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segunda-feira, 15 de março de 2021

A histeria do mercado com o gasto público

Por Wagner de Alcântara Aragão, no site Brasil Debate:


Um dos não muitos programas de Jornalismo com jota maiúsculo na televisão brasileira, o Profissão Repórter, comandado por Caco Barcellos, iniciou a temporada 2021 e, no segundo episódio, trouxe imagens e depoimentos tristes e desesperadores sobre a miséria e a fome, que se acentuaram no Brasil.

Uma pena, porém, o ingrato horário de exibição: uma hora da madrugada de uma quarta-feira (3 de março), praticamente.

Porque aquelas cenas e histórias precisam de ser mostradas em horário nobre. Quem sabe, com audiência massiva, haja uma sensibilização e mobilização maior para o enfrentamento do problema.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Quando cobramos dos mais ricos, não estamos falando de você

Terça-feira, 2 de Janeiro de 2018


Em novembro de 2017, escrevi um artigo em que fiz muitas críticas ao relatório do Banco Mundial sobre o Brasil. Um dos problemas que apontei foi a completa falta de sentido e a distorção causada pelo relatório quando se utilizava da composição de classes sociais do país. Não parecia racional, científico, muito menos honesto, atribuir o termo “privilégio” a pessoas que estivessem no 40% mais rico da população, por exemplo.

Pois bem, nas semanas que se seguiram, três trabalhos verdadeiramente científicos vieram à tona para acabar de vez com essa narrativa distorcida do Banco Mundial. Dois estudos realizados pela Oxfam e outro pelo World WealthandIncomeDatabase (WID) mostraram a realidade da divisão de classes no Brasil. E a conclusão é de que a desigualdade brasileira atingiu um nível tão alto que apenas uma parcela ínfima da população poderia ser considerada realmente rica.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O 1% mais rico do Brasil fica com 27% da renda nacional. Os 10% mais ricos, com 55%

Nova pesquisa liderada pelo francês Thomas Piketty mostra níveis alarmantes de desigualdade no País
Homem dorme na favela Nova Holanda, no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 13 de dezembro. Desigualdade e pobreza marcam a imagem do Brasil
Um estudo coordenado pelos franceses Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no século XXI, e Lucas Chancel, da Paris School of Economics, mostrou que a desigualdade de renda no Brasil, a depender do critério utilizado, é a maior do mundo ou tem padrões equivalentes aos verificados em regiões como o Oriente Médio e a África Subsaariana. 

Como crises humanitárias aumentam a vulnerabilidade de pessoas com deficiência


Violações de direitos humanos, riscos de vida e exclusão da ajuda humanitária estão entre os principais desafios enfrentados por pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis

Por Vivian Alt


A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 15% da população mundial, ou aproximadamente mais de 1 bilhão de pessoas no mundo, possua algum tipo de deficiência. Esse número tende a ser ainda mais elevado quando há ocorrência de desastres naturais ou conflitos armados, onde há maior probabilidade de acidentes e/ou violênica. Apesar do amplo conhecimento de que pessoas com deficiência estão mais expostas a riscos em crises humanitárias, na prática sua vulnerabilidade acaba sendo exacerbada. Entre as causas deste problema, estão a falta de mecanismos para identificar pessoas com deficiência, ausência de especialistas no tema atuando em organizações humanitárias e o não envolvimento de grupos ou indivíduos com deficiência no planejamento, implementação e monitoramento de intervenções humanitárias.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Enquanto o 1% de cima tem 51%, os 50% de baixo só têm 1%

Para deixar ainda mais escandaloso o quadro, se fazemos as contas com os 10% mais ricos, veremos que eles acumulam 89% de toda a riqueza do mundo!

Michael Roberts *

Equivale a 1% da população mundial. São os adultos que pertencem ao grupo dos mais ricos do mundo, e que reúnem 51% da riqueza global. Do outro lado da pirâmide, os adultos que compõem a metade inferior do espectro social, possuem juntos apenas 1% dessa riqueza.

sábado, 2 de janeiro de 2016

A grande seca do Nordeste

Foto de uma das vítimas da Grande Seca, Ceará, 1878. Foto de Joaquim Antônio Correia, “Vítimas da Grande Seca”, Albúmen, Carte de Visite, 9 X 5,6 cm, Ceará, CA. 1878. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.
Das grandes secas que assolaram o Brasil, uma das mais graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos de 1877 à 1879, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste. Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema. A situação foi tão desesperadora, que famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para outros estados, promovendo uma onda de imigrações.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Quem paga o pato são os trabalhadores, não os empresários

Com sua campanha, a FIESP apenas tenta manter os privilégios obtidos junto a esse mesmo Estado que ela tanto diz combater. A hipocrisia parece não ter fim.

Paulo Kliass*

O discurso do liberalismo radical exorciza toda e qualquer menção à presença do Estado na economia, nas relações sociais e mesmo no entorno da individualidade. Ao promover a confusão deliberada entre as liberdades do indivíduo e a liberdade de atuação para as forças de oferta e demanda no mercado, tudo fica turvo e abrem-se espaço para as raivas se manifestarem de maneira descontrolada.

A narrativa liberal parte do princípio de que a maior parte das pessoas não acha mesmo muito interessante a idéia de pagar impostos. Assim, deitar falação contra o dito “intervencionismo” fica muito fácil. Afinal, por que pagar a mais por uma mercadoria ou por um serviço que tem seu preço majorado em razão de uma alíquota que vai ser direcionada aos cofres da União, do Estado ou do município? Ou então qual a razão para ter a minha renda ou meu salário reduzido pela incidência de algum tributo que também vai parar nos cofres públicos?

Não quero! Lógico que não! Fora esse Estado, que só vem aqui me tungar e não oferece nada de qualidade em termos de serviços públicos, em troca desse recurso que é meu de direito. Filas imensas na rede pública de saúde? Educação de baixa qualidade nas escolas estaduais ou municipais? Dificuldades de atendimento nas agências da Previdência Social? Denúncias de corrupção nas empresas estatais? Chega! Fora com o Estado! E viva a iniciativa privada!


Liberalismo às avessas.


Esse é o caldo de cultura para santificar a lorota a respeito da eficiência intrínseca à atividade empresarial privada, bem como para condenar a incompetência e a roubalheira que os meios de comunicação transformam sempre em característica típica da intervenção estatal na economia. Assim, a derivação lógica é de que o Estado deva ser mínimo, para que o ambiente geral possibilite o florescimento do empreendedorismo mirabolante do capital privado. Maravilha!

No entanto, sabemos que a vida real é muito mais complexa do que esse mundo idealizado, típico de um sonho numa noite de verão. E o nosso capitalismo tupiniquim sempre foi, e continua muito dependente da presença desse Leviatã - demonizado a não poder mais - na economia. Na verdade, esse ente tão detestado na teoria pelos ideólogos do nosso liberalismo mal formado, sempre foi muito solicitado a prestar, de forma generosa, serviços essenciais ao capital.

É o caso típico da oferta de serviços públicos gratuitos e universais, como mecanismo de barateamento do custo de produção e reprodução da força de trabalho. Em bom português: forma de assegurar baixos salários. Basta que lembremos de educação, saúde, habitação, previdência, saneamento e outros bens públicos oferecidos pelo Estado. Ou então de toda a rede de infraestrutura montada pelo poder público ao longo das décadas, concretizada em energia elétrica, rodovias, ferrovias, telecomunicações, portos, aeroportos e outros. História de oferecer estruturas de custos de produção reduzidos para o capital, com a consequente elevação suas margens de lucro.


Impostômetro e sonegômetro.


As crises do capitalismo a partir da década de 1980 e o advento do neoliberalismo mudam essa paisagem. O Estado passa ser enxergado como adversário e a reação vem sob a forma da denúncia da suposta “elevada carga tributária”. Os grandes meios de comunicação oferecem todo o espaço necessário à estratégia de parte da liderança empresarial. Privatização, desregulamentação, liberalização transformam-se em panaceia e surge o medidor do “impostômetro”. Em 2005, o então presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, lança esse factóide com o intuito de sensibilizar a população em sua cruzada anti Estado. Quis a ironia da História que esse político de origem malufista viesse a fazer parte da base aliada dos governos Lula e Dilma, ocupando o cargo de Ministro da Micro e Pequena Empresa até poucas semanas atrás.

Ora, quem reclama contra os atuais 34% de participação de tributos no nosso PIB só pode estar agindo de má fé ou por ignorância. Essa porcentagem está na média dos demais países da OCDE e não representa nenhuma extravagância em termos de comparação internacional. O ponto central de debate refere-se a que tipo de sociedade desejamos construir. Um país solidário, contando com uma rede de serviços públicos de acesso universal, tal como previsto em nossa Constituição, pressupõe a necessidade de recursos orçamentários para que o Estado possa dar conta de tais tarefas.

