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sábado, 28 de junho de 2014

Por amor








Pediu perdão.
Ainda não sabia bem o que havia acontecido quando a porta bateu atrás de si. Como pudera?
Sentiu um misto de vergonha e desespero. Jamais seria a mesma. Não havia volta.
O coração doía como nunca. A porta fechada nunca mais se abriria. Sabia disso e isso era doloroso. Uma parte de sua vida tinha se desmoronado. Fato! Pela primeira vez riu de si mesma.
Fez questão de atravessar a rua na faixa.  Já havia se desviado demais!
Um vento morno anunciou mudança de tempo. Mudança! Irremediável mudança! O coração pareceu desmaiar dentro do peito. Não queria mudar. Vacilara, com certeza, mas todo mundo erra! Por que somente ela deveria sofrer tanto? Por que pra ela não havia perdão? Sentia-se só. Perdida. Por isso tomara o caminho errado. Por isso imaginou, por isso arriscou, por isso perdeu!
Teve vontade de voltar e novamente pedir perdão, mas sabia que não adiantaria. Repetiu, então, mentalmente, seu pedido de perdão tantas vezes quanto achou necessário. Desejou fortemente que a dor fosse somente sua.
Atravessou a noite querendo um ponto de restauração. O momento mágico em que a decisão ainda não tinha sido tomada.
Amanheceu sem forças com os olhos cansados de não dormir. Arrumou-se para encarar o dia e a nova vida que tinha pela frente. Vestiu-se de dignidade e respeito, armou-se de coragem e saiu.

Do outro lado da cidade, alguém amanhecia certo de que perdão fora feito pra ser concedido. 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012












Visagem





A brisa da manhã invadiu seu quarto. Quase ninguém na rua. Ninguém em casa além dela.
Desceu as escadas suavemente. O cheiro da manhã a entorpecia.
Saiu a caminhar. Cabelos soltos, sonhos leves, pele arrepiada.
Flutuando pelas ruas, não percebia os olhares atônitos. Gozava a manhã.
Andou até ter os cabelos umedecidos pelo suor, a camisola colada ao corpo...
Os olhares cada vez mais atônitos!
Novamente em casa, tomou um longo banho, pôs seus vinis na máxima altura, abriu as janelas e dançou. Sentia-se, então, menos só.
Chovia, quando abriu os olhos. Uma chuva cor de prata inundava seus olhos, iludia seus ouvidos...
Outra vez, as escadas, a porta, a rua...
Alguns guarda-chuvas davam o tom sério à manhã de prata, enquanto os olhares transpareciam prazer.
A manhã tornava-se bordada de renda.
De braços abertos, ela experimentava a vida trazida pelo novo dia. Os guarda-chuvas a emolduravam. Silenciosamente, destacam sua beleza.
Comprou flores, trocou os lençóis, cuidou do jardim. Mais tarde recitou seus poemas favoritos em alta voz diante do espelho. Riu e dançou. Era uma menina! Uma estudante travessa no seu quarto de segredos.
A manhã surpreendeu-a nua sob os lençóis bordados.
Um arrepio! Seus pés sentiram a aspereza da calçada. Ela vibrava. O contato era surpreendente. Arriscou mais um, mais outro. E passo a passo cruzou a praça sob olhares novos e antigos: emudecidos, estupefatos. Era linda!
Era menina, moleca, mulher. Nua! Envolta na densa neblina daquela manhã.
Tudo a contemplava.
Quando ele chegou de viagem, encontrou-a diferente. Sem amarras, sem medos, sem limites...
Encantou-se. Amou-a ainda mais. Pelas ruas, ostentava a mulher com um sorriso de canto a canto.
Os olhos da cidade agora se cruzavam, segredando o desejo de vê-lo novamente partir. Invejando-o cúmplices.




domingo, 12 de agosto de 2012








Prisão

O sol na vidraça. As mãos geladas, os pés gelados.
Quase meio-dia.
O dia pede cobertor, proteção contra o frio.
A vida também.
Tenta se aquecer, fazer alguma coisa que anime. Não dá.
O sol insiste contra a janela, mas perde.
A vida insiste contra o desânimo, mas perde.
Só resta o cobertor: proteção e esconderijo.
Lá fora há vida. Todos, ao sol, aquecem-se.
Aqui frio.
Frio nas mãos, nos pés, na pele, na alma...
Sob um cobertor de solidão, a vida adormece.
E o sol radiante... lá fora.


domingo, 15 de maio de 2011

Resposta




O dia chegara com olhos inchados. A noite fora extremamente longa.

