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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Há fé de quem sou

 


Ontem foi o dia mundial da fotografia.

Como entendo que se deve celebrar aquilo de que se gosta todos os dias e não apenas um por ano, aqui fica um relato de um episódio acontecido há mais de dez anos e em torno da minha câmara “À-lá-minuta” ou, como dizem no Brasil, “Lambe-lambe”:

 

Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.

Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja: as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

 

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.

A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.

Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo e anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!

Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.

Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.

E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

 

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…

Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!

E foi destruída!

 

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:

Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.

Porque, afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

 


By me

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Informação



 “Como Serge Daney gosta de dizer, “ficamos cegos diante da hipervisibilidade do mundo.” De tanto ver já não vemos nada: o excesso de visão conduz à cegueira por saturação. Essa mecânica contagia outras esferas da nossa experiência: se antigamente a censura era aplicada privando-nos de informação, hoje, ao contrário, consegue-se a desinformação imergindo em uma superabundância indiscriminada e indigerível de informação. Hoje, a informação cega o conhecimento.”

By Joan Fontcuberta, in “A Câmara de Pandora”


E eu acrescentaria:

O mesmo se pode dizer, sem sombra de dúvida, da fotografia.

De tanto vermos fotografias sofríveis ou medíocres, perde-se a noção do que é bom ou não, afinando os nossos padrões por baixo.

É aqui que livros, exposições e alguns sites, em que as escolhas podem ter duvidosa qualidade mas não costumam ser, servem para definirmos e aferirmos os padrões do que entendemos por bom e muito bom.

E por bom não entendamos apenas o clássico, as abordagens convencionais e os jogos de cor, luz e composição de acordo com as regras habituais.

A experimentação, o fazer diferente, o insólito abordar de algo que estamos fartos de ver mas que nunca imaginaríamos registado daquela forma, mesmo e principalmente que à margem do convencional, fazem parte do “bom” ou “muito bom” desde que falem connosco.

As mais das vezes, não é isto que encontramos nas redes sociais ou nas revistas massificadas de fotografia.

Vendo a quantidade quase que incontável de imagens fotográficas que são disponibilizadas todos os dias, quase que podemos ficar com a ideia que foram feitas por apenas um pequeno punhado de pessoas, de tão semelhantes e inócuas que são.


O ruído provocado pela superabundância de fotografias sofríveis, ou nem isso, impede-nos de ver ou reconhecer boas imagens.


By me

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Barreiras interiores



Costumo perguntar a formandos ou novatos qual a cor do prédio em frente ao seu. A resposta leva alguns segundos e, por vezes, não vem.
Não prestamos atenção ao que nos cerca no quotidiano, àquilo que temos por garantido, procurando longe o que temos por perto: pessoas, assuntos, luzes, eventos. Um pouco como os museus, que visitamos todos nas cidades onde vamos em turismo mas negligenciamos os da nossa própria cidade.
Desafiei em tempos um grupo de adolescentes a todos os dias, em saindo de casa a caminho da escola, fazerem uma fotografia da sua rua. A proposta sugeria durante quinze dias. Gostaram tanto do desafio que o mantiveram durante mais de dois meses e, de acordo com o professor que os acompanhava em fotografia, com resultados surpreendentes. Tanto a nível fotográfico como a nível de maturação pessoal.
A fotografia, bem mais que técnica, estética, método e afins, é um olhar sobre o que nos cerca através daquilo que somos. E, as mais das vezes, revela-nos bem mais sobre os nosso interior que sobre o mundo circundante.

By me

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Éticas e apropriações



Há coisa de dez anos, mais ou menos, aconteceu uma moda na web: o Planking.

A ideia era ser-se fotografado na pose que se vê na imagem, a solo ou em grupo. E quanto mais incomum ou arriscado fosse o local mais sucesso teria.

A ideia foi seguida maioritariamente por jovens um pouco por todo o mundo e, ao que sei, alguns mais arrojados tiveram um final infeliz.

