -  eu, que estou completamente apaixonada por ele, sei que sou suspeita.  E a S. convidou-me para falar da nossa estória aqui no seu cantinho e eu achei irresistível este convite, portanto, aqui fica um pouco de nós:

Eu e o João sempre quisemos ter muitos filhos (…e se a troika não nos tramar isso continua a ser o nosso grande plano de vida). Quando o Manel fez um ano baralhámo-nos com as contas e um mês depois (no dia de Natal) soubemos que vinha aí outro baby. Ia ser um ano exigente (ainda nós mal sabíamos quanto) porque o João ia começar um mba e teria muito menos tempo para nós. Mas sempre achámos que com alguma organização, paciência e muitos amigos e família a coisa estava encaminhada.
Na eco das 13 semanas percebemos que havia ali uma coisa qualquer diferente. Na primeira gravidez sabia os valores todos de cor mas na segunda confesso que estava mais entretida a ver os “bonecos”! Nessa altura o Dr. Fernando explicou que tinha uma prega aumentada (4,7), que isso indicava que podia ter um problema no coração e como a síndrome de Down está muito associada a doenças cardíacas, teríamos de averiguar isso. Multiplicou-se em explicações para que não ficássemos com duvidas mas basicamente teríamos de fazer amniocentese e ver se o nosso baby tinha algum problema. Acho que ninguém esta preparado para ouvir que alguma coisa tão nossa “tem um problema”, mas como na altura era só uma possibilidade (ainda que elevada) acho que não ficamos logo assustados. Viemos para casa a processar toda a informação mas confesso que não sabia muito bem quais poderiam ser as consequências se tivesse alguma coisa, nem sabia que coisa podia ser essa para além da tal síndrome de Down que era basicamente desconhecida para mim/nós. Nesse dia à noite, adormeci a chorar. Acho que foi nessa altura que me caiu a ficha e pensei que o nosso baby podia ter um problema. O João não me largou um minuto e disse-me sempre que ia correr tudo bem…. E eu sinto que ele não mentiu. 3 semanas depois estávamos a fazer amniocentese. Nesse tempo já tinha lido tudo o que havia disponível sobre os problemas que a amniocentese “descobre” e as probabilidades dos mesmos. Para o meu valor da prega da nuca tinha uma probabilidade de 50% se ter Trissomia 21, a mesma probabilidade de ser rapaz ou rapariga. Eu queria uma rapariga e queria que a amniocentese dissesse que estava tudo bem. Será que ia acertar em alguma das duas?
A amniocentese não custa tanto quanto parece e o Dr. Fernando mais uma vez tornou a coisa fácil. Disse-me que estava confiante que ia correr tudo bem e percebi que também eu estava. Nessa altura já sentia imenso o ZM e parecia mesmo que aquele ser pequenino me estava a dizer para não me preocupar que tudo ia correr bem. Deu-me imensa tranquilidade. Passados 3 dias vieram os primeiros resultados para t21 e vieram inconclusivos. Ai como eu fiquei irritadíssima, achei mesmo que a espera ia acabar ali. Numa de consolo arranquei à senhora informações sobre o sexo do bebé.... e vinha aí outro homenzinho! Fiquei desiludida durante mais ou menos 10s e depois comecei a pensar que se realmente tivesse alguma coisa isso era óptimo. Teríamos menos preocupações com as questões sexuais e só ali sem mais nada eliminávamos a hipótese mínima de ter uma doença genética associada ao cromossoma y.
Ainda bem que os resultados não saíram logo porque foi nos 15 dias seguintes que eu me preparei à seria para receber a grande noticia! Pesquisei o que era t21, e foquei-me mais nessa pela lei das maiores probabilidades. Tentei perceber as consequências, as diversidades, quantas pessoas tinham e como eram as famílias com crianças com essa síndrome. Procurava quase às escondidas, confesso, porque a minha mãe dizia que não valia a pena estar a focar-me no negativo e no trabalho também não podia porque não era propriamente o que me pagavam para fazer. Na véspera de sabermos vi um vídeo delicioso que fez o click e francamente senti que mesmo se tivesse a tal trissomia, ia correr tudo bem. Helena, obrigada por ter posto o filme online. Esse dia era o dia mundial da t21 (grande pontaria hein!) e adormeci confiante que viesse o que viesse ia correr tudo bem.
