Em primeiro lugar, mesmo que a "democracia participativa" seja impossível, isso não significa que os seus partidários não sejam democratas, como AAAmaral afirma, a menos que adoptemos o conceito estalinista de "culpa objectiva" (assim, os defensores da democracia participativa seriam "objectivamente anti-democratas", tal como os anti-estalinistas eram "objectivamente contra-revolucionários"). O certo é que nos partidos que Louçã lidera/liderou sempre houve liberdade de criticar a linha oficial e até de apresentar candidaturas e moções alternativas, e as propostas de Louçã chegaram a ser recusadas nalguns congressos (ao contrário de, p.ex., no PCP - e agora compare-se o "anti-louçãnismo" militante da direita com a clara simpatia de muitos por Jerónimo de Sousa).
Mas, será que tem algum sentido dizer que "a democracia (...) representativa [é] a única que cria defesas..."? Porque é que numa democracia representativa as pessoas estarão melhor defendidas de abusos do que numa democracia participativa?
Por haver limites consitucionais? Mas pode perfeitamente haver uma "democracia participativa" com limites consitucionais - lembrando-me dos meus tempos de estudante, há coisas que uma RGA só pode aprovar por maioria qualificada. Por outro lado, pode perfeitamente haver uma "democracia representativa" sem garantias constitucionais (a França sob o Terror é um bom exemplo).
Por haver separação de poderes? Realmente, numa "democracia participativa", o poder executivo praticamente não existe, sendo absorvido pelo legislativo; no entanto, nas democracias representativas (pelo menos nas parlamentaristas) acaba por se passar o mesmo, ao contrário - o poder executivo acaba por absorver o legislativo. Quanto ao poder judicial, não se vê porque uma "democracia participativa" não poder ter um sistema judicial independente - p.ex. o julgamento por jurí até é muito mais "participativo" do que "representativo" (sobretudo se
incluir o polémico "direito de julgar a lei", que
há quem diga que
existe nalguns países).
Por vezes, argumenta-se que a "história demonstra que a democracia participativa conduz à tirania", mas essas pessoas devem ler livros de história muito diferentes dos meus: temos montes de exemplos de "democracia participativa" que não conduziram a ditaduras, desde Atenas até à Islândia medieval, passando pelas
tribos germãnicas ou berberes, os cantões suiços, os "town meetings" da Nova Inglaterra, etc.. A respeito de Atenas, os inimigos da "democracia totalitária" fazem coro com Platão (um defensor da "aristocracia totalitária"...) e citam a execução de Sócrates como exemplo dos perigos da "democracia participativa" (ou mesmo da "democracia", só), mas não vêm o outro lado da moeda: quantos filósofos - muitos com ideias heterodoxos - havia em Atenas que não foram executados?
Para atacar a "democracia participativa" também se costuma dar o exemplo da Europa de Leste, mas isso é um disparate: os paises de Leste, tirando duas exepções (a URSS até 1936 e a Jugoslávia segundo a Constituição de 1973) seguiam o desenho formal das "democracias representativas", não das "participativas": de "X" em "X" anos, os cidadãos votavam, elegiam um Parlamento, e durante "X" anos, o Parlamento governava-os (a diferença, face à democracia "burguesa", é que só havia uma lista concorrente)*.
Quanto aos únicos exemplos que tinham consagrado um sistema de participação dos "organismo de base", não deixa de ser revelador que um (a Jugoslávia) fosse o mais "liberal" do conjunto, e que o outro (a URSS) o tenha suprimido em 1936, exactamente quando o terror totalitário se preparava para atingir o seu ponto alto.
*Obviamente, não estou a dizer que os países de Leste eram "democracias representativas", apenas que, constitucionalmente, se "disfarçavam" de tal