Konstantin Razumov









"Ter-te amado a boca, o tato, o cheiro:
intumescente encontro de reentrâncias”.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov







Arte-final

Não basta um grande amor
            para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
            que o amor da gente.

O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.

Uma coisa é a letra,
e outra o ato,

            – quem toma uma por outra
               confunde e mente.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov





GAIA CIÊNCIA


Gosto de me iludir
pensando
que hoje amo
melhor que ontem amei.


Assim desculpo o jovem afoito
que, em mim, me antecedeu
e, generoso, encho de esperanças
o velho sábio
que amará melhor que eu.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov





Velhice erótica

"Estou vivendo a glória de meu sexo
a dois passos do crepúsculo.
Deus não se escandaliza com isto.
O júbilo maduro da carne
me enternece.
Envelheço, sim.
E (ocultamente)
resplandeço"

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov





Assombros


Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

Affonso Romano de Sant'Anna


Konstantin Razumov







Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov







Reflexivo


O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeu-se.

Affonso Romano de Sant'Anna


Konstantin Razumov







Amor e Medo


Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto
que nem a mim mesmo
revelo este segredo.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov





Mistério

O mistério começa do joelho para cima.
O mistério começa do umbigo para baixo
e nunca termina.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov







Amar a Morte


Amar de peito aberto a morte.
Não de esguelha, de frente.
Amar a morte,
digamos,
despudoradamente.

Amá-la como se ama
uma bela mulher
e inteligente. Amá-la
diariamente
sabendo que por mais
que a amemos
ela se deitará
com uns e outros
indiferente.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov









Reflexivo


O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeu-se.

Affonso Romano de Sant'Anna

Konstantin Razumov



Konstantin Razumov

Nascido em 1974, foi aluno da Academia de Ilya Glazounov, onde se especializou em pintura histórica, atingindo grande sucesso. Artista jovem e talentoso, pintou todos os tipos de temas, de nudez a paisagens. Suas cores brilhantes, a maciez da pele em seus nus, as expressivas particularidades de seus personagens fazem suas pinturas se destacar. Razumov possui uma característica de vibrantes pinceladas, mais o domínio da luz e do traço. Fiel aos primeiros tempos do Impressionismo, de algum modo agrega toques modernos que se tornam óbvios em seus nus cheios de charme e beleza, suavidade e sensualidade. Razumov está em sua melhor forma ao retratar jovens mulheres.










Cena Familiar


Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta, uma filha
desenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão, a outra viaja silenciosa
nas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade.