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sexta-feira, 6 de junho de 2014

Origens Xamânicas do Surf




ORIGENS XAMÂNICAS DO SURF


Há registros de que as primeiras ocorrências conhecidas do surf estão ligados à antiga tradição havaiana dos Kahunas, porém há quem diga que o surf poderia ser originado no Peru, na Ilha de Uros.
Alguns velhos nativos do Havaí acreditam que seus ancestrais seriam descendentes dos Incas.


A prática era chamada pelos polinésios de "He'e Nalu" (deslizar sobre as ondas) uma celebração permanente de adoração ao Oceano. He'e : templo, Lugar Santo , Nalu : onda, meditação / "Na": paz, serenidade 

Nalu indica a interação com as ondas, através do equilíbrio interior se encontra o equilíbrio exterior e com as divindades, que se expressam nas erupções vulcânicas (Principalmente a Deusa Pele), ciclones, marés fortes.

O "He'e Nalu" é uma invocação que faz o mundo um'' heiau "(um templo, um lugar sagrado) que reúne os" Manas "(energia vital) para alimentar a ''aumakuas" (centelha divina). 


Os Kahunas acreditavam que a energia Mana (energia vital) é recebida do céu através da prece.
Deveria-se rezar constantemente e enviar preces para Aumakua, o espírito guardião do passado.

O Aumakua vivendo no céu, olha por sua criança da Terra e intercede através do seu Divino poder espiritual. 

Iniciava-se com a escolha da árvore para ser transformada em prancha.
O "kahuna", invocava os espíritos escolhia uma árvore onde percebia o "mana" entoando canções de poder honrando e pedindo perdão ao espírito da árvore pelo sacrifício.

Com um machado de pedra abria-se um buraco entre as raízes para ser colocada uma oferenda (peixe) e orava-se para os Deuses para abençoar este trabalho.  

Conta-se que além da cerimônia religiosa de corte da madeira, também havia uma cerimônia para a confecção das pranchas e acabamento, feito pelos mestres artesão.


Para escurecer e dar brilho a madeira era usada a planta Ti e óleo de nozes.
Seu nome científico é Cordyline Terminalis .
Entre suas varias cores, as mais comuns são a vermelha e verde.
Ti, como é conhecido nas ilhas, é uma das plantas típicas do arquipélago havaiano.
Faz parte da vida e da cultura do povo.

No passado, os havaianos usavam as folhas de Ti para cobertura e construção das rústicas cabanas.

Nas oferendas aos deuses, costume que se pratica nos dias atuais , o Ti envolve pedras vulcânicas, frutas etc., deixadas pelos nativos nos templos (Heiau) em presentes oferecidos a Deusa Pele, no vulcão Kilauea. 


Os Kahunas, utilizavam as folhas de Ti em rituais de magia e banhos de purificação que serviam para afastar entidades astrais inferiores.

Atribuíam ao Ti o poder de proteger contra influências espirituais negativas.
A planta ainda e usada em cerimônias para livrar dos ataques de magia negra.
Os kahunas (xamãs) eram solicitados para invocarem as ondas do mar, através de cânticos.
Contam-se casos em que as invocações produziam altas ondas.

Parece inexplicável como os antigos polinésios navegavam milhares de extensões através do oceano com canoas sem nenhuma aparelhagem, se não acreditarmos nessa especial conexão deles com seus espíritos.

Eles não tinham um estudo minucioso das ondas ou do tempo, interpretavam intuitivamente.
Os polinésios cantavam quando viam as altas ondas ou pohuehue.
Se as ondas estavam muito baixas eles vibravam folhas de pohuehue, batendo nas águas, para atrairem as ondas.
Eles usaram a mesma técnica para evocar condições de oceano perigoso para matar seus inimigos em canoas.


O Ali'i, ou chefe do povo havaiano, possuía suas orações e pranchas especiais, de maneiras especiais.
Também ia a praias privadas onde surfavam apenas com pessoas do seu mesmo grau.

Eles tinham excelente forma física e conheciam os ritos religiosos e cânticos tradicionais e canalizavam a maioria das canções.
Os cânticos tinham a ver com surf e efeitos físicos e psiquicos no corpo e mente. 

Nos primórdios o surf no Havaí era um acontecimento profundamente espiritual, a arte de deslizar nas ondas, a rezar para surfar bem.

Para os havaianos, o surf era uma coisa sagrada e envoltos numa complexa rede de obrigação e tabu (kapu).

Havia competições individuais de habilidade nos grandes festivais religiosos, como a Lono Makahiki (festival de quatro meses) que celebravam plantas cultivadas, alimentos, a desova dos peixes, e fertilidade em geral.


Surf não era apenas um ato religioso e passatempo para velhos líderes, servia como um exercício destinado a manter os chefes em condição física superior e como um sistema de resolução de conflitos.

Na prática pode-se aprender a mergulhar ao eu, a seguir o fluxo, ter a humildade e a confiança de se deixar levar equivalente ao desapego cristão, ao 'let go' .

Aguça a intuição e a concentração, dá a coragem para vencer os limites do medo e do desconhecido, os sentidos ficam apurados. 

