Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa



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18 de jan. de 2010

Montserrat Gudiol



 
AMOR AO MEIO-DIA


O sol
no pau
a pique.
A sombra
da vulva telha-vã.



Marina Colasanti


Montserrat Gudiol




Nem Tão Nuas


Ah! Cranach, como eu gosto
dessas mulheres nuas que você pinta
com seus pequenos seios
suas barrigas
e ao alto os chapelões cheios de plumas.
E as Salomés, que graça
segurando cabeças de Batista
com a mesma elegante displicência
com que outras, no colo,
afagam cães de raça.
Mas há nessas mulheres
escondido
atrás da boca fina
ou do olhar oblíquo
um luzir de punhal
um gelo ambíguo que
embora estando nuas
lhes põe vestido.



Marina Colasanti


Montserrat Gudiol

 



Tua mão em mim


Você me acorda no meio da noite
e eu que navegava tão distante
cravada a proa em espumas
desfraldados os sonhos
afloro de repente entre as paradas ondas dos lençóis
a boca ainda salgada, mas já amarga
molhada a crina
encharcados os pêlos
na maresia que do meu corpo escorre.
Cravam-se ao fundo os dedos do desejo.
A correnteza arrasta.
Só quando o primeiro sopro escapar
entre os lábios da manhã
levantarei âncora.
Mas será tarde demais.
O sol nascente terá trancado o porto
e estarei prisioneira da vigília.



Marina Colasanti

Montserrat Gudiol







Corpo adentro


Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.


Marina Colasanti


Montserrat Gudiol




Frutos e flores


Meu amado me diz
que sou como maçã
cortada ao meio.
As sementes eu tenho
é bem verdade.
E a simetria das curvas
Tive um certo rubor
na pele lisa
que não sei
se ainda tenho.
Mas se em abril floresce
a macieira
eu maçã feita
e pra lá de madura
ainda me desdobro
em brancas flores
cada vez que sua faca
me traspassa.


Marina Colasanti


17 de jan. de 2010

Montserrat Gudiol




Sexta-feira à noite


Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado.


Marina Colasanti


Montserrat Gudiol





Sangue de mênstruo


Paixão se escreve
em folha vermelha
de papel de seda
selada com lacre.



Paixão te escrevo
em língua de fogo
pena de flamingo
flor de gravatá.



Minha tinta é sumo
de morango e amora
suco de cereja.
Mas no fim do escrito
só sangue me assina
sangue de mênstruo
fúria de assassina.



Marina Colasanti