quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O banco



Eu estava neste banco de jardim, sentado. Enfim, se não era neste exacto banco, seria num outro, mais à direita e que já não existe mas cujas marcas no chão ainda são visíveis.
Estávamos em finais de Setembro, ou inícios de Outubro e corria o ano de 1977. Atrás de mim, no final do relvado, havia então uma sebe. Não seria muito grande, talvez que meio metro, mas era mais ou menos sólida e delimitava o passeio do jardim.
Do outro lado da rua não havia aquele muro, ou parede. Talvez houvesse um pequeno muro de grades em betão, coisa comum na época para separar o espaço público do caminho de ferro. Sim, porque do lado de lá havia, como há hoje, a linha de cintura de Lisboa. Sempre um via, apeadeiros baixos e passagens de nível, para automóveis ou só de peões. Aqui na zona era para viaturas e ainda se nota, mais abaixo à esquerda, onde seria, já que há ruas que terminam no actual muro.
Pois eu estava no banco a fazer tempo e entretido com um livro. Hábito com bem mais de meio século, que vou cultivando. Chegara cedo ao bairro e ainda não eram horas de ir ter com a mocinha que namorava. E ficar parado à porta, mesmo que no jardim fronteiro, não ficava bem pelo que escolhia nestas ocasiões um jardim nas imediações.
De súbito ouvi um restolhar bem forte atrás de mim. Nada que se pudesse esperar. Olhei para onde viera, à esquerda e atrás, e nada vi. Olhei para a direita, também atrás, e vi um homem a correr como se o diabo o seguisse. Havia atravessado ou saltado a sebe e fora isso que ouvira.
Logo de seguida, e do mesmo sítio, novo restolhar. Não me enganei no olhar e vi um homem a correr atrás do primeiro, de caçadeira em punho. “Caramba! Que se passa?”, pensei. E levantei-me do banco.
Nova restolhada, do mesmo local e novo lançar de olhar. Dois polícias, de G3 em punho, correndo na mesma direcção. E não pareciam ir apanhar o comboio.
Corri atrás daquela pequena multidão armada, tentando perceber o que se passava e com a inconsciência de adolescente que era.
Segundos depois, dois tiros lá mais acima. Encolhi-me mas não esmoreci na curiosidade, que crescia tanto quanto a corrida daqueles quatro. E acabei por chegar ao local onde a perseguição terminara, uma esquina mais além.
No chão, deitado de bruços, o fugitivo com as costas ensanguentadas. Um dos polícias apontava-lhe a G3; o outro, de G3 pendurada no ombro, tinha a caçadeira do civil numa mão, enquanto que com a outra o segurava. Ao longe ouvia-se um sirene, com um som típico de então mas que há anos que não escuto: Ti-no-ni! Ti-no-ni! Ti-no-ni!
A história soube-a no local, por entre os relatos atabalhoados dos presentes, dos mirones que, como eu, se chegaram e, dias mais tarde, por relatos de café e de rua nas imediações.
O fugitivo era transportado num carro de polícia, detido que fora algo antes, e não ía algemado. Aproveitando um cruzamento, fugiu da viatura e entrou num prédio. Com os polícias no encalço, naturalmente, mas que se demoraram a ir buscar as armas à mala do carro patrulha.
Quem assim corria, tentando despistá-los, saiu do edifício pela porta de acesso aos quintais nas traseiras, coisa que ainda existe na zona. Para deles sair, entrou pela porta de um rés do chão aberta, atravessou a casa e saiu para a rua.
Acontece que o dono da casa estava a preparar o fim de semana de caça, carregando cartuchos. Pegou em alguns e na caçadeira e correu atrás do intruso. Foi ele que, mais acima, disparou sobre o fugitivo.
Com a chegada de carros patrulha, os curiosos foram afastados, eu incluído.
Mas ainda vi o ferido ser levado por uma ambulância, enquadrado por um agente da PSP. Um dos que o perseguiram e que, na correria, perdera o boné, coisa de que queixava. O caçador, e a respectiva caçadeira, seguiram num carro patrulha. Já não era um “creme nívea”, que já eram raros na altura. 
Do que aconteceu depois aos intervenientes não cheguei a saber mais que o caçador ter passado uns tempos detido, primeiro na esquadra, depois no governo civil, mas que fora libertado.
Mas nunca esqueci o episódio. Nem o ter chegado atrasado ao encontro com a namorada, coisa rara de me acontecer.
Nem esqueci o banco.

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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Vertical/horizontal




Brincando com uma 35mm.

Sugestão: Veja-se o filme “Yi-Yi”, de Edward Yang, feito em 2000 e objecto de prémio de melhor realizador no Festival de Cannes 2000.

Entre outros aspectos, observe-se como ele faz enquadramentos de acção verticais num suporte horizontal convencional. Brilhante e sugestivo.

Pentax K1 mkII, Pentax-M 35mm 1:2


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sábado, 16 de setembro de 2023

terça-feira, 5 de setembro de 2023

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Ampulheta

 



Aquelo dispositivo de dois depósitos ligados que, ao ser invertido, a areia cai de um para outro, servindo de contador de tempo.

Por comparação pessoas há que, ao inverte-las, nem areia cai.


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sábado, 22 de julho de 2023

Aviso




 “Genesis 1

3Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita. 4Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. 5Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. E houve tarde e houve manhã: primeiro dia.”