Alguns praticantes afirmam que surfar é a coisa mais próxima de voar que o ser humano pode alcançar. 

 

Os momentos nunca se repetem, as ondas não são iguais, o movimento muda, o oceano dá as regras.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Xamanismo e Sufismo, suas relações

   
Xamanismo e Sufismo, cruzamento de culturas espirituais


O Xamanismo é das mais antigas culturas espirituais da humanidade.

Sua meta é pelo contacto com o mundo espiritual obter o equilibrio e o bem estar de uma tribo-população por meio de um intermediário que tem essa capacidade espiritual de intermediação, o Xamã.

Esse equilibrio e bem estar consiste na sobrevivencia da tribo seja pela caça de animais seja pela cura dos seus membros em ‘desiquilibrio’ ( actuando no plano espiritual para curar no plano fisico). 

Sessão xamanica no Uzbequistão  

Como técnicas base usam o som (tambores, matracas, etc) e o movimento corporal em danças ritmadas (imitando por exemplo os movimentos dos animais de que dependem) para estabelecer essa comunicação espiritual (hoje chamada de estado alterado de consciência) durante viagens induzidas, donde trazem as respostas às questões colocadas pela tribo ou pelos seus membros.

O Sufismo é a faceta mais esotérica da espiritualidade árabe.

Sua meta é a comunicação directa do individuo com o plano divino para, neste caso, se produzir uma evolução espiritual pessoal , que estabelece o equilibrio do homem consigo mesmo e com a Divindade Allah.

A sua cerimónia mais conhecida é o Dikr, reunião de adeptos que por meio do movimento corporal ritmado e da vocalização exaustiva dos nomes de Allah, pretendem alcançar essa meta de união com o Divino dentro deles (o equilibrio interno desejado).
 
 Dikr Sufi no Uzbequistão 

Históricamente estas duas culturas evoluiram em separado mas em certos casos e certos povos a partir de uma dada altura na história e como resultado  da movimentação dos povos,  houve uma mistura muito interessante entre elas. 

Esta mescla fez-se sobretudo na Asia central, de inicio, apenas xamanica, e que com o avanço nessa zona da influencia arabe, foi produzindo essa mistura de culturas.

Assim os xamãs nessa zona foram progressivamente ‘adaptando’ o cerimonial do dikr não para a união com o Divino mas para a cura, usando a formula da vocalização dos nomes de Allah para ‘chamar’ os espiritos da cura.

Nessas zonas ( Uzbesquistão, Kazaquistão e provincia chinesa de Xinjiang) os tumulos dos santos sufis eram usados pelos xamãs locais como local de recolhimento e ‘incubação’ onde pelos sonhos recebiam as instruções dos espiritos para os problemas que lá iam colocar.  

  Tumulo de santo Sufi na Mongólia chinesa

No Kazaquistão acredita-se que pelo sonho se estabelece a ligação com os espiritos dos ancestrais e aí a própria sessão xamanica tem o nome de Dikr.

No processo de cura, de ‘jogo’ com os espiritos, o xamã Kazah pode recitar 1000 vezes a formula sufi Lâ ilâha illa’ llâh (não existe nada senão Deus) ou 500 vezes a formula Allâhu akbar ( Deus o Poderoso) ambas utilizadas pelos sufis nos seus Dikr, sendo a única diferença que no trabalho do xamã apenas ele vocaliza e toca tambor (não quem assiste) e na cerimónia sufi essa vocalizacão pode começar no mestre da cerimónia mas de seguida é feita por todos os presentes.

A influencia xamanica, em processo inverso, também se produziu em zonas como na Turquia, onde chegaram os povos nómadas turcos da Asia central com suas culturas e que posteriormente se islamizaram.

Nessa zona existe uma ordem muçulmama, os Alévi-Bektachi, que sincretiza o islamismo com as crenças nómadas xamanicas. 
Aqui o celebrante já perdeu a ’arte’ de xamanizar, já não ‘cura’, pois apenas deseja a união pessoal com o Divino mas para isso usa ‘técnicas’ xamanicas como a imitação do movimento de animais nas suas cerimónias de Dikr.

Esta identificação com os animais também é feita na Anatolia turca onde os santos sufis são identificados a cervídeos, vivem em seu contacto e tomam a sua aparência. 
O santo sufi Geyikli Baba (Pai Cervo) cavalga um cervideo e vive na floresta com ele segundo a tradição.

Mas aqui o cervo não é um animal sagrado como nas culturas xamanicas da Sibéria que dele dependem como animal a caçar, é um ‘instrumento’ para o santo sufi-cervo  ‘guiar’ os seus adeptos para a via espiritual de união com o Divino como guia e iniciador.

O cervo, antes caçado pelo homem xamanico, agora é ele o caçador e salvador de almas.