Não sou jovem nem temerário. Mas entendi que como desafio fotográfico poderia ter graça. E alinhei com alguns exemplos.

Aquilo com que não contava foi o ter havido um conhecido e grande grupo de imprensa português que foi usar esta minha imagem sem uma palavra prévia. Ilustrando um artigo sobre os perigos dos peões nas auto-estradas.

Soube disso porque um colega me alertou e contactei de imediato o director da publicação a pedir explicações. Caramba! Não estava publicada numa rede social mas usada para ganhar dinheiro com o meu “trabalho” e à minha revelia. E trata-se de uma imagem de minha autoria mostrando a minha pessoa.

Houve que trocar alguns emails. Nunca me foi dito quem o teria feito, nunca me foram apresentadas desculpa nem proposto fosse o que fosse. Limitaram-se a retirar do site a fotografia e o texto.

 

Fica a história para os mais incautos.


By me

segunda-feira, 13 de julho de 2020

Até ao próximo episódio



D'arquivo

Até ao próximo episódio
Já o tenho dito vezes sem conta: cada fotografia tem uma história e uma estória.
E um bom fotógrafo consegue contá-las sem mais que com a fotografia.
Talvez porque não o seja eu, é frequênte as minhas fotografias ficarem aquém das estórias em torno delas.
E neste projecto, com durou mais de  três anos e com mais de mil e duzentas fotografias feitas, algumas estórias acabam por, no geral, repetirem-se. Com pequenas diferenças nas abordagens, nas poses e reacções ao que recebem, para já não falar na questão do preço, mais de metade das que faço em cada dia de jardim da Estrela acabam por ser rotineiras na sua variedade.
Algumas há, no entanto, que primam por serem diferentes de todas as outras. Quer seja por aquilo que se constata na fotografia, quer seja pelas conversas tidas antes ou depois dela, quer seja pela empatia criada entre os dois lados da caixa de madeira.
Esta fotografia é, certamente, merecedora de pertencer a um álbum de selecção porque consegue, creio eu, retratar com razoável fidelidade as estórias que a antecederam e sucederam, bem como as pontes que se criaram entre os quatro intervenientes: os retratados, o retratista e a maquina de retratos.
Foi um privilégio tê-la feito e, como me foi dito em contra-ponto ao meu costumeiro “Divirtam-se!”:
“Até ao próximo episódio!”

By me

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O altar



O mês de Junho é o mês dos santos populares.
Confesso que nunca percebi lá muito bem isso, porque me leva a concluir que todos os outros santos não são populares. E no entanto, atente-se, há mais santos no calendário que deputados no parlamento, o que é obra.
Em qualquer dos casos, e para não destoar da época, montei um altar ao santinho da minha devoção.

Só não está montado todo o ano porque, mais que adorar, prefiro praticar. Fotografia e tudo o mais na vida.

By me

terça-feira, 23 de junho de 2020

Fotografia ou retrato



Por vezes temos destas surpresas e curiosidades!
Veio parar-me às mãos um livro interessante, do ponto de vista histórico. Intitulado “Tirée par… A rainha D. Amélia e a fotografia”, é uma colectânea de fotografias da rainha e feitas pela rainha, no final do séc. XIX e inícios do séc. XX.
Fotografias formais, descontraídas, de cerimónias, de passeios, de visitas oficiais, no país e no estrangeiro… interessante.
A preciosidade, do meu ponto de vista, é esta fotografia da rainha.
Feita por Vidal & Fonseca, em Lisboa e algures entre 1890 e 1899, trata-se de uma fotografia de estúdio, como tantas outras.
A retratada de pé, provavelmente com algo atrás, ainda que oculto, onde se encostar para evitar imagens tremidas, uma luz suave, um fundo pintado e esfumado… uma fotografia normal para a época não fora o facto de a perspectiva ser demasiado baixa para a época.
Se observarmos bem, o eixo da objectiva encontra-se a, talvez, um metro do chão e não perto da altura do rosto ou olhos como era e é habitual.
Esta questão, que não é certamente uma limitação técnica, não é de somenos importância. Se atentarmos ao olhar da retratada, constatamos que ela olha para além a acima de nós (e da câmara) numa atitude de quem vê mais do que apenas o que a cerca. Quase como que se a câmara (ou o espectador) ali não estivesse.
É esta perspectiva contra-picada (de baixo para cima) que faz desta fotografia algo de especial, que transforma uma fotografia num retrato, que justifica o livro e que me fará ir em busca demais trabalhos do estúdio onde foi feita, para tentar saber se terá sido uma opção pontual neste trabalho ou uma abordagem usual dos seus fotógrafos.