O caminho oposto implica a privatização completa das atividades desenvolvidas ainda no âmbito da administração estatal e a transformação dos serviços públicos em simples mercadorias. Sob esse novo modelo, para a maioria da população tudo passaria a ter seus preços, seus contratos e suas condições de acesso. Quem não possuir saldo no cartão de crédito não se matricula na escola, não entra no hospital e não se aposenta pelo INSS. Simples assim.

Mas a hipocrisia desses chupadores de recursos públicos, travestidos de arautos do liberalismo, parece não ter fim. Afinal, é de amplo conhecimento a natureza extremamente regressiva de nossa estrutura tributária. Isso significa dizer que as camadas sociais da base da pirâmide são as que mais recolhem impostos em relação ao seu nível de renda e de patrimônio. Já as grandes corporações do capital e os setores concentrados no topo da escala social são os que menos contribuem sob a forma de obrigações tributárias. Pagam pouco, reclamam muito e sonegam a pleno vapor.

Foi por isso que se criou o movimento de denúncia: o “sonegômetro”. A idéia era fazer o necessário contraponto aos que reclamam sem razão, sempre sob o manto acolhedor das entidades representativas do empresariado. E ali se percebe que o volume total de impostos sonegados, desde o início do ano até o momento em que escrevo esse artigo, é de R$ 506 bilhões. Um volume absurdo, típico de quem se esconde atrás de nossa conhecida impunidade, com a colaboração tão bem remunerada de especialistas em planejamento tributário e com a segurança de que haverá sempre, no futuro, algum novo REFIS. Ou seja, um plano do governo para perdoar esse crime de sonegação e parcelar o valor devido em suaves 180 prestações mensais sem juros.


Quem paga o pato é o povo.


Por outro lado, a própria Receita Federal divulgou uma lista com o histórico dos maiores sonegadores do País, que não estão contabilizados nos bilhões acima mencionados. No caso, são dívidas reconhecidas pela União e que se encontram em diversos estágios de cobrança. Os 500 maiores devedores acumulam um valor não pago de R$ 400 bilhões junto ao governo federal. A Vale deve R$ 41 bi, o grupo Parmalat deve R$ 25 bi, a Petrobrás deve R$ 16 bi e por aí vai.

E agora ainda vem o Presidente da FIESP, Paulo Skaf, com essa estória do seu patinho amarelinho, muito bonitinho, todo charmosinho. Mas ele sabe muito bem a verdade a respeito de sua fábula mentirosa: quem paga realmente o pato da nossa desigualdade e quem arca com os custos do ajuste conservador são os trabalhadores e a maioria da população excluída de nossa terra. As elites, em nosso País, pagam muito pouco imposto e são responsáveis pela enormidade escandalosa da sonegação.

A direção da entidade, cuja sede ocupa um belo edifício na emblemática Avenida Paulista, apenas tenta jogar uma cortina de fumaça em sua estratégia de manter os privilégios obtidos junto a esse mesmo Estado, que tanto diz combater. Os dirigentes da entidade e os representantes do empresariado não medem esforços para manter seus ganhos e seus privilégios, atuando por meio de poderoso “lobby” junto aos corredores do poder.

O pato da FIESP pressiona contra a extinção do amplo leque de desonerações tributárias a favor do capital. O pato da FIESP atua pela ampliação da generosa política de crédito subsidiado, por meio da carteira do BNDES a juros reduzidos para as grandes empresas. O pato da FIESP coordena as ações para obtenção de benefícios públicos de toda a ordem, inclusive rompendo os limites da ética e da legalidade, como foi amplamente denunciado pelas diversas ações da Polícia Federal e do Ministério Público.


A FIESP berra, chia e bate o bumbo. Mas quem paga o verdadeiro pato é o povo, como sempre.



* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.


Texto original: CARTA MAIOR

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A política sórdida e o sofrimento dos brasileiros

Não há dúvidas: a causa da maior tragédia do país foi a redução de custos dos extratores, para entregar dividendos aos acionistas.
Najar Tubino



Sórdida é a política que defende seus interesses acima da realidade dos brasileiros, que continuam sendo mortos no campo – 46 assassinatos, o maior número desde 2004-, da maior tragédia ambiental do país, com a destruição de comunidades, do sustento da agricultura familiar que povoava a região da bacia do rio Doce, dos ecossistemas que foram soterrados pela lama tóxica e o PMDB elege o deputado federal Leonardo Quintão, de Minas Gerais, que é o garoto propaganda das mineradoras, como líder na Câmara dos Deputados. O relator do novo Código da Mineração é amigo do advogado Carlos Vilhena, que no início de dezembro apareceu no noticiário nacional, por ser responsável por acrescentar trechos do novo código. O advogado diz que sua participação foi voluntária, que é militante do setor mineral, além de integrante do escritório Pinheiro Neto, especialista em direito ambiental, que defende a Vale e a BHP.

A tragédia provocada pela mineradora Samarco, empresa que em 2022 pretendia dobrar de valor no mercado – e teve lucro de R$2,8 bi em 2014- faz parte da crônica da morte anunciada, assim como tantos outros eventos ocorridos no Brasil. No ano passado a mineradora inaugurou sua quarta usina de pelotização em Ponta de Ubu, no município de Anchieta (ES). O minério segue por 400 km no mineroduto – a empresa têm três minerodutos. A produção aumentou 37% com a nova usina, para 30,5 milhões de toneladas de pelotas. Desde 2013, a mineradora Samarco acompanha a tramitação de uma licença ambiental para o “Alteamento da Unificação das Barragens Germano e Fundão”, na Secretaria do Meio Ambiente Sustentável, de MG.

A Samarco trabalhava na unificação das barragens

O fato foi noticiado na segunda semana de dezembro como se fosse uma novidade. A última vistoria sobre o processo foi realizada em 11 de junho de 2014. A área atingida seria de 831,29ha, parte de mata nativa que seria detonada. O empreendimento, como diz o documento da Secretaria mineira está localizado a 2,7km do Parque do Gandarela, a única região ainda livre das mineradoras. Então, os especialistas perguntam: qual será a causa da tragédia? A barragem de Germano estava esgotada desde 2009, com 200 milhões de m3 de rejeitos. Precisavam alargar essa área, subir a barreira de 920 para 940m, e continuar jogando rejeito. A Vale tinha uma tubulação que distribuía o rejeito do Complexo da Alegria direto na Barragem do Fundão. O Departamento Nacional de Pesquisa Mineral, que fiscaliza o setor mineral, não sabia disso.

Mais: o DNPM logo depois da tragédia disse que a Vale em 2014 jogou 28% do rejeito acumulado no Fundão. A Vale tinha licença para despejar 5%. E logo depois do anúncio do DNPM pediu uma revisão dos números do órgão estatal. Essa é uma tática dos extratores, que assim como as petrolíferas, cooptam os setores fiscalizadores do Estado, entregam doações – caminhões, ambulâncias, equipamentos hospitalares – para demonstrar sua responsabilidade corporativa, suas metas do milênio da ONU. Depois vão colocar sua rede complexa de advogados especialistas para pagar o menor volume possível de indenizações.

A British Petroleum, responsável pela tragédia do Golfo do México em 2010 assinou em outubro de 2015 um acordo comm a Procuradoria Geral dos Estados para pagar 20 bilhões de dólares de indenizações pelos prejuízos. Pagou US$1,8 bi para os pescadores estadunidenses, mas deixou 25 mil mexicanos de fora – porque o governo de Felipe Calderon não processou a petrolífera. Os moradores ainda sofrem de depressão e ansiedade no Golfo do México – 20% da população segundo estudo da Universidade da Flórida, juntamente com três outras universidades. Entretanto, a petrolífera já têm prontos estudos que comprovam que não há dano permanente na região. Quarenta e oito mil pessoas foram afetadas por trabalharem na limpeza da lama oleosa e fétida, com produtos químicos contaminantes.

Laudo Técnico Preliminar do IBAMA

A batalha será longa no Brasil. Li o Laudo Técnico Preliminar da Coordenação Geral de Emergências Ambientais do IBAMA, que chegou à região do rio Doce dia 17 de dezembro para avaliar os impactos do soterramento. A lama tóxica carregada de metais pesados – cádmio, chumbo, cobalto, níquel, entre outro, além de arsênio matou os moradores, peixes e aves por asfixia. O ecossistema da Bacia do rio Doce, já detonado por constantes agressões ambientais – em Governador Valadares a vazão estava em 60m3 por segundo ao invés de 170 como seria o normal- e pela seca, mesmo assim mantinha uma quantidade enorme de espécies de peixes, aves e mamíferos.

