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sábado, 6 de novembro de 2010

Um Passo

Por muito lixo traduzido que continue a proliferar pelos escaparates das livrarias portuguesas, é inegável, sem necessidade de recorrer a métodos econométricos para confirmar a hipótese, que o mercado editorial português tem melhorado significativamente no que se refere à publicação de títulos de autores estrangeiros há muito consagrados na literatura universal. Não associo, contudo, este fenómeno de melhoria à concentração de inúmeras editoras em grandes grupos económicos – aliás, seguir por esse caminho, como justificativa, poderia redundar na mais acerba das minhas críticas em forma de texto, apresentando alguns exemplos de casas editoriais, outrora respeitadas, que de momento pouco produzem e que, ao invés de expandir a sua carteira de obras literárias, têm deixado cair ao nível extremo da indigência os direitos de publicação que possuem dos seus mais eminentes autores e limitam-se a republicar, com um restyling, as obras que já, por vezes há décadas, dispunham no seus stocks livreiros.
Por diversas vezes salientei aqui o fantástico trabalho da neófita Ahab, do trabalho da Quetzal em trazer as obras de ficção nunca antes publicadas no nosso país de figuras de topo da literatura mundial, do exercício da liberdade editorial como política de excelência da Antígona, mas há mais. Já temos neste país imediatista, e citando apenas alguns nomes que agora vêem a luz do dia em português de Portugal: Bukowski, Pynchon, Fante, Gaddis, Denis Johnson ou Cheever. Foram editadas algumas (ainda não todas) das obras mais marcantes de Hamsun, DeLillo, Bellow ou Updike. Faltam muitos outros, mas porventura não convém ralhar nesta casa de pobre (talvez não consiga evitar) – as migalhas já são substanciais, estão, por isso, em vias de mudar de denotação.
O pouco do muito que falta – «não está traduzido em português. Este artigo é uma ternurenta forma de pressão (de que estão à espera, miseráveis?)», Rui Catalão na Ípsilon referindo-se à não edição em Portugal do glorificado segundo e último romance (completo) escrito pelo tristemente desaparecido David Foster Wallace – já poderá ser objecto de comemoração, mas sem excessos para que não prolifere a tradução asinina, traidora e mesmo até assassina da arte literária, potenciados pela pressa da corrida ao escaparate. E não é só DFW, autores como Norman Rush, Malamud, Vollmann, Matthiessen ou Barthelme continuam sem ver a luz do dia na literata Lusitânia, e o que dizer então de Henry James, Thomas Hardy, de Willa Cather ou de George Eliot?
Bom, mas uma excelente notícia surgiu esta semana, materializada no livro publicado pela Ulisseia que é representado pela imagem que adorna este texto. Mais um magnífico pequeno passo que vai engrandecendo aos poucos a nossa parca bibliografia em português de obras consagradas de autores estrangeiros – com a tradução a cargo de um bukowskiano indefectível que muito aprecio e que atesta a qualidade do trabalho realizado: Manuel A. Domingos.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

É pau, é pedra (corrigido)