                               Dança da garça Alévi                                   

Os ‘caçadores’ sufi  agora apenas imitam o voo da garça nas suas danças cerimoniais durante o Dikr, deixando de lado o ‘jogo’ dos espiritos xamãnico com objectivos de cura para , agora, apenas se concentrarem numa coreografia mistica que visa a fusão das almas no Absoluto Divino.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Morte e Iniciação no xamanismo

 
  
Morte e Iniciação no xamanismo


A Morte é a única garantia para existir Vida.

Para a maior parte da humanidade, a morte é uma viagem sem regresso, de ida que não tem volta.

A sociedade de consumo moderna quer por força ignorar a morte, fazer de conta que não existe, pois o ‘seu’ herói actual é o ego. 

Todos nascemos com a ‘marca’ divina, mas a sociedade depressa a apaga para que só sobreviva o ego, um ente mediocre e limitado. 

Quando morre alguém que nos é proximo, pai, mãe, irmão, somos ‘obrigados’ a admitir, por alguns dias, que afinal existe, mas passados esses dias de ‘luto’ ( ou fingimento?), depressa nos comportamos de novo, como se isso nunca tivesse acontecido.

Que diferença com as sociedades primitivas onde a morte fazia parte integrante da vida e era celebrada e lembrada de forma ritualizada, com a participação dos Ancestrais nas refeições comunitárias para honrar o morto e guiar a sua alma no caminho celeste.
    
Apenas nos casos de ‘quase morte’ e de grandes misticos ou xamãs avançados, pode haver partida e regresso. 

Costuma dizer-se que o xamã avançado tem em simultaneo, um pé visivel no mundo fisico e humano e outro invisivel no mundo divino. 
Portador de uma assimetria ele é um cidadão de dois mundos, o humano e o suprasensivel.

A Iniciação xamanica, quando genuina, equivalia a uma verdadeira morte do velho sentido da auto identidade e da desgatada imagem que temos de nós próprios.   

Desses escombros nasceria uma nova identidade: um ser mais livre e cósmico.


A Iniciação séria implica necessáriamente uma simulação da morte, por vezes provocada com sofrimentos indescritíveis, na ânsia de saber o que se passa para além da morte. 

Actualmente, essa simulação acabou por decair e degenerar em modelos teatrais, meros ritos de passagem, nas sociedades e confrarias chamadas secretas e inicáticas, que representam apenas teatro e fingimento para entretenimento de ‘amigos irmãos’.     

Para o xamã primitivo a Iniciação era um processo radical de transmutação da consciência.

Entre as técnicas Iniciáticas, encontra-se a contemplação dos esqueletos, nomeadamente do seu próprio, não uma contemplação imposta e ocasional, como acontecia no processo de desmembramento xamanico, mas uma contemplação voluntária, continua e desejada, através da qual o Iniciado se autocontempla a si mesmo para interiorizar o ‘nada ‘ que o ser humano é, de reduzir o seu ego a mero pó e ossos e assim se transformar interiormente ao reconhecer a impermanência absoluta que é a vida humana.

Esta prática teria outra vertente no xamanismo primitivo, de indole mágico-ritual que era de, nesta contemplação dos ossos de um xamã falecido,  o adepto poder ‘beber’ mágicamente a sabedoria desses ancestrais através da ‘alma dos seus ossos’.

Esta prática foi cristianizada pelo culto dos ossos ( reliquias) de santos e usada no budismo para obter a noção da impermanência e ilusão do mundo. 

Entre os xamãs esquimós, cada osso tem um nome secreto e sagrado, transmitido pelo Mestre. 

Todos os dias, o candidato vai ao cemitério e sobre um tumulo de um xamã falecido, contempla os seus próprios ossos, invoca pelo nome secreto de cada um, os Espiritos nele residentes até receber a ‘Luz’ (simbolo da compreensão da ilusão que é a vida terrena).

O esqueleto na sua brancura, é a objectivação dessa Luz. 



Nesta prática, o adepto a xamã, antecipa e vivencia os momentos da sua morte, está a preparar-se para ela em vida, para a receber e aceitar quando vier, com tranquilidade e sabendo bem como actuar nesse momento crucial, enquanto a maioria chega à morte sem qualquer preparação com o sofrimento e angustia que isso origina.     
         
O xamã iniciado vive, assim, em dois planos, no plano corporal e transitório da personalidade e da existência, e no plano do ‘outro’ lado, eterno, simbolizado pela noção de impermanência do esqueleto. 

Vive mas está morto para o mundo, já percebeu que a sua casa não é este corpo de ossos mas um ‘outro’ corpo de Luz e que nasceu para ‘aprender’ isso mesmo!!    

Não basta imaginar que morremos, nem fingir através de exercicios de visualização como se faz actualmente em workshops neo-xamanicos new age. 
Deitados no chão, acreditam ingénuamente, que com a sua fantasia imaginativa estimulada pelos sons do tambor, atravessam os mundos suprasensiveis. 
Na realidade, atravessam apenas os mundos dos seus devaneios. 
Fechado na prisão sensorial do seu corpo e nos limites da sua mente, é muito dificil para o homem de hoje sair de si mesmo sem uma profunda e dolorosa mutação da sua condição de sujeito cognoscente.