O grupo de analistas recolheu 7.410 peixes moribundos, de 21 espécies – no rio Doce são 80 espécies, 11 consideradas em risco de extinção e 12 endêmicas. Muito pior: em 1º de novembro começa o período de piracema na região, que se estende até 28 de fevereiro. Os peixes sobem o rio para desovar. Os técnicos do IBAMA encontraram curimbatás com 800 gramas de ovas, 640 mil ovócitos, e alguns peixes pesando mais de 25 quilos, que ninguém imaginava que ainda existisse no rio Doce. A coleta foi realizada apenas em 150 km – a lama percorreu 663,2 km- do Baixo Gundu até Linhares, na foz. A maioria dos peixes da região é de pequeno porte, e muitos se deterioram rapidamente ou sequer vieram à tona. Daí saía o sustento de 1.249 pescadores profissionais de 41 municípios. Sem contar os outros moradores que tinham a possibilidade de pescar para consumo próprio.

Mercúrio utilizado no garimpo durante décadas em Mariana

Além da destruição total das comunidades, dos contaminantes que a lama fétida disseminou na região, os técnicos do IBAMA ainda comentaram outra variante da tragédia. A região de Mariana é um garimpo de ouro histórico, ainda hoje existe garimpagem no rio do Carmo. Significa que o mercúrio usado na separação do ouro do dolo e de outros materiais durante décadas – ele permanece no ambiente mais de 100 anos – que estava no leito do rio e de outros córregos, ou nas bordas em plantas, foi novamente colocado em suspensão.

“- Mesmo que os estudos e laudos indiquem que a presença de metais não esteja vinculada diretamente à lama de rejeitos da barragem do Fundão há de se considerar que a força do volume do rejeito lançado quando do rompimento da barragem provavelmente revolveu e colocou em suspensão os sedimentos de fundo dos cursos d’águas afetados, que pelo histórico de uso e relatos na literatura já continham metais pesados”, diz o Laudo Técnico Preliminar do IBAMA.

Para complementar: “o revolvimento possivelmente tornou tais substâncias biodisponíveis na coluna d’água ou na lama ao longo do trajeto alcançado, sendo a empresa Samarco responsável pelo ocorrido e pela consequente recuperação da área”.

A CPI do Pó Preto

E aqui temos outra questão: os rejeitos tóxicos terão que ser retirados do local, pois os próprios técnicos constaram até um metro de lama em algumas áreas. Para onde levarão os rejeito? A própria construção da barragem de rejeitos, com os próprios contaminantes já é uma estratégia barata das empresas, para não resolver a questão do que sobra do processo, que é um volume absurdo, perto do que é aproveitado.

Menos de um mês antes do soterramento nos afluentes Gualaxo do norte e do Carmo e depois em quase todo o rio Doce, em Vitória e na região metropolitana, a população participava da CPI do Pó Preto na Assembleia Legislativa, que entregou o relatório final no dia 7 de outubro. Trata-se do impacto na ponta final do processo de extração – a transformação do minério em pelotas, ou a fundição para produzir o aço. Em Vitória e Anchieta, a Vale têm oito usinas de pelotização, mais as quatro da Samarco e duas siderúrgicas da Arcelor Mittal. A Vale tem o maior terminal portuário de ferro e pelotas do mundo em Tubarão, na parte continental de Vitória.

O pó preto segue matando no Espírito Santo

O pó preto é liberado na atmosfera, carregado de ferro, manganês, enxofre, são partículas finas, algumas menores do que 2,5 micrometros, que entram nos alvéolos pulmonares e provocam infecções de todo tipo. Mais do que isso, também aumentam a incidência de doenças cardiovasculares, como infarto e AVC. Uma pesquisa da Secretaria Municipal de Vitória entre 2005 e 2009: o pó preto era responsável por 26% das internações por doenças respiratórias em menores de cinco anos; 25% das internações por doenças respiratórias em maiores de 60 anos e 22% das internações por doenças cardiovasculares em maiores de 45 anos.

A organização Mundial de Saúde já constatou que a poluição por material particulado de pequena dimensão tem impacto sobre a saúde mesmo em concentrações muito baixas. As empresas se baseiam em uma resolução do CONAMA de 1990 para liberar o pó preto. Em 2013, o governo estadual baixou um decreto para definir os limites. Os índices são o dobro do permitido pela OMS. Os representantes da Vale na CPI do Pó Preto declararam que a empresa é responsável por 15,8% da poluição e a Arcelor Mittal por 5%.

As recomendações da CPI incluem construção de hospitais, inclusive com UTI infantil, e o enquadramento dos rejeitos atmosféricos nos padrões da OMS. As empresas querem até 15 anos para se adaptarem. No dia 1º de dezembro no Vale Day, em Nova York o presidente da mineradora Vale, Murilo Ferreira disse que a empresa se isenta de responsabilidade legal pelo desastre. Já o diretor executivo de finanças, Luciano Pires disse que a empresa tinha duas conquistas em 2015: a entrega de projetos e a expressiva redução de custos. Ele lamentou o soterramento em Mariana, mas diz que a Vale tem o compromisso de tornar o rio Doce melhor. 

A causa da maior tragédia do país foi a redução de custos dos extratores, para entregar dividendos aos acionistas. Sobre o resto, contarão com seus aliados políticos, que eles pagam e com a complacência da justiça, que é muito eficiente, quando tem a oligarquia da mídia do seu lado. E retrógrada e tardia, quando se trata de corporações bilionárias.

Texto original: CARTA MAIOR

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Os justiceiros do Brasil pariram uma versão da Ku Klux Klan

Para combater os arrastões, alguns cariocas resolveram arregaçar as mangas e fazer o que Sheherazade chamou de 'compreensível': estão caçando 'marginais'.

Kiko Nogueira - Diário do Centro do Mundo

Marginais é uma forma carinhosa de definir todo os que vêm dos ônibus do subúrbio em direção a Copacabana, Ipanema, Leme ou Leblon. No domingo, 20, um coletivo foi parado por um grupo de jovens que tentou partir para o linchamento. “Meliantes” fugiram pela janela.

Tudo foi combinado numa comunidade do Facebook, “Copacabana Alerta”. Após a pancadaria, os elogios pipocavam: “Só assim temos alguma chance de mudar a situação”, dizia um sujeito.

Não é algo isolado. Um pessoal no WhatsApp promete o seguinte: “Próximo fim de semana, já sabem. Porrada vai comer e a chinela vai cantar. Esses pivetes vão ver que aqui se faz, aqui se paga”.

Um policial civil sugeriu algumas medidas: “Em caso de violência contra esses marginais, se alguém atirar e matar um merda desses, não forneçam imagens à polícia! Apaguem imediatamente! Digam que o sistema está com defeito!”

O sistema que está com defeito é outro. Num país em que um ministro do STF se sente absolutamente à vontade para criminalizar quem quiser, atirando gasolina na fogueira das instituições, por que o cidadão comum deveria ser mais civilizado?

O surgimento de gangues em redes sociais é absurdo. Na Alemanha, o discurso do ódio contra refugiados chegou ao limite. Na semana passada, o Facebook anunciou que vai trabalhar em conjunto com as autoridades para coibir manifestações de racismo e xenofobia.

O ministro da Justiça Heiko Maas acusou a rede de agir com rapidez apenas para remover posts com seios nus. Foi montada uma força tarefa. A argumentação é cristalina: segundo a lei alemã, comentários públicos incitando a violência baseados em preconceito religioso e étnico dão até três anos de cadeia. O Facebook não pode ficar acima da lei.

Por aqui, a página Morte ao Lula, por exemplo, criada por um advogado, segue firme e forte. Você conhece milhares de outros casos. Se alguém achava que chegamos ao fundo do poço, sempre é possível dar uma cavada. Um bando resolveu fazer uma versão brasileira da Ku Klux Klan.

Em Niteroi, uma praça amanheceu com cartazes de um tal “Imperial Klans of America Brasil” nos postes.

“Comunista, gay, judeu, muçulmano, negro, antifa, traficante, pedófilo, anarquista. Estamos de olho em você”, lê-se num deles. “Antifa”, caso você esteja curioso, é uma abreviação de antifascista.

Tias andam com cartazes perguntando “por que não mataram todos em 1964?” e os passantes oferecem um copo d’água. Tá tudo liberado.

Mais uma vez, ouça o bom conselho da jornalista alemã Anja Reschke, que denunciou a resposta tímida da sociedade diante dessa loucura crescente: “Você deve se fazer ouvir, se opor, tomar uma atitude, abrir a boca”.