Às 11h e picos ligou o Dr. Fernando. Entusiasmada perguntei-lhe se estava tudo bem e ele disse que estava tudo bem comigo mas que o ZM tinha t21. Respondi-lhe logo que não fazia mal, se tivesse tinha e íamos gostar dele na mesma. Senti que para ele estava a ser mesmo difícil dar a noticia mas eu estava finalmente preparada para a ouvir. Finalmente estava tudo bem. Porque sabíamos e porque na nossa cabeça e no nosso coração estava mesmo. Quando liguei ao João ele respondeu prontamente: por alguma razão nos calhou a nós, nós que temos tudo para o amar e tratar e cuidar bem dele. Era isso mesmo.
Falei com o pediatra do Manel (que eu adoro mas não é uma pessoa de grandes emoções) e perguntei-lhe o que é que ele achava. Fiquei a saber que a única coisa que o preocupava eram os problemas no coração. Fora isso todos os outros problemas se resolveriam e, desde que amado, tinha tudo para ser feliz. Mas eu tinha tantas dúvidas: se teria atraso, se passaria a vida acamado, se se se. O Dr disse-me que teria um atraso mas, do que conhecia de nós, sabia que tudo o que não tivesse de inteligência teria de certeza de amor para dar. E eu senti tanto orgulho naquelas palavras e no nosso bebé que aí vinha.
Fizemos a ecografia ao coração no dia seguinte e só quando já lá estava dentro é que a médica me disse que tinha uma grande probabilidade de ter problemas no coração (50%) e que o problema podia mesmo significar que seria inviável. Fiquei em pânico mas como 3 minutos depois tinha o ecógrafo em cima, o medo foi-se dissipando e veio o relato detalhado que estava tudo bem. Quem foi comigo foi a minha mãe. Foi bom ela poder estar e perceber que estava tudo bem mesmo e começar  a integrar dentro dela esta ideia de que o seu neto seria um bocadinho diferente das outras crianças.
E agora era tempo de contar ao mundo. Decidimos mandar um email a todos os amigos e família a explicar que o Zm tinha t21 mas que estava tudo bem. Demos alguns links com informação e pedimos ajuda para o tratarem normalmente. Vinha aí um filho tão normal e tão especial como outro qualquer!
Depois disso foi mais ou menos como qualquer gravidez e dia 21 de Agosto de 2012 nasceu Mr Zé Maria, às 6h15 da tarde (a soma dá 21), com 2890g. Fomos depois para o quanto 3.21 com uma vista inacreditável. É o bisneto número 21 e nasceu no mesmo dia do seu bisavô Zé Maria.
O ZM começou logo a comer bem e quem não soubesse também não adivinhava logo ali que ele tinha poderes especiais! Podia alongar-me aqui com minhentas descrições babadas mas o texto vai mais do que longo e por isso poupo-vos. O nosso Zé é um bebe igual aos outros (mais giro talvez ahah). Tem terapias para chegar mais longe e esperemos que seja muito feliz, tal como o seu irmão Manel.
Não sabemos o que aí vem, o que o futuro nos reserva… mas isso também nunca saberíamos porque a verdade é que controlamos muito menos do que pensamos que controlamos. A vida é mesmo isso, é mesmo assim.
Aquele cromossoma a mais não muda absolutamente nada. Acreditamos nisso, como acreditamos no futuro dele também. E aprendemos a valorizar o que temos e que a diferença pode ser um coisa boa também.  E conseguimos imaginá-lo connosco, para sempre, a nosso lado. Nós, ele e o Golo (o cão varrido cá de casa!).




Ps- Tudo seria muito, muito mais difícil se não tivéssemos tantos e tão bons amigos e família.

Obrigada






R, querida R, ofereço-lhe este link em troca de todas as suas palavras. É do blog de uma família com uma menina lindíssima e muito especial. Espero que goste. Com muito amor, S.








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