Não se mata o ‘velho homem‘ vivendo alienado nos valores da pueril existência quotidiana, nem existindo segundo as normas sociais do conforto e da sobrevivência, simulando na imaginação provas de dor e transmutação.  

Quem passa pela verdadeira iniciação da morte fica ‘marcado’, estigmatizado, fala-se no xamã ‘ferido’ que leva esse  ‘sinal’  mas na realidade a ’marca’ está na sua mudança de atitude perante o mundo, na mudança da sua maneira de sentir e pensar os outros e o mundo.

Quando regressa deste processo iniciático o xamã vem reintegrado e não mais dividido, não vem iluminado em êxtase paralitico e amorfo de tudo, mas permanece clarividente em vida da totalidade da existência como parte integrante do Todo.   

Ele regressa marcado por uma experiência directa que permanece viva em seu espirito, não como uma lembrança de workshop xamanico que o deixou numa perplexidade matafisica mas com uma nova capacidade cognitiva de ‘ver’ no mundo os ‘outros mundos’. 

Ele está morto em vida, tem dupla face, pois vive em 2 planos e 2 dimensões.


 
Consideram-se 7 fases na iniciação xamanica primitiva :

-- Separação do mundo racional e utilitário.

-- Morte e descida ao Mundo Subterrâneo.

--Tortura e desmembramento ( putrefactio alquimico) 

-- Ressureição a partir dos ossos

-- Ascenção ao Mundo Celeste

--Identificação com o Fogo e o Sol

-- Reintegração no Mundo Médio ( mundo em que se vive) .

 

A Luz e o Fogo no xamanismo

Para os xamãs avançados, o Fogo e a Luz são simbolos que se encontram num patamar superior da evolução, junto aos Deuses Criadores.   

A identificação com o Fogo, por vezes representado pelo Sol, era a etapa iniciática final da transfiguração do xamã, depois da sua passagem e desmembramento no mundo subterrâneo/inferior e daí ser chamado do Portador do Fogo que readquiriu de novo o seu corpo de Luz primordial que tinha perdido aquando da Queda.

O Fogo fazia parte de todos os rituais xamanicos, purificava os animais sacrificiais, e ‘limpava-os’ para o acto da refeição ritual. 

As entranhas do animal eram oferecidas aos Ancestrais e só depois se comia a carne já consagrada pela dádiva anterior.

A recepção da Luz, após a ressuscitação, é de uma tão extrema intensidade sensorial que a prova do seu mérito é conseguir absorver o seu esplendor sem ser fulminado por ele.

A Luz desce sobre o xamã, que resistiu a longos periodos de isolamento, de exaustão fisica, e essa Luz transfigura-o, muda-lhe a sua atitude para o resto da vida.     

Essa mesma Luz vai o xamã encontrar e reconhecer na hora da sua morte fisica, é uma Luz que já conhece e de quem é já ‘amigo’ e sobretudo não receia.   

Com essa mesma Luz vai o xamã se libertar do corpo em vida e conhecer os reinos do ‘outro mundo’.





O Tambor no xamanismo primitivo

O tambor é um dos instrumentos usados pelo xamã para despoletar o estado de transe. 

Mas o tambor só tem eficácia se integrado num contexto mais vasto que pode incluir dança, canto, ou outros movimentos rituais. 

O xamã tradicional usava a dança ritual até á exaustão corporal como meio de alcançar estados de transe com o auxilio do som da batida do tambor. 

O tambor servia apenas para marcar o ritmo e criar um ruido de fundo com certas frequencias. 

O tambor não era, pois, a chave do processo, mas apenas um seu auxiliar. A chave era a exaustão fisica do xamã.     

A percussão entre 130-140  batidas por minuto, em cadência regular e isométrica, pode induzir efeitos de relaxamento e provocar ondas teta no cérebro responsáveis pelo sonho e pelos  estados profundos de transe e assim o transe xamânico corresponderia, sob o ponto de vista cerebral, a uma vivência lúcida da esfera de conhecimento própria da actividade do sonho.

A percussão entre 60-75 batidas por minuto, chama-se ‘batida do coração’ pois imita o pulsar cardiaco e seu efeito pode derivar de se rememorar o estado neurovegetativo da criança no seio de sua mãe e a reprodução do estado fetal em condições de relaxamento e obscuridade pode produzir transes e visões.

O som do tambor reproduz também o primeiro som vibrado pelos Deuses, o som grave OM e pode-se dizer assim que o tambor é um instrumento de oração pela acção do mantra primordial. 

A função do tambor é marcar, pelo ritmo e força da batida, a transição da morte da percepção ordinária para o despertar da percepção não-ordinária do transe.   

O Sonho no xamanismo




O Sonho no xamanismo

Para os xamãs o sonho é uma porta do mundo Superior ou Celeste em alternativa ao transe ou ao estado visionário .

Todos os povos da Antiguidade, Egipto, Grécia, Meospotâmia, tinham templos-santuários dedicados ao sonho, chamdos templos Incubatórios de sonhos, como os Serápis e Esculápio, onde as pessoas vinham para receber em sonhos as curas para suas doenças.