Óculos escuros era a única solução possível para enfrentar o cruel sol que explodia do lado de fora.


Que luz era aquela? O dia merecia nuvens carregadas, raios, trovões e até gargalhada de bruxa. Entretanto, o sol brilhava.
A escova de dentes, o banho, o uniforme, o material escolar, os fones no ouvido, o estômago vazio...

Saco! A escola...

Queria estar em qualquer lugar do mundo, menos ali.


O mau humor, o corredor, as escadas, a parede pichada, a boca aberta!

O coração aos pulos, os degraus passando rapidamente, a sala, o lugar na sala, o fichário, o sorriso discreto.

- Quem escreveu “EU TAMBÉM AMO VOCÊ”?


Lá fora o sol começava a fazer sentido.

sábado, 23 de abril de 2011

Cristina


Dezenas de pessoas sentadas na pedra com olhos atentos diante do mar. E ela só. Alguns têm binóculos e parafernálias tantas riem conversam têm os olhos atentos na linda tarde desenhada. Impossível ser infeliz! Possível pra ela. O mar se agita e bate nas pedras espuma respinga refresca a pequena multidão. Só ela fria. Intacta. Imóvel. Congelada de dor.

O espetáculo começa uma densa cortina esconde o sol num ritmo lento e os olhares em suspense se sentem privilegiados de lá estar. Durante e ao fim da sessão tão esperada espocam os flashes poesia são feitas amores confirmados abraços são dados e ela só. Um violão geme todos acompanham formam um coral de estupefação e agradecimento em frente ao mar em cima da pedra ouvindo o barulho das ondas ao fundo. E ela só.

Quando o sol novamente brilha gritos aplausos ecoam no ar.

No fim de tudo todos se vão e ela sozinha imóvel e intocada envolta em dor abre os braços pro nada e mergulha no mar. Sem aplausos, sem flashes, sem público. Só! como sempre foi.

domingo, 17 de abril de 2011

Terezinha




A primeira vez doeu muito. Tive vontade de gritar, mas me calei. Senti tanta vergonha!

Pensei em me mudar, sair da cidade. O tempo foi passando e como não tinha mesmo pra onde ir, resolvi esquecer. Começar de novo pareceu-me a melhor solução.

Esmerei-me em cuidar de tudo. Não queria dar motivos. A casa sempre limpa, cheirosa, a comida bem feita, a roupa limpa e passada com capricho. Tudo perfeito. Não havia motivos. Mas mesmo assim não evitei uma segunda vez.

Fiquei alguns dias trancada em casa, até que as marcas sumissem. Até que ninguém mais além de mim, pudesse vê-las.

Pensei muito e concluí que a culpa era minha. Não estava sendo suficientemente boa. Tinha que procurar melhorar. Claro! Pensei novamente em ir embora. Não fui. Faria de tudo para que não acontecesse de novo. Seria mais eficiente desta vez.

Fiz uma dieta. Queria estar mais bonita, mais atraente. Quem sabe assim você se acalmaria... Não adiantou.

A terceira vez não tive como esconder de ninguém. As marcas eram tantas, o sangue era tanto que gritei. Reuni todas as minhas forças e gritei. Uma multidão apareceu pra me socorrer. Não entendi muito bem. Era como se eles já soubessem, como se apenas estivessem esperando meu grito.

Ouvi alguém dizendo “Tadinha! Tão boazinha, tão caprichosa... Apanhar desse jeito!”

Minha maior dor é nunca ter ouvido de você um pedido de desculpas. Não perceber em você arrependimento.

Por que não fugi? Por que não gritei antes? Não sei. A vergonha era tanta...

sábado, 16 de abril de 2011

Odete



Nunca fui mulherzinha. Sou esporrenta, não levo desaforos pra casa. Se gritam comigo, falo mais alto. Se quero alguma coisa, vou atrás. Em criança, chamavam-me de moleca, mulher-macho. Mais que nada! Gosto de homens. Principalmente dos fortes, que sabem segurar uma mulher. Conheci um há muito tempo. Alto, sem frescuras, largadão, sandálias nos pés. Sempre de bermudas. A gente se entendeu muito bem. Futebol, cerveja, churrasco, cama. Ríamos de tudo. Éramos parceiros em tudo. Ficamos assim, repartindo a vida por quase trinta anos! O idiota morreu e me deixou aqui.

Tem problema não. Sou de encarar, não de fugir. Resolvo tudo com meia dúzia de palavrões: tristeza, saudade, solidão, desesperança... Não tem tempo ruim.

Estou meio preocupada, ultimamente quase só falo palavrões. Tenho até me esquecido das outras palavras...

Dane-se! A vida continua. Esse negócio de sofrimento não combina comigo. Não sou mulherzinha! Porra!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cristal




Sou mulher. Às vezes minto. Não porque goste ou não tenha caráter, mas por absoluta falta de opção. Como dizer a verdade se ela vai magoar, ferir? Como dizê-la sem escandalizar a todos e a mim mesma? Sem preparação alguma, tornar-me outra pessoa? Apresentar uma outra face de mim?
Sempre tive sonhos previsíveis, aceitáveis, conhecidos. Que personagem é esta que agora me invade e quer mudar tudo que sei de mim, trocar meus planos por outros?
Minto. A verdade é por demais devastadora, contraditória, infame!
Minto. Não quero conhecer a outra.
Minto. Não quero ser outra.
Sempre acreditei que era assim: bonitinha, comportada, amiga, companheira... Medíocre!
Minto. Espremo a outra com todas as minhas forças para dentro de mim. Fecho-lhe a boca, tolho seus sentimentos, crio um mundo em que ela não pode respirar. Mato-a sem dó, todos os dias.
Minto, mas venço! Não sou assim tão frágil! Iludo todo mundo, iludo a outra...
Iludo a mim


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A fuga.




Descemos a rua de mãos dadas. “E se alguém nos visse?” meu coração não parava de perguntar, mas apesar do medo que juntos respirávamos, estávamos decididos. Seria assim!

A escuridão da rua repleta de árvores, a neblina, o silêncio, nada nos assustava mais do que a possibilidade de sermos surpreendidos.

Apertávamos a mão um do outro. Olhávamos um pro outro. A cada olhar nossa certeza crescia.

Chegar até o final da rua, pegar um ônibus, sumir! Era só no que pensávamos. Com certeza daríamos uma resposta a todos que queriam nos impedir de vivermos uma grande história de amor.

O ônibus surgiu no meio da madrugada fria com grandes faróis acesos. Olhamo-nos com a felicidade estampada em nossos rostos. Conseguiríamos!

Entramos juntos, ao mesmo tempo, quase correndo. O motorista sorriu. “Cuidado se não quebra!” Não entendi. Não importava, porém. Estávamos a alguns minutos de ganhar o mundo, a liberdade de sermos felizes.

Uma ambulância passou por nós em disparada. Tive pena de quem precisava dela àquela hora, mas não deixei que isso roubasse minha alegria. Debrucei minha cabeça no ombro do meu amor e senti-o me abraçar com uma ternura inédita. Mais uma vez nossos olhos revelavam todo o sentimento de nossos corações.

A ambulância estava na rodoviária, algumas pessoas se aglomeravam. Certamente alguém se acidentara e devia estar caído por ali.

Saímos do ônibus. O motorista mais uma vez sorriu “Você devia tê-lo embrulhado, ficaria mais protegido.” Pensei: “embrulhar o quê?” Na calçada um estranho homem aproximou-se e se ofereceu para levar nossas bagagens. Aceitamos. Estávamos cansados com a correria.

Gentilmente nos levou até o ônibus e nos acomodou. Partimos! Estava feito! Ninguém mais impediria a nossa felicidade...



- Você viu? Era ela!

- Ela quem?

- A mulher do espelho.

- Aquela que anda com um espelho dizendo que é o noivo dela?

- Essa!

- Dizem que ficou louca ao ser abandonada no altar. A família não aceitava o casamento e deu dinheiro pro noivo fugir.

- Nossa! Coitada...

_ Já faz muito tempo, mas até hoje ela tenta realizar o sua história de amor.

domingo, 6 de junho de 2010

Mentira.




Apagou o número do telefone dele. Excluiu-o do orkut, do msn, da lista de e-mail.
Respirou fundo.
Caminhou sem olhar para trás. A vida estava apenas começando. O passado deixava de existir, o presente era ótimo, o futuro..."Pra que pensar no futuro se ele é uma incógnita?"
Comprou roupas novas, mudou o corte de cabelo...
Respirou fundo.
Havia tanto por fazer, tanto por experimentar.
Viveria agora só no presente! Dádiva absoluta!
Não se lembrava de nada: do telefone, do msn,do e-mail.
Esqueceu-se do amor,da saudade, do desejo, da paixão, do arrepio, do toque...
Presente. Dádiva absoluta! Sinônimo de felicidade! Recomeço!

