domingo, 3 de julho de 2016

Perfil De Um malandro

Por razões próprias, meio por gratidão, o rapaz começou a trabalhar para o Mario; este tinha-lhe pago advogado quando um dia foi preso e o rapaz lhe devia essa (embora isso tenha acontecido por estar trabalhando para este mesmo Mario).
O Mario era traficante. Tinha uns 50 anos na época, era baixinho, meio gordinho, extremamente inteligente! Não aquela inteligência que se expressa academicamente, mas outra, voltada ao cotidiano,  externa à lei: sempre atento ao próximo passo do possível próximo adversário, que poderia ser um conhecido, um colega de ‘profissão’, um ganso, ou a polícia mesmo. Era também generoso e ingênuo. A maldade como algo intrínseco não se fazia parte de sua personalidade, embora tivesse sido uma criança pobre que pedia ajuda em estacionamentos de supermercados com as consequentes humilhações. Não tinha uma educação formal; se teve, foi até o primário. Era falante, tinha uma risada cheia. Fumava maconha diariamente; logo que se encontrava com o rapaz ele já enrolava um baseado do tamanho de um lápis e da grossura de um dedo, que apagava e acendia intermitentemente durante o dia. Juro que não sei como podia pensar tão rápido chapado daquele jeito. E a maconha era boa...! Um dia apareceu com meia tonelada para guardar por uns dias na casa do rapaz; e a besta alegremente topou. Os tabletes de hum quilo, hum e meio, enchiam a kombi até o teto, os pneus se afundando no jardim, que era grande; estava escuro, eram quatro da matina.
Ele começou como ladrão comum. Especializou-se em postos de gasolina, daí para bancos.  Nunca matou (diretamente), ninguém, o negócio dele era dinheiro, mas não a qualquer custo (o que percebi depois (ôpa!), tinha um custo sim). Foi pego, puxou 15 anos, e resolveu entrar para o ramo de drogas. Se deu bem, era respeitado pelos dois lados, pois tinha 'amizade' com delegados de seccionais importantes São Paulo que vendiam à ele o resultado das apreensões, mas não dependia deles para viver. Tinha horror à cocaína pois foi viciado e disse que começou a ver bicho. Acreditei nele, até por que a farinha dele, a que não vinha dos policiais, vinha pelo Amazonas e era quase pura.
Uma figura este personagem..., sua vida daria um filme.
Um dia levou cinco tiros (cinco!), de um cara da Zona Leste que foi mandado por um grupo de lá por razões que não me lembro; inveja, zóio grande na área dele, algo assim.
Vi o carro dele, e ele, depois do acontecido.
O cara o pegou saindo de casa de manhã: um tiro atingiu capota e arregaçou, abrindo uma valeta no metal. A outra pegou no pescoço, outra nas costas, e outra na lateral do peito que correu, saiu pelo outro lado e atingiu o para-brisa.
Ele foi parar no mesmo hospital em que meu irmão trabalhava, o Zona Sul em Santo Amaro.
Chegando na urgência viram um cara ensanguentado, com quatro tiros, cheio de dinheiro nos bolsos, fumo na meia, aí já viu né...: chamaram a policia. Familiares dele me ligaram, entrei em contato com meu irmão que trabalhava no hospital e que, não sei como, o retirou do hospital mandando-o para outro particular. O dinheiro dele sumiu..., enfermeiros que o atenderam o roubaram. Quando a polícia chegou ficaram procurando o Mario pela emergência, tinha sumido...
Um mês depois ele apareceu em casa, parecia um velho: totalmente alquebrado, voz vacilante. Em seis meses voltou a ser o que Mário que eu conhecia: falante, esperto, e bem humorado.
Aí..., foi atrás de quem tinha feito isso.
Achou o cara... O Mario disse para ele que essas coisas aconteciam, que a vida deles era assim, que não guardava rancor; alugou um barzinho pro cara, tirando-o das vistas do grupo que o tinha contratado. Forneceu-lhe a quantidade de farinha (cocaína), que quisesse para seu uso; na verdade este matador já consumia, o Mario apenas facilitou. Foi levantada toda a fita: nomes e endereços.
Pelo que me consta, não sobrou nenhum. Negócios são negócios, e essa é a lei do lado mais escuro do comércio das drogas.
O Mario era espírita, mas pragmático em seu dia a dia. Tinha caráter, sua palavra era uma só, e era muito respeitada; exigia esta qualidade de seus amigos, parceiros, de qualquer um.  Falávamos com frequência sobre espiritualidade, ele era um ouvinte atento.
Um pai presente e carinhoso para com os filhos; sustentava duas famílias e nunca deixou de ajudar os pais, até morrerem de velhos, foi o único que fez isso. Justamente ele, a ovelha mais negra da família.
Sempre teve a esperança de eu me tornasse um profissional da área, mas foi impossível. Em não levava o menor jeito pra coisa. O ambiente é pesado, não no sentido de com quem se anda, - isso também, claro! - mas no sentido de que as coisas podem mudar tão repentinamente que..., nem sei! Uma hora tá tudo bom, e no momento seguinte sua vida está por um fio, por um olhar, por um pneu furado (caso esteja carregando algo)... Nem o Maciste (um Sansão de cinema das antigas), aguentaria!
Várias vezes lhe perguntei o porquê de vender, entre outras, um tipo de droga específico que fazia muito mal. E ele me respondia:
- Por dinheiro.
Eu argumentava que poderia ficar só com aquelas que eram naturais, ou recreativas. Nunca me deu bola. 
Um dia, lá foi o rapaz para a Fernão Dias, fazer uma entrega junto com um ex companheiro de penitenciária do Mario. O comprador era um malandro. Levou os dois para comer pizza; falante, simpático, vestido esportivamente...! Deixou os dois chupando o dedo,  sózinhos na madruga num posto de gasolina da rodovia: deixou-os sem a grana e sem a mercadoria (uns três quilos de ‘farofa’), ainda bem que não levou o carro do Mario que a gente estava usando, ia ser mais difícil de explicar do que já foi...

Mas isso, é uma outra história.
Que fica para uma outra vez...

2 comentários:

  1. Oi, Sylvão...

    Eu gosto dessas histórias!
    Você sabe contar bem histórias...

    Essa vida do crime dá sempre histórias interessantes para serem contadas, para o bem ou para o mal.

    Abraço, amigo!

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    Respostas
    1. Para o bem ou para o mal, dependendo de como é contada, e como foi vivida...; você tem razão.
      Não há razão para ignorarmos ou jogar as nossas para debaixo do tapete, fazem parte de nossa trajetória, de uma formação de vida, e justificam nossa maneira de pensar em relação ao que é 'certo' e 'errado', evitando julgamentos precipitados.
      Em nossas vivências não entra a palavra 'orgulho', se uma pessoa atinge uma compreensão satisfatória da vida (ou mais do que satisfatória), é por termos caminhado entre lutas, suores, sustos, noites mal dormidas, e uma atenção particular à aquilo que desejamos de verdade para nós mesmos. Nada vem fácil..., e o que vem é sempre bom se temos a consciência do que queremos para nós em termos de evolução.
      Você já me agradeceu por várias vezes minha visita ao seu blog, faço o mesmo aqui, e agora.
      Abraço carinhoso, Nova.

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