Mas não era qualquer doente que podia entrar, tinha de ser ‘chamado’ em sonhos, por vezes as pessoas passavam dias, meses á porta do templo até terem a ‘autorização’ pelo sonho de que podiam entrar para receber a mensagem. 
Existem estelas onde está escrito : Sómente é ajudado, quem é chamado’.

Quem recebesse em sonho essa permissão, cumpria os rituais preparatórios locais (abluções na fonte sagrada, purificações, danças e canto, aplicação de ungentos psicotrópicos e ofertas sacrificiais de animais) e só então podia entrar no templo e lá dormir no chão da zona mais sagrada, onde estava a estátua do Deus. 

Em sonhos seria recebida a ‘receita’ para a cura pretendida que tornava as pessoas doentes em saudáveis.      

A versão iniciática e mistica destes templos era que a função deles era, não a a cura fisica, mas a cura espiritual, quem aqui vinha queria ser transformado por dentro, morrer para renascer, queria mudar de vida. 

A Incubação significa pois, ter sido chamado em sonhos, ter feito todas as práticas rituais prévias á entrada no templo para aí  dormir e receber em sonho a mensagem ( seja de cura fisica, ou de incio de uma transformação espiritual).   

Os templos de incubação estavam quase sempre em locais isolados, recônditos, selvagens, na natureza profunda e em geral, exigia um grande esforço fisico de caminhar, de peregrinar até lá, a verdadeira incubação começaria no esforço inicial para se libertar da letargia do mundo e se separar da sociedade humana. 

É a conhecida ‘jornada da alma’ para se conhecer.



Depois da dor fisica do caminho percorrido, o crente chegava ao templo já numa ‘nuvem’ de sacralidade e fazia os devidos rituais que o preparavam espiritualmente, que o induziam insconscientemente para uma mudança de estado de consciência ao fazer o contacto em sonhos com a Divindade.

Em Portugal, julga-se que isto ocorria no Santuário primitivo da Rocha da Mina, dedicado ao Deus da cura, Endovélico onde existe uma cavidade passível de ser uma eventual câmara incubatória.

Uma reminiscência moderna são as romarias portuguesas onde se come e dorme na floresta ou pinhal junto ao santuário.

O candidato a xamã só o é, depois de ter recebido ( ser ‘chamado’)  essa ordem dos Espiritos através dos sonhos. 

Os sonhos lúcidos são os únicos sonhos que contam para o xamã, onde o sonhador permanece totalmente consciente durante o acto de sonhar e pode agir dentro dele com uma liberdade ainda maior do que aquela a que está confinado na vida real. 

Livre e consciente no sonho o xamã viaja à velocidade da luz e com a liberdade dos ventos através dos mundos.

Costuma dividir-se os sonhos em 3 graus de importância :  os sonhos do crepúsculo, que são os sonhos kármicos e biográficos, restos da vida diária e profana ; os sonhos da meia noite, que são influenciados pelos espiritos e resultantes da interferencia de entidades não-humanas na esfera psiquica do sonhador e finalmente, os sonhos proféticos da alvorada, que ocorrem antes do acordar e que revelam o futuro imediato do sonhador.

Em geral considera-se que a maioria dos sonhos lúcidos ocorre no romper da alvorada.

Como preparativos para ter um bom sonho lúcido, o xamã usava várias técnicas, desde canções de poder, infusões de ervas sedativas, unguentos psicotrópicos, e simbolos materiais como as pedras do sonho.

Exemplo de uma canção de poder para repetir até adormecer aguardando por um sonho mensageiro :
No céu/ eu estou caminhando/ Um pássaro/ eu acompanho.     

As melhores pedras de sonho são as que os Espiritos proporcionam ao crente quando as apanha ao acaso, num passeio na natureza e nelas foca a sua intenção de ter um sonho lúcido revelador.


A Rectificação do sonho


Para um sonho ter valor concreto na vida do sonhador é fundamental que ele se materialize de alguma forma, que seja objectivado, sem isso, o sonho não completa por assim dizer, o seu ciclo natural.  

O sonho é um processo de 2 vias, uma para dentro pelo mergulho psiquico inconsciente no reino do sonho, outra para fora, trazendo do ‘outro’ lado mensagens que se transformam em conhecimentos e compreensão de processos espirituais mas também em objectos rituais, talismãs, obras de arte, máscaras rituais ou em cura pessoal ou da comunidade.

Quem era curado numa incubação de sonhos tinha de agradecer aos Deuses oferecendo uma dádiva, uma estela, que simbolizava essa objectivação, essa materialização onírica.

Sem rectificação, uma incubação onírica de nada vale, pois sendo o seu objectivo, o de mudar a vida da pessoa ou de uma comunidade, se isso não acontece na prática, o seu valor perde-se num ritual fantasioso e de mero devaneio.

Nas rectificações encontram-se as canções mágicas, os talismãs de poder, os artefactos rituais que o xamã recebe por instruções em sonhos e ao voltar as concretiza para seu uso doravante.