Deve. Ainda que não dê em nada.

Texto replicado : CARTA MAIOR

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O GARROTE VIL DA CHANTAGEM E DOS JUROS


(Jornal do Brasil) - Pressionada, ainda antes de sua vitória nas urnas, pela oposição, o discurso neoliberal de enxugamento do Estado, e pelos erros - em princípio bem intencionados - cometidos nas desonerações, durante seu primeiro mandato, a Presidente Dilma Roussef fez mal em trocar a equipe econômica, e, de olho nas agências internacionais de "qualificação", ter cedido à chantagem do "mercado", colocando banqueiros para cuidar da economia brasileira, seguindo a receita ortodoxa de mais juros e mais arrocho, sob o mal disfarçado rótulo de "ajuste".

O campo neoliberal, dogmático e entreguista, e o sistema financeiro internacional, decidido e determinado a fazer com que o Brasil se submeta novamente, de corpo inteiro, a seus ditames, hipócritas e autoritários, agem como o lobo no cerco ao pobre cordeiro da fábula de La Fontaine. 

De nada adiantou o Brasil ter abaixado a cabeça e tentado fazer o "dever de casa", comprometendo-se a promover o "ajuste" e aumentando os juros. O rebaixamento - sórdido e imbecil aplicado por uma empresa multada em mais de um bilhão de dólares por ter enganado investidores, profissional e moralmente descreditada no exterior, entre outras personalidades, pelo Prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, que já chamou de palhaços seus analistas - veio do mesmo jeito, no bojo da estratégia geral de paulatino, lento "sangramento" do atual governo, por meio da Standard & Poors.

Agora, segue o baile, com o país paralisado, por causa da previsão de um ridículo déficit de 30 bilhões de reais no orçamento, que poderia ser de 60 ou 90 bilhões, que ainda assim não chegaria sequer a 10% de nossas reservas internacionais e o governo continua deixando que a imprensa e a oposição, dentro e fora do Congresso, ditem a pauta nacional, apedrejando o "aumento" dos impostos sobre o "povo", de um lado, com a CPMF, ao mesmo tempo em que impedem, com a outra mão, o aumento da taxação sobre os bancos, que estão - vide seus lucros - deitando e rolando com o constante aumento dos juros, principalmente, os da taxa SELIC.

Ora, o que o governo tinha que fazer é dizer que vai tirar 10 ou 20 bilhões de dólares das reservas internacionais, de 370 bilhões de dólares, acumuladas nos últimos anos, para cobrir esse suposto "buraco", cuja importância a imprensa conservadora tem multiplicado, já que significa uma quantia simbólica perto do PIB de mais de 2 trilhões de dólares (no ano passado alcançou 2.345 trilhões de dólares).

Ele poderia também suspender a proposta de imposto sobre a CPMF - que a população acha, erroneamente, que vai sangrá-la, quando ele é quase simbólico e facilitaria o combate à sonegação e à lavagem de dinheiro - taxando imediatamente os bancos, para aumentar a arrecadação, sem mexer no bolso do contribuinte, usando o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para evitar a explosão das tarifas.

E colocar os empresários da área produtiva, a FIERJ e a FIESP, para conversar com o Banco Central (leia-se COPOM) para baixar, paulatinamente, os juros, aliviando a situação fiscal do governo e revertendo psicologicamente a percepção exagerada de crise e de recessão promovida pela mídia conservadora, já que a queda recente da inflação, principalmente de alimentos, permite isso.

Isso, sem mexer no câmbio, cuja trajetória vem valorizando as reservas internacionais com relação ao real, diminuindo a dívida líquida pública, e reativando setores industriais de uso intensivo de mão de obra, que estão voltando a exportar. 
Se o Brasil estivesse quebrado e sem saída, tudo bem. 
Mas temos mais de um trilhão de reais em dólares, as sextas maiores reservas do mundo, e somos, depois da China e do Japão, o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos, números que - devido à proverbial incompetência do governo na área de comunicação, além da blindagem dos grandes meios de comunicação - continuam fora do alcance da percepção e do conhecimento da imensa maioria do povo brasileiro. 
Em uma situação de cruenta guerra política, e, principalmente, ideológica, como é o momento, com o avanço do fascismo nas ruas e na internet, não há, para qualquer governo, pior tática do que abandonar seus princípios para ceder paulatinamente à pressão do adversário, na esperança de que essa pressão se alivie. 
Até porque ela só tende a piorar cada vez mais, sadicamente - como o aperto implacável e constante, ininterrupto, do Garrote Vil, volta a volta do torniquete, no pescoço dos prisioneiros, pelas mãos dos carrascos na Espanha, nos tempos da ditadura de Franco. 

Texto original: MAURO SANTAYANA

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

6 ideias para que os super-ricos paguem a conta

Prestem atenção em 100 mil contribuintes. Se conseguir que eles percam as isenções escandalosas que têm, teríamos mais dinheiro do que com os ajustes.

Por Reginaldo Moraes, no site Brasil Debate

Faz alguns anos, a Receita Federal divulga os grandes números das declarações de renda. Neste ano, divulgou dados que nunca divulgara. E com isso ficamos sabendo, número por número, coisas estarrecedoras que só podíamos deduzir, observando o comportamento de nossos ricaços. Veja alguns destaques:

Quantas pessoas físicas fazem declaração?

Quase 27 milhões.

Qual é o “andar de baixo”?

Os 13,5 milhões que ganham até 5 salários mínimos. Se deixassem de pagar IR, a perda seria de mais ou menos 1% do total arrecadado pela receita. Só. E gastariam esse dinheiro, provavelmente, em alimento, roupa, escola, algum “luxo popular”.

Quais são os andares de cima?

São três andares:

1. Os que ganham entre 20 e 40 salários mínimos. Correspondem a mais ou menos 1% da população economicamente ativa. Podem ter algum luxo, pelos padrões brasileiros. Mas pagam bastante imposto.

2. Tem um andar mais alto. Os que ganham entre 40 e 160 SM representam mais ou menos 0,5% da população ativa. Já sobra algum para comprar deputados (ou juízes).

3. E tem um andar “de cobertura”, o andar da diretoria, da chefia. A nata. A faixa dos que estão acima dos 160 SM por mês. São 71.440 pessoas, que absorveram R$ 298 bilhões em 2013, o que correspondia a 14% da renda total das declarações. A renda anual média individual desse grupo foi de mais de R$ 4 milhões. Eles representam apenas 0,05% da população economicamente ativa e 0,3% dos declarantes do imposto de renda. Esse estrato possui um patrimônio de R$ 1,2 trilhão, 22,7% de toda a riqueza declarada por todos os contribuintes em bens e ativos financeiros. Pode estar certo de que são estes que decidem quem deve ter campanha financiada. Podem comprar candidatos e, também, claro, sentenças de juízes.

Quem sustenta o circo? Quem mais paga IR?

A faixa que mais paga é a do declarante com renda entre 20 e 40 salários mínimos, que se pode chamar de classe média ou classe média alta.

Quem escapa do leão?

O topo da pirâmide, o grupo que tem renda mensal superior a 160 salários mínimos (R$ 126 mil). As classes média e média alta pagam mais IR do que os verdadeiramente ricos.

Em 2013, desses 72 mil super-ricos brasileiros, 52 mil receberam lucros e dividendos – rendimentos isentos. Dois terços do que eles ganham sequer é taxado. São vacinados contra imposto. Tudo na lei, acredite. A maior parte do rendimento desses ricos é classificada como não tributado ou com tributação exclusiva, isto é tributado apenas com o percentual da fonte, como os rendimentos de aplicações financeiras.

Em 2013, do total de rendimentos desses ricaços, apenas 35% foram tributados pelo Imposto de renda pessoa física. Na faixa dos que recebem de 3 a 5 salários, por exemplo, mais de 90% da renda foi alvo de pagamento de imposto. Em resumo: a lei decidiu que salário do trabalhador paga imposto, lucro do bilionário não paga.

O que isso exige da ação política?

Quando a classe trabalhadora e suas organizações se enfraquecem, burocratizam ou recuam, deixam a ideologia e os sentimentos da classe média sob o comando da classe capitalista. Mais ainda, da sua ala mais reacionária. Pior ainda: a direita conquista até mesmo o coração dos trabalhadores que são tentados a se imaginar como “classe média”.

Na história do século 20, o resultado disso foi a experiência do fascismo, em suas múltiplas formas e aparições.

Nos últimos anos, os bilionários brasileiros e seus cães de guarda na mídia perceberam que podiam conquistar o ressentimento da classe média para jogá-la contra os pobres, os nordestinos, os negros, tudo, enfim, que se aproximasse dos grupos sociais que fossem alvo de políticas compensatórias, de redistribuição. E contra governos e partidos que tomassem essa causa.