Nesta pesquisa tenho para procurar, e para além da obra referida no livro, o arquivo fotográfico municipal de Lisboa, duas bibliotecas específicas na matéria, a minha própria biblioteca e algumas pessoas a quem farei algumas perguntas.

Mas não me peçam prazos, por favor.

By me

segunda-feira, 22 de junho de 2020

E na semiotica da imagem?



Alguém pensa nisso ou é só no resto?

By me

domingo, 21 de junho de 2020

Uma fotografia



Eu sei que muitos não pensarão assim. Mas se eu agisse em função do que os outros pensam, não seria eu: Seria qualquer outra pessoa.

Uma boa fotografia não tem que ser técnica e esteticamente correcta, e não tem que ser original ou seguir cânones clássicos.
Uma boa fotografia tem que me satisfazer enquanto autor. Tenho que olhar para o resultado final e saber que correspondeu ao que vi com os olhos da alma e ao que imaginei que ela viria a ser.
Se, por mero acaso, ela agradar e contar algo a quem mais a vir, tanto melhor. De algum modo ela cumpriu uma das finalidades da fotografia: comunicar.
Mas, acima de tudo, ela tem que me agradar, que a fotografia é uma forma de expressão.
Se esta fotografia me agrada? Se satisfaz aquilo que imaginei? Será problema meu, ainda que se o não fizer de algum modo não fará sentido exibi-la.
Se ela agrada a quem a vê? Claro que gostaria que sim, mas não é, de forma alguma, uma prioridade minha.



(Nota extra: esta imagem foi feita faz tempo, pensando no que acima está dito, depois de ler um artigo sobre iluminação para fotografia e considerando um projecto que tenho em mãos.)

By me

quinta-feira, 11 de junho de 2020

Fascina-me



Encontrei esta imagem na net e roubei-a. Fascina-me!
Esqueçamos a mensagem de per si, com toda a carga ético-moral positiva ou negativa que lhe está inerente.
Vejamos antes a forma como essa mensagem aqui está expressa.
A escolha da cor - qual, onde e como se manifesta, em contraste com a ausência de cor. Com tudo o que ambas a condições implicam em códigos e estereótipos.
Em seguida o anonimato do modelo. Que não importa quem faz o "serviço", desde que seja feito. O ser humano objecto e nunca fulanizado.
Some-se a displicente mão, tombada, abandonada quase, à espera do óbvio.
Por fim o cigarro. Longo e fino, quase de elite, e apagado. Que só se acenderá no depois.
Em complemento a tudo isto, as pernas como tela do texto, obrigando-nos a para elas olhar, queiramos ou não.
A cereja no topo do bolo é, apesar do tema promovido e de nele termos que pensar, nada há de pecaminoso ou obsceno naquilo que vemos.
Fascina-me, esta imagem.