A rectificação ancora e liga a experiência incubatória do sonho no campo material da nossa realidade empirica e permite que o poder flutue entre dois mundos diferentes e que fundamentalmente exista equilibrio entre estas 2 faces complementares da vida humana. 

Abdullah ben Zayd, o companheiro do profeta Maomé, recebeu em sonhos o ‘chamado para a oração’, o adhan, que é ouvido ainda hoje cinco vezes ao dia no mundo muçulmano.




O sonho e a morte

O caminho da alma em sonhos é igual ao caminho depois da morte, na verdade, quem morria, dormia e quem dormia, morria. 
Alguns povos dizem que quem tinha morrido estava a ‘dormir’.

Os primeiros momentos do sonho são a imagem dos momentos que ocorrem na morte fisica.

Conseguir ter sonhos lúcidos,  viver e ‘trabalhar’ conscientemente os sonhos é antecipar a morte, compreendê-la, encará-la de frente e sobretudo não ter medo dela, é saber o que se passa nessa hora dramática para o ser humano, saber, em vida, se preparar para esse momento a partir da própria experiência e trabalho com os próprios sonhos.

O Ego, a criança e a mitologia no Xamanismo



  
Caim e o assassinio do ego.


A única maneira de resolver a crise existencial do homem é matar (no sentido não de ’acabar com’ mas de ‘ter com rédeas bem controladas’) sem piedade o eu, esse pequeno núcleo da nossa consciencia que é, contudo, tão duro de vencer. 

Mas sem essa morte o ser humano não pode conhecer a grandeza do ser cósmico, Deus ou equivalente. 

O assassínio do ego, simbolizado na história biblica de Abel e Caim,  é a condição indispensável do arranque do processo alquimico de transmutação da consciência humana.    

  
Caim simboliza o ‘mortificatio’ alquimico, assassina o eu primitivo (Abel)  par dar origem ao novo Eu e que em contexto xâmanico simboliza as provas iniciáticas (de sofrimento e quase loucura) que passam os candidatos a xamã e que em contexto cristão são tão bem expressas na Noite Negra da Alma de S. João da Cruz.

Caim ao assassinar o condicionalismo do eu, permite que a consciência possa passar da realidade ilusória para a verdadeira Realidade cósmica e Una.   

A morte do ego simplesmente recria o processo de Criação, que nasce de um processo de separação do céu e da terra. 

Tudo nasce por separação, seja nas iniciações xamanicas ( os candidatos ficam separados longo tempo do mundo) seja na Alquimia pelo Nigredo.  



E foi na tradição xamanica pré-histórica que este processo de transformação espiritual do individuo nasceu na humanidade sempre com um caracter individualista e não colectivo integrado em seitas, igrejas, ou ordens secretas iniciáticas. 

Já Odin dizia: Sacrificado por mim mesmo a mim mesmo.

Nos Mistérios de Samotrácia a primeira pergunta ao candidato era se tinha morto algúem.

Era condição sine qua non que o Iniciado fosse um assassino, do seu ego.....  


Não é possivel a transmutação cognitiva do Iniciado senão pela morte da personalidade, do eu velho.

Só isso permite o despontar de sonhos e visões, de uma nova capacidade cognitiva e suprasensorial, em que o espaço e o tempo se autodestroem e se abre á liberdade de estar consciente da Unidade com o Universo visível e invisivel, de que falam os guerreiros extáticos celtas.    

Fernando Pessoa dava a entender isso mesmo quando dizia ‘que até mesmo pela porta de Satã se podia entrar no reino de Deus‘, ou seja, a transgressão, as ‘vias tortas’, o não-conformismo são meios de percepcionar a Realidade mais vasta que nos envolve, de nos despertar para uma outra percepção de nós próprios e do cosmos em que estamos integrados.      

Para os xamãs não havia intermediários entre eles e o Divino , pois sabiam bem que o homem tem já na sua alma essa função, tal como diz o livro de Job : ‘O Ruach de Deus está nas minhas narinas‘, Ruach-Alma é o Espirito de Deus que todos nós somos portadores, é uma função cognitiva do transcendente em nós, logo para os xamãs não havia necessidade dos intermediários actuais , igrejas, seitas , lideres ,etc.


Está na natureza do ser humano ser livre ouvinte de Deus.

 
O simbolo da criança no Xamanismo 


Tal como Jesus dizia , ‘vinde a mim as criancinhas que é delas o reino de Deus ‘ assim o xamã diz que ‘sem se tornar criança’ o candidato não pode ser iniciado e por isso, o candidato a xamã siberiano rasga suas roupas, dilacera seu corpo com facas, corre para a floresta e vive nu entre animais, como a criança-lobo mitológica, antes de inciar o seu Despertar. 

A criança é o simbolo de um ser  ‘aberto’ ao não racional, face ao ser fechado do homem moderno que só acredita no que vê. No xamanismo original não existem os papões com que os pais modernos intimidam as crianças a não sonhar ‘esquisito’ e se comportarem nos padrões sociais.

No xamanismo original, ao contrário, estimula-se o sonho e a transgressão social para ‘abrir’ a cabeça do candidato a uma outra Realidade.

