Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa



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17 de jun. de 2010

Valentina Kallias



Pica-flor


Se pica-flor me chamais,

Pica-flor aceito ser,

Mas resta agora saber,

Se no nome, que me dais,

Meteis a flor, que guardais

No passarinho melhor!

Se me dais este favor,

Sendo só de mim o Pica,


E o mais vosso, claro fica, que fico então Pica-flor. 



Gregório de Matos

Valentina Kallias



IDEALISMO


Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
- Alavanca desviada do seu fulcro -

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!


Gregório de Matos


Valentina Kallias




À SUA MULHER ANTES DE CASAR


Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:

Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.

Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.


Gregório de Matos

Valentina Kallias





Ontem a amar-vos me dispus, e logo
Senti dentro de mim tão grande chama,
Que vendo arder-me na amorosa flama,
Tocou Amor na vossa cela o fogo.

Dormindo vós com todo o desafogo
Ao som do repicar saltais da cama,
E vendo arder uma alma, que vos ama,
Movida da piedade, e não do rogo

Fizestes aplicar ao fogo a neve
De uma mão branca, que livrar-se entende
Da chama, de quem foi despojo breve.
Mas ai! que se na neve Amor se acende,
Como de si esquecida a mão se atreve
A apagar, o que Amor na neve incende.




Gregório de Matos

Valentina Kallias




A vida do Estudante em Coimbra



Mancebo sem dinheiro, bom barrete,

Medíocre vestido, bom sapato

Meias velhas, calção de esfola-gato,

Cabelo bem penteado, bom topete;


Presumir de dançar, cantar falsete,

Jogo de fidalguia bom barato,

Tirar falsídia ao moço do seu trato,

Furtar à ama a carne que promete;


A putinha aldeã achada em feira,

Eterno murmurar de alheias famas,

Soneto infame, sátira elegante;


Cartinhas de trocado para a Freira,

Comer boi, ser Quixote com as damas,

Pouco estudo: isto é ser estudante.


Gregório de Matos

Valentina Kallias



Soneto



Casou-se nesta terra esta e aquele.

Aquele um gozo filho de cadela,

Esta uma donzelíssima donzela,

Que muito antes do parto o sabia ele.


Casaram por unir pele com pele;

E tanto se uniram, que ele com ela

Com seu mau parecer ganha para ela,

com seu bom parecer ganha para ele.


Deram-lhe em dote muitos mil cruzados,

Excelentes alfaias, bons adornos,

De que estão os seus quartos bem ornados:


Por sinal que na porta e seus contornos

Um dia amanheceram, bem contados,

Três bacias de trampa e doze cornos.



Gregório Matos

Valentina Kallias




Anjo no nome, Angélica na cara


Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?

Se como Anjo sois dos meus altares
Fôreis o meu custódio, e minha guarda
Livrara eu de diabólicos azares

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda 


Diz mais com o mesmo desenfado


Gregório de Matos