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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Nominal













Sou taciturna. Gosto de frio, neblina, chuva fria, barulho de vento. Sou olhar impedido por montanhas, manto de nuvens, música tranquila, poucos amigos... poucas palavras.
Sou azul límpido de céu de outono e de montes. Sou verde-escuro de matas e rios escondidos. Sou segredo sempre!
Sou preguiça gostosa pela manhã, sono tardio, noites com lareira, taça de vinho, filme... poesia!
Sou ansiedade, preocupação.
Sou calma, placidez.
Sorriso e riso... choro mudo.
Arrepio, maciez, perfume... sugestão!
Não sou. Nada!

Sou alegria. Disco, rock, soul... danço.
Movimento sempre. Sol quente janelas abertas alarido.
Descortino desvendo descubro revelo.
Às claras!
Segredo aos quatro ventos.
Sou horizonte amplitude devaneio tentativa e erro.
Pés descalços corte na pele aspereza.
Cheiro de vida gosto de sal!
Sem cera:
Inconfundível!
Sou toda, Sou uma

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Renata



A sala refletia a indiscreta luz do outono. Perturbava a vista, o olhar. A limpeza era tanta que parecia irreal. O branco absoluto mostrava-se azulado pelo dia. Aquilo a incomodava!

Percorria o cômodo em busca de algo fora do lugar, de alguma penugem atrevida, de uma partícula que fosse de pó. Nada!

As luvas eram emboladas entre os dedos pelo esfregar nervoso das mãos. Tornava a olhar. Algo tinha que está fora do eixo!

Quarto, banheiro, cozinha, corredor.

Cama, cômoda, cortinas, sofás, quadros, tapetes.

Pias, vidros, pratos, panelas, toalhas... Im-pe-ca-vel-men- te arrumados.
Era a felicidade completa! Era o sonho realizado! Conseguira...

Tornou o olhar.

Não fazia sentido tudo aquilo. Sentia-se aprisionada. As luvas de repente apertavam.

Através do vidro, o sol clareava tudo. Ofuscava tudo. Fazia tudo mudar. Inclusive ela.
Pensou em comer algo. Atrapalhou-se com as embalagens que embalavam outras embalagens.
Tomaria um banho. Toalhas embaladas, sabonetes embalados. Tupperwares por todos os lados. Organizadinhos, Perfeitamente arrumados.
Não sabia o que fazer. Faltava-lhe ar!

Tirou a capa dos chinelos, tirou os chinelos, tirou as luvas, tirou a roupa, abriu a porta e saiu. Nua! Livre! Alcançou a mangueira no jardim, pisou na grama e tomou um banho frio, com os pés mergulhados na lama, sob o morno sol de outono.
Era a felicidade completa! Era a vida arrepiando-lhe a pele!

sábado, 16 de julho de 2011

Uma e outra



A sexta-feira é santa! Levanta-se às seis. A casa está em silêncio. Apóia-se na velha bengala, caminha até outro quarto e bate com o cajado na porta.
- Ta na hora!
Quem abre é o filho. Em seguida, a nora sai do quarto sem dizer palavra.
Seus noventa anos lhe dão direitos que ela cultiva desde sempre. Não se abala com o mau humor da outra.
A água para o banho aquecida no fogão a lenha como deve ser! A bacia de cobre é colocada no chão do banheiro e salpicada com pétalas de rosa branca. Experimenta. Reclama. Torna a experimentar.
O céu de abril é claro, sem nuvens. Nas plantas do quintal, uma fina neblina se dissipa e revela o orvalho dormindo sobre as folhas. Uma manta de crochê cobre a velha cadeira de balanço, violetas várias enfeitam a jardineira da imensa varanda. O piso de vermelhão brilha.
Toma seu banho, veste-se de linho azul, cuidadosamente passado. Reparte os cabelos em duas tranças presas num coque. Aprova a imagem no espelho e sai.
Uma farta mesa de café da manhã está posta: canjica, bolo, café preto, aipim, batata doce, milho cozido. Certifica-se de que tudo esta a seu gosto, troca os pratos de lugar.
O barulho que vem de fora anuncia que eles estão chegando. Apressa-se. Precisa recebê-los sentada em sua cadeira. Um a um.
- Sua bênção.
A mão estendida espera um beijo e uma reverência.
- Deus te faça feliz!
Eles são muitos, um séquito! Filhos, netos, bisnetos e afilhados. Ela, a Senhora.
Em torno da mesa a oração em voz miúda, porque não é dia de festa.
Olha para a nora. Os pratos não estão no lugar! Recebe de volta o mesmo olhar implacável.
A canjica é servida com amendoim torrado em casa, no fogão a lenha, como a Senhora gosta! Ela mesma fora à cidade escolhê-los para a ocasião. Escolhera também a canjica! Era preciso ciência pra isso. Apesar do cansaço da idade, se não fosse por ela...
Todos discretamente olham para a nora que retribui o olhar com uma altivez inexplicável.
O café termina, vão embora, mas voltam para o almoço de Páscoa, quando seguindo a tradição comerão um peru... do quintal, é claro!


A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta!
A nora prepara a comida para perus e galinhas: amendoim e canjica de primeira comprada pela sogra.