E na verdade é na infància que se revela o futuro xamã, por um comportamento anti social, pelo gosto da solidão, introvertido, sonhador e visionário de formas, vultos e espiritos que só ele vê. 

Apenas em raros casos, o xamã emerge na idade adulta, seja em mudanças violentas de vida, em situações de quase morte, ou acontecimentos que subvertem o seu quadro de referências morais e religiosas e que podem fazer a pessoa decidir que tem de se entregar a um processo de transfiguração xamanica.      


  
O Xamanismo, precursor dos ritos iniciáticos da Antiguidade clássica.

Um dos principais rituais de preparação do xamã consistia em : escuridão, isolamento, privação dos sentidos, tortura pelos demónios, encontro com espiritos celestes guardiões e ascenção , e finalmente regresso ao mundo enriquecido por uma experiencia espiritual que o marcará por toda a vida.

Que é isto senão semelhante às mais diversas formas iniciáticas da antiguidade, como os Mistérios de Elêusis, de Deméter na Grécia?  

Basta ler a lenda do Purgatório de São Patrick na Irlanda, onde numa peregrinação agora cristã, os romeiros chegavam, jejuavam e rezavam durante 15 dias, e no fim eram desencorajados de continuar, mas se tivessem firme vontade de prosseguir eram metidos numa gruta por uma noite. 

Diz a lenda que nessa noite o romeiro caminhava na escuridão através de um túnel, para um recinto onde encontra quinze homems vestidos de branco que o advertem para regressar ao mundo dos vivos sob pena de ter de confrontar-se e ser torturado pelos demónios. 

Desse confronto com os demónios ele terá escapado por uma exigua ponte (‘as portas estreitas’ da Biblia) atravessando um abismo para um local onde é recebido pelos anjos e conduzido ao jardim de Eden.

Contextos cerebrais-culturais-alucinogénios no Xamanismo



Bases cerebrais-fisiológicas e contextos culturais no Xamanismo

Uso de plantas aluginogénias no Xamanismo 


O xamã usa técnicas de exaustão fisica (jejuns prolongados, danças prolongadas e ritmadas com som de tambor, privações de sono) para quebrar a barreira consciente e entrar em estado alterado de transe para comunicar com o Outro lado.

Estas técnicas usam o mecanismo fisiológico de aumentar a produção de adrenalina, diminuir os niveis de glucose no sangue e obrigar o cérebro a produzir endorfinas. 

São estas endorfinas que permitem a viagem xamanica em estado alterado de consciência.

O efeito das endorfinas produzidas pelo corpo assemelha-se ao efeito do uso de plantas alucinogénias (bebendo ayahuasca ou comendo cogumelos amanita).      


A Unidade Cósmica de que falam os grandes misticos e xamãs, tem um paralelismo fisiológico perto da zona das ondas cerebrais Teta (estado sonho) e Delta (estado mais profundo de sono) que, de certa forma, desbloqueiam o Véu que nos separa do Divino, e nos abrem as portas da intuição cósmica e da verdadeira Realidade.    

O xamã consegue este desbloqueio com técnicas de exaustão fisica, complementadas ou não, por alucinogénios mas tudo isto inserido no caldeirão-contexto cultural onde nasceu e foi criado o xamã, sem esse contexto não havia xamã primitivo. 

Quem hoje em dia, apenas usa as plantas alucinogénicas para obter esses estados de transe, será que consegue obter resultados espirituais estáveis e não meramente temporários?
 
A ideia moderna de utilizar os alucinogénios para, sem mais perdas de tempo, e com rapidez, chegar a Deus e à esfera do divino é uma mera ilusão !!!  

Porquê ? 

Porque se esquece o contexto espiritual e cultural ! 

Esquece-se que o seu uso tem de ser contextualizado ritualmente, sem uma atitude e um contexto religioso na preparação do alucinogénio não é possivel uma experiência mistica e extática.  

Será que se um descrente, um ateu sem nenhuma base espiritual, consumir alucinogénios, irá modificar a sua vida a partir daí ou terá apenas uma experiencia inesquecivel de luzes-paz-fogos de artificio para contar aos amigos ??    



A estabilidade e crescimento espiritual só se consegue quando existe uma fusão entre os estados alterados de consciência e o próprio substracto das crenças que cada pessoa tem dentro de si, quem nasce num contexto cristão, budista, islamico, de que vale obter êxtases com aluginogénicos se o que tem dentro de si nada tem a ver com essa experiência extra-sensorial, se a sua ‘espiritualidade’ interior não ‘condiz’ com esses estados de transe, de que vale a experiência senão para se dizer aos amigos que se ‘viu’ umas luzes ‘especias’ e se esteve ‘no céu e em paz’  por ‘uns momentos ‘ ?

Os alucinogénios usados sem contexto apenas desestruturam e idiotizam, quem se deita numa tenda depois de os consumir, sem mais, à  espera da chegada dos Deuses, o mais provável é que seja visitado por ‘outras’ entidades com intenções menos ‘nobres’...muitas vezes à custa da sua integridade mental !.        