E a esquerda, de certo modo, assistiu a essa conquista ideológica sem ter resposta. Uma resposta política: a criação de movimentos reformadores que fizessem o movimento inverso, isto é, colocassem essa classe média contra os altos andares da riqueza. Nós não soubemos fazer isso. Talvez pior: acho que nem tentamos fazer isso.

Aparece agora essa urgente necessidade e a providência divina, travestida de Receita Federal, nos traz uma nova chance.

Já sabíamos que os brasileiros mais pobres pagam mais impostos, diretos e indiretos, do que os brasileiros mais ricos. Sabemos que todos pagamos imposto sobre propriedade territorial urbana – o famoso IPTU. E conhecemos o estardalhaço que surge quando se fala em taxar mais os imóveis em bairros mais ricos.

Mas sabemos coisa pior: grandes proprietários de imóveis rurais não pagam quase nada. Sobre isso não tem estardalhaço. É assim: se você, membro da “classe média empreendedora” passeante da Avenida Paulista, tem uma loja, oficina ou restaurante de self service, paga um belo IPTU. Se você fosse um grande proprietário rural (como os bancos e as empresas de comunicação), seu mar de terras com uma dúzia de vacas não pagaria ITR. Ah, sim, teria crédito barato.

Tudo isso já é mais ou menos sabido e merece reforma. Mas ainda mais chocante é o que se chama de “imposto progressivo sobre a renda”, que agora sabemos que é ainda menos progressivo do que imaginávamos.

Faz algum tempo escrevi um artigo dizendo que a Receita Federal deveria concentrar sua fiscalização na última faixa dos declarantes pessoa física, responsável por 90% do IR. Se o resto simplesmente deixar de pagar não vai fazer tanta diferença. Além disso, a faixa mais alta é aquela que menos recolhe na fonte e a que mais tem “rendimentos não tributáveis” e de “tributação exclusiva”, isto é, rendimentos derivados de investimentos, não de pagamento do trabalho.

Fui injusto ou impreciso, moderado demais. A Receita e os legisladores podem economizar mais tempo do que eu supunha. Basta que prestem atenção em 100 mil contribuintes, do total de 26 milhões. Essa é a mina. Se conseguir que eles paguem o que devem e se conseguir que eles percam as isenções escandalosas que têm, posso apostar que teremos mais dinheiro do que os ajustes desastrados e recessivos do senhor ministro da Fazenda.

O que isso significa para o que chamamos de esquerda – partidos, sindicatos, movimentos sociais? Sugiro pensar em um movimento unificado com uma bandeira simples: que esses 100 mil ricaços paguem mais impostos e que deem sua “contribuição solidária” para reduzir a carga fiscal de quem trabalha. É preciso traduzir essa ideia numa palavra de ordem clara, curta e precisa, mobilizadora. E traduzi-la numa proposta simples e clara de reforma, cobrada do governo e do Congresso. A ideia é simples: isenção para os pobres, redução para a classe média, mais impostos para os ricaços.

Talvez essa seja uma boa ideia para fazer com que a “classe média” que atira nos pobres passe a pensar melhor em quem deve ser o alvo da ira santa. Afinal, milhares e milhares de pagadores de impostos foram para as ruas, raivosos, em agosto, enquanto os nababos que de fato os comandam ficavam em seus retiros bebendo champanhe subsidiada.

Os passeadores da Avenida Paulista são figurantes da peça, eles não sabem das coisas – os roteiristas e produtores nem deram as caras.

Em que rumo os partidos e movimentos populares devem exigir mudanças?

1. É justo e perfeitamente possível isentar todo aquele que ganha até 10 salários mínimos. Não abala a arrecadação se cobrar um pouco mais dos de cima.

2. É necessário e legítimo criar faixas mais pesadas para os andares mais altos. Mas não é suficiente.

3. É preciso mudar as regras que permitem isenção e desconto para lucros e dividendos.

4. É preciso e é legítimo mudar as regras para os pagamentos disfarçados, não tributáveis, em “benefícios indiretos”. A regra tem sido um meio de burlar a taxação.

5. É preciso e é legítimo mudar as regras de imposto sobre a propriedade territorial. A classe média estrila com o IPTU. Mas deveria é exigir cobrança do ITR.

6. É preciso ter um imposto sobre heranças. Com isenção para pequenos valores e tabela progressiva.

Texto original : CARTA MAIOR

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Vulnerabilidade social caiu 27%, aponta Ipea

Relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada publicado nesta terça-feira indica País menos desigual socialmente

Em estudo lançado nesta terça-feira (1º), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que, de 2000 a 2010, o Brasil reduziu o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). Durante o período, o País destacou-se pela implementação de um conjunto de políticas públicas responsáveis pela erradicação da fome e da pobreza extrema. 

De acordo com o Atlas da Vulnerabilidade Social nos Municípios Brasileiros, em 2000, o índice estava fixado em 0,446, taxa considerada de alta vulnerabilidade social. O último valor contabilizado pela entidade, referente a 2010, foi de 0,326 — uma queda de 27% em relação à medição anterior. Em 2010, eram 3.610 os municípios brasileiros que apresentavam alta vulnerabilidade social. Dez anos depois, constatou o Ipea, eles haviam diminuído para 1.981.

O resultado retira o Brasil do ranking dos países com alta vulnerabilidade social, posicionando-o na faixa média. A nova colocação é reforçada, ainda, pelo número de municípios com baixa ou muito baixa vulnerabilidade social: em uma década, eles passaram de 638 a 2.326.

O Ipea chama a atenção para alterações no índice das diversas regiões brasileiras. Segundo o Instituto, a evolução apresentou-se com maior nitidez no Centro-Oeste [especialmente a faixa de fronteira de Mato Grosso do Sul (MS)], no Norte [com destaque para o Estado de Tocantins (TO)] e no Nordeste [sul da Bahia (BA), Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN) e leste de Pernambuco (PE)].

Infraestrutura urbana

Um dos subíndices na medição da vulnerabilidade social, o IVS Infraestrutura Urbana mede a evolução das condições de moradia dos brasileiros por meio de três indicadores: abastecimento de água e saneamento básico adequados, coleta de lixo e o tempo gasto pelas pessoas no descolamento diário ao local de trabalho.

Em 2000, a maioria dos municípios do Sul e do Sudeste já se mantinham com índices muito baixos, enquanto o Nordeste detinha certa heterogeneidade e o Norte destacava-se pela alta vulnerabilidade social em relação à infraestrutura urbana. Dez anos depois, a penúltima das regiões apresentou alterações expressivas. A última, uma pequena evolução.
Capital humano


O IVS que mede o estoque de capital humano e seu potencial de construção junto a novas gerações (combinando elementos do capital familiar com o escolar) orienta-se pelos seguintes fatores: mortalidade infantil; crianças e adolescentes até 14 anos fora da escola; mães precoces; mães chefes de família, com baixa escolaridade e com filhos menores de idade; baixa escolaridade domiciliar estrutural; e a presença de jovens que não trabalham ou tampouco estudam.


No início do século, praticamente todo o Brasil estava fixado na faixa de alta vulnerabilidade no que diz respeito ao capital humano, com algumas exceções nos estados de São Paulo (SP) e de Minas Gerais (MG) e na região Sul. Em 2010, os indicadores passaram a apresentar avanço considerável no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul.

Renda e trabalho

Segundo o Ipea, a vulnerabilidade de renda é medida por indicadores do fluxo de renda presente, levando em consideração fatores como a desocupação de adultos; a ocupação informal de adultos pouco escolarizados; a existência de pessoas em domicílio que dependem da renda de pessoas idosas; e a presença de trabalho infantil.

Em 2000, a grande maioria dos municípios brasileiros estava na faixa de alta vulnerabilidade em relação à renda e ao trabalho, à exceção da região Sul e de algumas poucas localidades no Sudeste (SP e MG) e no Centro-Oeste [Mato Grosso (MT) e MS]. Em 2010, o estudo do Ipea acusou um aumento no número de municípios do Sul com baixo IVS Renda e Trabalho.

No Portal Brasil

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Dize-me o que escutas e eu te direi quem és

Policiais e juízes estão usando como indício o tipo de música ouvido pelos suspeitos por tráfico.

Danilo Cymrot*

A Lei de Drogas brasileira (Lei 11.343/2006), no parágrafo 2º de seu artigo 28, oferece alguns critérios para se diferenciar o usuário do traficante, prescrevendo que, para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, “o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. A diferenciação é importantíssima, tendo em vista que o uso é apenado com advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (artigo 28), enquanto o tráfico é apenado com até 15 anos de reclusão (artigo 33).