Mais detalhe, menos detalhe, esta ou aquela tradução, os livros sagrados das três maiores confissões religiosas (Judaísmo, Cristianísmo, Islamísmo) contam o mesmo.

O que nos pode levar a concluir que quem não respeitar a luz como coisa sagrada desrespeita Deus, seja ele qual for.

Fica o alerta para os fotógrafos.

Pentax K7, Tamron Adaptal2 90mm 1:2,5


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sexta-feira, 7 de julho de 2023

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Revoluções




Temos sabido pelas notícias sobre as manifestações de violência contestatária em França.

Sejamos honestos: o ou os motivos originais para esta onda de contestação já se perderam ao longo desta semana. Sobra a contestação pela contestação numa sociedade que não resolveu ainda problemas antigos que passam pela recuperação (ou não) da guerra, do colonialismo, dos guetos, das elites num país supostamente igualitário...

As reações institucionais a esta onda de contestação violenta aconteceram há dois dias, salvo erro.

No meio de tudo o que foi destruído e dos confrontos entre autoridade policial e manifestantes, foi incendiada a residência de um autarca, não sei já em que cidade.

Foi perante isto que os políticos franceses usaram o termo “inaceitável”. Porque os manifestantes ousaram tocar na elite política. Não lhes bastou destruirem lojas e instituições oficiais. Não lhes bastou ficarem ruas inteiras com carcaças de carros queimados e mobiliário urbano reduzido à ínfima essência. Ousarem tocar num político, num eleito, num membro das elite governativa, isso já é inaceitável e contra isso se unirão todas as forças de investigação e repressão.

Aos franceses devemos a Revolução Francesa e o conceito “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Que está por cumprir, pois haverá sempre por lá uns mais iguais que outros. Também lhes devemos a Comuna de Paris, que teve o desfecho que conhecemos.

Entre mosquetes e cassetetes, gadanhas e petardos, Bastilhas e Maios ’68, as revoltas têm sido e serão muitas. E enquanto a expressão “piet noir” não for algo tão antigo quanto um qualquer trisavô, elas continuarão a existir.

Desde que as elites não sejam postas em causa, ou a mostarda ou pólvora lhes subirá ao nariz.


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terça-feira, 27 de junho de 2023

Basta


 


Há sempre um momento em que temos que fazer isto.


By me

domingo, 25 de junho de 2023

Em torno desta imagem, duas histórias: o objecto e a fotografia




O objecto

Comprado numa feira de velharias em segunda mão, quem mo vendeu não sabia para que servia. Nem eu.

Trata-se de um mecanismo de corda que, em escolhendo um tempo entre zero e dez segundos, e tendo encolhido a haste inferior, a solta no final desse tempo. É de fabrico Suisso, e foi-me vendido com o estojo de cabedal de origem pelo preço de um maço de cigarros. Dos baratos.

Não me pude queixar, principalmente por se tratar de objecto cuja finalidade desconhecia.

Cerca de uma hora depois, o mais que tinha encontrado na net foi a data de fabrico (1922), algumas fotografias com e sem a embalagem de cartão original e até o esquema mecânico interior. Mas não a função. Mas acabei por dar com a coisa, depois de dar trabalho às células cinzentas entre orelhas.

Trata-se de um temporizador fotográfico invertido. Por outras palavras, ele não faz começar um exposição mas antes a termina, no máximo de dez segundos, deste que tenhamos ajustado a câmara para “B”. Aplicavel num cabo disparador de “bicha”, para evitar movimentos parasitas na câmara. Ou mesmo directo no botão do obturador, se este tiver uma gola onde prender a haste. Algo impossível de usar nas câmaras actuais.

Peça rara, que irá para a minha coleção de peças raras e antigas.

A fotografia

Só há um coisa mais difícil de fotografar que mecanismos ou cutelaria em metal polido: Mecanismos ou cutelaria em metal polido. Tudo quanto é luz ali se reflete, como num espelho, e controlar esses reflexos não é coisa nem fácil nem rápida. Mas eles devem existir para mostrar o material de que são feitos os objectos.

Neste caso a coisa é mais complicada, já que haveria de mostrar a escala de tempo ajustável, bem como uma outra de afinação. Ambas rasgadas na superfície de metal e igualmente polidas e reflectoras. Indo mais longe, haveria que ter algo visível no enquadramento que desse uma escala de tamanho do referido objecto. Optei pela mão de madeira, que permite uma multiplicidade de posições.

Já quanto ao metal, optei pela minha abordagem incial do costume: a luz haveria que vir de cima e de trás. Mas para evidenciar as inscrições, haveria que usar uma luz razante, tão tangencial quanto possível. Que, de caminho, não apenas evitaria que a superfície ficasse um bloco de luz como se refletiriam nos bordos, criando volume. Usei uma da esquerda e de cima e um espelho de baixo e da direita que a refletia em oposição de 180º.

Propositadamente, deixei ficar algum pó na superfície metálica para ajudar a defini-la. O mesmo em relação aos reflexos que nela se vêem. Já o fundo deveria ter algo colorido para evidenciar a ausência de cor do metal.

Foi barato o objecto, considerando que usei mais de uma hora para o conhecer e mais de hora e meia para o fotografar.

Todos os prazeres fotográficos fossem assim.

Pentax K1 mkII, Tamron Adaptal2 90mm


By me