By me

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Imagem



Os etimologistas perguntam-se porque é que o termo “leiche” acabou por assumir o significado de cadáver que é o sentido que a palavra tem hoje em Alemão. Também aqui a evolução semântica é, na verdade, perfeitamente compreensível: o cadáver é por excelência aquilo que tem a mesma figura. Isto é tão verdade que para os romanos o morto se identifica com a imagem, é a “imago” por excelência e, vice-versa, a “imago” é antes a imagem do morto (as “imagines” eram as mascaras de cera dos antepassados que os patrícios romanos guardavam nos átrios das suas casas). De acordo com um sistema de crenças que caracterizas os rituais fúnebres de muitos povos, o primeiro efeito da morte é o de transformar o morto num fantasma (a “larva” dos latinos, o “eidõlon” e o “phasma” dos gregos), ou seja, num ser vago e ameaçador que continua no mundo dos vivos e regressa aos lugares frequentados pelo defunto. O intuito dos ritos fúnebres é precisamente transformar este ser incómodo e ameaçador, que obsessivamente retorna, num antepassado, ou seja ainda numa imagem, mas benévola e separa do mundo dos vivos.
Ensaio by: Giorgio Agamben, in “Lighten up” by João Onofre
Imagem: by me

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Códigos



Neste mundo em que vivemos, as diferenças culturais são mais que muitas e bem evidentes: a língua, as danças, a gastronomia, os trajes, a mitologia…
Viajar de um ponto para outro distante pode ser pouco menos que um salto no escuro. A capacidade de comunicação fica reduzida a muito pouco, se não se dominar a língua, escrita ou falada. Sobram dois recursos, mais ou menos globais: o gesto e a imagem, desenhada ou não.
Esta é, sem sombra de dúvida, a parte da comunicação mais universal. Um cavalo é um cavalo, na Europa, Ameríndia ou Ásia. Com excepção de alguns pontos ainda não penetrados pela “civilização”, quem souber usar a imagem, sabe comunicar.

Mas os padrões não são iguais. Há algumas diferenças, ainda que subtis, dividindo o planeta em alguns grandes blocos. Quer tenha sido o desenho que influenciou a escrita (fonética ou ideográfica) ou vice-versa, a verdade é que a forma como a imagem se estrutura no espaço que ocupa varia.
Horizontal ou vertical, esquerda/direita ou ao contrário, a organização dos elementos pictóricos tem regras e significados diferentes.

A globalização (que não apenas económica mas, e principalmente, cultural) tende a padronizar estes aspectos, tal como outros. Mas a cultura não é algo que se imponha por decreto, como provou a falhada revolução cultural chinesa.
Se na fotografia, cinema e televisão, áreas que além de criativas são também bastante técnicas, no quotidiano, na vida diária de cada um, as coisas são um pouco diferentes.
A imagem acima é disso um exemplo. É uma nota Afgã, divulgada por cá através de um jornal.
Os códigos de escrita estão bem definidos. Escrita regional, para os locais entenderem, e caracteres mais ou menos universais para definir valor e origem. Até aqui pouco há de invulgar.

Mas observem-se os desenhos, os cavalos em particular. Correm da direita para a esquerda, num galope livre e intenso.
Uma leitura superficial pouco os dirá mas, a nós, ocidentais, mas não nos agradará. De acordo com os nossos padrões, correm “para trás”, uma atitude retrógrada. Poderíamos mesmo dizer que estão a fugir de algo. Mas para os Afgãos, onde a escrita e a leitura se fazem da direita para a esquerda, este é o sentido da liberdade, do progresso, do futuro.
Esta imagem será, eventualmente, evocativa de um qualquer momento histórico local, que dificilmente será o de uma derrota militar. A interpretação dos utilizadores desta nota será a de confiança e de confiança naquilo que o dinheiro significa.

Para aqueles que como eu vivem e dependem da imagem, esta questão de orientar os elementos que a constituem para um lado ou para o outro é banal. Fazemos isso quase que por instinto, usando-o como uma ferramenta de base.

Mas convém sempre lembrarmo-nos que os nossos códigos não são universais e que a nossa comunicação depende da nossa capacidade em usar uma linguagem conhecida e familiar do destinatário.

By me

domingo, 24 de maio de 2020

Imago



Para quem não saiba, esta é a imago (ou a representação tri-dimensional) do rosto de Pancho Villas.
Foi feita a partir de uma máscara moldada na face do defunto, seguindo métodos bem antigos.
Tão antigos quanto os usados na Roma antiga, em que estas imagos eram colocadas em local de destaque na habitação senhorial, reverenciando os antepassados.
Saiba-se que o nosso termo "imagem" provem do milenar "imago".