O cabelo tornou a crescer, as roupas ficaram velhas e todos os dias ela respira fundo e se lembra de esquecer.

domingo, 23 de maio de 2010

Sinais

-Assim? De repente?
-Claro que não!Você não percebeu os sinais?
-Que sinais?
- Ora, todos!
- Não, não percebi.
- É eu sei. Devia saber que você não perceberia mesmo. Nunca percebe nada! Vive nesse mundinho, sempre fazendo as mesmas coisas, preocupada em economizar, em manter armários arrumados, em conferir as notas dos meninos, em ver se a minha roupa está bem passada. Em fazer chazinho a cada dor de barriga dentro desta casa, que não notou as mudanças.
- Pensei que estava fazendo o que era certo...
- Você é muito previsível! Eu chego em casa e sei que você vai estar esperando, de banho tomado, perfumada, com o jantar pronto e os meninos já tendo feito a lição de casa. Nada muda!
- Pensei que você se sentisse bem... que eu lhe fazia bem...
- Bem demais! Nunca vi tanta paz! Estou cansado.
- Eu posso mudar.
- Não, não pode. Você é assim. Impossível você mudar! É isso! chegamos ao fim! Nosso casamento é um tédio.
Acordou assustada, suando. Sentiu uma enorme sensação de alívio ao perceber que sonhara. Olhou para o lado, viu o marido dormindo serenamente. O medo se instalou em seu coração. “E se tudo aquilo fosse um aviso? Um sinal?” Estremeceu só de pensar. Levantou-se. Desde quando era mulher de premonições? De crendices? Teve um dia cheio, por isso o pesadelo. Aquele doce que a sogra mandou também deve ter feito mal. “Nem estava bom.”
Tornou a olhar para o marido, desta vez, desconfiada., inquieta.
Tomou um banho, vestiu a lingerie nova, pôs o vestido mais bonito, meias finas, salto alto. Saiu do quarto batendo levemente a porta.
O marido foi encontrá-la sentada na varanda, pernas cruzadas, insinuante... Surpreendeu-se. Não entendeu nada! Fechou a porta com cuidado para não acordar as crianças.
Sobre a pequena mesa, uma garrafa de vinho, duas taças. Achou melhor manter o silêncio. Serviu o vinho e dançaram juntos uma música que só eles ouviam.
A desconfiança agora habitava os pensamentos dele!
Um primeiro beijo e as taças foram esquecidas. Sorriram, cúmplices da mesma aventura, partes do mesmo desejo. Um segundo beijo e as mãos se entrelaçaram ávidas. Um terceiro e corpo e alma se tornaram um
No céu, as nuvens tornavam a madrugada mais escura.
Na varanda, nunca a paixão fora tão clara!

Continho

Ruiva, sardenta, magra.
_ Foguinho!
_ Espiga de milho!
_ Labareda!
Moleque, pés descalços, bermuda, banho de rio.
_ Nem parece uma menina!
_ Olha só que modos!
_ Nunca a vi de vestido!
_ Cruzes!
Briguenta, desaforada, petulante.
_ Não tem educação!
_ Veja bem como fala com os mais velhos!
_ Boca suja!
_ Essa não tem jeito.
_ Não quero você falando com ela!
_ Vai acabar sozinha!
_ Duvido que arranje marido!
Descoberta, desvendada, revelada...
_ Moranguinho...
_ Hum!?
_Você parece um moranguinho com todas essas pintinhas.
_ Pareço?
_ Sim. Seus cabelos...
_ O que tem meus cabelos?
_ Você os roubou do Sol para ofuscar meus olhos?
_ ...
_ Você é linda, sabia?
_ !!!!
_ Hei! Volte aqui!
Menina, moça, feminina, mulher.
_ Não acredito!
_ O filho do Prefeito?
_ Dizem que está completamente apaixonado por ela.
_ Por aquele bichinho chucro!!??
_ Oi.
_ Oi.
_ Você está perfumada.
_ Estou.
_ Está linda de vestido!
_ Obrigada!
_ O que você quer fazer? Vamos ao cinema? Ao parque? À lanchonete?
_ Não sei...
_ Você escolhe.
_ Vamos tomar banho de rio?
_ Vamos, meu moranguinho!

Desejo

Olhou para o telefone. Pensou em ligar.
Desistiu.
O que falaria? Por que ligaria?
Tornou a olhar. Talvez só uma ligação. Nada demais.
E se não falasse nada? Se apenas ligasse?
Desistiu.
Fixou os olhos na tv. Esperou o desejo passar.
"Um dia de cada vez" - pensou.
"Só por hoje não vou ligar".