Dado que a lei não estipula uma quantia determinada de droga para caracterizar o tráfico, o juiz goza de uma margem grande de discricionariedade para tipificar a conduta e, consequentemente, definir o destino do réu. A criminologia crítica aponta que a origem social e a cor de pele acabam tendo peso considerável na seletividade da política de drogas, grande responsável pelo encarceramento em massa no Brasil.

sábado, 16 de maio de 2015

A pobreza sai às ruas nos EUA mais que no Brasil

Na meca do capitalismo, 45 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Mas parece que os arautos do american way of life não querem ver.

José Carlos Peliano

Os críticos do país não usam óculos, resistem ou não querem ver direito, embora haja casos que merecem internação definitiva para recuperação ocular e mesmo cegueira. Não só da oposição política propriamente dita mas da midiática também. Enxergam qual país? Qual deles é o que vale?

Falar mal do país virou tônica diária dos oposicionistas. Como prato principal e sobremesa. Nem os cafezinhos nos intervalos do trabalho escapam. O país para eles afunda em corrupção e economia fraca, decadente.

Bom, mas disso tudo já sabíamos, infelizmente, desde o final do primeiro governo de Dilma. O pior é que não se cansaram, nem se cansam, querem ou ganhar no tapetão ou criar dificuldades diárias, permanentes, até secar as expectativas de aposta política e recuperação econômica.

Tentaram bandeiras, faixas, panelas, reportagens falsas, notícias mentirosas, denúncias sem provas, samba do crioulo doido como diria Stanislaw Ponte Preta nos idos dos anos 60. A baderna política na busca de perdurar imagens caricatas do governo eleito democraticamente.

O pior é que não só deturpam a realidade. Não enxergam como convém com nenhum dos olhos o que ocorre no país tampouco no vizinho que tanto adoram, onde mora o Tio Sam. Diria minha avó, para que enxergar direito se eles querem mesmo é ver errado?

Pois bem, enquanto já caem de pau sobre a performance do PIB brasileiro no 1o trimestre desse ano, com queda prevista de 0,5% em relação à leve alta de 0,1% no 3o trimestre de 2014, os EUA registraram queda de 0,2% diante de alta de 2,2% nos mesmos períodos (fonte: Federal Reserve, o banco central norte-americano).

Desaceleram ambas as economias, tendo sido o tombo mais acentuado nos EUA. O Brasil está pelo menos de farol baixo desde a 2a metade do ano passado por várias razões, inclusive pela pressão política dos empresários nacionais sobre a política econômica como tentativa de reversão do quadro sucessório.

A mesma fonte norte-americana de informação indica que ocorre naquele país um período de estagnação econômica após o curto surto de recuperação, ao qual se apegaram muitos países em dificuldades e que agora não sabem bem para onde caminhar. 

As exportações recuaram nos EUA, o que mostra a menor procura do setor externo: China em ritmo menor de crescimento, a Zona do Euro pior, às voltas com a austeridade, e os emergentes boiando meio que na expectativa. Já o consumo interno igualmente volta atrás, o que revela a atenuação dos ganhos de renda da população americana.

Guardadas as devidas e honrosas proporções, fenômeno semelhante ocorre no Brasil, apimentado ademais pela quadra difícil dos embates jurídicos com relação aos desvios na Petrobras, o resultado do pleito presidencial ainda atravessado na garganta da oposição e o ataque feroz e diário da mídia desde o ano passado. Qualquer economia sofreria o mesmo tranco.

O Bureau do Censo estadunidense informa que a população que vive abaixo do nível de pobreza de lá está em torno de 14,5% ou 45 milhões de pessoas. Como se pode imaginar que a meca do capitalismo moderno apresenta quadro tão alarmante de pobreza? Pois é o que ocorre, o que os arautos do american way of life não querem ver, se emudecem ou olham de revés.

No Brasil**, em fins de 2013, a população em estado de pobreza era de 8,8% e em estado de extrema pobreza 4%, ou 12,8% na soma, cerca de 26 milhões de pessoas. A comparação é imperfeita porque a renda limite de lá é bem superior, mas o que vale são as condições vigentes em cada país, quanto ao custo de vida, as necessidades básicas e as oportunidades de ascensão social.

Daí o tamanho da pobreza aqui ser pouco mais da metade dos EUA. Não adianta o contra-argumento de que no limite de lá caberiam muito mais brasileiros porque os ricos daqui igualmente não chegariam aos pés dos de lá. Tudo relativo.

A grande diferença, contudo, está no fato de que nos EUA o contingente pobre aumentou, enquanto aqui no país ele declina. De 2006 a 2014 nos EUA o nível de pobreza veio de 12,3% a 14,5%, sem falar no contingente de sem teto que aumenta cada vez mais nas ruas das metrópoles. Enquanto no Brasil vem de 22,6% a 12,8% no mesmo período. Isso mostra que a política econômica brasileira privilegiou a população mais necessitada, enquanto nos EUA o benefício ficou para os abastados.

Os bons reflexos da economia chegaram ao custo da cesta básica no país ajudando a recuperação da renda real dos pobres. A relação custo da cesta básica/valor do salário mínimo evoluiu de forma descendente desde dezembro de 1995 até dezembro 2014. De 91,5% a 44,9% em São Paulo e de 72,7% a 35,6% em Fortaleza.

A grande dificuldade de recuperação estadunidense em relação ao Brasil, no que se refere ao mercado interno, sem depender da evolução das transações com o exterior, é o fato de que a população trabalhadora de lá tem um peso mais acentuado para as condições do país.

Em tempos recentes a criação de empregos americanos tem sido nos setores urbanos de comércio e serviços, onde os salários são menores. Daí para que a economia se expanda há que se criar mais e novos empregos com salários maiores, o que vai exigir projetos de médio e longo prazos nos setores industriais e de alta tecnologia. Vai demandar tempo.

Aqui no Brasil nem tanto. Um reforço ao mercado interno vai consolidar o que já existe, especialmente em relação aos trabalhadores com menores salários. Com a expansão de projetos de infraestrutura o impulso fica por conta dos setores de bens de capital e intermediários, que geram valor e reproduzem mais oportunidades de negócios, renda e emprego através do chamado efeito multiplicador dos investimentos.

De onde virá o impulso gerador? O primeiro ministro chinês anunciou esta semana a intenção da China investir US$ 53 bilhões no país em infraestrutura, exatamente a área que o governo federal anunciou como prioritária para expansão de projetos. 

Além do banco dos BRICS com recursos para a mesma área e correlatas, que deve finalmente ser operacionalizado mês que vem em reunião na Rússia. Outros bilhões virão do Pré-Sal apesar da pressão de opositores que querem abrir o setor para a combalida economia americana.

Mas isso só será bem sucedido e em pouco tempo caso o ministro da Fazenda não segure mais e indevidamente as rédeas da economia brasileira. Outro da turma dos que precisam enxergar melhor o que se passa aqui e lá fora. 
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José Carlos Peliano é colaborador da Carta Maior.

**Dados do Brasil são de Vinte Anos de Economia Brasileira 1995/2014, Gerson Gomes e Carlos Antônio Silva da Cruz, Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI.

Texto original: CARTA MAIOR

sábado, 25 de abril de 2015

Projetos do Banco Mundial desalojaram 3,4 milhões desde 2004

Em contraste com as "missões para dar fim à pobreza", novo relatório mostra legado destrutivo dos projetos do Banco Mundial ao redor do planeta.

Nadia Prupis, da Common Dreams



O Banco Mundial regularmente quebra sua promessa de proteger os direitos indígenas ao financiar projetos que deslocam ou ameaçam as populações mais vulneráveis no planeta, de acordo com nova investigação.

Despejados e Abandonados, relatório conjunto publicado na quinta-feira pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e muitos outros veículos, descobriu que uma série de projetos financiados pelo Banco Mundial – incluindo represas e usinas de energia – expulsaram 3.4 milhões de pessoas de suas casas ou terras ao redor do mundo desde 2004.

ICIJ revisou mais de 6.000 documentos do Banco Mundial, entrevistou atuais e ex-empregados e representantes de governos que estiveram envolvidos nos projetos financiados pelo Banco e descobriu que, em muitos casos, o Banco Mundial violou suas próprias políticas internas e ignorou despejos causados pelos seus projetos. A organização também não fez nada para garantir a segurança ou bem-estar dos deslocados, em muitos casos não fornecendo novas moradias ou perspectivas de emprego, como solicitados.