Por outras palavras: as imagens, mesmo as fotográficas, mais não são que o perpetuar ou reverenciar o passado.

Imagem palmada da net

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Sem importância



Esta é uma fotografia sem importância alguma.
Apenas uma parede, que me bloqueia o caminho, e uma janela, que não me deixa ver para além mas tão só o reflexo do que está atrás e acima de mim.
Não importa rigorosamente para nada!
Talvez que seja um aviso para que pare e pense no que foi.
Ou um incentivo para que siga e derrube o que se me atravesse na frente.
Ou apenas um relembrar que as imagens que vemos não são realidade mas antes uma ilusão daquilo que pensamos que existe.
Ou talvez, nada de pensamentos profundos, muito simplesmente que o meu olhar parou e fez-me parar, em trânsito para o trabalho, e que o meu vício de usar a câmara me obrigou a usá-la.
Como disse antes, não tem importância alguma esta fotografia.

By me

Pudor



É uma palavra que todos conhecem mas da qual raramente nos lembramos. Um destes dias ouvi-a num contexto curioso e fiquei com ela na cabeça.
Era a palavra que me faltava e que melhor descreve alguns dos meus sentimentos.
Tenho pudor em fazer certas fotografias.
Há mais de 40 anos que faço televisão. Comecei ainda no tempo do preto e branco e da aventura do inicio da cor. Cem por cento, menos umas milésimas de unidade, das imagens por mim captadas, registadas e transmitidas foram de seres humanos.
No estúdio e no exterior, dentro e fora do país, anónimos ilustres e ignóbeis figuras públicas, ou qualquer outra combinação, como entenderem.

Em todas elas, de uma forma mais ou menos explícita, existiu uma cumplicidade no fazer dessas imagens. A câmara estava lá, bem visível, e o cidadão sabe que eu estou lá, o que estou a fazer e para quê. Uns exibem-se e quase que pagam para constar no registo ou transmissão, outros são apanhados ao correr da objectiva, mas nada há de sub-reptício.
Além do mais, mercenário que sou da imagem televisiva, não me sinto eu, enquanto indivíduo, a fazer aquelas imagens. Faço parte de uma equipa, de uma organização. A minha co-responsabilidade na captação e utilização das imagens que faço é limitada. Ainda assim, alguns escrúpulos que tenho tido ao longo dos tempos, têm-me trazido alguns amargos de boca.
Já enquanto fotógrafo a minha atitude tem sido diferente.
Raramente fotografo pessoas desconhecidas ou anónimas. Pelo menos ao ponto de estarem em evidencia no enquadramento ou de serem reconhecíveis.
Os trabalhos que tenho feito a pedido (não gosto do termo profissional) têm sido na área do teatro, da publicidade e da arquitectura, passando ao de leve pela reportagem.
Nestas circunstâncias, as figuras fotografadas fazem parte do evento e querem “ficar no boneco”.
Mas, sendo o Homem aquilo que quero retratar nas minhas imagens pessoais - aquelas que faço para minha satisfação exclusiva -, procuro fazê-lo sem que conste explicitamente delas.
Aquelas imagens de instantâneo – uma expressão, um gesto, um evento – que poderia fazer para meu prazer e deleite, não as faço. Tenho pudor!
Com conhecidos, próximos ou não tanto, sou mais atrevido. A cumplicidade existe, as pessoas em causa sabem o que sou e o que faço e, se bem que possam não “se fazerem à fotografia”, sabem que ela pode acontecer e comportam-se mais ou menos em conformidade.
Agora os estranhos, aqueles que apenas me conhecem de vista ou nem isso, vivem a sua vida ignorantes da possibilidade de eu os poder fotografar. São o que são, sem reservas, acanhamentos ou exibicionismos, alegres, tímidos, carinhosos ou bem pelo contrário, inconscientes que um gesto, uma expressão pode ficar registada para todo o sempre.
Da mesma forma que não espreito ou fotografo para dentro de janelas alheias, também tenho pudor em o fazer quando estão da parte de fora delas.
Esta minha atitude e sentimentos é tanto mais forte quanto mais “frágil” é a pessoa ou situação em causa. As misérias, materiais ou outras, tantas vezes vistas em espaços públicos, estão ali porque não podem estar em qualquer outro local privado.
Os pedintes, vagabundos, sem abrigo, catadores de lixo, para não citar todos, são-no, estão-no e fazem-no não por vontade própria mas como último recurso, muitas vezes já sem pudor algum porque não se podem dar a esse luxo. A seguir a este degrau…
Se eu soubesse, com certezas ou alto grau de probabilidade, que o eu fazer estas imagens iria de alguma forma melhorar-lhes a vida – na auto-estima, na fome, na saúde ou no conforto – esta minha invasão das suas intimidades públicas poderia fazer algum sentido.
Mas eu sei que do meu acto de fotografar nada de diferente lhes acontecerá. Apenas ficarei com mais um troféu de caça na minha galeria que, eventualmente, exibirei dizendo: “Vejam o que eu vi, sintam o que eu senti!”
Poderão dizer os fotojornalistas: “Mas uma das missões nobres do nosso ofício é denunciar as misérias do mundo e tentar com isso melhora-lo!”
É verdade que sim! Tal como eu o faço com a minha câmara de vídeo, que é o meu ofício.
Mas as minhas fotografias não se destinam a nenhuma publicação, de pequena ou grande tiragem. Faço-as porque me dá prazer fazê-las e, raramente, exibi-las, se as entendo como capazes e se me apetecer.
Se, de alguma forma, as imagens que faço e exibo podem melhorar o mundo, não sei, ainda que o tente. Mas prefiro fazê-lo mostrando os objectos, a luz, as atmosferas, as consequências e as causas e não as pessoas em si mesmas, não violando a sua privacidade pública.
Há uma palavra que define o que sinto e que me inibe de fotografar amiúde desconhecidos:

Pudor!

By me

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Ponto quarenta e dois



Ainda não há muito tempo um amigo mostrou-me um link com cem dicas de um fotógrafo profissional.
Foi interessante de ler. A maioria conhecia, concordando com quase todas. Algumas desconhecia por completo e aprendi qualquer coisa ou, pelo menos, fiquei a pensar no assunto. Algumas discordo em absoluto.
Aquela que condeno veementemente recomenda: “Encontre o seu próprio estilo e mantenha-se nele”.
Talvez que seja uma boa sugestão para quem queira entrar no ofício, lutando com tanta concorrência. Ter um estilo próprio e aperfeiçoado é uma mais-valia no mercado. Mas é tão redutor!
Com o passar dos tempos, mais ou menos dependendo das pessoas, aquilo de que se gosta transforma-se em rotina e o prazer da criação transforma-se em obrigação, quiçá enfadonha.
Para quem queira vencer no mundo da fotografia pode ser um bom conselho. Para quem queira fazer da fotografia uma forma de expressão, tente tudo, por favor.
Procure o que não sabe fazer e aprenda. Procure usar as técnicas e estilos que encontra nos outros e decida depois se lhe convêm, se se sente satisfeito com aquela abordagem ou se prefere deixá-la de parte. Experimente! Tente e erre! Diga “não é isto que eu quero” só depois de o fazer! E, quando sentir que está a fazer qualquer coisa parecida com o que já fez e que não lhe está a dar a satisfação que espera, parta para outro caminho.
Que, se definir um estilo e se mantiver nele, em breve mais não será que um plagiador de si mesmo!
A menos que seja um génio, claro.