No xamanismo primitivo quando eram usadas substancias alucinogénias, esse consumo era sempre precedido de rituais mágico-religiosos preparatórios, na maioria das vezes, dolorosos, pois envolviam longos periodos de isolamento, jejuns, abstenção sexual, privação sensorial, auto flagelação e exposição ao frio e calor extremos. 


O uso de alucinogénios no xamanismo primitivo necessita, pois, de um contexto honestamente espiritual para libertarem todo o seu potencial sacramental. 

É o contexto religioso em que se consome a planta ou o fungo que a torna, um verdadeiro ‘portador de Deus’, caso contrário será um mero psicotrópico recreativo.    

Aqui não havia lugar para a vaidade narcisista e a curiosidade fútil do homem moderno para com o consumo de alucinogénios,  alcançar Deus’ depressa....sem a necessária dor e morte interior do xamã primitivo,  tipo fast food espiritual.




O homem ocidental moderno vive num mundo sem alma e sem religiosidade, espiritualmente insatisfatório e angustia-se e anseia por algo mas só encontra no ’mercado’ aspectos superficiais como a moral e a crença das religiões oficiais e seitas de todo o tipo, os livros que oferecem todas as panaceias de revolução espiritual como o tema agora muito em voga da auto ajuda, as multiplas práticas pseudo videntes e espiritas, e o xamanismo urbano new age aprendido em workshops de fim de semana, em tudo isto o homem moderno, além de perder o seu dinheiro, pode em alguns casos, perder ou piorar a sua estabilidade mental que já não estava bem equilibrada antes.     
Mas são sinais dos tempos !
      
Qualquer prática espiritual tem um esqueleto base que vem da tradição, ou da genética do individuo, mas se esse esqueleto não é preenchido com a ‘carne’ dos mitos pessoais subconscientes que cada um de nós produz e tem dentro,  essa prática não conduz a  resultados significativos e permanentes por não terem sido implantados no campo da vida da pessoa e a transformarem. 

O fim da prática é e sempre será a Transformação interior do homem.   

As imagens internas criadas em transe êxtatico são criadas primeiro pelo nosso cérebro e formatadas a partir do fundo cultural insconsciente da cada pessoa (as crenças e rituais da comunidade fornecem material vivo ao cérebro) e são a fisiologia do cérebro e o contexto subconsciente da cultura onde a pessoa foi criada que dão corpo à imaginação criativa do processo extático xamânico.    

O cérebro processa o transe com aquilo que nós temos armazenado no nosso insconsciente pessoal e não com aquilo que desejamos. 

Sem uma profunda maturidade espiritual interior não se pode avançar para processos de auto conhecimento, xamanicos ou outros.   

Era impensável para o xamã tradicional pretender curar alguém sem ele próprio ter estado no limite fisico da morte e ter dela saido integralmente curado.





Para haver a fusão necessária, como acontecia no xamã tradicional, era preciso que as crenças espirituais interiorizadas na pessoa fossem metabolizadas (trabalhadas) num processo de transformação pelos efeitos da planta psicotrópica e aí sim, havia uma ‘cumplicidade’ de coisas semelhantes e originaria uma alteração psicológica e espiritual permanente.

Essa jornada do xamã tradicional para o mundo dos espiritos não acontece no vazio, acontece num contexto, num modelo de mundo panteista, animista e mágico, intrinsecamente inscrito na alma nativa. 

Havia então uma fusão entre o fora e o dentro, que permitia essa estabilidade permanente na comunicação entre planos, mundos diferentes.   


Hoje em dia, o dentro e o fora do homem moderno nada têm a ver um com o outro e daí a angustia permanente do homem moderno e a sua busca incessante por uma ‘solução’ para a sua crise espiritual, desde seitas, igrejas, workshops auto ajuda, new age paganismo e xamanismo, etc...  

Hoje em dia, nascemos e morremos sem percebermos que estamos perpetuamente num estado de auto-esquecimento, a dormir. 

Nesse sono nos demitimos do nosso livre arbitrio, e da nossa autoconsciência, aceitando de forma vegetativa a crença na redenção trazida pelas religiões de massas e na iluminação racional trazida pelas iniciações das sociedades de mistérios. 

São muito raros os casos em que a religião e o processo iniciático não sejam mais que um astuto processo de alienação, criado pelo nosso próprio eu para nos exonerarmos do trabalho de autotransformação. 

A civilização judaico-cristã fixou a consciência do homem no corpo mortal e limitada pelo espaço e tempo fisicos, ao contrário das sociedades animistas onde a consciência era função da alma e por isso era fluida e livre de sair do corpo, uma vive no tempo, a outra vivia na intemporalidade.

A civilização judaico-cristã, desfez o sagrado para criar pelo dogma o religioso, e esse religioso é a marca do ausente que é sentido como uma ferida aberta donde jorra o desepero e a solidão do homem moderno.    

Ao contrário, no xamã primitivo, não existe solidão, pois por toda a parte por onde caminha está sempre acompanhado pelo mais sagrado que é a sua alma em comunhão com este mundo e com os ‘outros’ .