Ontem foi o dia mundial
da fotografia.
Como entendo que se deve
celebrar aquilo de que se gosta todos os dias e não apenas um por ano, aqui
fica um relato de um episódio acontecido há mais de dez anos e em torno da
minha câmara “À-lá-minuta” ou, como dizem no Brasil, “Lambe-lambe”:
Negra! Daquele tom
africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha
falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o
reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente
bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja: as mãos, metade dos pés
e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco
da sua fé ou crença.
Quando passou para cima,
acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda
absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à
distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e
gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por
ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar,
ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma
fotografia.
Enquanto a impressão
acontecia, fui inquirindo e anotando as respostas, como de costume. E foi aí
que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora
entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos
ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a
ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião
que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas
pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em
chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal
sucederia pela certa.
E tantas vezes o
assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena
mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita
entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui
estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em
filosofia.
Em chegando a casa e em
tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça
ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem
mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria
consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba
que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!
E se a retratada, cujo
nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que
esteja descansada:
Daquela fotografia, feita
numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro
registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque, afinal, seja qual
for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a
todas!