“Freqüentemente não havia intenção por parte dos governos de cumprir – e não havia intenção por parte das gerências dos bancos de fazê-los cumprir,” disse Navin Raj, um ex-representante do Banco Mundial que foi responsável pela proteção indígena da organização de 2000 a 2012. “Era como o jogo acontecia.”

Entre 2009 e 2013, os credores do Grupo Banco Mundial investiram $50 bilhões de dólares em projetos – como dutos de petróleo, minas e represas – que eram mais inclinados a terem impactos sociais ou climáticos “irreversíveis ou sem precedentes,” como deslocamentos físicos ou econômicos, os quais já provaram “destruir redes de contatos chave e aumentar riscos de doenças e patologias,” de acordo com o relatório.

“Populações deslocadas estão mais inclinadas a sofrer com o desemprego e fome. As taxas de mortalidade são maiores,” declara o relatório. Além disso, o Banco Mundial junto do setor privado apoiou financeiramente regimes e companhias que foram acusados de violações aos direitos humanos incluindo estupro, assassinato e tortura. Em alguns casos, os credores continuavam a financiar as operações mesmo depois da aparição de evidências de tais abusos.

Na Etiópia, uma iniciativa que era focada na saúde e educação levou a apropriações ilegais de terra as quais envolveram violentos despejos em massa. As autoridades no local desviaram milhões de dólares de um projeto do Banco Mundial para financiar esses deslocamentos forçados e, em 2011, soldados que foram responsáveis por dar continuidade aos despejos mataram ao menos sete pessoas e visaram camponeses para espancamentos e estupros, de acordo com o relatório.

O Painel de Inspeção do Banco Mundial descobriu que a organização falhou ao reconhecer um “link operacional” entre a iniciativa na Etiópia e a campanha de despejo em massa – uma supervisão que violou as próprias regras do Banco Mundial.

Na Nigéria, um projeto fundado pelo Banco para melhorar o suprimento de água, estradas e energia em Lagos resultou no despejo de quase 2,000 moradores de favelas em Badia Oriental. Depois de os moradores de Badia alertarem o painel de inspeção, a presidenta da comissão Eimi Watanabe se recusou a abrir uma investigação. Em vez disso, mandou que negociassem com o governo estadual de Lagos, o qual cedeu algumas quantias de dinheiro como compensação. O painel então fechou o caso por causa do “progresso feito e da provisão rápida de compensação ao povo deslocado”.

Através de projetos nesses países e Albânia, Brasil, Honduras, Gana, Guatemala, índia, Quênia, Kosovo, Peru, Sérvia, Sudão do Sul e Uganda, o Banco Mundial “falhou em proteger pessoas deslocadas em nome do progresso”, afirma o relatório.

“Nesses países e outro”, a investigação conclui, “os bancos prejudicaram moradores de favelas urbanas, agricultores, pescadores empobrecidos, moradores de florestas e grupos indígenas – deixando-os para que lutem por suas moradias, terras e modos de vida, algumas vezes com intimidação e violência,” diz o relatório.

Em carta conjunta ao Banco Mundial publicada na quarta-feira, 85 ONGs alertaram a organização a abordar as “inúmeras falhas do sistema de garantias” e resolver “suas falhas fundamentais profundas, identificando as pessoas que foram deslocadas pelos projetos financiados pelos bancos e fornecendo a eles opções de desenvolvimento sustentáveis por meio de uma série de projetos novos”.

Dentre os signatários está o Humans Right Watch, Oxfam International e a Fundação de Lei Africana, assim como Raquel Rolnik.

As descobertas do relatório são “profundamente perturbadoras,” diz a carta. “Enquanto é importante que a revisão de projetos financiados pelo Banco tenha sido publicada, a falta de transparência demonstrada pelo banco em referência às descobertas do relatório – por 3 anos no caso da parte 1 e 9 meses no caso da parte 2 – é inaceitável para uma instituição pública”.
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Tradução de Isabela Palhares.

Créditos da foto: EBC

Texto original: CARTA MAIOR

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O império norte-americano apodrecendo por dentro

Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%.

Luis Matías López - público.es

Este artigo fala sobre como o império norte-americano está afundando, podre por dentro, mas estufando o peito e com uma enganosa aparência de boa saúde. Como na Trilogia USA, de John Dos Passos, cheio daquele aroma esquerdista das primeiras três décadas do Século XX, o livro Desagregação – Por Dentro de Uma Nova América, de George Packer, jornalista oriundo da escola do The New Yorker, fala dos trinta anos de lenta decadência ianque, com os momentos decisivos desse processo, a partir da crise do petróleo em 1973 (“o último ano da Década de 50”, segundo um dos personagens do libro). Naquele momento, os Estados Unidos submergiu numa crise existencial e de identidade, uma fratura interna cujo resgate requer mais que a simples recuperação econômica.

Se Dos Passos apresentava doze personagens de ficção representativos da realidade social da época (desde um tipógrafo, a uma empregada, um mecânico ou um jornalista e ativista), Packer expõe a experiência vital de um punhado de personagens reais. Através deles reflete as luzes e sombras de um país no divã do psiquiatra, fragmentado e dividido, das cidades sem alma e em processo de descomposição, cada vez mais dependente do veículo privado, sem redes de transporte que facilitem a integração e a atividade comunitária, com bairros arrasados pelo tsunami dos despejados desabrigados.

Trata-se de um país que, enquanto ostenta ainda a supremacia tecnológica e científica, poderá manter a liderança mundial, e dar lições de moralidade e democracia. Apesar disso, o país vai descobrindo que é mais desigual que nunca, discrimina seus cidadãos, rouba seu dinheiro e seus serviços essenciais, destrói a classe média, o tecido social com o que, durante muitas décadas, vestiu seu modelo de grandeza. Com uma analogia extrema, pode-se dizer que as opções hoje estão entre ganhar um milhão de dólares por ano ou nove dólares por hora trabalhando no Wal-Mart.

Packer expõe este lamentável panorama em Desagregações, mas sem o mesmo fôlego ideológico esquerdista de Dos Passos, deixando uma certa margem, para que nem todos os leitores tirem as mesmas conclusões, mas com uma eficácia similar. Seus personagens são parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos da Trilogia USA. O fato de serem reais agrega um pouco mais de força como categoria. O livro segue suas rotinas através dos tempos, vê como eles evoluem, se derrubam e se levantam, enfrentam dificuldades, os vê confiar e se decepcionar com os políticos, a ilusão com projetos empresariais condenados ao fracasso, e também os casos excepcionais onde se faz realidade o individualista e quase nunca solidário sonho americano.

Gente comum, pode ser um jornalista cheio de ideais que vasculha a sujeira das hipotecas do subprime que destruíram milhões de famílias indefesas diante das entidades financeiras; uma operária negra, mãe solteira e filha de uma viciada em drogas, expulsa do mercado de trabalho pela crise da indústria metalúrgica, e que se transforma em ativista comunitária; um visionário empreendedor que combate a crise da gasolina cara (uma tragédia para o estilo de vida norte-americano, hoje contornada pela queda no preço do petróleo) desenvolvendo a produção de biodiesel, usando até mesmo óleo jogado fora pelos restaurantes; um magnata do Silicon Valley que se tornou rico com Facebook, PayPal e outros projetos tecnológicos, mas que logo vai às bordas da ruína e reclama das universidades que não ensinam como gerir uma empresa; um assessor político e lobista testemunha das misérias da política, mas que mantêm durante décadas uma lealdade a Joe Biden (atual vice-presidente) que não sintoniza com o perfil egoísta que se conhece dele; um magnata corresponsável pelo crash financeiro que, apesar de tudo, termina sendo Secretário do Tesouro do Governo Obama… e um Obama que representou a esperança quando foi eleito, mas que, a cada dia que passa, se revela mais parecido com outro presidente vendido (ou acolhido) pelos poderes fáticos, a começar pelo financeiro.

Não somente os cidadãos são personagens em Desagregação. As cidades também, e duas muito em particular: Youngstown (Ohio) e Tampa (Florida). A primeira foi sempre irrespirável, e não no sentido figurado, já que há anos as chaminés dos altos-fornos formam parte da paisagem urbana, e sujam o ambiente com suas pestilentes emanações. Ao mesmo tempo, esse veneno inevitável era o símbolo da prosperidade, garantia o pleno emprego e bons salários, dando aos habitantes a oportunidade de organizar suas vidas sem angústias materiais. Até que a crise veio e esvaziou muitos bairros, atingiu milhares de famílias que não podiam pagar hipotecas a preços irreais, multiplicou as cotas de delinquência e a proporção de pobres dependentes da assistência social, e forçou a uma diminuição da população de forma brutal e irreversível.