É a literatura a descaminho.
Não são, felizmente as Águas de Março, fechando o Verão, mas os seus Meados no hemisfério Norte que anunciam a Primavera – época de bulício da natureza e do alvor de uma vida que se renova, ou quase…
Em Portugal, é também significado de livros em catadupa – não há carteira que resista à torrente livreira de frontispícios engalanados com prémios e encómios expelidos, como cinzas vulcânicas – que actual – por gente validada. Novidades editoriais. Livros fechando o Inverno da modorra comercial pós-natalícia.
Vejamos. Surgiu o incensado Booker de Mantel, e já se anuncia (para amanhã) o Submundo do notável DeLillo. Publicou-se em simultâneo mundial o mais recente de McEwan; chegou finalmente, com atraso de décadas, a fazer jus à instituição do título que a designa, o(s) Correios de Bukowski (Post Office, 1971)*; ou o Winesburg, Ohio de Sherwood Anderson. Biografias de Kerouac e de Orwell, e mais uns ensaios deste último. Um Bolaño fraquinho, porém inédito. O Hooligan de Manea. Tolstói e Turguéniev (ou Turguénev, vá lá entendam-se, doutos do cirílico russo, quanto à transliteração do mais ocidental dos seus filhos literários oitocentistas) a rodos. A última compilação de contos do recentemente desaparecido Updike, quando se anuncia o Volume II dos contos de Cheever pela Sextante. Reedição do 2.º romance de Auster (data de 1987), negro, sombrio e devastador, que mesmo a ilustrada Moura Pinheiro apresentou como novidade do autor de Newark. O alter-ego de Banville para os policiais. Antes disso houve Jean Rhys, Coetzee, e Valter Hugo Mãe, nos portugueses apreciados. E, por fim, o destaque para o regresso de Martin Amis à grande literatura, com A Viúva Grávida (The Pregnant Widow), publicado em Fevereiro em Inglaterra e apenas dois meses depois em Portugal (edição Quetzal, saúde-se):
«O único romance que ela elogiava sem reservas era Meados de Março1. Porque Lily era uma criatura do mundo mediano.»
Martin Amis, A Viúva Grávida, p. 42
[Lisboa: Quetzal, Abril de 2010, 533 pp.; tradução de Jorge Pereirinha Pires e revisão de Carlos Pinheiro.]
Talvez tenha havido uma electrocussão arbórea – raios cataclísmicos das águas de Março, conduzidas à terra pelo tronco enraizado –, porque a nota do tradutor “1”, postada logo após “Meados de Março”, remete-nos, em pé de página, para Middlemarch. Um caso de gravidez literária, com viúvas mas sem hiatos e herdeiro, porque histérica – abusando, sem remorsos, das águas correntes de Herzen (1812-1870).
Naquele excerto, Amis procurou jogar ironicamente com as palavras, na descrição da activista igualitária de género Lily, conjugando-a com a leitura compulsiva dos clássicos da literatura inglesa por Keith – personagem principal do romance e seu namorado, projecção do autor (mas não o seu superego, essa é outra história): trocadilho entre “Middlemarch” e “middleworld” (esta última traduzida por “mundo mediano”), em que a primeira surge sempre grafada com maiúscula e é citada em várias ocasiões ao longo das mais de quinhentas páginas que compõem a obra.
Ora, o inventivo e esdrúxulo Meados de Março é, tão-só e somente, a obra-prima da escritora vitoriana George Eliot (pseudónimo de Mary Anne Evans, 1819-1880), traduzida para português há várias décadas – recentemente reeditada pela Portugália, com prefácio de Jorge de Sena – como A vida era assim em Middlemarch. Pois, Middlemarch é uma vila ficcional criada por Eliot onde decorre a trama do romance entre 1830 e 1832, que a autora localizou nas Midlands inglesas (zona geográfica central de Inglaterra, entre as zonas norte e sul do país) – obra considerada por Amis, como o melhor romance de língua inglesa.
Se a moda pega, passaremos a ter mais literalismos proparoxítonos, como por exemplo, “Sussex” por “Sexo da Sue”, ou “Cornwall” por “Muro de Milho”, ou até “Blackburn” pelo intolerante e cruel “Queima de Negros”. E não se procurem exemplos sancionadores da asneira, por exemplo, Eugenides, com o seu Pulitzer Middlesex, não é para aqui chamado, porquanto, em boa verdade, o hermafroditismo é a base do seu romance.
E assim vamos andando, rindo e cantando neste acabrunhado país, onde a capital, a imensa cidade-prelo – como significação da fuga e da concentração nesse local, banhado pelo Tagus e o seu Straw Sea, das editoras nacionais –, poderá a partir de hoje literalizar-se em “Hornylily” – curiosamente a tal personagem do “mundo mediano” de Amis, que percorreu a narrativa em “meados” de qualquer coisa –, onde a sugestão de lubricidade poderá funcionar com factor captador de receitas extraordinárias provenientes do turismo anglófono.
Nota – não resisto a postar mais um exemplo sublime de confrontação entre a ficção (no que respeita ao romance inglês) e a realidade ficcionada no romance de Amis, corporizada na batalha dos pensamentos voluptuosos do jovem Keith perante Scheherazade e Gloria (mamas e rabo, respectivamente), com mais um exemplo de literalismo (pelo menos, felicite-se, há coerência do princípio ao fim):
«“E nunca te hei-de perdoar pela Rosamond Vincy”, disse ela [Lily] (retomando a discussão deles acerca do romance por ela preferido – Meados de Março). “Está lá a bela Dorothea, e tu vais atrás daquela cabra gananciosa da Rosamond Vincy. Que arruina [sic] o Lydgate. Badalhocas e vilões. É só disso que tu agora gostas – badalhocas e vilões.”» (p. 386)
*[Correcção, 23/4 às 11:10] Fui, felizmente, alertado por e-mail para um erro de facto cometido neste texto: a primeira publicação em Portugal de Correios de Charles Bukowski é de 2002 e foi da responsabilidade da extinta editora Canguru, com tradução de Marisa Mourinha. Apesar de a referida publicação ter escapado ao conhecimento do grande público – no qual me incluo, sendo um grande admirador da obra do impetuoso autor germano-americano –, isso não invalida que não se corrija o erro (crasso) que aqui cometi, ao referir-me, de forma indirecta, ao carácter inédito da publicação de 2010 da Antígona, com tradução de Rui Lopes.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O meu Bukowski


Charles Bukowski (1920-1994) tocando... harpa.