A Senhora balança na sua cadeira de rainha. Absoluta!
A nora termina de enterrar o peru caipira e o substitui por um de supermercado que é mergulhado no incomparável tempero de sua sogra.


As duas na varanda sem dizer palavra...
Quase absolutas.


Farinhas do mesmo saco!

sábado, 23 de abril de 2011

Cristina


Dezenas de pessoas sentadas na pedra com olhos atentos diante do mar. E ela só. Alguns têm binóculos e parafernálias tantas riem conversam têm os olhos atentos na linda tarde desenhada. Impossível ser infeliz! Possível pra ela. O mar se agita e bate nas pedras espuma respinga refresca a pequena multidão. Só ela fria. Intacta. Imóvel. Congelada de dor.

O espetáculo começa uma densa cortina esconde o sol num ritmo lento e os olhares em suspense se sentem privilegiados de lá estar. Durante e ao fim da sessão tão esperada espocam os flashes poesia são feitas amores confirmados abraços são dados e ela só. Um violão geme todos acompanham formam um coral de estupefação e agradecimento em frente ao mar em cima da pedra ouvindo o barulho das ondas ao fundo. E ela só.

Quando o sol novamente brilha gritos aplausos ecoam no ar.

No fim de tudo todos se vão e ela sozinha imóvel e intocada envolta em dor abre os braços pro nada e mergulha no mar. Sem aplausos, sem flashes, sem público. Só! como sempre foi.

domingo, 17 de abril de 2011

Terezinha




A primeira vez doeu muito. Tive vontade de gritar, mas me calei. Senti tanta vergonha!

Pensei em me mudar, sair da cidade. O tempo foi passando e como não tinha mesmo pra onde ir, resolvi esquecer. Começar de novo pareceu-me a melhor solução.

Esmerei-me em cuidar de tudo. Não queria dar motivos. A casa sempre limpa, cheirosa, a comida bem feita, a roupa limpa e passada com capricho. Tudo perfeito. Não havia motivos. Mas mesmo assim não evitei uma segunda vez.

Fiquei alguns dias trancada em casa, até que as marcas sumissem. Até que ninguém mais além de mim, pudesse vê-las.

Pensei muito e concluí que a culpa era minha. Não estava sendo suficientemente boa. Tinha que procurar melhorar. Claro! Pensei novamente em ir embora. Não fui. Faria de tudo para que não acontecesse de novo. Seria mais eficiente desta vez.

Fiz uma dieta. Queria estar mais bonita, mais atraente. Quem sabe assim você se acalmaria... Não adiantou.

A terceira vez não tive como esconder de ninguém. As marcas eram tantas, o sangue era tanto que gritei. Reuni todas as minhas forças e gritei. Uma multidão apareceu pra me socorrer. Não entendi muito bem. Era como se eles já soubessem, como se apenas estivessem esperando meu grito.

Ouvi alguém dizendo “Tadinha! Tão boazinha, tão caprichosa... Apanhar desse jeito!”

Minha maior dor é nunca ter ouvido de você um pedido de desculpas. Não perceber em você arrependimento.

Por que não fugi? Por que não gritei antes? Não sei. A vergonha era tanta...

sábado, 16 de abril de 2011

Odete



Nunca fui mulherzinha. Sou esporrenta, não levo desaforos pra casa. Se gritam comigo, falo mais alto. Se quero alguma coisa, vou atrás. Em criança, chamavam-me de moleca, mulher-macho. Mais que nada! Gosto de homens. Principalmente dos fortes, que sabem segurar uma mulher. Conheci um há muito tempo. Alto, sem frescuras, largadão, sandálias nos pés. Sempre de bermudas. A gente se entendeu muito bem. Futebol, cerveja, churrasco, cama. Ríamos de tudo. Éramos parceiros em tudo. Ficamos assim, repartindo a vida por quase trinta anos! O idiota morreu e me deixou aqui.

Tem problema não. Sou de encarar, não de fugir. Resolvo tudo com meia dúzia de palavrões: tristeza, saudade, solidão, desesperança... Não tem tempo ruim.

Estou meio preocupada, ultimamente quase só falo palavrões. Tenho até me esquecido das outras palavras...

Dane-se! A vida continua. Esse negócio de sofrimento não combina comigo. Não sou mulherzinha! Porra!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Cristal




Sou mulher. Às vezes minto. Não porque goste ou não tenha caráter, mas por absoluta falta de opção. Como dizer a verdade se ela vai magoar, ferir? Como dizê-la sem escandalizar a todos e a mim mesma? Sem preparação alguma, tornar-me outra pessoa? Apresentar uma outra face de mim?
Sempre tive sonhos previsíveis, aceitáveis, conhecidos. Que personagem é esta que agora me invade e quer mudar tudo que sei de mim, trocar meus planos por outros?
Minto. A verdade é por demais devastadora, contraditória, infame!
Minto. Não quero conhecer a outra.
Minto. Não quero ser outra.
Sempre acreditei que era assim: bonitinha, comportada, amiga, companheira... Medíocre!
Minto. Espremo a outra com todas as minhas forças para dentro de mim. Fecho-lhe a boca, tolho seus sentimentos, crio um mundo em que ela não pode respirar. Mato-a sem dó, todos os dias.
Minto, mas venço! Não sou assim tão frágil! Iludo todo mundo, iludo a outra...
Iludo a mim