Algo parecido ocorreu em Tampa, embora essa região da Florida o impacto no desenvolvimento não foi na indústria metalúrgica, mas sim na do sol fonte de qualidade de vida que deveria atrair os endinheirados de todo o país, o que provocou uma descontrolada bolha imobiliária, com novos bairros se proliferando como fungos, os preços das propriedades dobrando de valor de um dia pro outro, onde quem não tinha onde cair morto embarcava na compra imobiliária em prestações, com a confiança de que em pouco tempo poderia vender e ganhar lucros fabulosos. Algo parecido ao que aconteceu na Espanha, mas numa escala ainda mais brutal. Porque a consequência foi uma epidemia de despejos. Quando a bolha estourou, o vazio destruiu as ilusões de milhares. O peso da falta de consciência, estimulada sem escrúpulos pelos especuladores, fez com que tantos sofressem um golpe do qual a maioria não conseguiria se recuperar jamais.

O sonho de Tampa era o de se transformar na “próxima grande cidade americana”, promovido inclusive com duas finais do Super Bowl e uma convenção do Partido Republicano, e não restou nada. Enquanto isso, a política, sempre a maldita política, e a emergência explosiva do Tea Party, impediam que surgissem projetos de regeneração da qualidade de vida para os cidadãos, como o de uma linha ferroviária urbana que reduzisse a dependência do automóvel privado, a reabilitação do centro como ponto de encontro dos moradores, para acabar com o isolamento dos bairros mais distantes, nascidos da péssima planificação urbanística e privados de serviços mais essenciais.

Assim como nos livros de John Dos Passos, Packer mescla as histórias individuais, fruto de centenas de entrevistas, com os retratos nem sempre condescendentes (e às vezes destrutivos) confeccionados a partir de fontes secundárias, de personagens conhecidos como o escritor Raymond Carver, o cronista da desesperança operária durante a Era Reagan, transformado em clássico moderno; o político republicano Newt Gingrich, personificação do conservadorismo mais reacionário; o empresário San Walton, dono do gigante das vendas baratas, criador do Wal-Mart, referência em termos de salários miseráveis e intolerância com os sindicatos; a apresentadora Oprah Winfrey, o rapper Jay-Z, o economista e Secretário do Tesouro Robert Rubin, a ativista Elisabeth Warren e a paladina da comida saudável e ecológica Alice Waters. Junto com eles, vários perdedores sem esperança de redenção, sempre na luta desesperada por conseguir uma assistência médica adequada, um covil onde se possa viver mal em troca de uns poucos dólares e ter o suficiente para comprar algumas roupas e dar de comer aos filhos, com a necessidade vez ou outra de ter que aceitar as humilhações da sempre insuficiente caridade pública ou privada.

Essa Desagregação, citada no título livro, trouxe paradoxalmente “muito mais liberdade”, segundo Packer. Liberdade de ganhar ou perder (“o esporte favorito dos norte-americanos”), para superar o fracasso e refazer a vida na terra das oportunidades, onde qualquer um pode chegar a ser presidente. Mas, sobretudo, liberdade para que te despeçam, te droguem, te levem à bancarrota, para que você fracasse, fique sozinho (a porcentagem de famílias de uma só pessoa é a mais alta da história)…Liberdade que faz desaparecer o tecido industrial, arrasa as cidades e os pilares da cidadania, das igrejas aos sindicatos e as organizações cívicas.

Pode-se argumentar que, de toda forma, e muito mais claramente que na Espanha, esse desmoronamento social foi contido, que a economia dos Estados Unidos leva vários anos em expansão, que a taxa de desemprego foi tão reduzida que quase se pode falar em pleno emprego, que o pior já passou, que chegou de novo a hora do otimismo. Mas se trata de uma ilusão, porque a forma com que políticos, banqueiros e grandes empresários enfrentaram essa crise não curou as feridas, não ha reconstruiu o tecido social que havia antes. Até porque ter um emprego, na era da precariedade e do arrocho salarial, já não és garantia de uma vida digna. Nem lá nem cá.

Após a II Guerra Mundial, houve nos EUA uma espécie de época dourada do capitalismo, mais de duas décadas em que o contrato social implícito estabelecia uma distribuição da riqueza que não chegava a ser equitativa, mas tampouco era abusiva demais, um sistema onde todos ganhavam (ainda que alguns poucos levassem muito mais que a grande maioria) e a paz social se mantinha com o desenvolvimento econômico. Mas a paisagem atual é bem diferente, mostra uma degradação sem volta atrás, que começa na Era Reagan e se manteve ininterrupta durante as administrações dos democratas – nem Carter, nem Clinton e muito menos o Obama do yes, we can puderam reverter.

Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%. O câncer da desigualdade chegou ao ponto de metástase, corroendo a sociedade inteira. Os ricos são mias ricos que nunca. Os pobres, muito mais pobres. Packer não tenta fazer pregação ideológica, se limita a contar histórias e refletir os fatos. Oficialmente, não toma partido. E não faz falta, porque as conclusões são evidentes.

Desagregação não é o primeiro livro que ilustra uma tragédia existencial, nem será o último. Contudo, posso estar muito enganado, mas creio que deverá se tornar referência sobre a crise mais destrutiva da história dos EUA. No fim das contas, esse foi o grande mérito de John Dos Passos na Trilogia USA: que é inevitável se referir às suas novelas para analisar aquela época conturbada, mas não tanto quanto a atual, em que o império ainda pretende ditar a pauta no mundo enquanto a podridão corrói suas entranhas.
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Luis Matías López é ex redator-chefe e ex-correspondente em Moscou do El País da Espanha, membro do Conselho Editorial de PÚBLICO até a desaparição de sua edição em papel.

Créditos da foto: onpoint.wbur

Texto replicado: CARTA MAIOR

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O povo do abismo atravessa o tempo

A exemplo da Inglaterra de cem anos atrás, quando era proibido dormir na rua, cidades dos EUA estão aprovando leis que proíbem sem-teto de dormir em carros

Douglas Portari

Há mais de um século – em 1903, mais precisamente –, o escritor norte-americano Jack London publicava O Povo do Abismo (lançado no Brasil pela Editora FPA). London havia atravessado o Atlântico para se embrenhar numa selva de miséria e indignidade, o coração das trevas da insuspeita capital do maior e mais rico império de então: o East End londrino.

No livro, o escritor narra as condições subumanas de milhares de ingleses, presos a uma situação que transbordava de geração para geração e lançava a charada: “A Civilização aumentou o poder de produção do homem (...) mas ainda assim milhões de integrantes do povo inglês não recebem comida suficiente, nem roupas, nem botas (...) se a Civilização aumentou o poder de produção do homem comum, então, por que não melhorou a condição do homem comum?”

A pergunta – e, ao que parece, a situação – atravessou o tempo e, novamente, o Atlântico. Um artigo publicado pelo professor de Direito da UCLA, Gary Blasi, no jornal inglês The Guardian (The 1% wants to ban sleeping in cars – because it hurts their 'quality of life' - Depriving the homeless of their last shelter is Silicon Valley at its worst – especially when rich cities aren't doing anything to end homelessness), nesta terça-feira, 15, fala sobre o descalabro de pobreza nas ruas do mítico Vale do Silício, no norte da Califórnia, o lar da pujante indústria do futuro, a informática, no estado mais rico do país mais poderoso do mundo.

Paliativo estético

A exemplo da Inglaterra de cem anos atrás, quando era proibido dormir nas ruas, o que impedia que mendigos e trabalhadores sem-teto se amontoassem pelos cantos, várias cidades norte-americanas estão aprovando leis que proíbem sem-teto de dormir em carros estacionados. O professor Blasi apresenta, não sem ironia, dados sobre o crescimento da desigualdade social e da miséria nos Estados Unidos e questiona como nada é feito para minorar seus efeitos, tanto pelo poder público quanto pelos ricos – o tal 1%, gente que é contra a desigualdade, até que ela surja em sua rua, onde, claro, vira caso de polícia.

O ‘paliativo estético’ dessa proibição lembra a nossa brasileiríssima ‘arquitetura da exclusão’, quando a própria administração pública, ou os bancos e seus lucros pornográficos, acha mais conveniente instalar grades, lanças e pedras nos nichos que podem servir de dormitório aos sem-teto e mendigos do que investir em abrigos e ações de ressocialização. Voltamos a Jack London: “Se isso é o melhor que a Civilização pode fazer pelos humanos, então nos deem a selvageria nua e crua. Bem melhor ser um povo das vastidões e do deserto, das tocas e cavernas, do que ser um povo da máquina e do Abismo.”

(*) Texto publicado no Blog da Fundação Perseu Abramo.

Créditos da foto: Wikimedia Commons

Texto original: CARTA MAIOR