Já se encontra no Meia-Noite Todo o Dia a minha contribuição para a excelente iniciativa bukowskiana do manuel a. domingos.

Nota histórica: 9 de Março de 1994, segunda-feira negra na Casa do Douro ou crash no mercado do vinho do porto. Quase catorze anos volvidos, o Paiz Vinhateiro duriense arrasta-se penosamente como um moribundo, sem solução à vista. Volta, Hank!

domingo, 6 de maio de 2007

Arte graciosa

Porque a blogosfera é um lugar de liberdades, apesar de todos os seus deturpadores, propugnadores da exclusividade opinativa, defensores do feudo difusor da sua preclara intelectualidade, há exemplos de brilho e de entrega despretensiosa na divulgação das artes através da simples exibição do próprio processo criativo e do engenho inventivo, não apenas consubstanciados no produto final.
É um exemplo de entrega sem os habituais propósitos que se costumam reunir na génese de um negócio; e mesmo que por vezes nessas acções criadoras consigamos divisar um intento propagandista do autor, tal facto, creio eu, não é suficiente para uma execração motivada pelo nosso tão subjectivo e volátil juízo sobre a intromissão do puro e selvagem mercantilismo no território da arte.

Será que a blogosfera é um lugar tão puro, que os arrivistas nela não encontrem conforto para a disseminação da sua mediocridade endémica? Claro que não.

Em suma, e agora, para algo completamente diferente [Chapman, Cleese, Gilliam, Idle, Jones & Palin vs. Araújo Pereira, Dores, Góis & Quintela], um momento Marcelo Rebelo de Sousa:
Se os há? Há.
Que são condenáveis? São.
Se os deveríamos abolir liminarmente criando um manancial de preceitos abstractos e potencialmente herméticos ou de interpretação duvidosa para regulação da liberdade de expressão na blogosfera? Nunca!

Bom, essa não é a questão essencial…
Serve o presente texto para dar a conhecer o excepcional trabalho que estes filhos da blogosfera lusa têm vindo a desenvolver nos seus respectivos blogues:

  • O manuel a. domingos criou um blogue exclusivamente dedicado ao beatnik não assumido, poeta e prosador norte-americano de excepção, Charles Bukowski (1920-1994), chamado O amor é um cão do Inferno, onde o Manuel tem vindo a traduzir, de forma brilhante, alguns poemas do intrépido autor;
  • O Fernando M. Dinis, no seu blogue Fico Até Tarde Neste Mundo, tem vindo a publicar poemas de sua autoria – aliás, como já vinha a fazer desde que encetou a sua actividade blogueira –, acompanhados de música que ele próprio compôs.

Querem melhor exemplo de arte graciosa!

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

La Fiesta del Padre Hemingway


O que diria o Pai Hemingway – como lhe chamou Henry Chinaski, alter-ego do truculento Charles Bukowski – perante os primeiros indícios de uma mudança de atitude dos espanhóis face à bárbara chacina de touros na denominada Fiesta Nacional espanhola?

Resposta mais do que provável: «Você é bom, Pai Hemingway. Não se pode vencer sempre (…) Não estoure com os miolos.»
(retirado do conto “Classe” incluído na obra A Sul de Nenhum Norte, de Charles Bukowski)

Nota: Ministra espanhola do Meio Ambiente, Cristina Narbona, propõe uma reflexão nacional sobre o fim dos “touros de morte”, dando com exemplo a festa brava portuguesa.
Segundo o Gallup (España), em 2006 apenas 7,4% dos espanhóis se considera aficionado da Fiesta, enquanto cerca de 72,1% reprova convictamente este tipo de barbárie. O Gallup faz notar que em 1971 a distribuição das respostas era diferente, apesar de já se haver verificado a superioridade do número de detractores das touradas, 22 e 42%, respectivamente.
[Ler a notícia sobre a sondagem no jornal La Vanguardia e sobre a proposta da Ministra no El Mundo.


Imagem: cartoon de autoria de Ralph Barton, “Hemingway”, (© Diana Barton Franz) publicado na revista Vanity Fair, onde Hemingway vestido de toureiro espanhol confraterniza com o próprio touro.