Mostrando postagens com marcador José Paulo Paes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador José Paulo Paes. Mostrar todas as postagens

18/07/2009


Penelope Petal by Robbin Rawlings

POEMA CIRCENSE

Atirei meu coração às areias do circo como se atira ao
mar uma âncora aflita. Ninguém bateu palmas. O
trapezista sorriu, o leão farejou-me desdenhosamente,
o palhaço zombou de minha sombra fatídica.

Só a pequena bailarina compreendeu. Em suas mãos
de opala, meu coração refletia as nuvens de outono,
os jogos de infância, as vozes populares.

Depois de muitas quedas, aprendi. Sei agora vestir,
com razoável destreza, os risos da hiena, a frágil polidez
dos elefantes, a elegância marinha dos corcéis.

Todavia, quando as luzes se apagam, readquiro antigos
poderes e vôo. Vôo para um mundo sem espelhos
falsos, onde o sol devolve a cada coisa a sombra natural
e onde não há aplausos, porque tudo é justo, porque tudo
é bom.

José Paulo Paes
In Um por Todos

07/05/2009


Foto de gisela_bobato

O QUE DISSE O PASSARINHO

Um passarinho me contou
que o elefante brigou
com a formiga só porque
enquanto dançavam (segundo ele)
ela pisou no pé dele!
Um passarinho me contou
que o jacaré se engasgou
e teve de cuspi-lo inteirinho
quando tentou engolir,
imaginem só, um porco-espinho!

Um passarinho me contou
que o namoro do tatu e a tartaruga
deu num casamento de fazer dó:
cada qual ficou morando em sua casca
em vez de morar numa casa só.

Um passarinho me contou
que a ostra é fechada,
que a cobra é enrolada
que a arara é uma cabeça oca,
e que o leão-marinho e a foca...

Xô xô, passarinho, chega de fofoca!

José Paulo Paes
In Um Passarinho me contou

26/09/2008


Foto de gullevek no Flickr

MADRIGAL

Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.

Como o céu refletido
Nas pupilas do um cão.

José Paulo Paes

espelho by galadiel

AO ESPELHO

O que mais me aproveita
em nosso tão freqüente
comércio é a tua
pedagogia de avessos.
Fazem-se em nós defeitos
as virtudes que ensinas:
o brilho de superfície
a profundidade mentirosa
o existir apenas
no reflexo alheio.
No entanto, sem ti
sequer nos saberíamos
o outro de um outro
outro por sua vez
de algum outro, em infinito
corredor de espelhos.
Isso até o último
vazio de toda imagem
espelho de um si mesmo
anterior, posterior
a tudo, isto é, nada.

José Paulo Paes