By me

terça-feira, 19 de maio de 2020

Óbvio



“Isto é óbvio!”, disse uma amiga licenciada em comunicação social, ainda que não a exercer, a quem dei a ler este pedacinho como aperitivo de uma proposta de leitura.
“Certo!”, respondi-lhe. “Mas quem vê o óbvio? Quem pára para pensar nele e agir em conformidade? Tantos quantos os que param para ver a sombra na fachada aqui em frente, todos os fins de dia.”
Antes que o coloque numa das prateleiras dos que sei que irei voltar a ler, aqui vos deixo um nico do “Olhando o sofrimento dos outros”, de Susan Sontag:



“As fotografias objectivam: transformam um acontecimento ou uma pessoa em algo que pode ser possuído. E as fotografias são uma espécie de alquimia, por mais que sejam consideradas como um relato transparente da realidade.”

By me

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Desafio




Esta fotografia (e trata-se de uma fotografia e não de uma foto-montagem) tem um erro grave.
Foi ao olhar para o arquivo, já com uns anos, que dei pela coisa, que dela não me apercebi quando a fiz.
Fica o desafio: Qual o erro?


By me
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Aos que pararam para pensar, mesmo que não se pronunciassem:
O erro está, efectivamente, no facto de a luz do amolador ter origem no lado direito e a luz da flauta de pan ter origem no lado esquerdo.
Chamar-lhe um “erro” será talvez demasiado. Melhor seria chamar-lhe “falta de racord”.
E se é verdade que em matéria de criatividade quase tudo é admissível, também é verdade que os “erros” ou as “faltas de racord” têm que fazer sentido ou ter um motivo. Não foi o caso.
Em olhando para esta imagem, o “erro” incomoda-me ou prende-me a atenção. E não lhe encontro razão para as duas origens de luz. Nem objectiva nem subjectiva.
Por isso é um erro.
Mea culpa.

domingo, 17 de maio de 2020

Emoções



Uma sombra não tem emoções.
Existe apenas e na exacta medida da superfície onde se projecta, do objecto que se interpõe no caminho da luz e do tamanho da fonte que a provoca.
Uma sombra não tem emoções.
Será mais dura ou mais suave, mais incómoda ou mais simpática, mais longa ou mais curta. Até cobrir o mundo.
Mas uma sombra não tem emoções.
Uma sombra relata, com rigor geométrico, as posições relativas do plano de projecção, do objecto e da luz. Evidencia texturas e volumes, contrasta superfícies, simula tamanhos. Até opacidades.
Mas uma sombra não tem emoções.
Movimenta-se com o movimento do sol, do chão, do vento. Refresca ou atrapalha. Pode, até, criar sonhos.
Mas uma sombra não tem emoções.

E se eu, que trabalho com luzes e sombras, que trabalho as luzes e as sombras, as matizes, as nuances, não tiver emoções, mesmo perante uma sombra, serei eu mesmo uma sombra e não um ser vivo, que gosta e desgosta, que é a favor ou contra, que ama ou odeia, e que usa a sombra (que não tem emoções) para provocar emoções.
Fotografar é reagir emocionalmente a sombras (que não têm emoções).
Fotografar é usar as sombras (que não têm emoções) para provocar emoções.
Uma sombra não tem emoções! Um fotógrafo tem!

Se um fotógrafo não tiver emoções perante uma sombra (que não tem emoções), será ele mesmo uma sombra de um fotógrafo!

By me

Modas




A necessidade de se ser original, de ser diferente, de marcar uma posição no grupo em que se insere e nos grupos limítrofes é tão grande…
Veja-se como em pouco meses surgiu uma variedade enorme de máscaras, com padrões de tecido “à-lá-carte”.
Em compensação, não creio que se tenham desenvolvido os padrões estéticos das maquiagens dos olhos, a única coisa do rosto que passou a ser visível.
Em boa verdade, nos países islâmicos que defendem ou impõem o véu às mulheres a forma de arranjar os olhos (forma e cor) é já uma arte, algures entre a afirmação social e a sedução.
Bem tenho eu feito (creio) ao longo dos anos, em registar apenas olhos, mesmo sem máscaras ou véus.

Imagem de arquivo
By me