
Não sendo, por enquanto, um apaixonado por poesia – e reforce-se a potencial transitoriedade afectiva – houve um conjunto de poetas, putativos candidatos ao galardão da Academia Sueca, que emergiu da habitual armada de prosadores que sistematicamente surge nos lugares mais destacados dos prémios de carreira literária. Falo de nomes, que até então desconhecia, como o sírio-libanês Adonis, o sul-coreano Ko Un ou o sueco Tomas Tranströmer, entre outros.
Um dos princípios que me levou a entrar na blogosfera há quase um par de anos, para além da forte necessidade sentida de descarregar as minhas emoções através da exteriorização dos meus medos e encantamentos, de alguns do meus pensamentos mais profundos – ou concepções do mundo –, advinda de uma vida que se complicava por factores essencialmente exógenos à minha vontade – os tais reveses da fortuna –, foi precisamente, o de tentar, através das minhas leituras, dessacralizar a Literatura, ou se quisermos, o de contrariar uma certa elitização de um dos instrumentos primordiais à sobrevivência da espécie humana, como define Auster, o de ouvir e contar histórias, a necessidade que Homem tem da fábula, de poder sonhar enquanto prossegue na sua incessante demanda pela verdade.
Se brinco com a Literatura e com os seus caracteres e actores, se a torno profana, ou até mundana, apenas resulta de um esforço – que não se confunda com altruísmo, ou eventualmente, com a propensão para uma megalomania messiânica – para restituir a naturalidade às artes literárias, desafectando-a da horda intelectual e do seu pressuroso escolasticismo.
Regressando ao princípio deste texto, afirmava eu que uma das vantagens do desafio que aqui lancei, ademais de uma discussão sobre os gostos literários, foi o de dar a conhecer alguns autores que eu próprio, o mentor do repto paraliterário – assim talvez não ofende a escolástica –, desconhecia.
Serve a verborreia para destacar a contribuição do Luís Costa que, gentilmente, cedeu (via caixa de comentários) dois poemas de Tranströmer alusivos a Portugal, traduzidos do alemão pelo próprio.
Deixo aqui ficar um, o poema Lisboa:
No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas
Subidas.
Havia duas prisões. Uma delas era para os gatunos.
Eles acenavam através das grades.
Eles gritavam. Eles queriam ser fotografados!
“Mas aqui”, dizia o revisor e ria baixinho como um afectado
“aqui sentam-se os políticos”. Eu vi a fachada, a fachada, a fachada
e em cima, a uma janela, um homem,
com um binóculo à frente dos olhos, espreitando
para além do mar.
A roupa pendia no azul. Os muros estavam quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos depois, perguntei a uma dama de Lisboa:
Isto é real, ou fui eu que sonhei?
Tomas Tranströmer, Lisboa (tradução de Luís Costa)